Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:521/11.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FATURAÇÃO FALSA
ÓNUS DA PROVA
INDÍCIOS/MATERIALIDADE
MEIOS DE PAGAMENTO
Sumário:I - No domínio da faturação falsa, compete à AT demonstrar que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas.
II - Não é exigível que a AT efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo esse ónus e ilidindo a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir a este o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora.
III - Não sendo controvertido que foram emitidos cheques nominativos pela Recorrida à ordem dos visados fornecedores, materializado o correspondente pagamento, emitidas as respetivas notas de pagamento, cujos fluxos de saída se encontram registados nos correspondentes extratos bancários, então para legitimar a insusceptibilidade de dedução dos custos, a AT teria de ter ido mais longe, não sendo suficiente bastar-se em elementos (indícios externos), tendo, necessariamente, de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


O…, SA (doravante O… ou Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de Juros Compensatórios (JC), do exercício de 2006, no montante global de €19.100,50.

A Recorrente formulou as conclusões que infra se descrevem:

A) - A questão apreciada na douta sentença é a da legalidade da liquidação adicional de IRC de 2006, tendo sido julgado pelo douto Tribunal “a quo” que são legais e fundamentadas as correções efetuadas pela AT, que desconsideraram os custos contabilizados pela impugnante, relativamente aos trabalhos efetuados e faturados pela sociedade “V…, Lda.”.

B) - A Recorrente discorda do Tribunal “a quo” e entende que este efetuou um errado e incorreto julgamento da matéria de facto.

C) - De facto, atenta a prova efetuada deve ser dada como provada a materialidade das operações subjacentes (prestação de serviços pela sociedade “V…, Lda.”), e, consequentemente aceites os respetivos custos contabilizados pela recorrente no exercício de 2006.

D) - De facto, a conclusão a que chegou a douta decisão recorrida, quanto ao facto dado como não provado, encontra-se em contradição com o teor dos documentos a fls. 5 e 6 do PAT e documento 3 junto à p.i. e com o depoimento da testemunha inquirida, bem como contraria as regras de experiência comum.

E) - Ficou demonstrado nos autos a materialidade das operações faturadas pela sociedade “V…, Lda.”, desde logo, porque os trabalhos foram previamente orçamentados, conforme documento 3 junto à p.i..

F) – Para a douta sentença recorrida o orçamento não permite concretizar os trabalhos descritos nas faturas, por não especificar as quantidades aplicadas em obra, nem discriminar os valores referentes a mão-de-obra, porém, a falta de tais elementos não é motivo para afastar a relevância probatória do documento, isto porque, se trata de um orçamento de obra, e que evidencia que foi pedido pela recorrente e emitido pelo fornecedor um documento prévio à realização dos trabalhos.

G) - Por outro lado, resulta das regras da experiência comum que nem sempre os orçamentos especificam ao pormenor quantidades e discriminação de rubricas, apresentando um preço global pelo serviço a prestar, ademais, o orçamento não poderia descrever as quantidades efetivas aplicadas em obra, uma vez que configura uma previsão do custo de um serviço ou fornecimento de bens.

H) - Discorda-se também da douta sentença recorrida, na parte em que entendeu que a prova testemunhal foi inconclusiva para complementar o descritivo das faturas.

I) - Ora, resulta das regras de experiência comum que tendo sido efetuada a inquirição dez anos depois dos factos terem ocorrido, não é de esperar que a testemunha consiga concretizar, de memória, quantas caixas de visita e quantos metros de lancil foram assentados, e quantas horas foram necessárias para efetuar os trabalhos.

J) – Assume especial relevância o depoimento da testemunha J…, que mostrou conhecimento pessoal e direto dos factos pois trata- se do responsável por uma subempreitada do Hospital do Espírito Santo em Benfica ou Hospital da Luz.

K) – De facto, a testemunha que a instância da Meritíssima Juiz “a quo”, aos minutos 00:01:32, inquirida se conhece a firma “V…”, respondeu o seguinte: “Eu na altura estava a lá a fazer esta obra no Hospital da Luz, pedi-lhe [à O…] umas equipas de pessoal para me ajudar na regularização, no assentamento de lancis e de umas caixas” (...) “E ele [referindo-se ao sr. F… gerente da recorrente] disse: “Eh pá, eu vou-te arranjar uma equipa”. O que já tem feito habitualmente com outras, tipo… outras vezes… quando lhe pedia”. “E a equipa que apareceu foi o titular da… da V… … o pessoal da V….”.

L) - E concretizando, ao minuto 00:02:50, disse: “Andaram… eram uma equipa de… ora quatro, ora cinco… seis elementos, que andaram lá durante três meses e tal no apoio da nossa… à nossa obra.”

M) - E instado sobre como saberia afirmar se se tratava efetivamente de pessoal da V…, Lda., disse: “Ouvi… ouvi eles dizerem que era V… e mais nada, confirmaram que eles se intitularam como isso, sim. E aqui da parte aqui da O…, do F…, como dizia, que era pessoal da V….”.

N) - Explicou ainda a testemunha que a confirmação dos trabalhadores no local da obra, seja no caso concreto, seja de forma geral com os demais trabalhadores em obra, não era feita através da consulta de documentos: (minuto 00:04:05) “Não, não… não lhe pedi [documentos], na altura não era habitual a gente pedir a… Hoje é diferente, hoje a gente, quando o subempreiteiro entra em obra, primeiro do que tudo entram os papéis, entra a documentação, a declaração em como está tudo legal, como não deve nada à Segurança Social… e eh pá, portanto, tudo o que é habitual. Nessa altura ainda se facilitava.”

O) - Mais adiante na inquirição, a testemunha disse ainda que: (minuto 00:11:29) “Depois de ele [referindo-se ao sr. F… gerente da recorrente] dizer que arranjava a equipa, ele disse-me: “Vou mandar pessoal da V…. Foi só isso. Agora… pronto, eu não… não lhe pedi mais nada, mais justificação nenhuma, nem se era, nem se não era. Isso é verdade.”

P) Sobre os trabalhos efetuados, e tendo em conta o lapso de tempo decorrido desde os factos, a testemunha conseguiu concretizar os trabalhos realizados pela equipa de trabalhadores da V… e C… (minuto 00:05:55 e seguintes): “…Foi essas três atividades em concreto que (...) a execução de caixas, assentamentos de lancil e… e regularização de… de base… aquilo era uma obra em que as máquinas não… não… tinham muito ..., não podiam fazer e tinha que haver muito trabalho de mão-de- obra a regularizar. Ou seja, a preparação para assentar depois a calçada. Regularização de tout venant propriamente dito.”, “ (…) eu não tenho agora aqui memória de cabeça, agora, sei que… que eram caixas… a gente tinha umas trinta ou quarenta, se calhar nem as fizeram todas, eles, como também tinha pessoal meu a fazer, não estou agora a ver o que é que eles fizeram. O auto era feito com o meu engenheiro… eh pá, o lancil, nós tínhamos lá uns… alguns quatro mil metros a fazer na obra, também sei que não foi a equipa dele que fez toda, que o meu pessoal também fez algum”, “Porque não tinha capacidade, na altura, de a minha equipa, de fazer e de cumprir os prazos adequados que a gente tinha.”

Q) - É também relevante mencionar o seguinte excerto do depoimento: (minuto 00:15:06): “J…: [A O…] Era fornecedor à M…, desde o início da obra, dos pré-fabricados, sempre foi. Até que chegou uma altura que eu lhe pedi também uma equipa para o fornecimento… para o assentamento e regularização de assentamento de calçada.

Meritíssima Juiz: Mas quando… quando… quando a O… era… era fornecedora, faturava diretamente a si?

J…: “Pronto, exatamente. O material, sempre foi assim. Sai com guia de remessa, é acompanhado, é faturado, exatamente.

Meritíssima Juiz: E diga-me uma coisa, disse-me que a V… foi só mão-de-obra?

J…: Só. Mão-de-obra e fazia também… houve lá umas juntas e cimento de caixas e quê, eles forneciam também essa… essa… umas argamassas, pronto, umas caixas.

Que eram independentes, tinham uma betoneirazinha pequena, traziam e tal e… e faziam essa…para estarem independentes de… para dizer que não estavam à espera de a gente lhes fornecer o material para esse tipo de trabalho, prefiro que eles sejam independentes e se tinham essa… tirando uns sacos de cimento e umas… e umas argamassas finas que eles…”

R) - A testemunha concretizou, também, a razão de ser do subcontrato de outra empresa: (minutos 00:09:25 e seguintes): “Nestas atividades costumo consultar a O…. Além… além de fornecedor dos materiais, eh pá, como tem… eu sei que ele tem uma relação de conhecimento de pessoas que fazem o assentamento do mesmo material e às vezes, por uma questão de… eh pá, quando… algum daquele contrato mais habitual, não está… não está disponível ou quê, eu pergunto: “Eh pá, tens alguma na tua disponibilidade, que esteja disponível de imediato, ou isto ou aquilo?” Porque quando recorro a ele, normalmente é para amanhã… é um pouco isso.

Advogada da Impugnante: Essa equipa era de trabalhadores da O… ou era …? J… : Não, não era da O….

Meritíssima Juiz: Mas diga-me só uma coisa, mas a O… também tem funcionários?

J…: Tem funcionários.

Meritíssima Juiz: Então e porque é que não… nesse caso, não mandou os funcionários dele?

Não sabe?

J…: Nem deve… nem devem ter… nem devem ter… nem são especialistas neste tipo de material, neste tipo de trabalho. O pessoal da O… são indivíduos que estão habituados a trabalhar em máquinas na fabricação do material. Pelo que eu conheço deles…

Advogada da Impugnante: Quando precisa então de uma equipa recorre aqui ao Sr. F… porque ele também tem conhecimento de outras empresas que estão disponíveis para trabalhar, é por isso?

J…: É, (…) o fornecimento e assentamento… ele não faz o assentamento, mas arranja a equipa dele. (...) Fornece o material… depois arranja uma equipa à parte para fazer os assentamentos. Que foi o caso.”

S) - Ora, dos excertos do testemunho transcrito, extrai-se que era usual a Recorrente fornecer artefactos em cimento para obras, mas não possuir funcionários ou equipas de trabalho próprias para fazer o seu assentamento em obra, ou dito de outro modo, a recorrente comercializa, entre outros, caixas de visita e lancis e subcontratar equipas de mão de obra para executar as obras, por não ter funcionários especializados.

T) - Situação habitual que não foi diferente na concreta obra em causa, em que foram contratados serviços de mão de obra à sociedade “V…”, para executar as obras de assentamento de caixas de visita e lancis.

U) - Pelo que, da prova produzida não poderia a douta sentença recorrida ter apenas dado valor ao RIT e dizer que a prova testemunhal está em contradição com o que vem dito neste.

V) - Ora, não se pode acompanhar a conclusão da douta sentença recorrida (segundo paragrafo a fl. 11 da sentença), pois de facto, no RIT não se diz que a recorrente exerce(u) efetivamente a atividade de assentamento de lancis e colocação de caixas, apenas de diz que a recorrente comercializa artefactos com diversificadas aplicações, e nalguns casos com assentamento, mas não refere que é a recorrente a efetuar, ela própria, esse serviço.

W) - Pelo que, o facto dado como provado em A. do probatório, não contraria a prova testemunhal, cuja testemunha ouvida depôs com clareza e precisão sobre a forma de atuar da recorrente, quando, para além dos materiais para a obra, lhe era solicitado o serviço de assentamento, sendo comum e usual que o gerente da O… contratasse equipas para fazer esse tipo de trabalhos.

X) - O que, efetivamente, ocorreu com a obra do Hospital da Luz, pelo que, também no caso concreto ficou provado que a recorrente recorreu a serviços de terceiro para efetuar os serviços de mão-de-obra de assentamento de caixas de visita e lancis.

Y) - Serviços de terceiro que foram sempre confirmados pela testemunha ouvida, a qual não teve dúvidas em confirmar a identidade da firma da sociedade que se fez representar na obra com trabalhadores, que identificou como sendo "V…”.

Z) - Nem se diga que tal testemunho não é de valorar porquanto a testemunha não confirmou documentalmente a identidade dos trabalhadores, pois, como foi dito na inquirição, há dez anos atrás não era prática laborar efetuar esse tipo de escrutínio em obra.

AA) - Assim, do exposto conclui-se que, face à prova produzida, e deve ser dado como facto provado que:

-A sociedade “V…, Lda.” efetuou os trabalhos mencionados nas faturas referidas nas alíneas C. e D. do probatório.

BB) - O facto supra resulta provado, no entender da recorrente, pelo depoimento da testemunha ouvida, cujos excertos mais relevantes se transcreveram supra, bem como do orçamento previamente apresentado (documento n.º 3 da p.i.).

CC) - Entendimento que também foi o entendimento da DMMP que no seu douto parecer diz o seguinte: “Consideramos que no caso em apreço a impugnante logrou provar a existência das operações tituladas pelas facturas em causa (atendendo nomeadamente aos orçamentos juntos, facturas, cópias de cheques utilizados como meio de pagamento e prova testemunhal), pelo que deverão ser anuladas as liquidações em causa (...)”.

DD) – Acresce que a recorrente desconhece, como desconhecia na data em que contratou os serviços da sociedade “V…” a situação fiscal desta, sem, contudo, ter obrigação de a conhecer, porque, perante a recorrente, os indícios apontados pela AT no RIT nunca foram dados a conhecer pelo próprio fornecedor ou por terceiros, nem pela própria AT.

EE) - Indícios de irregularidade que tão pouco eram aparentes ou visíveis ou cognoscíveis pela recorrente, tanto mais que foi prestado o serviço contratado, foram emitidas as faturas e os competentes recibos, após pagamento.

FF) - Ora, estando o referido prestador de serviços em falta com as suas declarações fiscais, é natural e óbvio que resultem divergências nos Anexos P e O da declaração anual, dada a situação de não declarante da sociedade “V…”, como vem afirmado no RIT, porém, a ora recorrente não pode ser prejudicada, por cumprir as suas obrigações fiscais, e serem desconsiderados como custos (em sede de IRC) os montantes pagos de serviços prestados, efetivamente adquiridos, a um sujeito passivo que se encontrava em situação fiscal irregular, da qual a recorrente era desconhecedora e não tinha a obrigação legal de conhecer.

GG) - Deste modo, o comportamento fiscal dos seus fornecedores não pode afastar o direito à dedução dos respetivos custos, relacionados com as identificadas faturas.

HH) – Aliás, em consonância com a posição assumida pelo TJUE, para efeitos de aceitação de custos não podem ser exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, como seja a situação fiscal do fornecedor e se este tem ou não estrutura empresarial.

II) - Pelo exposto, comprovando-se que a materialidade e a efetividade das operações entre o fornecedor “V…” e a recorrente, conclui-se ser ilegal a liquidação objeto de apreciação, o que significa que a douta decisão recorrida não poderá manter-se.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se integralmente a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do exercício de 2006.”


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A Recorrida DRFP optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA e emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A. A Impugnante, “O…, S.A.”, exerce a actividade de fabricação e posterior comercialização, nalguns casos com assentamento, aplicação de artefactos de cimento, por si fabricados, de diversas dimensões e de diversos modelos padronizados, destinados à construção civil, de entre os quais se destacam: manilhas com uma infinita aplicabilidade, desde aplicação como cisternas, saneamento, e, demais diversificadas utilizações; caixas de ligação, denominadas comercialmente por “caixas de visita”, lancil, etc.. (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 2 a 14 do PAT apenso, que se dá por reproduzido);

B. A coberto das ordens de serviço nºs. OI2010…… e 201……., a Impugnante foi alvo, por parte dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças (DF) de Leiria, de uma acção de inspecção externa, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, aos exercícios de 2006 e 2007 (cfr. relatório de inspecção tributária (RIT), a fls. 2 a 14 do PAT apenso, que se dá por reproduzido);

C. No exercício de 2006, a Impugnante registou na sua contabilidade a factura n.º 35…, emitida pela sociedade “V…, Lda.”, a 03.05.2006, no valor de € 35.000,00, acrescido de IVA, no valor de € 7.350,00, com a descrição “Trabalho realizado durante o mês de Maio na obra do Hospital Espírito Santo Benfica exc. Caixa visita assentamento lancil mão de obra e material” – cfr. factura a fls. 5 do PAT apenso;

D. No mesmo exercício, a Impugnante registou na sua contabilidade a factura n.º 36…, emitida pela sociedade referida na alínea antecedente, a 30.06.2006, no valor de € 26.000,00, acrescido de IVA, no valor de € 5.460,00, com a descrição “Trabalho realizado durante o mês de Junho na obra do Hospital Espírito Santo Benfica exc. Caixa (…) assentamento lancil mão de obra e material” – cfr. factura a fls. 6 do PAT apenso;

E. Em 16.11.2010, foi elaborado o relatório final de inspecção, do qual se destaca, na parte relevante, o seguinte:

“(…) 4. Conclusão.
Examinando a contabilização das referidas facturas verifica-se que a "O…" deduziu o IVA liquidado nas mesmas:
Em 2006 dedução de IVA no montante de global de 12 810,00€, do qual 7 350,00€ deduzido no mês de Maio.2006 IVA da Fact. 035…, e, 5 460,00€ em Junho.2006, IVA da Fact. 036…;
Em 2007 dedução de IVA no valor de 8.394,75€, IVA da Fact. 04….
Tendo em atenção ao disposto no art. 19°. CIVA, em que define a condição formal do direito à dedução de IVA, a qual encontra-se subordinada à realização de um certo número de condições formais e que dizem respeito essencialmente aos documentos justificativos do imposto suportado. Dita o disposto no nº, 2 do citado artigo, o qual transcrevemos “Só confere o direito à dedução do imposto mencionado ..... , alin. a) Em facturas e documentos passados na forma legal”.
Por sua vez, conjugado com o disposto no nº. 5 do art. 36°. CIVA, que nos define que "As facturas ou documentos equivalentes devem .... conter os seguintes elementos:…”; “alin. b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados ...”, isto é, devem identificar correctamente os bens vendidos e, ou os serviços prestados.
E, ainda o disposto no nº. 1 do art. 20°. delimita a dedução “Só pode deduzir-se o imposto sobre bens ou serviços adquiridos, importados, ou utilizados pelo sujeito passivo ...”
Perante a omissão de tais elementos nas facturas em causa, nomeadamente na:
Fact.s.: N°. 03…, e, na Fact. N°. 03…: a não discriminação de valores de mão-de-obra e de material; a não quantificação do: nº. de “caixas de visitas” fornecidas? assentes?; n° “metros”, e, ou outra quantificação do “assentamento de lancil”;
Fact. N°. 04…, a não: identificação; localização da “construção de um muro de beta armado”.
Notificamos a "O…", a 04.0ut.2010 para no prazo de 10 dias, apresentar de Orçamentos, Contratos de Adjudicação, Autos de Medição, etc, etc, etc", 1°. ponto da notificação, "Relativamente à Fact. Nº. 035… de 31/05/2006; Fact. N°. 036… de 30/06/2006; Fact. N°. 041… de 31/01/2007 emitidas pela entidade "V…l, Ldª. com o NIPC 505……..
• Anexo 7 - Notificação de 04.0ut.2010
Em resposta à notificação, veio a "O…", por de via postal, Registo de Entrada nesta DF, N°. 25…. de 18.10.10, remeter alguns dos elementos solicitados. Contudo, destes não fazem parte, qualquer documento dos solicitados no citado, ponto 1, da notificação, nomeadamente os "Orçamentos, Contratos de Adjudicação, Autos de Medição" das Facturas N°. 03…,03… e 04… emitidas pela "V…".
• Anexo 8 - Carta da "O…", Reg. Entrada 25…. de 18.10.10.
Conjugados aqueles factos, com as conclusões obtidas pela DSIFAE, a final do acto inspectivo efectuado à “V…”, emitente destas facturas, em que concluem, e, nos transmitem, Oficio nº. 18… de 2010.09.09, que a "V…" " ... não exerce " nem há intenção de a continuar a exercer, e não possui uma estrutura empresarial adequada ao exercício dessa mesma actividade. "
Então; em face do explanado ao longo do presente capitulo, constatamos que em sede de:
(…)
4.2. IRC.
Face ao atrás mencionado, inexistência da forma legal dos documentos, associado às conclusões da DSIFAE, a final do acto inspectivo efectuado à "V…", em que se verifica: "o não exercício de actividade; nem há intenção de a continuar a exercer, e, ainda de não possuir uma estrutura empresarial adequada ao exercício dessa mesma
actividade. " Estamos perante a inexistência do elemento preponderante "Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente ... " para aceitar como custos, cfr. redacção do nº. 1 do art. 23°. CIRC, os contabilizados como tais, os valores líquidos das facturas em causa.
Então, ao abrigo nº. 10°. art. 83°., e, nº. 1 art. 91°., ClRC, propomos liquidação adicional, no
Exercício de 2006.
35 000,00€ valor liquido da Fact. N°. 03…, emitida a 31.05.2006
26 000,00€ valor liquido da Fact. N°. 03…, emitida a 30.06.2006.
61 000,00€ valor contabilizado como custo numa sub conta de compras 31.6 ....
Acrescendo este valor ao da Matéria Colectável declarada 9 277,94€, resulta numa Matéria colectável "corrigida" de 70 277,94€.
Exercicio de 2007.
Já que no se refere ao valor liquido de 39 975,00€, da Fact. N°.041… emitida a 31.01.2007, foi contabilizado a "débito" duma sub conta da classe de Imobilizado em "Curso" 44.1, não afectou os custos deste exercício, o de 2007.
Assim, em sede de IRC, e, relativamente a este exercício de 2007, não se propõe qualquer alteração à Matéria Colectável declarada.
(…)
IX. Direito de Audição - Fundamentação
(…)
O sujeito passivo vem argumentar que não tem orçamentos nem é obrigado a ter por inexistência de normas legais que a isso obrigue.
Relativamente a este facto, ao notificar-se o S.P. para eventualmente exibir Orçamentos, os Serviços de Inspecção Tributária não tinham, e não pretendiam penalizar o contribuinte pelo facto de os não ter ou não apresentar orçamentos. O objectivo seria verificar se, a existirem, continham a descrição, quantificação e especificação dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, colmatando dessa forma as insuficiências das referidas facturas.
Por outro lado, quanto aos outros fundamentos apresentados pelo S. P. referimos que não está em causa a operação da liquidação do IVA a jusante, mas sim o facto legal ou não, consubstanciado na dedução do IVA suportado a montante.
Por sua vez, em situação alguma os Serviços de Inspecção Tributária puseram em causa a existência ou não da obra que está na origem da descaracterização do IVA enquanto valor a deduzir pelo S.P.
O que foi posto em causa é precisamente a falta de elementos essenciais para que as facturas tivessem sido emitidas na forma legal e, em face disso permitirem a dedução do referido imposto. Por outro lado, facto também importante é a falta de existência de estrutura adequada do S.P. tido como sub contratante a "V…, Ld".
Para tanto, conforme informação da DSIFAE em acto inspectivo efectuado à V…, Lda., verificam que relativamente a esta empresa a V… & C…:
• Não se encontra no local e morada declarada como sede (morada particular);
• Não são conhecidos bens do Activo que permitam a realização de quaisquer obra.
• Por sua vez, estava registada para o exercício de actividades de "Pintura e Colocação de Vidros";
• Não entrega declarações desde 2000;
• a Técnico de Contas renunciou em 2005;
• Não são conhecidos trabalhadores ao seu serviço;
• Não foram declarados quaisquer fornecimentos ou serviços prestados por terceiros
(Anexos P's).
Concluindo aqueles Serviços que a Vânia & Costa ao não possuir estrutura empresarial adequada ao exercício da actividade, não se encontrava em condições de realizar os trabalhos mencionados nas facturas que se encontram na posse da Olisbetão, contabilizadas como custo do exercício.
Assim, na conjugação do atrás exposto, estes custos, por estarem documentados por entidade sem estrutura adequada ao exercício daquela actividade, não se enquadram no art, 23°. CIRC, por não serem comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos, de ganhos ou manutenção da fonte produtora.
(…)”.
(cfr. RIT);

F. O relatório de inspecção tributária foi sancionado, por despacho de 10.12.2010, por M…, Chefe de Divisão dos SIT, em regime de substituição (cfr. fls. 1 do RIT);

G. Na sequência da acção inspectiva referida na alínea A., em 22.12.2010, foi emitida em nome da Impugnante a demonstração de acerto de contas n.º 2010 00…….., no valor de € 19.100,50, com data limite de pagamento voluntário a 31.01.2011 – cfr. demonstração de acerto de contas, a fls. 10 dos autos, que se dá por reproduzida.


***

A decisão recorrida consignou como Factos não provados os seguintes:

“Não se provou que:

- A sociedade “V…, Lda.” efectuou os trabalhos mencionados nas facturas referidas nas alíneas C. e D. dos factos provados.”


***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.

Relativamente à matéria de facto não provada:

O documento 3 junto aos autos com a p.i., com o assunto “orçamento”, relativo à obra “Hospital Espírito Santo – Benfica – Lisboa”, não permite concretizar os trabalhos descritos nas facturas, designadamente por não especificar as quantidades aplicadas em obra, nem discriminar os valores referentes a mão-de-obra e a material.

A testemunha Jorge Jesus Alexandre, na qualidade de empreiteiro da empresa “M…, S.A.”, referiu que a Impugnante lhe fornece habitualmente materiais e equipas de mão-de-obra. Afirmou ter trabalhado na obra do Hospital da Luz em Lisboa, na qualidade de sub-empreiteiro. Esclareceu que ouviu dizer que os trabalhadores que andaram a fazer apoio à obra eram da “V… & C…, Lda.” e que essa informação foi lhe transmitida pelo gerente da Impugnante. Revelou que não conhecia a empresa, nem viu quaisquer elementos de identificação dos referidos trabalhadores. Afirmou que nessa obra era necessário o assentamento de lancil, a execução de caixas e aplicação de tout-venant, mas não soube precisar quantidades, e que a Impugnante lhe enviou aquela equipa, porque não era especializada neste tipo de trabalhos.”


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

H) No item denominado “Análise Contabilística/Fiscal” do Relatório de Inspeção Tributária referido em E), consta, designadamente, o seguinte:

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(cfr. Relatório de Inspeção Tributária, junto com a p.i. e junto ao PA apenso e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

I) No ano de 2006, e visando o pagamento das faturas identificadas em C) e D), foram emitidos em nome da sociedade “V… & C…, Lda”, os cheques nºs 18…. e 31361….., sacados sobre o BPN, as respetivas notas de pagamento nº 00….., e 000….., cujos fluxos de saída se encontram registados nos correspondentes extratos bancários (facto não controvertido, facto que se extrai do teor do RIT, e cfr. docs anexos ao RIT, mormente, anexos 2 a 6, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRC e respetivos JC, do exercício de 2006.

Importa, desde logo, ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

¾ Valorou erradamente a factualidade vertida no probatório, mormente no atinente à factualidade não provada, a qual da conjugação da prova testemunhal com a prova documental, deveria ter sido consignada como provada.

¾ Cometeu erro de julgamento de facto na medida em que extraiu valoração contraditória.

¾ Incorreu em erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, no atinente à manutenção das correções dos custos no valor de €61.000,00, concernentes a operações fictícias, competindo, nessa medida, aquilatar:

o Do âmbito e extensão do ónus probatório;

o Da existência de indícios suficientes para legitimar a atuação da AT, e

o Cumprido esse ónus aferir da prova da materialidade das operações.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que estando a impugnação da matéria de facto toda ela é concatenada com a materialidade das operações e sendo, como visto, sindicada a inexistência de indícios, questão que, como é consabido, radica a montante, donde preliminar em termos de distribuição e valoração do ónus probatório, iniciaremos a apreciação do presente recurso pelo erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito concernentes à existência de indícios suficientes para legitimar a atuação da AT.

Apreciando.

Sustenta a Recorrente que a AT não recolheu indícios que legitimam a sua atuação não só porque os indícios de irregularidade são meramente aparentes e coadunados com o, alegado, incumprimento do fornecedor, como os mesmos não eram, de todo, visíveis ou cognoscíveis pela Recorrente.

Mais sustentando que a aduzida divergência nos Anexos P e O da declaração anual não pode ter o alcance conferido pela AT visto que se o prestador de serviços está em falta com as suas declarações fiscais, é natural e mesmo óbvia a existência de tais discrepâncias.

Adensando, para o efeito, que a Recorrente não pode ser prejudicada por cumprir as suas obrigações fiscais, e serem desconsiderados como custos os montantes, efetivamente, pagos de serviços adquiridos a um sujeito passivo que se encontrava em situação irregular, da qual a mesma era, de resto, desconhecedora e não tinha obrigação legal de conhecer.

Sustentando, in fine, que o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo viola a Jurisprudência do TJUE, na medida em que para ser recusado o direito à dedução do IVA, e a respetiva dedutibilidade dos custos, não basta provar que o fornecedor de bens ou serviços seja considerado inexistente, ou em situação irregular, e não tenha a situação declarativa regularizada, é preciso que os indícios sejam sólidos, demonstrando-se uma situação de fraude e de ausência de boa-fé, até porque, em rigor, todas esses pressupostos coadunam-se com um terceiro não lhe incumbindo, por isso, um controlo e fiscalização.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo entendido que os indícios são suficientes na medida em que “[a]s correcções efectuadas baseiam-se em informações recolhidas no âmbito da acção de fiscalização ao sujeito passivo “V… & C…, Lda.”. Conforme informação recolhida pela DSIFAE.”

Mais relevando que “durante a acção inspectiva realizada à Impugnante, apuraram os SIT que as facturas emitidas não cumprem os requisitos legais previstos no, à data, art. 36.º, n.º 5 do CIVA, não permitindo identificar e quantificar os bens vendidos e os serviços prestados”, concluindo, assim, “[q]ue a Administração Tributária, na sua actividade investigatória, cumpriu com o ónus da prova que sobre ela impendia, reunindo indícios objectivos da inconsistência das operações tituladas nas facturas.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece do convocado erro de julgamento quanto ao ónus da prova circunscrito na esfera da AT, e à existência de indícios fundados.

Ora, estando o aludido erro de julgamento intrinsecamente ligado com a concreta enunciação e densificação do ónus probatório, impõe-se começar por aferir como se processa o direito adjetivo fiscal em sede probatória e quais as consequências que dimanam da sua regulamentação.

Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Com efeito, o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos consignados no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, logo compete à AT o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas em apreço.

De sublinhar, neste particular, que não é exigível que a AT efetue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a mesma aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora.

Com efeito, no âmbito das chamadas “faturas falsas ou operações fictícias” “(…) vem-se entendendo de modo uniforme que, estando em causa a correção de liquidações de IRC por desconsideração dos custos documentados por faturas reputadas de falsas ou “de favor” pela administração tributárias, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:

- Porque a liquidação de IRC tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado na fatura em causa não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada;

- Feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer refletir negativamente os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação; (…). (1)”

No mesmo sentido, apontam os Arestos do STA, proferidos em Plenário no âmbito dos processos com os nºs 01424/05, 587/15 e 0591/15, datados de 27 de fevereiro de 2019, 16 de março de 2016 e 17 de fevereiro de 2016, respetivamente.

Conclui-se, assim, que basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar os custos sindicados, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, passando ulteriormente a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito à dedutibilidade dos custos, provando, assim, que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende a sua dedutibilidade fiscal.

Visto o direito que releva para o caso vertente, importa, então, transpor o mesmo para o caso vertente e convocar, neste particular, o vertido no Relatório da AT no atinente aos indícios apurados.

De acordo com informação recolhida pela DSIFAE, no âmbito da ação de inspeção realizada à sociedade “V… & C…, lda” -emitente das faturas visadas- constataram-se as seguintes irregularidades:

¾ Não se encontra no local e morada declarada como sede (morada particular);

¾ Não são conhecidos bens do Ativo que permitam a realização de quaisquer obras;

¾ Encontra-se registada para o exercício de atividades de "Pintura e Colocação de Vidros";

¾ Incumprimento declarativo desde 2000;

¾ Renúncia do TOC em 2005.

¾ Inexistência de estrutura empresarial, na medida em que não são conhecidos trabalhadores ao seu serviço, e não foram declarados quaisquer fornecimentos ou serviços prestados por terceiros (Anexos P’s).

¾ Inexistência de forma legal das faturas, por desrespeito dos requisitos consignados no artigo 36.º, nº5 do CIVA.

Na esfera da Recorrente foi, tão-só, constatada a divergência nos Anexos P´s, em razão do incumprimento declarativo da sociedade “V… & C…, lda”.

Concluindo, assim, a AT que, não contemplando as faturas os requisitos legais e não possuindo a sociedade emitente “V… & C…, lda”, “[e]strutura empresarial adequada ao exercício da actividade, não se encontrava em condições de realizar os trabalhos mencionados nas facturas que se encontram na posse da O…, contabilizadas como custo do exercício”, logo “[n]ão se enquadram no art. 23º. CIRC, por não serem comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos, de ganhos ou manutenção da fonte produtora.”

Ora, atentando nos aludidos indícios entendemos que a decisão recorrida não terá interpretado da melhor forma a realidade fática em discussão e realizado a adequada transposição para o regime jurídico aplicável e isto porque, como defendido pela Recorrente, os aludidos indícios não são de molde a justificar e desconsiderar a efetividade dos serviços contemplados nas faturas emitidas pela sociedade “V… & C…, lda”.

Senão vejamos.

Ab initio, importa, desde logo, relevar que os apontados indícios estão, como decorre da enumeração supra expendida, concatenados com fatores exógenos e a montante da Recorrente, o que, per se, fragiliza a factualidade apurada, porquanto na falta de apuramento de elementos concatenados com a própria e que permitam descredibilizar a contabilidade da Recorrente, os mesmos não permitem legitimar a atuação da AT e as correções dimanantes da ação inspetiva.

Com efeito, se atentarmos nos indícios supra expostos constata-se que a globalidade advém de elementos obtidos no âmbito de ação inspetiva à fornecedora da Recorrente e, totalmente, coadunados com irregularidades e incumprimentos declarativos na sua esfera e circuito comercial.

De relevar, neste particular, que não se está a dizer que não é possível fazer-se uma extrapolação da faturação falsa mediante recurso ao cruzamento de informações decorrentes e resultantes de outras ações inspetivas, o que, efetivamente, se está a dizer é que fundar a falta de materialização das aquisições constantes nas faturas com base em indícios apenas e só resultantes de condutas exógenas e alheias à Recorrente não é suficiente e razoável para fundamentar a faturação falsa.

Note-se, ademais, que a alegada falta de estrutura empresarial da entidade emitente visada nos presentes autos, não pode, por si só, ter o efeito por si almejado, quando, de resto, a AT, expressamente, evidencia que “[e]m situação alguma os Serviços de Inspecção Tributária puseram em causa a existência ou não da obra que está na origem (…) o que foi posto em causa é precisamente a falta de elementos essenciais para que as facturas tivessem sido emitidas na forma legal e, em face disso permitirem a dedução do referido imposto.”

Mais importa sublinhar que, relativamente à aduzida circunstância da sociedade “V… & C…, lda”, não ter declarado quaisquer fornecimentos ou serviços prestados por terceiros no âmbito da sua atividade, a mesma carece do relevo que lhe é imprimido pela AT, porquanto, encontramo-nos perante obrigações constantes na esfera do fornecedor.

Aduza-se, em abono da verdade, que não há no Relatório de Inspeção Tributária, nenhum facto objetivo de que possa ser extraída a conclusão de que as declarações da Recorrente não devam ter-se como verdadeiras, atenta a forma, irrepreensível, da sua contabilidade e escrita.

Não podendo, outrossim, inferir-se a existência de indícios razoáveis pela circunstância da fornecedora não se encontrar no local e morada declarada como sede, e não serem conhecidos bens do ativo que permitam a realização de qualquer obra, na medida em que –mais uma vez- estão, inteiramente, coadunados com obrigações constantes na esfera do fornecedor quando, de resto, nunca é colocada em causa a realização da obra e mais ainda do respetivo circuito financeiro da operação.

A adensar, neste e para este efeito, que dos elementos constantes dos autos se retira, inequivocamente, que a contabilidade da Recorrida se encontra organizada, sendo não controvertida tal asserção resultando, inclusive patenteada no respetivo Relatório de Inspeção Tributária.

Com efeito, conforme resulta do teor do Relatório Inspetivo a Recorrente dispõe de contabilidade devidamente organizada, tendo os visados custos sido devidamente inscritos na contabilidade, em inteira conformidade com os respetivos meios de pagamento, os quais, não só não foram sindicados, como foram claramente identificados no respetivo RIT.

Ademais, o circuito de pagamento, como é consabido, é um vetor de primacial relevância para efeitos de prova dos indícios de faturação falsa, sendo que, in casu, se verifica que os mesmo se materializaram mediante a emissão de cheques nominativos, que conduziram à emissão das competentes notas de pagamento-realidade documental esta não controvertida e contemplada no Relatório Inspetivo, e ora espelhada na alínea I), ora, aditada.

Aliás, como dimana do Relatório Inspetivo, a AT reconhece que o cerne da questão é a falta de requisitos legais das faturas, em ordem ao consignado no artigo 35.º, nº6 do CIVA e a falta de estrutura empresarial da sociedade “V… e C…, lda”.

Ora se, como já devidamente densificado anteriormente, a falta de estrutura empresarial, per se, e sem mais elementos não permite fundar a falta de dedutibilidade dos custos sub judice, o mesmo se diga no atinente à aludida falta de suporte legal das faturas.

E isto porque, as exigências em termos documentais contempladas no CIVA, não são inteiramente transponíveis para a matéria de documentação de custos no âmbito do IRC.

Com efeito, as exigências em termos documentais “[c]ompreensíveis embora no sistema do IVA, não são inteiramente transponíveis para a matéria documentação de custos no âmbito do IRC porquanto a densidade e os contornos das específicas obrigações documentais tutelam interesses substanciais próprios de cada imposto.

O Código do IRC não contém qualquer referência que precise a noção de documento justificativo. É certo que a factura completa, à luz dos normativos pertinentes do Código do IVA, subsume-se no conceito de documento justificativo, no entanto a inversa não é verdadeira, pois as duas noções não são inteiramente coincidentes quanto à respectiva significação.

Assim, na ausência ou incompletude da factura, à regra geral da desconformidade do título em sede de IVA não corresponde, inelutavelmente, a mesma consequência para efeitos de IRC. (2)”

Destarte, se é não controvertido que foram emitidos cheques nominativos pela Recorrente à ordem da visada fornecedora, materializado o correspondente pagamento, emitidas as respetivas notas de pagamento, cujos fluxos de saída se encontram registados nos correspondentes extratos bancários, então para legitimar a insusceptibilidade de dedução dos custos contabilizados, a AT teria de ter ido mais longe, não sendo suficiente bastar-se em elementos (indícios externos), tendo, necessariamente, de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas (3).

Como doutrinado no Aresto deste Tribunal, no âmbito do processo n.º 438/12, datado de 8 de maio de 2019:

“A contabilidade do Recorrido não continha erros ou omissões susceptíveis de justificar a cessação de presunção de veracidade e boa-fé resulta manifestamente do Relatório de Inspecção, cuja fundamentação está, toda ela, construída com base no seguinte raciocínio: sendo evidente que a contabilidade dos fornecedores não merece credibilidade porque, para além de terem omitido compras e vendas, não conseguiram identificar os meios de transporte de que se serviram para efectuar os transportes dos bens para o Recorrido e/ou a quem compraram as pinhas e/ou outro tipo de negócios desenvolvidos com aquele, então é porque não compraram a terceiros nem venderam ao Recorrido e, consequentemente, este não comprou efectivamente as mercadorias tal como resulta de forma indiscutível das declarações apresentadas e da sua contabilidade. Não há no Relatório de Inspecção, pese embora a sua extensão e a alusão à actividade e contabilidade dos fornecedores e do Recorrido, nenhum facto objectivo de que possa ser extraída a conclusão de que as suas declarações, sempre irrepreensível e pontualmente apresentadas, não devam ter-se como verdadeiras, atenta a forma, que se presume irrepreensível, da sua contabilidade e escrita, uma vez que nenhuma censura relevante lhe é feita no que respeita à facturação em questão que não a de existência de facturação falsa com base no escrutínio feito aos seus fornecedores e às omissões declarativas daqueles bem como à sua contabilidade. Em síntese, denota-se de forma ostensiva do Relatório de Inspecção que a sua “convicção”, as dúvidas fundadas que a Administração Tributária teve estão quase integralmente relacionadas com a actividade ou o modo como a actividade comercial era desenvolvida pelos emitentes das facturas e com o tipo de relação que esses emitentes estabeleciam com os seus próprios fornecedores, designadamente por a sua contabilidade – leia-se, dos emitentes das facturas – não espelhar com veracidade a actividade ou o volume de facturação que efectivamente desenvolviam e com quem.”

Acresce, outrossim, que conforme dimana inequívoco do Relatório Inspetivo, a Recorrente aquando da notificação para apresentação de documentos tendentes a demonstrar a realidade em apreço, adotou uma postura colaborante, tendo apresentado os respetivos extratos bancários relativamente aos pagamentos, juntando, ainda, cópia das faturas nº 7… e 8… visando a demonstração da faturação do trabalho à empresa “M…, Lda”, e os respetivos autos de medição, não podendo, nessa medida, secundar-se e lograr mérito o aduzido na decisão recorrida quanto aos orçamentos.

Conclui-se, portanto, que a realidade fática convocada pela AT não é suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, logo os indícios recolhidos pela AT não permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que chegou e que determinou as correções respeitantes a IRC quanto à sociedade “V… & C…, Lda”.

Assim, face a todo o supra expendido, assiste razão à Recorrente quando sustenta que não estão reunidos os indícios para legitimar a atuação da AT, sendo manifestamente irrelevante, neste e para este efeito, a assunção do seu concreto conhecimento pela Recorrente e bem assim o facto considerado como não provado, o qual já entronca na materialidade das operações, e cuja apreciação se encontra prejudicada face ao, ora, decidido.

Destarte, procede o recurso da Recorrente, resultando por esta via prejudicada a apreciação quer do alegado erro na decisão proferida sobre a matéria de facto, quer no tocante ao erro de julgamento no atinente à materialidade das operações, questões que, como já evidenciado anteriormente, se concatenam com o ónus probatório da Recorrente, donde, dependentes da prévia demonstração da existência de indícios fundados por parte da AT, o que, como visto, não sucedeu no caso vertente.

Pelo que, a AT incorre em ilegalidade implicante da invalidade do ato de liquidação adicional de IRC e respetivos JC, e nessa medida a sentença recorrida que assim o não decidiu não pode manter-se.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a decisão recorrida, e em consequência julgar totalmente procedente a impugnação com todas as legais consequências.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe. Notifique.


Lisboa, 12 de maio de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)



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(1) Vide, Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 01834/04, 24.01.2008; no mesmo sentido Arestos deste Tribunal, prolatados no âmbito dos processos nºs 1002/17, de 10.03.2022 e 937/08, de 07.05.2020.
(2) Vide, designadamente, Aresto do TCAN, proferido em 2801.2010, no processo nº 04871/04 e neste sentido também o TCAS, no âmbito de processo nº 1134/10, de 22.05.2019.
(3) Vide, designadamente, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul proferidos nos processos nºs 438/12.0 de 08 de maio de 2019 e 08959/15, de 22 de fevereiro de 2018