Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:769/13.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO E AFASTAMENTO DO REGIME REGRA DO N.º 5 DO ART. 28.º, N.º 5 DO CIRS
Sumário:I. O n.º 5 do art. 28.º do CIRS estabelece um regime regra de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 (regime de determinação dos rendimentos com base na contabilidade ou regime simplificado), por um período mínimo de três anos, que é prorrogável por iguais períodos.
II. Este regime regra apenas poderá ser afastado se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do n.º 4 (ou seja, até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações) a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
III. Não existindo aquela comunicação, o sujeito passivo permanece, automaticamente, no regime pelo qual se encontrava abrangido, pelo período mínimo de três anos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S... do despacho de indeferimento do recurso hierárquico da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de IRS do ano de 2008.

A Recorrente Fazenda Pública apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

A) O Mmº Juiz do Tribunal a quo julgou procedente a impugnação pois, concluiu que a impugnante, tinha de ser tributada, no triénio de 2007- 2009, através do regime de contabilidade organizada (segmento decisório da sentença).
B) De facto, a Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 introduziu no n.º 5 do art.º 28.º introduziu a seguinte redacção “_ O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n. 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do numero anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido”
C) Importa por isso, que exista por parte do sujeito, uma declaração de vontade;
D) Tal não aconteceu no caso da aqui impugnante

E) A impugnante não manifestou a vontade de permanecer no regime de contabilidade organizada em 2008;
F) A impugnante havia ficado em 2007 enquadrada no regime de contabilidade organizada, não por, por ele ter optado, mas porque estava fora dos pressupostos do regime simplificado.
G) Aos sujeitos passivos que estejam abrangidos obrigatoriamente pelo regime de apuramento dos rendimentos empresariais e profissionais com base na contabilidade organizada por não preencherem os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 28.º do CIRS, não se aplica o período mínimo de permanência, uma vez que o enquadramento não resulta de uma opção.
H) A prerrogativa de permanência no regime depende de ter sido feito essa opção, não se aplicando por isso, aos sujeitos passivos que nele ficaram por obrigação.



Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.”

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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter desconsiderado que o enquadramento no regime de contabilidade organizada da Impugnante não resultou de sua opção, mas verificou-se por força da lei, e nessa medida, não poderia ter aplicado o disposto no n.º 5 do art. 28.º do CIRS.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
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Em 1 de Junho de 2007, S... apresentou declaração de início de actividade, indicando um volume de vendas anual estimado de € 150.000,00 – facto admitido por acordo.

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No ano de 2007, S... ficou enquadrada no regime da contabilidade organizada – cfr. fls. 80-81 do apenso.

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O volume de negócios de S... no ano de 2007 foi de € 132.106,55 – facto admitido por acordo.
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No primeiro trimestre de 2008, S... não declarou à Administração pretender ser tributada pelo regime da contabilidade organizada – facto admitido por acordo.

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No dia 18 de Maio de 2009, S... apresentou a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2008, juntando o anexo C relativo à contabilidade organizada – cfr. fls. 47-51 dos autos.

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A Administração não aceitou aquela declaração por dela constar matéria tributável apurada através da contabilidade e a Administração entender que S... estava enquadrada no regime simplificado (Erro C70 – incompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro) – cfr. fls. 88 do apenso.
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Consequentemente, em 14 de Março de 2011, foi emitida oficiosamente a liquidação n.º 2011.5000084348, no valor de € 61.697,58 (acto impugnado), no qual a matéria tributável da categoria B foi apurada através do regime simplificado – cfr. fls. 35 dos autos e 88 do apenso.
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S... deduziu Reclamação Graciosa contra aquela liquidação – facto admitido por acordo.

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Em 11 de Junho de 2012, foi emitida informação, no âmbito daquela Reclamação Graciosa, em que foi proposto o seu deferimento parcial, por se ter entendido que no campo 401 do anexo B (vendas de mercadorias e produtos) deveria constar o valor de € 231.999,16, e no campo 403 (outras prestações de serviços e outros rendimentos) o valor de € 5.143,40 – cfr. fls. 85-89 do apenso.
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No dia 2 de Julho de 2012, o Director de Finanças de ... deferiu parcialmente a Reclamação Graciosa – cfr. fls. 93 do apenso.
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Em 11 de Junho de 2013, a Subdirectora Geral da Direcção de IRS indeferiu o Recurso Hierárquico (acto impugnado) que S... interpusera contra a decisão da Reclamação Graciosa
II-B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO


Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.
As partes estão de acordo quanto à matéria de facto, dissentindo apenas quanto ao direito que lhe é aplicável.”
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Com base na matéria de facto supra exposta a sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma, pois entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por ter desconsiderado que o enquadramento no regime de contabilidade organizada da Impugnante não resultou de sua opção, mas verificou-se por força da lei, e nessa medida, não poderia ter aplicado o disposto no n.º 5 do art. 28.º do CIRS.

Mas sem razão.

Com efeito, no acórdão do STA de 04/11/2015, proc. n.º 0877/15, em caso semelhante ao dos autos, em que a Fazenda Pública recorreu com o fundamento em que o Impugnante não havia exercido a opção pelo regime da contabilidade, e que o seu enquadramento resultou tão-somente da lei, decidiu aquele Supremo Tribunal em consonância com jurisprudência anterior, designadamente, de acordo com o acórdão de 28/11/2012, proc. nº 0709/12, nos seguintes termos:

“Referindo-se à natureza jurídica da opção pelo regime simplificado e às suas consequências, Saldanha Sanches salienta que este regime simplificado «tem sempre como pressuposto uma acção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade. E que, procedendo a uma estimativa dos custos que vai suportar e declarar, opta pela dedução estandartizada.» (In Fiscalidade 7/8, Julho/Outubro 2001, p. 48.)
Aliás, antes da alteração introduzida no nº 5 deste art. 28º do CIRS, pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (esta Lei nº 53-A/2006, de 29/12, introduziu no nº 5 do art. 28º do CIRS a redacção seguinte: «5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido») caso o sujeito passivo tivesse optado, logo na declaração de início de actividade, pelo regime de contabilidade organizada, «não havia como aplicar-lhe o regime simplificado, pois que o preceito não previa a caducidade dessa opção nem fixava qualquer período mínimo de permanência no regime geral (ao contrário do que sucede hoje, na versão que foi conferida ao artigo 28º nº 5 do CIRS pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12)». (Acórdão desta Secção do STA, de 27/1/2010, rec. nº 0906/09.)

Trata-se, pois, de uma daquelas situações «em que a lei atribui relevância à vontade do contribuinte e em que este pode optar pelo regime que considera mais favorável», de um «regime de “escolha fiscal”», cuja aceitação «surge na lei como uma opção do contribuinte, mediante a celebração de uma espécie de contrato fiscal». (Saldanha Sanches, ibidem, p. 50.)
O regime simplificado de tributação constitui, portanto, um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada.
Ora, se o contribuinte optasse, na declaração de início de actividade, pelo regime de contabilidade organizada, não lhe era aplicável o regime simplificado, pois que a lei não previa, então, qualquer período mínimo de permanência no regime geral (ao contrário do que hoje sucede, face à redacção introduzida no nº 5 deste art. 28º do CIRS, pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12). Daí que, só no caso de o contribuinte estar sujeito ao regime simplificado, por não ter optado pelo regime geral de contabilidade, na declaração de início de actividade e, por isso, ter ficado incluído necessariamente no regime simplificado (nº 2 do mesmo art. 28º) se compreenda a exigência legal de entrega da declaração de alterações até ao fim do mês de Março do respectivo ano, se quiser ser tributado pelo regime geral da contabilidade organizada. Ou seja, se o contribuinte já estava inserido no regime geral de contabilidade organizada, por opção feita na declaração de início de actividade, não tinha de renovar anualmente a opção referida na al. b) do nº 4 do citado art. 28º do CIRS.
Carece, portanto, de suporte legal a interpretação que a recorrente faz da al. b) do nº 4 do preceito em causa, no sentido de as declarações de opção pelo regime de contabilidade organizada terem de ser renovadas todos os anos.” (neste sentido, podem ver-se, ainda, entre outros, os acs. desta Secção do Contencioso Tributário, de 6/5/2009, rec. nº 0127/09; de 23/6/2010, rec. nº 01032/09; e de 28/11/2012, rec. nº 0709/12. E também sobre esta matéria Rui Duarte Morais pondera que
«… uma vez inserido no regime simplificado, o contribuinte tem de aí permanecer por três anos. Findo este prazo tem, então, nova possibilidade de optar pelo regime da contabilidade organizada [art. 28º, nº 4, al. b)]. Se não o fizer, terá de permanecer neste regime durante, pelo menos, mais três anos». (Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, 2008, p. 95); sobre a matéria cfr., ainda, Manuel Faustino, «OE 2007 – alterações ao IRS e benefícios fiscais», Fiscalidade nº 28 (2006) pp. 34 a 91).
4.6. No caso, o recorrido impugnante marido estava, por opção, a ser tributado, no triénio 2006/2008, de acordo com a contabilidade organizada e não tendo optado pela alteração desse regime no momento em que o poderia ter feito, tal regime mantém-se, pois que, como se viu e bem refere a sentença recorrida, nos termos do n° 5 do art. 28º do CIRS, o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n° 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da al. b) do nº 4, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
Daí que, tendo a AT procedido, oficiosamente, relativamente ao IRS de 2008, à determinação dos questionados rendimentos pelo regime simplificado, a liquidação sindicada sofre de vício de violação de lei, como bem se entendeu na sentença recorrida, que deve, assim, ser confirmada.
Improcedendo, portanto, as Conclusões do recurso.”


Na verdade, a interpretação que a Recorrente Fazenda Pública faz do disposto no n.º 5 do art. 28.º do CIRS não é a que resulta do preceito legal.

Com efeito, dispõe o normativo em questão, na redacção da Lei 53-A/2006-29/12, do seguinte modo: “5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.

Portanto, estabelece-se um regime regra de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 (ou seja, determinação dos rendimentos com base no regime simplificado ou com base na contabilidade), por um período mínimo de três anos, que é prorrogável por iguais períodos.

Este regime regra apenas poderá ser afastado se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do n.º 4 (ou seja, até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações) a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.

Por outras palavras, se não existir aquela comunicação, o sujeito passivo permanece, automaticamente, no regime pelo qual se encontrava abrangido, pelo período mínimo de três anos. Em momento algum da letra da lei se poderá extrair o sentido de que o regime de permanência mínimo ali previsto depende de uma “declaração de vontade” do Impugnante, ou seja, de ter feito essa opção [conclusão C), G) e H) das alegações de recurso], muito pelo contrário, o legislador refere-se expressamente a “regime pelo qual se encontra abrangido” o que tanto basta para afastar a interpretação pugnada pela Recorrente Fazenda Pública.


Portanto, é indiferente, para este efeito, se o enquadramento da Impugnante no regime da contabilidade organizada (cfr. ponto 2 da matéria de facto) resulta de opção sua ou ope legis, pelo que improcede a argumentação da Recorrente a este respeito [conclusão E) e F)].

In casu, em 2007, o regime pelo qual o Impugnante se encontrava abrangido era o previsto na alínea a) do n.º 1 do art. 28.º do CIRS, regime da contabilidade organizada (cfr. ponto 2 da matéria de facto), e assim sendo, não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, nem de direito, pois não tendo a Impugnante apresentado a comunicação a que se refere a última parte do n.º 5 daquele preceito legal, então, ficou automaticamente abrangida pelo regime de contabilidade organizada no triénio 2007/2009.

Pelo exposto, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento de facto, nem de direito, e nessa medida, o recurso não merece provimento.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 29 de Junho de 2017.



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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso