Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2997/24.6BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 10/31/2024 |
Relator: | JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA |
Descritores: | AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PROVISÓRIA FUMUS BONI IURIS |
Sumário: | I - A emissão de um título de residência provisório é adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, no qual é pedida a concessão de autorização de residência, na medida em que permite que o requerente permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão na acção. II - Havendo indícios de que o pedido de autorização de residência apresentado pela requerente não foi decidido dentro do prazo de 90 dias, legalmente previsto para o efeito, e que a requerente preenche alguns dos requisitos para a concessão da almejada autorização de residência, não se pode concluir pela manifesta falta de probabilidade de procedência da pretensão a formular no processo principal, de “condenação da Requerida a emitir um título de autorização de residência”. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO M… instaurou processo cautelar contra AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO MIGRAÇÕES E ASILO (AIMA, I.P.), pedindo a condenação da entidade requerida a emitir um título de residência provisório. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente o requerimento cautelar por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, nos termos do artigo 116.º, n.º 2, alínea d), do CPTA. A requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “A. O Tribunal a Quo rejeitou liminarmente a petição inicial no presente procedimento cautelar, considerando que o pedido da Recorrente não tem o elemento de provisoriedade e que não está preenchido o Bonus fumus iuris. B. Não se pode concorda com o Tribunal a Quo sobre a falta do requisito de provisoriedade do procedimento cautelar, uma vez que uma autorização de residência temporária a título cautelar não constitui um situação irreversível, isto é, não põe em causa a provisoriedade que caracteriza os processos cautelares, nos quais não está em causa a resolução definitiva de um litígio. C. Veja-se o que disse o Tribunal Ad Quem no acórdão 166/23.1BEALM, cuja Relatora foi Catarina Jarmela, datado de 06/07/2023: “A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível.” D. É aliás ampla a jurisprudência que admite autorizações de residência a título cautelar, nomeadamente: - Ac. do STA de 16.2.2017, proc. n.º 0108/17; - Ac. do TCA Sul de 6.2.2014, proc. n.º 10704/13 ; Ac. do TCA Sul de 15.12.2016, proc. n.º 1453/16.0 BELSB ; - Ac. do TCA Sul de 15.12.2016, proc. n.º 1668/16.1 BELSB ; - Ac. do TCA Sul de 16.2.2017, proc. n.º 1663/16.0 BELSB ; - Ac. do TCA Sul de 16.2.2017, proc. n.º 1753/16.0 BELSB ; - Ac. do TCA Sul de 5.7.2017, proc. n.º 532/17.1 BELSB ; - Ac. do TCA Sul de 5.4.2018, proc. n.º 2442/17.3 BELSB. E. A mesma posição é também defendida na doutrina, exemplificativamente a este propósito esclarece Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Maio 2004, págs. 305 a 307: “(...) 11.7.3. É correntemente afirmado o princípio de que o tribunal não pode dar, através da concessão de uma providência cautelar, o que só à sentença final cumpre proporcionar, se vier a dar provimento às pretensões deduzidas no processo principal. Esta afirmação deve ser, porém, entendida com precaução. a) Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que com a referida afirmação não se pretende dizer que uma providência cautelar não possa antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo. Ponto é que essa antecipação tenha, na verdade lugar a título provisório e, portanto, que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a conclusões que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente criada. (…)”. F. Com referência também à caracterização dos procedimentos cautelares pelo traço da provisoriedade, refere Fernanda Maçãs, As Medidas Cautelares, in Reforma do Contencioso Administrativo, Vol. I, O Debate Universitário, págs. 457 e 458: “(…) a provisoriedade impede que o juiz cautelar possa antecipar os eventuais efeitos da decisão principal. Em relação a este aspecto, a doutrina tem avançado com entendimentos mais flexíveis desta regra, que vão no sentido de afirmar que não subsiste uma proibição genérica de antecipação por via cautelar do conteúdo de uma eventual sentença favorável, mas apenas quando essa antecipação seja irreversível para o futuro. (…) (…) Assim sendo, são perfeitamente admissíveis medidas cautelares positivas de carácter antecipatório (…) quando a natureza do acto o permita e não conduza a situações irreversíveis.” (sublinhado e negrito nosso). G. Quanto à falta do Bónus Fumus Iuris, com o devido respeito não pode a Recorrente concordar, pois a recorrente fez o pedido de residência temporária no dia 18/10/2023 e até à data não obteve resposta. H. Diz-nos o artigo 82.º, n.º 5 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho que: “O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.” Ora os 90 dias, sem contar com sábados, domingos e feriados, acabava no dia 25 de Fevereiro de 2024, estando largamente excedido o prazo. I. Ainda que se considere que não existe deferimento tácito não se pode ignorar que impende sobre os órgãos administrativos o dever de decisão, conforme artigo 13.º do CPA. Assim, fazendo-se um juízo de prognose, estando excedido o prazo, há um dever de decisão violado pela Recorrida e, como tal, torna-se muito provável que a acção principal (que será uma acção de condenação à prática de acto devido) seja procedente. No mínimo haverá, com elevado grau de certeza, condenação a decidir sobre a atribuição da residência à Recorrente. J. A este respeito veja-se o Acórdão 2849/22.4BELSB, do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, cujo Relator foi Frederico Macedo Branco, que diz no seu sumário: “III - Com efeito, sendo provável que na ação principal a entidade requerida será condenada a proferir decisão sobre o pedido de autorização de residência apresentado pela requerente, tal significa que se encontra preenchido o requisito do fumus boni iuris para condenar a entidade requerida neste processo cautelar a proferir decisão sobre o pedido de autorização de residência apresentado pela requerente e, caso conclua que este preenche os respetivos pressupostos, conceder provisoriamente autorização de residência à mesma, emitindo o competente título de residência, assim se respeitando a legalidade e a separação de poderes. (...)”. K. Diz no mesmo Acórdão ainda: (...)Efetivamente, a entidade requerida tinha um prazo de 90 dias para proferir decisão sobre o pedido de concessão de autorização de residência formulado pela requerente, encontrando-se tal prazo esgotado há muito. É assim incontornável que cabe à entidade requerida o dever de decidir o pedido formulado pela requerente, sendo que o incumprimento do dever de decidir no prazo legalmente previsto para o efeito pode, com elevada probabilidade, determinar a procedência da ação principal a intentar pela requerente, sendo a entidade requerida condenada, no mínimo, a proferir decisão.(...)”. L. Importa ainda o artigo 120.º, n.º3 do CPTA que diz: “As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.” M. Assim deve o Tribunal, ainda que não entenda que possa atribuir directamente um título provisório de residência, substituir por uma medida em que condene a Recorrida a emitir uma decisão provisória sobre a residência temporária, nos precisos termos em que o fez o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, no processo supra referido 2849/22.4BELSB, em que condenou a entidade requerida a proferir: “no prazo de 25 (vinte e cinco) dias, decisão sobre o pedido de autorização de residência apresentado pelo requerente e, caso conclua que este preenche os respetivos pressupostos, conceder provisoriamente autorização de residência ao mesmo, emitindo o competente título de residência.” N. Fundamentou ainda o Tribunal a Quo a rejeição liminar pela falta do Bónus Fumus Iuris com não estarem preenchidos todos os elementos do artigo 77.º e 88.º da lei 23/2007, com o qual também não se pode concordar. O. O artigo 88.º não tem aplicação, uma vez que é para os casos de actividade profissional subordinada. P. Por sua vez, os requisitos do artigo 77.º estão todos preenchidos, conforme documentação junta com a petição inicial. Q. Em particular estão igualmente cumpridas as alíneas: g) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano; h) Não se encontrar no período de interdição de entrada e de permanência em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento; i) Ausência de indicação no SIS; j) Ausência de indicação no SII UCFE para efeitos de recusa de entrada e de permanência ou de regresso, nos termos dos artigos 33.º e 33.º-A. R. Foi atribuído à Recorrente visto para autorização de residência, onde são requisitos obrigatórios para que seja concedido o visto a ausência dos elementos dessas alíneas, conforme consta no artigo 52.º da lei 23/2007! S. Assim, para além de estar largamente excedido o prazo para decisão o que por si só já preenche o Bónus Fumus Iuris, constata-se que a Recorrente preenche todos os requisitos exigidos por lei para a autorização temporária de residência, pelo que ainda mais reforçado está o Bonus Fumus Iuris. Mais, o marido da Recorrente, igualmente Russo, já obteve a autorização de residência, pelo que é praticamente certo que estão reunidos todos os requisitos. T. É ainda referido pelo Tribunal a Quo haver uma recomendação da comissão europeia. Há sim uma recomendação da comissão europeia no contexto da invasão Russa na Ucrânia, mas a recomendação é para os Estados membros adaptarem os seus regimes legais em casos de terem regimes de cidadania por investimento ou residência por investimento de forma a assegurar que não se está a auxiliar o governo Russo na Guerra. Mas a recomendação não é vinculativa, não tem aplicabilidade directa, não tem efeito directo, não foi transposto nada para o regime português, nem se sobrepõe à lei 23/2007. U. Ademais, já entrou no país o marido da Recorrente. Seria uma violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa arbitrariamente decidir não conceder à Recorrente autorização de residência , apesar da mesma reunir todos os requisitos. V. Está também preenchido o periculum in mora, apesar de não se ter ainda produzido prova sobre os mesmos, pois há uma presunção legal e sempre se diga que são uma verdade La Palice. W. Com efeito já existe jurisprudência a dizer que se trata até de uma presunção legal. Veja-se o Acórdão 2482/17.2BELSB, do TRIBUNAL CENTRAL ADMINSTRATIVO SUL, cuja relatora foi Sofia David, que diz: “IV- As regras da experiência, que valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, indicam-nos que a falta de um título que permita a permanência do A. e Recorrente no território nacional, podem pôr em causa o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana, dos indicados direitos, porquanto o A. pode ver-se coibido, na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação;” X. Assim ao decidir rejeitar liminarmente a petição inicial o Tribunal a Quo violou os artigos 116 e 120 do CPTA, artigo 77.º da lei 23/2007 e artigo 13.º da CRP. Y. Deveria o Tribunal a Quo ter julgado preenchidos o Bonus fumus Iuris, o periculum in mora, a provisoriedade do procedimento cautelar e ainda ter admitido a petição inicial e, a final, ter condenado a Recorrida a emitir provisoriamente título de residência temporária ou, no mínimo condenando a Recorrida a decidir num curto prazo e de acordo com a Lei.” Notificada das alegações apresentadas, a entidade requerida, ora recorrida, não contra-alegou. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por ter rejeitado liminarmente o r.i. com fundamento na alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou indiciariamente provados: “1. A Requerente é detentora de nacionalidade russa – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial; 2. A Requerente obteve visto de residência por 120 dias, em 06/07/2023, válido até 02/11/2023 – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial; 3. Em 18-10-2023, o A. registou a sua manifestação de interesse junto do SEF, ao abrigo do artigo 88.º n.º 2, da Lei 23/2007 – cfr. se extrata dos documentos n.ºs 5 e 6, juntos com o requerimento inicial; 4. Em 11-04-2024, deu entrada em juízo o requerimento inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 1 sitaf; 5. O pedido aludido em 3., até à data, não obteve decisão. 6. Em fevereiro de 2022 deflagrou a guerra na Ucrânia – facto público e notório.” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença recorrida rejeitou liminarmente o requerimento cautelar por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d), do CPTA, nos seguintes termos: “(…) Atenta a configuração que a Requerente concede ao seu segmento petitório, revela-se, pois, manifesta similitude da pretensão aduzida em sede cautelar e o desígnio que move a Requerente com a instauração da ação principal (em ambas a Requerente peticiona a emissão de autorização de residência, apenas divergindo no facto de uma ser temporária e outra definitiva). É, assim, notório que tal propósito, a consumar-se em sede cautelar, esvazia a ação principal do seu objeto, determinando, em última ratio, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, caso ocorra na sua pendência [cfr. artigo 277.º, alínea e) do CPC ex vi do artigo 1.º do CPTA]. Saliente-se, por último, que a admissão, em sede liminar, da presente providência, não tem a virtualidade de constituir caso julgado formal sobre a verificação dos requisitos gerais de que depende o decretamento da providência, pelo que não se encontram esgotados os poderes jurisdicionais que legitimam o seu conhecimento, ante a presente fase processual [cfr., neste sentido, DE ALMEIDA, Mário Aroso/CADILHA, Carlos, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra: Almedina, 2017, pp. 939; cf. ainda, por revelarem total contemporaneidade com a questão em apreço, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 01.07.2011, proferido no processo n.º 391/10, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23.02.2006, proferido no processo n.º l378/06, ambos disponíveis in www.dgsi.pt]. Pelo exposto, verifica-se que no que concerne ao pedido de intimação da AIMA a emitir uma autorização de residência provisória para o Requerente, não se encontrando verificados os pressupostos da provisoriedade e da instrumentalidade de que depende o decretamento da requerida providência, é manifesta a ausência de fundamento da pretensão formulada. Até porque no âmbito de pedido de autorização de residência, “o uso de meios cautelares, nomeadamente antecipatórios, mostram-se inidóneos, pois equivaleriam à atribuição de facto, efetiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal. A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal;” (realce nosso) – cfr. acórdão TCA Sul, de 02.15.2018, prolatado no Processo n.º 2482/17.2BELSB. * Ademais, igualmente é motivo de rejeição a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada. Ora, no que tange ao fumus boni iuris, aduz a Requerente que fez o pedido de residência temporária no dia 18/10/2023 no antigo SEF, tendo pago o respetivo valor e ficando com o respetivo recibo. Mais aduz que, o pedido foi submetido no dia 18/10/2023, cumprindo com todos os requisitos legais, sendo que nada mais foi dito à requerente. Os 90 dias, sem contar com sábados, domingos e feriados, acabava no dia 25 de Fevereiro de 2024, estando largamente excedido o prazo. Assim há deferimento tácito do pedido de autorização de residência, sendo a emissão do título de residência imediata. Ora, no que se refere ao alegado deferimento tácito, cumpre referir que o mesmo não ocorre. Na verdade, inexiste qualquer ato expresso de deferimento do pedido de autorização de residência, por banda da AIMA, pelo que, poderia apenas colocar-se a hipótese de ter ocorrido formação de deferimento tácito. Todavia, no caso não nos encontramos perante situação enquadrável no âmbito da formação de deferimento tácito. Explicitando. Dispõe o n.º 1 do artigo 81.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, que “O pedido de autorização de residência pode ser formulado pelo interessado ou pelo representante legal e deve ser apresentado junto da AIMA, I. P., sem prejuízo do incluído nos regimes especiais constantes dos instrumentos previstos no n.º 1 do artigo 5.º”. Ao passo que o artigo 82.º da mesma Lei, rege o seguinte: “1 - Compete à AIMA, I. P., solicitar e obter de outras entidades os pareceres, informações e demais elementos necessários para o cumprimento do disposto na presente lei em matéria de concessão ou de renovação de autorização de residência. 2 - Sem prejuízo da análise e verificação do cumprimento dos demais pressupostos legais previstos no presente capítulo, no âmbito da instrução dos pedidos de autorização e de renovação de residência, compete à AIMA, I. P.: a) Proceder à consulta direta e imediata das bases de dados do SIS; e b) Sempre que julgar necessário e justificado, solicitar e obter da UCFE informação com vista à verificação da inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, bem como de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa. 3 - A UCFE disponibiliza à AIMA, I. P., a informação referida na alínea b) do número anterior, no prazo de 15 dias. 4 - A ausência de prestação de informação pela UCFE à AIMA, I. P., no prazo previsto no número anterior, corresponde à inexistência de razões de segurança interna ou de ordem pública, de prevenção da imigração ilegal e da criminalidade conexa que não admitam a concessão ou renovação da autorização de residência. 5 - O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias 6 - O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias. 7 - Na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, por causa não imputável ao requerente, o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata. 8 - A decisão de indeferimento é notificada ao interessado, com indicação dos fundamentos, bem como do direito de impugnação judicial e do respetivo prazo, sendo enviada cópia ao Conselho Consultivo.” Decorre do normativo citado (artigo 82.º da Lei n.º 23/2007) que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias, por sua vez o pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias. No tocante à formação de deferimento tácito, o n.º 7 do artigo 82.º da Lei 23/2007, preconiza que “na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, por causa não imputável ao requerente, o pedido entende-se como deferido”, ou seja, a formação de deferimento tácito apenas tem lugar nas situações de pedidos de renovação de autorização de residência (quando ultrapassado o prazo legal para decidir – 60 dias), uma vez que a norma expressamente delimita a formação de deferimento tácito aos casos previstos no número 6 do artigo 82.º da Lei 23/2007. Desta forma, nos casos de pedidos originários de concessão de autorização de residência e sujeitos ao prazo de decisão de 90 dias, não é aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 82.º, inexistindo formação de deferimento tácito. Ademais, nos termos da legislação geral (CPA) o artigo 130.º não contempla qualquer formação de deferimento tácito pela inação, antes remetendo esse efeito para os casos de menção expressa em lei especial, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 130.º do CPA. Face ao exposto, no caso dos autos a Requerente formulou, originariamente, pedido de concessão de autorização de residência que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 82.º da lei 23/2007, deveria ser decidido no prazo de 90 dias, todavia, sem a cominação prevista no n.º 7 do artigo 82.º da mesma Lei. Assim sendo, improcede o segmento condenatório formulado pelo Requerente atinente à emissão de título de residência, por se ter formado deferimento tácito. Ademais, o facto de a AIMA ter extravasado o prazo legal de decisão não é fundamento de condenação desta entidade à emissão de autorização de residência. A emissão de autorização de residência está subordinada ao preenchimento dos requisitos plasmados nas normas plasmadas nos artigos 77.º e 88.º da Lei 23/2007 e entre eles destaca-se, por exemplo, “inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto”; “posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º”; “alojamento”; “não se encontrar no período de interdição de entrada e de permanência em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento”; “ausência de indicação no SIS”; “ausência de indicação no Sistema Integrado de Informação do SEF para efeitos de recusa de entrada e de permanência ou de regresso, nos termos dos artigos 33.º e 33.º-A.”. Ora, estes elementos carecem de impulso instrutório da entidade requerida, nomeadamente junto de outras entidades (como é o caso do SIS). Além disso, note-se que é facto público e notório que em fevereiro de 2022 deflagrou a guerra na Ucrânia, guerra essa que envolve a Federação Russa, país do qual a Requerente é nacional. E é dentro deste quadro que a Comissão Europeia, por intermédio da Recomendação C (2022) 2028, de 28 de março de 2022, propõe a adoção de medidas de resposta ao conflito armado, onde se incluem restrições à concessão, bem como à renovação, de autorizações de residência de investimento (ARI) a cidadãos provenientes da Federação Russa e da Bielorrússia (devidamente sinalizados). Além disso, por força dessa alteração do quadro vigente, os países da União Europeia, onde se inclui Portugal, passaram a adotar um maior controlo de segurança na concessão de autorizações de residência a cidadãos da Federação Russa. Neste quadro, a instrução a efetuar no procedimento terá de atender a estas contingências e ter em conta a Recomendação C (2022) 2028, de 28 de março de 2022, da Comissão Europeia. Até porque a emissão de autorização de residência, como já referimos, está subordinada ao preenchimento dos requisitos plasmados nas normas citadas, nomeadamente no artigo 77.º da Lei 23/2007 e entre eles destaca-se, por exemplo, “inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto”; e a “ausência de indicação no SIS”. Assim, um qualquer pedido de autorização de residência de um cidadão proveniente desse país deve ser analisado á luz destas alterações, tendo em atenção a recomendação C (2022) 2028, de 28 de março de 2022, da Comissão Europeia e a segurança nacional (efetuando uma instrução à luz das novas diretrizes). Além disso, note-se que nos situamos no domínio de direitos fundamentais e, assim sendo, a atuação vinculada da administração mostra-se mais intensa, sendo de afastar, nesta matéria, a outorga de poderes discricionários à administração, todavia sempre será de ter em conta que ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 77.º da mencionada Lei, “pode ser recusada a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.”, ou seja, a concessão da autorização de residência poderá ser recusada pela Administração fazendo uso de ponderações jurídicas. Desta forma, ao tribunal está vedada a pronuncia condenatória peticionada, até porque, não estamos perante um ato de conteúdo vinculado, ou discricionariedade reduzida a zero, conforme dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do CPTA, não se afigurando que o Requerente tenha direito à emissão de decisão condenatória com a amplitude que o mesmo requereu e, dessa forma, conclui-se pela falta de fundamento da pretensão formulada pela Requerente. Mostrando-se já nesta fase, de forma manifesta, que a pretensão da Requerente, por ser ostensivamente inviável, não tem qualquer probabilidade de vir a ser julgada procedente no processo principal, impõe-se, desde já, rejeitar liminarmente o requerimento inicial, nos termos do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA.” Ou seja, entendeu o Tribunal a quo que se impunha a rejeição liminar do requerimento cautelar por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d), do CPTA, uma vez que: (i) a concessão de autorização de residência em sede cautelar, ainda que a título provisório, esvazia de objecto a acção principal; e (ii) não se verifica o requisito do fumus boni iuris, não só porque não há deferimento tácito do pedido de autorização de residência por falta de decisão do mesmo no prazo legalmente previsto para o efeito, por não ser aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e nos termos do artigo 130.º do CPA, mas também porque a ultrapassagem do prazo de decisão não é fundamento de condenação da entidade requerida a emitir autorização de residência, pois que esta está subordinada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 77.º e 88.º da Lei n.º 23/2007, não se tratando de acto vinculado, além de que a Comissão Europeia decretou restrições à concessão, bem como à renovação, de autorizações de residência de investimento (ARI) a cidadãos provenientes da Federação Russa e da Bielorrússia (devidamente sinalizados). Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, alegando que a autorização de residência pode ser concedida a título provisório e que o requisito do fumus boni iuris está verificado, não só porque foi violado o dever de decisão do requerimento para autorização de residência, mas também porque o artigo 88.º não é aplicável e os requisitos previstos no artigo 77.º estão verificados, não sendo a recomendação da Comissão Europeia vinculativa, nem se sobrepondo à Lei n.º 23/2007. Vejamos. Uma vez distribuído, o processo cautelar é concluso ao juiz para despacho liminar, no qual o requerimento cautelar pode ser admitido ou rejeitado – cfr. n.º 1 do artigo 116.º do CPTA. A rejeição do requerimento cautelar através do despacho liminar permite “a eliminação ab initio de processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade”, evitando “o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso”, devendo, por isso, apenas ter lugar “quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão deduzida é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente ou se verifique uma total ausência do pedido ou da causa de pedir em termos de o requerimento não poder ser objeto de convite ao aperfeiçoamento” – neste sentido, cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 949. De acordo com a alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, constitui fundamento de rejeição liminar do requerimento cautelar a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, o que se prende “com a aplicação dos critérios de que depende a adoção das providências cautelares e há de fundar-se num juízo negativo sobre o preenchimento de algum dos pressupostos de que depende a aplicação desses critérios: por via de regra, de acordo com o regime comum dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º, o periculum in mora, o fumus boni iuris e a ponderação de danos” – idem, p. 951. Tendo a sentença recorrida rejeitado liminarmente o requerimento cautelar com tal fundamento, atento o invocado erro de julgamento, importa apurar se o mesmo se verifica. Como vimos, aí se considerou que era manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, não só por não se verificarem a instrumentalidade e a provisoriedade que caracterizam o processo cautelar, mas também por não estar verificado o requisito do fumus boni iuris. Comecemos por aferir da verificação das características da instrumentalidade e da provisoriedade das providências cautelares. Como resulta do n.º 1 do artigo 112.º do CPTA, o processo cautelar caracteriza-se pela sua adequação – de modo a evitar o periculum in mora -, utilidade – a fim de prevenir a inutilidade da sentença a proferir no processo principal, por infrutuosidade ou retardamento -, instrumentalidade - na medida em que depende da existência de uma acção principal, a propor ou já proposta -, pela provisoriedade da decisão - uma vez que esta não se destina a resolver definitivamente o litígio -, e pela sumariedade - porque implica uma summaria cognitio da situação através de um processo simplificado e célere. “Existe inutilidade da sentença por infrutuosidade quando, mercê da evolução das circunstâncias, já não é possível dar corpo, no plano dos factos, ao que é determinado na sentença, pelo que se assiste à perda definitiva da utilidade pretendida no processo principal. A sentença é (parcialmente) inútil em virtude do retardamento, na medida em que, embora a sua execução seja possível e permita evitar a produção de danos futuros, a verdade é que já não está em condições de remover os danos irreparáveis ou de difícil reparação que resultaram do estado de insatisfação do direito que se manteve durante a pendência do processo.” - idem, p. 914. A provisoriedade das providências cautelares traduz-se numa regulação temporária, que vigora apenas na pendência do processo principal, até à prolação de sentença no mesmo, na qual é estabelecida a regulação definitiva. Assim, não tem cabimento decretar uma providência cautelar que regule a relação jurídica controvertida em termos definitivos pois que isso apenas se alcança no processo principal. Tal não significa, contudo, “que uma providência cautelar não possa antecipar, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo. Ponto é que essa antecipação tenha, na verdade lugar a título provisório e, portanto, que ela possa caducar se, no processo principal, o juiz chegar a conclusões que sejam incompatíveis com a manutenção da situação provisoriamente criada. (…)” – cfr. Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Maio 2004, pp. 305 a 307. Quanto à falta de instrumentalidade e provisoriedade, entendeu o Tribunal a quo que a concessão, nesta sede cautelar, da peticionada autorização de residência, ainda que a título provisório, consumiria o objecto da acção principal, na qual era pedida a concessão autorização definitiva. Contudo, a emissão de um título de residência provisório é adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, no qual é pedida a concessão de autorização de residência, na medida em que permite que o requerente permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência. Trata-se de uma providência cautelar de natureza antecipatória que, respeitando a característica da provisoriedade – dado que antecipa, a título provisório, a produção do mesmo efeito que a decisão a proferir no processo principal poderá determinar a título definitivo (a concessão de autorização de residência) -, é susceptível de caducar se, no processo principal, o Tribunal decidir que não assiste ao autor o direito à autorização de residência, não criando, assim, uma situação definitiva nem irreversível, mantendo a sua instrumentalidade face ao processo principal. Revestindo a providência cautelar requerida de concessão de autorização de residência provisória as características da instrumentalidade e da provisoriedade, não se pode concluir – como o fez o Tribunal a quo – no sentido da manifesta falta de fundamento da pretensão por carecer de tais características. Debrucemo-nos, agora, sobre o requisito do fumus boni iuris, apreciando se é manifesto que o mesmo não se verifica a ponto de se impor a rejeição liminar do requerimento cautelar. Os pressupostos do decretamento das providências cautelares constam do artigo 120.º do CPTA, cujos n.ºs 1 e 2 estabelecem o seguinte: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Assim, a adopção de providências cautelares depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) periculum in mora, ou seja, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e (ii) fumus boni iuris, ou seja, probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal. Todavia, ainda que verificados tais pressupostos, as providências cautelares são recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Em suma, a não verificação do periculum in mora ou do fumus boni iuris determina o indeferimento da providência; caso se verifiquem cumulativamente tais pressupostos – e só apenas nesse caso -, importa proceder à referida ponderação de interesses públicos e privados em presença e, decorrendo da mesma que os danos que resultariam da concessão da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências, o Tribunal indefere a providência. No que concerne ao fumus boni iuris, a probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal é aferida, nesta sede cautelar, através de uma análise perfunctória, ou seja, não se exige que o Tribunal se debruce sobre o mérito da pretensão com a profundidade com que o terá de fazer no âmbito da acção principal “(…) de modo a não substituir, ou afectar, a liberdade de julgamento em sede de processo principal.” – cfr. o citado aresto. Como consta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2016, proferido no processo n.º 0979/16 (in www.dgsi.pt), “«Provável» é o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça.” Para a formação de tal juízo de probabilidade, é um ónus do requerente da providência trazer ao processo factos e argumentos que preencham esse juízo de probabilidade – cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno) de 10.12.2020, proferido no processo n.º 010/20.1BEMDL-A (in www.dgsi.pt). O Tribunal a quo concluiu pela manifesta falta de verificação do requisito do fumus boni iuris, não só por não haver deferimento tácito do pedido de autorização de residência por falta de decisão do mesmo no prazo legalmente previsto para o efeito -por não ser aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e nos termos do artigo 130.º do CPA -, mas também por ter entendido que a ultrapassagem do prazo de decisão não é fundamento de condenação da entidade requerida a emitir autorização de residência, pois que esta está subordinada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 77.º e 88.º da Lei n.º 23/2007, não se tratando de acto vinculado, além de que a Comissão Europeia decretou restrições à concessão, bem como à renovação, de autorizações de residência de investimento (ARI) a cidadãos provenientes da Federação Russa e da Bielorrússia (devidamente sinalizados). A recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando que o requisito do fumus boni iuris está verificado, não só porque foi violado o dever de decisão do requerimento para autorização de residência, mas também porque o artigo 88.º não é aplicável e os requisitos previstos no artigo 77.º estão verificados, não sendo a recomendação da Comissão Europeia vinculativa, nem se sobrepondo à Lei n.º 23/2007. Analisemos. A pretensão a formular pela requerente no processo principal – como a mesma expressa no ponto 35 do r.i. – é a “condenação da Requerida a emitir um título de autorização de residência” em conformidade com o pedido que apresentou ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho. A Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração. Sobre as “Condições gerais de concessão de autorização de residência temporária”, dispõe o artigo 77.º, nos seus n.ºs 1 e 2, que “Sem prejuízo das condições especiais aplicáveis, para a concessão da autorização de residência deve o requerente satisfazer os seguintes requisitos cumulativos: a) Posse de visto de residência válido, concedido para uma das finalidades previstas na presente lei para a concessão de autorização de residência; b) Inexistência de qualquer facto que, se fosse conhecido pelas autoridades competentes, devesse obstar à concessão do visto; c) Presença em território português; d) Posse de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º; e) Alojamento; f) Inscrição na segurança social, sempre que aplicável; g) Ausência de condenação por crime que em Portugal seja punível com pena privativa de liberdade de duração superior a um ano; h) Não se encontrar no período de interdição de entrada em território nacional, subsequente a uma medida de afastamento do País; i) Ausência de indicação no Sistema de Informação Schengen; j) Ausência de indicação no Sistema Integrado de Informações do SEF para efeitos de não admissão, nos termos do artigo 33.º” e que “Sem prejuízo das disposições especiais aplicáveis, pode ser recusada a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.” Dispõe ainda o n.º 2 do artigo 88.º, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 02 de Junho – aplicável ao caso em apreço, atenta a data de apresentação do requerimento (18.10.2023) -, que “Mediante manifestação de interesse apresentada através do sítio do SEF na Internet ou diretamente numa das suas delegações regionais, é dispensado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º, desde que o cidadão estrangeiro, além das demais condições gerais previstas naquela disposição, preencha as seguintes condições: a) Possua um contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada por sindicato, por representante de comunidades migrantes com assento no Conselho para as Migrações ou pela Autoridade para as Condições do Trabalho; b) Tenha entrado legalmente em território nacional; c) Esteja inscrito na segurança social, salvo os casos em que o documento apresentado nos termos da alínea a) seja uma promessa de contrato de trabalho.” Finalmente, nos termos do n.º 5 do artigo 82.º, o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias. A propósito do requisito do fumus boni iuris, a requerente alega no r.i. que, tendo o seu pedido de autorização de residência sido apresentado em 18.10.2023, cumprindo a mesma todos os requisitos legais e não tendo o pedido sido decidido no prazo de 90 dias úteis, previsto no artigo 82.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, há deferimento tácito do pedido de autorização de residência, sendo a emissão do título de residência imediata. Sobre os requisitos legais para a concessão da autorização de residência pretendida, a requerente alega que é de nacionalidade russa, casada com pessoa residente em Portugal, tendo obtido título de residência temporária para exercício de actividade profissional independente e visto para obtenção de residência por 120 dias, em 06/07/2023, válido até 02/11/2023, residindo em Portugal, estando inscrita na segurança social e tendo NIF, não tendo antecedentes criminais e tendo meios de subsistência suficientes, tendo o seu marido assinado um termo de responsabilidade em como se responsabiliza pela requerente. É certo que não há deferimento tácito do pedido de autorização de residência por falta de decisão do mesmo no prazo legalmente previsto para o efeito, por não ser aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 82.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, referente ao pedido de renovação da autorização de residência (cfr. n.º 6), estando em causa a concessão, e não a renovação, de autorização de residência. É também certo que a mera ultrapassagem do prazo de decisão não é fundamento de condenação da entidade requerida a emitir autorização de residência, pois que esta está subordinada ao preenchimento dos requisitos previstos na Lei n.º 23/2007. Todavia, considerando alegação da requerente, e tendo o Tribunal a quo considerado indiciariamente provado que a requerente é detentora de nacionalidade russa, obteve visto de residência por 120 dias, em 06/07/2023, válido até 02/11/2023, que registou a sua manifestação de interesse junto do SEF, ao abrigo do artigo 88.º n.º 2, da Lei 23/2007, que, em 11-04-2024, deu entrada em juízo o requerimento inicial que deu origem aos presentes autos, e que tal pedido, até à data, não obteve decisão, temos de concluir que não é manifesta a falta de probabilidade de procedência da pretensão formulada no processo principal. Com efeito, resulta do probatório que o pedido de autorização de residência apresentado pela requerente não foi decidido dentro do prazo de 90 dias, legalmente previsto para o efeito, e há indícios de que a requerente preenche alguns dos requisitos para a concessão da almejada autorização de residência, como posse de visto de residência, presença em território português, alojamento e inscrição na segurança social. Assim sendo, não se pode concluir pela manifesta falta de probabilidade de procedência da pretensão a formular no processo principal, de “condenação da Requerida a emitir um título de autorização de residência”. Ademais, a recomendação da Comissão Europeia acerca de restrições à concessão de autorizações de residência de investimento a cidadãos provenientes da Federação Russa, a que se reporta a sentença recorrida, não pode interferir no procedimento administrativo em causa uma vez que não é vinculativa, atento o disposto no artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Nestes termos, revestindo a providência cautelar requerida de concessão de autorização de residência provisória as características da instrumentalidade e da provisoriedade, e tendo a recorrente alegado factos (alguns dos quais considerados indiciariamente provados) aptos a concluir pela probabilidade da procedência da pretensão a formular na acção principal - não sendo, assim, manifesta a falta de verificação do requisito do fumus boni iuris -, não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 116.º do CPTA. Deste modo, não podia o Tribunal rejeitar liminarmente o requerimento cautelar com tal fundamento, pelo que se impõe julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de, se nada mais a tal obstar, no mesmo se prosseguir com a tramitação dos presentes autos, designadamente possibilitar à entidade requerida a apresentação de oposição, atento o desentranhamento da mesma, em cumprimento do despacho de 12.06.2024, proferido pelo juiz a quo. * Por não haver vencimento nem proveito, nos termos do n.º 1 do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e considerando que a presente decisão não é a decisão definitiva do processo – prosseguindo o mesmo termos com a baixa dos autos à 1.ª instância -, será a parte vencida a final a responsável pelas custas – neste sentido, seguindo o entendimento adoptado no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 16.12.2015, proferido no processo n.º 12356/15, in www.dgsi.pt .V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de, se nada mais a tal obstar, no mesmo se prosseguir com a tramitação dos presentes autos. Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 31 de Outubro de 2024. Joana Costa e Nora (Relatora) Pedro Nuno Figueiredo Ricardo Ferreira Leite |