Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:827/15.9BALSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:
FACTOS CONCLUSIVOS;
ÓNUS DE PROVA;
ARTIGO 121.º, N.º 1, DO CPT.
Sumário:I. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção deve o mesmo ser eliminado.

II. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só tem lugar quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pelas soluções dada a outras.

III. O artigo 121.º, n.º 1, do CPT (actual artigo 100.º do CPPT), não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA inconformada com a sentença proferida pelo, então, 2° Juízo do tribunal de 1.ª Instância do Porto, que julgou procedente a impugnação deduzida por B........ LDª contra as liquidações de Imposto Especial de Consumo (IEC) sobre Bebidas Alcoólicas n.°s………., de 06/03/97 e n.°………, de 02/04/97, no montante de 70.363.83$00, efectuadas pela Alfandega de Leixões, dela veio recorrer para este Tribunal, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

« I - A liquidação final notificada à impugnante para pagamento (agora anulada) foi apurada com base nas Conclusões do Relatório de Inspecção, descritas resumidamente no ponto 2 das Alegações feitas no tribunal «a quo». E que incluíam as citadas divergências detectadas no entreposto fiscal de que a impugnante era titular e o montante relativo ao não apuramento do DAA (Documento Administrativo de Acompanhamento), emitido, em 11/11/96, em nome da firma B........, Lda, para a expedição em regime de suspensão de imposto (IEC) de 1380 gfs. + 628 gfs. de aguardente bagaceira Ponte da Barca para a firma A.........

II - A douta sentença recorrida ao concluir que não se atendeu à factualidade dos artigos 11.° a 35° da Petição Inicial, por inutilidade, uma vez que a Administração Aduaneira tinha dado atendimento já à respectiva rectificação, enferma de erro na apreciação das provas e dos elementos constantes do processo (erro nos pressupostos de facto que motivaram a decisão), uma vez que, pese embora o facto de as razões invocadas nos art.°s 11° a 35 ° da Petição de Impugnação terem sido atendidas (em parte) de que resultou a rectificação da liquidação RLQ ........, a liquidação impugnada incluiu os montantes referidos no ponto anterior.

III - A douta sentença recorrida é omissa sobre a sobre a questão de saber se as faltas e excedentes dos produtos (bebidas alcoólicas) sujeitas a IEC's constatados pela equipa inspectiva nos dois varejos feitos ao Entreposto Fiscal de que era titular a firma impugnante é ou não facto constitutivo de uma dívida fiscal relativa a Imposto Especial sobre o Consumo (IEC).

IV - Como igualmente não consta qualquer pronúncia sobre a questão de saber se o não apuramento do DAA (Documento Administrativo de Acompanhamento), emitido, em 11/11/96, em nome da firma B........, Lda., para a expedição em regime de suspensão de imposto (IEC) de 1380 gfs. + 628 gfs. de aguardente bagaceira Ponte da Barca para a firma A........ é ou não facto constitutivo de uma dívida fiscal. E em caso afirmativo, qual a pessoa obrigada ao seu pagamento (cf. Quadro III do Relatório da inspecção, a folhas 59 dos autos).

V - Dado o «déficit» instrutório da douta sentença recorrida deverão os autos baixar ao tribunal «a quo» para se proceder à ampliação da matéria de facto para cabal esclarecimento da legalidade ou ilegalidade da liquidação (cfr. n° 2 e 4 dos art.°s 712 ° e 749.° do CPC e art° 169.° do CPT). Sem prescindir,

VI - A douta sentença recorrida ao concluir que a prova produzida pela impugnante era no sentido de invalidar as bases indiciárias em que a Administração Fiscal tinha actuado para considerar as operações como simuladas incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. Já que,

VII - As provas apresentadas pela impugnante - nomeadamente a prova testemunhal - não são de modo a por em causa as Conclusões do Relatório de Inspecção feita à firma impugnante em que se fundamentou a liquidação impugnada e agora anulada.

VIII - De facto, não conseguiu a impugnante demonstrar, e a ela cabia o ónus da prova como se referiu, quer junto das autoridades aduaneiras, quer junto do tribunal «a quo», que as firmas destinatárias das mercadorias integrando operações de circulação em regime suspensivo (circulação entre entrepostos fiscais declarados) tinham procedido elas próprias ao pagamento das mesmas. Ou que as mercadorias tenham sido pagas por terceiros por conta das firmas destinatárias.

IX - Não é dada, igualmente, resposta pela impugnante à comprovada (e não explicitada) falta de correspondência entre os valores constantes dos cheques que alegadamente serviram de suporte ao pagamento das remessas das bebidas alcoólicas e os valores das mercadorias constantes das facturas comerciais emitidas pela firma impugnante. Desconhecendo-se igualmente a correspondência trocada entre as firmas envolvidas no negócio, recibos de quitação das mercadorias, etc.

X - Ora, estas questões (ou a falta de resposta por parte da impugnante às mesmas) são questões essenciais para se concluir, como defende o RFP, que as remessas de bebidas alcoólicas facturadas às firmas S........, Lda e à A........ -…….., L.da, contabilisticamente registadas na firma B........, L.da, configuram situações de negócios simulados.

XI - A impugnante não logrou na prova apresentada, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, demonstrar que os pagamentos tinham sido feitos através de cheques (não dos destinatários mas de terceiros cuja ligação aos destinatários das mercadorias na maior parte dos casos é desconhecida e sem que fosse feita qualquer demonstração entre o montante dos cheques recebidos e os pagamentos devidos pelas alegadas operações comerciais).

XII - Cabia à impugnante o ónus da prova dos factos atrás descritos, nos termos do n.° 2 do art.° 121.° do CPT, já que a liquidação baseou-se na inexistência ou recusa de exibição de documentos legalmente exigidos que deveriam constar da contabilidade ou escrita da impugnante.

XIII - A douta sentença recorrida ao concluir existir fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, anulando, em consequência, os actos de liquidação impugnados, fez errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do disposto no n.° 2 do art.° 121.° do CPT.

XIV - O qual determina a inversão do ónus da prova, em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indiciários, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, como é o caso dos autos. Como tranquilamente têm decidido os nossos tribunais superiores.

XV - Normas violadas: art.° 40.° e n.° 2 do art.° 121.º do CPT.

XVI - Nestes termos, deverá dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a douta sentença recorrida.

Assim se procederá de acordo com a LEI e se fará JUSTIÇA.»



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Contra - alegou a recorrida formulando as seguintes conclusões:

« l - Se os actos de liquidação que a aqui Recorrida impugnou a consideravam devedora de imposto em razão de três situações distintas, a saber, a constatação, em acções de varejo efectuadas no seu entreposto, da ocorrência de diferenças entre os saldos contabilísticos de produtos e as respectivas existências físicas, a situação de não-apuramento de um documento de acompanhamento de uma remessa de aguardente expedida em regime suspensivo e a indiciação de simulação em operações de circulação de produtos em regime suspensivo, apenas esta terceira, retratada no Quadro IV do Relatório de Inspecção, era objecto da impugnação quando a Sentença recorrida dela julgou, já que a segunda, aludida no Quadro II do mesmo relatório não foi contestada, e a primeira, a que se refere o Quadro I foi administrativamente corrigida antes da remessa dos autos a Juízo, em termos com que a Impugnante se conformou;

II - A circunstância de essas três situações terem fundamentado as liquidações impugnadas não impunha que o Tribunal a quo as apreciasse todas, apenas lhe cumprindo julgar da matéria controvertida;

III - Julgada que foi a Impugnação nessa parte, não houve omissão de pronúncia alguma, nem há que proceder a qualquer ampliação;

IV - A Recorrente alega, no mais, que a Recorrida não conseguiu demonstrar, contra as Conclusões do Relatório de Inspecção em que a liquidação se fundou, que as empresas destinatárias das mercadorias a que se refere o respectivo Quadro IV tivessem procedido ao pagamento desses produtos nem sido explicada uma falta de coincidência entre os valores de meios de pagamento referidos a essas transacções e os valores destas, e que não foi conhecida a existência de correspondência entre as firmas intervenientes nos negócios nem de recibos de quitação, pelo que, ao concluir pela ocorrência de dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, o Tribunal a quo, além de não ter realizado diligências úteis para o apuramento da verdade, nos termos previstos no art. 40° do CPT, teria violado o disposto no n° 2 do seu art. 121°, que comete ao impugnante o ónus da prova nos casos de apuramento da matéria tributável por recurso a métodos indiciários;

V - Todavia, tendo as partes ampla faculdade de promoverem produção de prova, não lhes cabe invocar, em recurso, omissão de uso, pelo Tribunal, dos seus poderes de iniciativa instrutória oficiosa, e a liquidação impugnada não fixou matéria tributável por recurso a métodos indiciários, próprios dos impostos sobre o volume de negócios ou o rendimento;

VI - Ao considerar que existia dúvida fundada sobre a base indiciária em que a Administração Fiscal actuou, a Sentença recorrida ponderou as conclusões do Relatório de Inspecção que fundamentaram a liquidação em função das provas produzidas no processo, e decidiu com respeito pela repartição do ónus probatório,

VII - E, não concretizando a Recorrente os pontos da decisão de facto de que discorda, com especificação da concreta prova produzida que imporia decisão diversa, nem pode a matéria factual assente ser reapreciada, atento o disposto no n° 1 do art. 690°-A do CPC;

VIII - Essa matéria é suficiente para decisão de direito, que só pode ser, como na douta Sentença, a de que a Recorrida não é responsável pelo pagamento do imposto,

IX - Pelo que o Recurso improcede, com todas as consequências legais.»


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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, emitiu parecer do seguinte teor:

«1 - Não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia, porquanto a Mª Juíza conheceu, como lhe competia, da única questão que - após a posição assumida pela impugnante a fls.186 -se nos mostrava controvertida.

2 - A impugnante não questiona o acto de liquidação n.° ........ de 6/3/97 (parcialmente revogado pelo R.L.Lx - n.° ……… de 19/9) na parte respeitante ao não apuramento do Documento Administrativo de Acompanhamento (D.A.A) emitido em 11/11/96, cf.-art.°48° da p. inicial e art.0 20° das alegações de fls. 427 do próprio representante da Fazenda Pública.

Por outro lado, a impugnante esclarece a fls. 460 que o IEC referente a tal D.A.A. nunca esteve em causa e, por isso, a liquidação sempre deverá manter-se quanto ao I E.C. desse D.A A

3 - A questão controvertida, consubstanciada em apreciar e decidir se os produtos constantes do relatório de Inspecção (quadro IV) saíram ou não do regime de suspensão do imposto, ou dito de uma outra forma; se as transacções tituladas nas facturas em causa correspondem a operações reais ou a meras operações simuladas, foi decidida no sentido de que “todas as mercadorias descriminadas no quadro IV do relatório de fiscalização (Ponto 4.8. al.d) foram entregues aos destinatários “A........” e “ T........”.

4 - Salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto.

Com efeito, os elementos objectivos recolhidos no relatório de Inspecção (ponto 4.5 e 4.6), aqui dados como integralmente reproduzidos, devem ser acolhidos e ciados como provados, porquanto a prova testemunhal produzida por funcionários da impugnante não permite que se conclua, com o mínimo de certeza e segurança exigíveis, que as facturas em causa consubstanciam transacções reais e que a impugnante tendo recebido “de todas as transacções por parte dessas empresas ou de quem se apresentou em nome delas a prestá-lo”

5 - É óbvio que não estamos perante qualquer liquidação efectuada com recurso a métodos indiciários que, pelo seu carácter, excepcional, só pode efectuar-se nos casos e circunstâncias expressamente previstos na lei.

Trata-se antes de uma “correcção técnica”, porquanto a Administração aduaneira considerou fundada e justificadamente, com base nos elementos de prova objectivos que acolheu no seu relatório de inspecção, que as transacções em causa entre a impugnante e as duas referidas firmas eram fictícias ou simuladas e, consequentemente, as facturas apenas serviram para, ilicitamente, manter o regime de suspensão do I.E.C. com manifesto prejuízo para a Fazenda Pública.

6 - Os elementos recolhidos na Inspecção à escrita da impugnante deveriam ter sido levados ao probatório da sentença, concluindo-se que subjacente às facturas emitidas não existiu qualquer transacção real entre a impugnante e aquelas duas firmas, pelo que se trata de mero acordo simulatório feito entre emitente das facturas e destinatário das mesmas.

7 - A prova produzida pela impugnante, contrariamente ao decidido, não logrou fazer claudicar os indícios sérios e objectivos recolhidos pela A. Aduaneira e que fundamentaram o registo de liquidação, sendo certo que o ónus da prova dos factos alegados incumbia à impugnante - art.° 342° do Cód. Civil.

8 - Pelo exposto, somos do parecer que o recurso deve ser julgado procedente, proferindo-se acórdão que dê como provados os factos constantes dos pontos 4.5 e 4.6 do relatório de Inspecção e, consequentemente, revogue a douta sentença recorrida e julgue improcedente a impugnação».


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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
(i) Erro de julgamento da matéria de facto;
(ii) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
(iii) Saber se a prova apresentada - documental e testemunhal é capaz para nos fazer
concluir pela realidade das operações a que aludem as facturas em causa;
(iv) Violação do artigo 121.º do CPT.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1 - Enquanto depositária autorizada e titular de entreposto fiscal de armazenagem, em regime de suspensão, de produtos sujeitos ao Imposto Especial sobre o Consumo de Bebidas Alcoólicas (IEC), foi a impugnante sujeita a inspecção.
2 - Em resultado dela vieram a ser-lhe efectuadas as seguintes liquidações a posteriori:
•n.° ........ - no montante total de 75.913.474$00, sendo 69.965.270$00 de imposto especial sobre o consumo, 5.948.104$00, de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
•n.° ………. - no montante total de 1.677.055$00, sendo 1.551.600$00 de imposto especial sobre o consumo, 125.355$00 de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
3 - Após apreciação dos fundamentos apresentados pela impugnante em sede de recurso, a entidade liquidadora procedeu à revogação parcial da liquidação n.° ........, passando a mesma a um montante total de 69.500.864$00, sendo 63.794.585$00 de imposto especial sobre o consumo, 5.706.179$00, de juros compensatórios e 100$00 de impressos.
4 - Todas as mercadorias descriminadas nas facturas referidas no Quadro IV do relatório de fiscalização [Ponto 4.8. al. d)] foram entregues às destinatárias "A........" e "T........" - e por estas assim declarado nos respectivos Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA) na sequência de transportes efectuados a partir da impugnante, em veículos da própria.
5 - As empresas destinatárias tomaram as mercadorias a seu cargo, em regime de suspensão, disso informando as respectivas Estâncias Aduaneiras de Controlo (EAC), que recepcionaram os exemplares n.° 4 dos correspondentes DAA's e visaram os seus n.° 3, os quais foram devolvidos à expedidora devidamente anotados, para apuramento das operações.
6 - A impugnante recebeu pagamento de todas as transacções por parte dessas empresas ou de quem se apresentou em nome delas a prestá-lo.
7 - A "T........" processou pagamentos mediante endossos de cheques sacados por clientes seus e por entrega de cheques sacados pela filha do sócio gerente, S.........
8 - A "A........" processou pagamentos mediante endossos de cheques de clientes e por entrega de cheques sacados pelo seu sócio gerente, V........”


A douta sentença exarou ainda que «Inexiste matéria factual não provada, já que as demais asserções insertas na douta petição integram antes conclusões de facto e de direito».

Quando aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junto aos autos «documentos de fls. 11, 30 a 91, 165, 172, 204 a 400 destes autos e todos os documentos insertos no dossier apenso por linha sob a referência "ARTIC. 48AL/97», e no depoimento das testemunhas «inquiridas a fls. 201 a 203, 401 a 402 (empregados da impugnante e das empresas destinatárias)».
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B. DO DIREITO

DAS NULIDADES DA SENTENÇA

Nas conclusões III e IV afirma a recorrente que a sentença sob recurso é omissa sobre a questão de saber se as faltas e excedentes dos produtos (bebidas alcoólicas) sujeitas a IEC's constatados pela equipa inspectiva nos dois varejos feitos ao Entreposto Fiscal de que era titular a firma impugnante é ou não facto constitutivo de uma dívida fiscal relativa a Imposto Especial sobre o Consumo (IEC), bem como não consta qualquer pronúncia sobre a questão de saber se o não apuramento do DAA (Documento Administrativo de Acompanhamento), emitido, em 11.11.1996, em nome da firma B........, Lda, para a expedição em regime de suspensão de imposto (IEC) de 1380 gfs. + 628 gfs. de aguardente bagaceira Ponte da Barca para a firma A........ é ou não facto constitutivo de uma dívida fiscal. E em caso afirmativo, qual a pessoa obrigada ao seu pagamento (cf. Quadro III do Relatório da inspecção, a folhas 59 dos autos).

As nulidades da sentença estão taxativamente cominadas no artigo 668.º, nº1 do CPC e têm subjacente um erro de actividade ou de construção, distinguindo-se, por isso, do erro de julgamento (de facto ou de direito), bem assim das restantes nulidades processuais.

A nulidade da sentença por omissão de pronúncia vem prevista na alínea d) do preceito citado e, no âmbito do processo tributário, no artigo 125.º do CPPT.

Como é sabido falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, constituindo, embora, a dita nulidade de sentença, só se verifica quando o tribunal deixa de conhecer de questão que devia ser conhecida e não quando deixa de apreciar qualquer argumento produzido pela parte.

Questões para este efeito são «[t]odas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (cfr. A. Varela, RLJ, 122º, 112) e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, 143).

No caso dos autos, tal como entendeu o Exmº Procurador Geral Adjunto não ocorre qualquer nulidade por omissão de pronúncia, porquanto a Mma Juíza do Tribunal «a quo» conheceu, como lhe competia, da única questão que - após a posição assumida pela impugnante a fls.186 - se nos mostrava controvertida. A impugnante não questiona o acto de liquidação n.° ........ de 6.3.97 (parcialmente revogado pelo R.L.Lx- n.° 97/900063de 19/9) na parte respeitante ao não apuramento do Documento Administrativo de Acompanhamento (D.A.A) emitido em 11.11.96, cf.- artigo 48° da p. inicial e artigo 20° das alegações de fls. 427 do próprio representante da Fazenda Pública, sendo que a impugnante esclarece a fls. 460 que o IEC referente a tal D.A.A. nunca esteve em causa e, por isso, a liquidação sempre deverá manter-se quanto ao I.E.C. desse D.A.A.- .

Pois, como resulta das alegações de recurso, o que se verifica é que a recorrente confunde a recorrente nulidade da sentença com erro de julgamento já que o que pretende é que os factos invocados não foram desconsiderados porque não foram investigados (erro de julgamento da matéria de facto).

Na verdade, incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: artigo 660.° n.° 2 do CPC ex vi do artigo 2.º al. e) do CPPT, pelo que, em face da p.i., deve identificar-se como thema decidendum as questões ali suscitadas e que estão claramente identificadas na sentença recorrida: na consideração de que não se deve atender à factualidade inserta sob os artigos 11° a 35° da douta petição inicial por inutilidade uma vez que contendiam com matéria relativa à liquidação a que a própria administração deu atendimento, tendo procedido já à respectiva rectificação (cf. fls. 165), ao que a impugnante deu, nessas parte, a sua concordância (cf. fls. 186 e alegações de fls. 420), há uma única questão a decidir: se os produtos mencionados nas facturas descriminadas no Quadro IV do relatório de fiscalização saíram ou não do regime de suspensão do imposto.

Assim, na sentença recorrida havia apenas obrigação de conhecer das questões suscitadas pela Impugnante e que acabaram de enunciar-se e já não de escalpelizar todos os argumentos aduzidos em favor da tese por ela expendida, nem conhecer de todos os factos alegados e que a impugnante repute relevantes.

Saber se os factos em relação aos quais a recorrente considera que houve omissão de pronúncia deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, designadamente para serem julgados provados ou não provados, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada a factualidade provada referida pela Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.

Mesmo que se considere que a alegação da recorrente é no sentido de que na sentença não foi apreciada a questão de saber se dados factos provados de que partiu correspondem à realidade e imporiam a procedência da impugnação, sempre haverá que ter em conta que, em relação às questões suscitadas pelo contribuinte, só há obrigação de conhecer daquelas cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. artigo 660°, n.° 2, do CPC).

Ora, o provimento da arguida nulidade nos termos do artigo 668.° do CPC (ou artigo 125° do CPPT) é inviável porque os factos essenciais, e com interesse para a decisão da causa, foram, analisados na sentença aos quais, depois, se aplicou o direito.

Todas as questões pertinentes, quer de facto quer de direito, foram objecto de apreciação.

Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia até porque, em nosso modo de ver, o caso «sub judicio» se integra na hipótese de erro de julgamento já que o que a recorrente na realidade pretende é que os factos admitidos na sentença não se verificaram (erro de julgamento da matéria de facto) só nesse âmbito cabendo apreciar se foram preteridos os principio da verdade material que afastaram o principio da objectividade.

É que, só havendo a obrigação de conhecer das questões cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. artigo 660.°, n.° 2, do CPC), vê- se do probatório e do discurso jurídico da sentença que o Tribunal « a quo » justificou a falta de decisão mostrando que não lhe passou despercebida a possibilidade de a apreciar, não silenciando a questão em referência, pelo que não há omissão de pronúncia.

Donde se conclui que a sentença não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.

ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

Nas conclusões que apresentou, a recorrente pôs em causa o julgamento da matéria de facto nos termos que se transcrevem:

«VI. A douta sentença recorrida ao concluir que a prova produzida pela impugnante era no sentido de invalidar as bases indiciárias em que a Administração Fiscal tinha actuado para considerar as operações como simuladas incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. Já que,

VII. As provas apresentadas pela impugnante - nomeadamente a prova testemunhal – não são de modo a pôr em causa as Conclusões do Relatório de Inspecção feita à firma impugnante em que se fundamentou a liquidação impugnada e agora anulada.

VIII. De facto, não conseguiu a impugnante demonstrar, e a ela cabia o ónus da prova como se referiu, quer junto das autoridades aduaneiras, quer junto do tribunal «a quo», que as firmas destinatárias das mercadorias integrando operações de circulação em regime suspensivo (circulação entre entrepostos fiscais declarados) tinham procedido elas próprias ao pagamento das mesmas. Ou que as mercadorias tenham sido pagas por terceiros por conta das firmas destinatárias.

IX. Não é dada, igualmente, resposta pela impugnante à comprovada (e não explicitada) falta de correspondência entre os valores constantes dos cheques Nas conclusões que apresentou, a Fazenda Pública pôs em causa o julgamento da matéria de facto nos termos que se transcrevem:

«VI. A douta sentença recorrida ao concluir que a prova produzida pela impugnante era no sentido de invalidar as bases indiciárias em que a Administração Fiscal tinha actuado para considerar as operações como simuladas incorreu em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. Já que,

VII. As provas apresentadas pela impugnante - nomeadamente a prova testemunhal – não são de modo a pôr em causa as Conclusões do Relatório de Inspecção feita à firma impugnante em que se fundamentou a liquidação impugnada e agora anulada.

VIII. De facto, não conseguiu a impugnante demonstrar, e a ela cabia o ónus da prova como se referiu, quer junto das autoridades aduaneiras, quer junto do tribunal «a quo», que as firmas destinatárias das mercadorias integrando operações de circulação em regime suspensivo (circulação entre entrepostos fiscais declarados) tinham procedido elas próprias ao pagamento das mesmas. Ou que as mercadorias tenham sido pagas por terceiros por conta das firmas destinatárias.

IX. Não é dada, igualmente, resposta pela impugnante à comprovada (e não explicitada) falta de correspondência entre os valores constantes dos cheques».

Nas contra-alegações a recorrida, invocou a inadmissibilidade de reapreciação da matéria de facto por a recorrente não ter cumprido o ónus previsto no artigo 690.º-A do CPC [“VII. E, não concretizando a Recorrente os pontos da decisão de facto de que discorda, com especificação da concreta prova produzida que imporia decisão diversa, nem pode a matéria factual assente ser reapreciada, atento o disposto no n.º 1 do art. 690.º-A do CPC.”].

Neste quadro, impõe-se, conhecer a título de questão prévia a inadmissibilidade do recurso uma vez como vimos a recorrente visa contestar a sentença recorrida quando ao julgamento da matéria de facto e a recorrida considera incumpridos os ónus elencados no artigo 690.º-A do CPC.

Vejamos, então.

Os nºs 1 e 2, do artigo 690.º-A, do CPC, introduzido pelo Decreto – Lei nº39/95, de 15/2, tinham a seguinte redacção:

«1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº2 do art.522º-C.

Ora, da análise do recurso, constatamos que a recorrente, nas suas alegações, não indicou os concretos pontos da matéria de facto que entende estarem incorrectamente julgados, não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo e por referência ao assinalado na Acta de Inquirição de Testemunhas de fls. 201 a 203 e 401 a 402 (Cfr. nº 2 do artigo 522.º-C), nem tão pouco indicou quais os depoimentos em que funda a sua discordância. Esta indicação concreta constitui o essencial do normativo contido no nº 1, alínea b) e melhor concretizado no nº 2 do artigo 690.º-A do CPC.

Podemos, assim concluir, tal como a recorrida, que não foram cumpridos os ónus previstos no artigo 690.º-A, do CPC.

Tanto basta para rejeitar a apreciação do recurso quanto à matéria de facto.

No entanto, que como é sabido a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.

Assim, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, o mesmo deve ser eliminado.

No caso vertente, é de meridiana clareza, que a matéria enunciada sob os pontos 6., 7 e 8 da matéria de facto provada tem um carácter manifestamente conclusivo .

Com efeito, a redacção de tais pontos encerram juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum.

Impõe-se, pois, expurgar da matéria de facto provada os pontos 6., 7 e 8 da matéria de facto uma vez que a mesma encerra exclusivamente matéria de natureza conclusiva (cfr. artigo 607.º, n.º 4 do CPC).

Não obstante o que acaba de ser referido, não existe qualquer outra factualidade com interesse para a matéria aqui em discussão que se possa aditar ao probatório, pois que os cheques (fls. 382, 385, 386, 387, 388, 389, 390, 391, 392, 393, 394, 395, 396, 397,399, 400, dos autos) e a Relação de cheques entregues pela «A........-…… , Lda» e respectivo gerente V....... ( fls. 383 e 398 dos autos) não apresentam qualquer referência a que pagamento se referem. Nem tão pouco dos depoimentos prestados (Acta de Inquirição de Testemunhas (fls.201 a 203 e 401 a 402 dos autos) se pode retirar qualquer conclusão a que aqueles se referem, sublinhando-se que a recorrida a fls. 186 dos autos, prescindir da prova pericial requerida.

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

9. Na sequência da acção inspectiva identificada no ponto 2, foi elaborado o Relatório de Inspecção do qual, para além do mais, consta o seguinte:

«4. 5 Do controlo dos fluxos financeiros

Os Diários escriturados são os seguintes:

1-COMPRAS

2-VENDAS

3- OPERAÇÕES DIVERSAS

4- CAIXA

5- LETRAS

6- BANCOS

Os procedimentos realizados para efeito de contabilização do Imposto Especial de Consumo consistiram nas seguintes relevações: nas vendas:

2111 (Clientes)

a 71111 (Mercadoria) / 71116 (IEC) / 24233 (IVA) nas devoluções de vendas:

71711 (Mercadoria)/71716 (IEC)/24341 (IVA) a 2111 (Clientes) no apuramento do IEC (fotocópia do Mod. 2109):

71116 (IEC liquidado aos clientes) a 24901 (IEC apurado a pagar na Alfândega) /

71716 (IEC devolvido aos clientes) no pagamento (guia Mod 2109):

24901 (IEC apurado a pagar na Alfândega)

a 11 (Caixa) /12 (Depósitos à Ordem)

A consulta para análise das facturas de venda permitiu constatar a inexistência de 9 (nove) verificando-se por conseguinte descontinuidades na numeração sequencial daqueles documentos. As facturas em causa são as seguintes: 962368, 962471, 962569, 962672, 963045, 963491, 963762, 963821 e 960999.

Constatamos a existência de facturas com valores negativos tendo sido apresentado para o efeito a justificação de que seriam equivalentes a notas de crédito não obstante os signatários constatarem que a empresa processa notas de crédito.

A análise dos documentos justificativos dos fluxos de entrada em Caixa tomou-se mais morosa a partir do mês de Agosto em virtude de ter sido implementado um critério diferente no lançamento/arquivo dos documentos deixando-se de numerar documento a documento e passando a adoptar-se um mesmo número interno para o conjunto de recibos do mesmo dia.

A análise dos documentos lançados no Diário de Caixa permitiu constatar que, em regra, nos recibos emitidos para clientes na sequência de vendas com o IVA e o IEC liquidado (não suspenso) é indicado o modo de pagamento e no caso da transacção comercial ter sido paga através de cheque o n° respectivo. Pelo contrário, nas vendas realizadas no âmbito do regime de suspensão tais indicações constituem a excepção - vide as fotocópias dos triplicados dos recibos emitidos para os clientes Soc. Vin. T........, Lda., A........, C....... e A....... - não obstante as declarações prestadas pelo sócio-gerente da B……. a propósito dos meios de pagamento utilizados pelos seus clientes.

Dada a sua importância relativa no contexto das operações formalizadas adentro do regime de suspensão seleccionamos os clientes Soc. Vin. T........, Lda. e A........ no intuito de efectuarmos controlo cruzado. A análise comparativa dos respectivos documentos e/ou registos contabilísticos permitiu detectar que:

1.relativamente à empresa Soc. Vin. T........:

a)apesar da conta corrente deste cliente se encontrar saldada, como aliás foi dito pelo Sr. M....... e registado em Auto, a c/c do fornecedor B........, Lda. (B.......) na escrita daquela empresa não se encontra saldada, muito pelo contrário, apresentando um saldo credor igual a Esc: 75.869.170;

b)esta discrepância resulta do facto da contabilidade das A....... não reflectir quaisquer pagamentos ao fornecedor B…… e inclusivamente não conter o registo de todas as remessas facturadas pela B….. (facturas n° 785, 2246, 2616, 2628, 2630, 2767, 2774 e 2886) totalizando o valor de Esc: 32 817 740;

c)no arquivo de documentos contabilísticos referentes à actividade desenvolvida pela Soc. Vin. T........, Lda. e na posse do responsável pela elaboração da respectiva contabilidade - Sr. C……….., da empresa C……………, Lda., contribuinte n°………… , sita na Rua……, n° 70, 2080 Almeirim - não se encontra quaisquer originais dos recibos emitidos pela B......., justificando-se portanto a inexistência de quaisquer pagamentos efectuados por aquela empresa â B......., conforme consta do respectivo extracto de conta corrente;

d)a contabilidade desta não reflecte movimentos bancários com excepção dos registados na conta n° 16672 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alpiarça, C.R.L, em 96/01/05 e 96/04/16, referentes à constituição de garantia pela detenção de bebidas alcoólicas em regime de suspensão de IEC no valor de Esc: 1200000, e a um depósito em numerário no valor de Esc: 4896000, respectivamente;

e) muito embora esta empresa assuma também o estatuto de fornecedor na contabilidade da B......., de produtos presumivelmente fora do regime de suspensão, tal facto não é explicitado na sua escrita não apresentando sequer código de cliente; relativamente aos documentos que servem de suporte aos movimentos lançados no extracto de conta 2211248 (Soc. Vin. T........) importa evidenciar a existência de um documento (factura) com o número 354 de 96/06/12, no valor total de Esc: 351 372, que foi alterado no intuito de funcionar como recibo (vide Anexo IV).

2.relativamente à empresa A........-……….., Lda.:

a)apesar da conta corrente deste cliente se encontrar saldada, como aliás foi dito pelo Sr. M....... e registado em Auto, o mesmo não se verifica na c/c do fornecedor B........, Lda. (B.......) na escrita da A........, muito pelo contrário, apresentando esta última conta um saldo credor igual a Esc: 84 856 020;

b)esta discrepância resulta do facto da contabilidade da A........ não reflectir quaisquer pagamentos ao fornecedor B....... e inclusivamente não conter o registo de todas as remessas facturadas pela B....... (facturas n° 2884, 2964, 5048, 5049, 5050, 5548, 5566, 5617, 5794 e 6296) totalizando o valor de Esc:30 518462;

c)a análise do extracto de conta corrente de Caixa da contabilidade da A........ e o facto desta não revelar quaisquer movimentos bancários constituem elementos que contribuem para sustentar a inexistência de registos efectuados na coluna do débito do extracto da conta n° ……….. (fornecedor B.......), isto é, a inexistência de pagamentos.

Dos documentos contabilísticos oportunamente requisitados foi recolhida toda a informação atinente aos cheques depositados pela empresa B........, Lda. encontrando-se a mesma reunida no Anexo XV.

A análise comparativa da facturação com os dados deste último quadro permitiu afectar de imediato determinados recebimentos a determinadas facturas conforme consta do quadro seguinte:

Contextualizando todos as informações disponíveis verificamos que a empresa movimentou cheques:

1- da conta n° ………. do Banco…………., cujo titular é o Sr. M....... a título de pessoa singular, no montante de Esc: 101 373 984 (cento e um milhões trezentos e setenta e três mil novecentos e oitenta e quatro escudos) - vide a este propósito o documento de Caixa n° 6825 de 96/12/31;

2.de contas particulares no B…. e B….. em nome da Sra. S........, sócia da empresa S......., Lda. nos montantes, de Esc: 2 454 750 (dois milhões quatrocentos e cinquenta e quatro mil setecentos e cinquenta escudos) e 3 000 000 (três milhões de escudos) - vide Declaração subscrita pelo Sr. M.......;

3.da conta n° ………. do M………. em nome do Sr. V......., pessoa interveniente em transacções realizadas a partir da empresa A........-………… , Lda., que totalizam o valor de Esc: 6 343 60Ú (seis milhões trezentos e quarenta e três mil e seiscentos escudos) - vide o Auto de Declarações subscrito pelo Sr. M.......;

4.e ainda o cheque n° ………. da conta n° ………… da Caixa Agrícola Mútuo, cujo titular se desconhece-os dados contabilísticos não explicitam quaisquer movimentos bancários o que leva a admitir tratar-se de uma conta não titulada pela A........ - no montante de Esc: 7 407 650 (sete milhões quatrocentos e sete mil seiscentos e cinquenta escudos), para efeito de sustentar as relevações contabilísticas referentes a recebimentos de clientes.

Estes factos conduziram os signatários a solicitar informação, junto dos demais funcionários nomeados para as acções de fiscalização desenvolvidas no âmbito do programa de controlo de IEC's referenciado no ponto n° 1 do presente relatório, tendente a possibilitar a detecção de situações similares. A partir da informação disponibilizada pelo funcionário interveniente no processo inspectivo referenciado com o n° 146/96 da Direcção de Serviços de Prevenção e Repressão da Fraude da D.G.A.I.E.C. foi possível determinar a proveniência dos cheques, no valor total de Esc: 17.674 335 e 59A003 497, depositados pela empresa B......., como sendo das contas n° ……….. do B….. e ………. do B……, respectivamente, cujo titular é M........

A análise dos últimos Balancetes analíticos do Razão Geral das empresas B........, Lda., A........ -………… , Lda. e Soc. Vin. T........, Lda. permite afirmar que não foram contraídos empréstimos a terceiros particulares, com excepção da primeira daquelas empresas em que na subconta 25511 (Empréstimos de sócios-M.......) foram registados os montantes de Esc: 4 000 000 (N° Interno 895 do Diário 06-Bancos) e 10 000 000 (N° Interno 6825 do Diário 04-Caixa).

4.6. Dos elementos recolhidos nas diligências efectuadas

Nos duplicados dos recibos emitidos pela B......., que funcionam para esta última como confirmação da entrega dos produtos nas instalações dos destinatários declarados nos Documentos Administrativos de Acompanhamento, Soc. Vin. T........, Lda., A........-……….,Lda. e M......., S.A., figuram de acordo com a indicação do Sr. M....... as rubricas/assinaturas dos funcionários que acusaram a recepção tendo este reconhecido, nos termos exarados no Auto de 97/02/05 as referentes ao Sr. H…….. e ao Sr. T……... O exame visual destes documentos permite concluir pela falta de verosimilhança entre as assinaturas, pela existência de assinaturas do Sr. T……… nos duplicados dos recibos para as A....... e A........ e pela inexistência de rubricas/assinaturas em original nos recibos para M........

Nos recibos emitidos e contabilizados pela Soc. Vin. T........, Lda. não figura nenhum que seja suporte documental de fornecimentos de produtos vendidos pela empresa B........

O último recibo, e único, de aluguer das instalações declaradas pela empresa Soc. Vin. T........, Lda., em Alpiarça, refere-se ao mês de Fevereiro de 1996.

Por informação prestada, pelo funcionário da Direcção Distrital de Finanças de Santarém atrás identificado, tivemos conhecimento da existência de facturas de vendas de produtos em suspensão de IEC processadas por esta última empresa no ano de 1995 e cuja recepção não foi acusada pelos destinatários declarados desconhecendo estes a existência daquele como seu fornecedor.

Nas instalações da empresa C……….., gabinete responsável pela contabilidade da Soc. Vin T........, tivemos acesso á leitura de uma telecópia enviada ás 13 H 48M do dia 13 de Fevereiro do escritório da empresa sendo utilizado papel timbrado da Soc. Vin. T........ e subscrita pelo Sr. H......., seu sócio-gerente. Do teor desta telecópia, cuja cópia não nos foi disponibilizada, destaca- se o contacto para um n° de telefone da rede fixa que viemos a apurar tratar-se do telefone da empresa S......., Lda. já referenciada no ponto 3. e cuja titularidade do capital social pertence às filhas do Sr. H......., conforme Pacto Social em anexo.

A Sra. S......., uma das sócias da empresa S......., Lda. embora nos tivesse confirmado a movimentação das suas contas bancárias particulares pelo seu pai (Sr. H.......) no contexto de transacções comerciais recusou-se a formalizar em Auto esta informação.

As notificações efectuadas ao Sr. H......., para a sede social da empresa Soc. Vin. T......... Lda. e para o seu domicílio fiscal, foram devolvidas sem recpção.» (fls. 45 a 103 do processo administrativo apenso)

Do mérito do recurso

Como resulta dos autos, a liquidação sindicada foi emitida na sequência de dados apurados em sede de fiscalização, que as operações comerciais efectuadas entre a recorrida e as empresas «Vinícola T........, Lda» e «A........-………, Lda», tituladas pelas facturas descriminadas no Quadro IV do relatório de fiscalização (fls. 32 a 38 dos autos) eram fictícias ou simuladas e, consequentemente as facturas apenas serviram pra, ilicitamente, manter o regime de suspensão do I.E.C. com manifesto prejuízo para a Fazenda Pública.

Na sentença recorrida julgou-se procedente a impugnação deduzida contra essa liquidação, no entendimento de que a factualidade provada é no sentido de invalidar as bases indiciárias em que a Administração Tributária actuou para considerar as operações como simuladas.

Em sede de recurso, a Fazenda Pública vem sustentar que a factualidade assente, não é de modo a poder dar como cumprido pela recorrida o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à «facturação indiciada».

E, sustenta tal posição, por não ter ficado demonstrado que as firmas destinatárias das mercadorias integrando operações de circulação em regime suspensivo (circulação entre entrepostos fiscais declarados) tinham procedido elas próprias ao pagamento das mesmas. Ou que as mercadorias tenham sido pagas por terceiros por conta das firmas destinatárias. E, bem assim, a falta de correspondência entre os valores constantes dos cheques que alegadamente serviram de suporte ao pagamento das remessas das bebidas alcoólicas e os valores das mercadorias constantes das facturas comerciais emitidas pela firma recorrida.

Com o presente recurso, a recorrente pretende que o Tribunal, além do mais, aprecie e decida os eventuais erros de julgamento respeitantes, por um lado, ao cumprimento do ónus da prova a cargo da recorrente de molde a destruir os indícios recolhidos pela Administração Tributária que lhe permitiram, concluir que as facturas emitidas pelas sociedades «Vinícola T........, Lda» e «A........-……….., Lda», consubstanciam verdadeiras operações de aquisição de bens, e por outro lado, à violação do artigo 120.º do CPT.

Vejamos, então.

Recordamos aqui os indícios que levaram a Administração Tributária a concluir que as facturas emitidas não titulavam operações reais:

«. a Conta Corrente da Soc. Vinícola Terra das A....... na contabilidade da firma B......., Lda encontra-se liquidada. Contudo, a conta corrente desta forma na contabilidade da Soc. Vinícola....... não se encontra saldada, apresentando um saldo credor de Esc. 75 869 170$;

.a Conta Corrente da firma A........ na contabilidade da firma B......., Lda encontra-se liquidada. Contudo, a conta corrente desta forma na contabilidade da Soc. Vinícola ……........ não se encontra saldada, apresentando um saldo credor de Esc.84 856 020$;

-os fornecimentos feitas por estas formas de produtos (bebidas alcoólicas) em regime de suspensão de imposto não foram pagas por estas mas por terceiros;

- Pelo contrário a venda feita pela B......., Lda, a outras firmas de produtos ( bebidas alcoólicas) fora do regime de suspensão de imposto encontram- se pagas, existindo suporte contabilísticos comprovativo de pagamento;

- Pela analise dos Balancetes analíticos da Razão Geral das firmas B......., Lda, A........ e A....... verifica-se que não foram contraídos junto de terceiros particulares (à execpção de um empréstimo feito pelo Senhor M....... á firma B......., Lda, no montante de 4 000 000$).

. Notificado, em 05.02.97, o expedidor não apresentou documentos comprovativos.

. Nos recibos emitidos e contabilizados pela Soc. Vinícola....... não figura nenhum que seja suporte documental de fornecimentos de produtos vendidos pela empresa B.........

Na contabilidade e na posse dos responsáveis pela escrita não foram encontrados os originais de quaisquer recibos emitidos pela B........ comprovativos do recebimento por esta dos montantes relativos aos produtos vendidos.»

Pois bem, não é controvertido que a Administração Tributária demonstrou os pressupostos legitimadores da sua actuação correctiva, cumprindo o ónus da prova que lhe competia na demonstração de indicadores seguros, credíveis e consistentes de que as facturas contabilizadas pela recorrida não reflectem reais e efectivas operações económicas.

Serve isto para dizer que a questão a decidir é a de saber a recorrida apresentou prova capaz de destruir os indícios recolhidos pela Administração Tributária que lhe permitiram concluir que as facturas emitidas pelas sociedades «Vinícola T........, Lda» e «A........ -….., Lda», consubstanciam verdadeiras operações de aquisição de bens.

Ora, antes de mais, importa sempre dizer que, contrariamente ao entendimento pugnado pelo Tribunal «a quo», nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPT, a que corresponde hoje igual número do artigo 100.º do CPPT, não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das facturas para conseguir ganho de causa, pois estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra o beneficiário.

Com efeito, este preceito legal não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova. (nesse sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.2007, proferido no processo n.º 0479/07, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Como refere, o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, «[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto» (Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, pág. 133).

Por conseguinte, o artigo 121.º, n.º 1, do CPT, não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova. (nesse sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.10.2007, proferido no processo n.º 0479/07, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No caso vertente, o julgamento da matéria de facto mostra à saciedade que a recorrida não efectuou de prova positiva e concludente, sobre a materialidade das operações tituladas nas facturas, isto é, capaz de afastar os indícios da simulação das facturas, recolhidos pela Administração Tributária. Na realidade, o facto de terem sido emitidos cheques não prova o pagamento das facturas em causa, conforme acima relatado, na medida em não ficou demonstrado que se destinassem ao pagamento das facturas em questão.

Aliás, à mesma conclusão chegou o Tribunal «a quo» ao sentir necessidade de chamar à colação o artigo 121.º do CPT, porém, como vimos, nem a dúvida poderia relevar como pressuposto de ilegalidade das liquidações impugnadas.

Não pode, consequentemente, manter-se a sentença recorrida.

Da dispensa do remanescente da taxa de justiça

Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13 a que aderimos, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Considerando que o valor da presente causa ultrapassa o patamar de 275.000€ e que a mesma não assumiu especial complexidade nem a conduta assumida por qualquer uma das partes, em recurso, pode considerar-se num nível reprovável. Nada obsta que seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendo o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

IV.CONCLUSÕES

I. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção deve o mesmo ser eliminado.

II. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só tem lugar quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pelas soluções dada a outras.

III. O artigo 121.º, n.º 1, do CPT (actual artigo 100.º do CPPT), não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova.

V. DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juízes que integram a 1.ª da Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a impugnação judicial improcedente.

Custas a cargo da Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º7, do RCP.


Lisboa, 29 de Abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês].

(Ana Pinhol)