Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:354/08.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:TAXA DE RENDIMENTO, PREVISTA NO CIEC
PERDAS NA PRODUÇÃO QUE ULTRAPASSAM AS FRANQUIAS
TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Em conformidade com o preceituado nos artigos 1º, al. a), e 21º, n.º 1, do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22.12, a produção, transformação e armazenagem de produtos sujeitos a IABA, em regime de suspensão, apenas podem ser efetuadas em entreposto fiscal, mediante autorização e sob o controlo da estância aduaneira competente.
II - As perdas que ultrapassem as franquias concedidas em regime de suspensão estão sujeitas a imposto à taxa em vigor no território nacional, no momento em que ocorreram, devidamente determinado pela autoridade aduaneira ou, eventualmente, no momento em que sejam constatadas, em conformidade com o disposto no artigo 37º, n.º 2, do CIEC de 1999.
III - Sendo a taxa de rendimento, prevista no CIEC de 1999, uma taxa de rendimento anual média, também a franquia de imposto, que daí resulta, por oposição, deve corresponder a uma franquia de imposto anual média.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no dia 11.10.2022, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por C........., LDA. (doravante Recorrida), contra a liquidação de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) e de juros compensatórios, no valor a pagar de € 46.456,92.

Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:
Conclusões:

A.Vem o presente Recurso interposto da douta sentença de fls. 349 que julgou procedente a impugnação judicial objeto dos presentes autos.


B. Quanto às perdas na produção, determinava o n.º l do art.º 38.º do CIEC que as perdas atinentes à própria natureza dos produtos durante o processo de produção, beneficiam de franquia correspondente às taxas de rendimento aprovadas por portaria conjunta dos ministérios interessados.

C. As taxas de rendimento na produção são fixadas em função de percentagens mínimas de produtos acabados obtidos a partir de determinada quantidade de matéria-prima.

D. Partindo dos registos efetuados na contabilidade de existências da ora recorrida, constatou a equipa inspetiva que nas operações de produção, dos dias 28 de agosto e 11 de outubro de 2007, a recorrente ultrapassou a franquia por perdas, autorizada pela Alfândega, respetivamente, em 864,22 litros de álcool puro e 3.932,95 litros de álcool puro.

E. A taxa de rendimento é avaliada por cada operação de produção e, por cada equipamento. A equipa inspetiva analisou, individualmente, num determinado período de tributação, a utilização dos diferentes depósitos que continham aguardente vínica.

F. Logo, é imperioso concluir que a taxa de rendimento não se aplica à globalidade do processo produtivo desse produto. Por conseguinte, as perdas ocorridas também serão avaliadas caso a caso, individualmente, não correspondendo, assim, a uma franquia de imposto anual média.

G. Deste modo, ao ser constatado um excesso de perdas nas operações de produção de aguardente vínica registadas em 28.08.2007 e 11.10.2007, que ultrapassaram a franquia, respetivamente, em 864,22 litros de álcool puro e 3.932,95 litros de álcool puro, esse excesso, em total concordância legal foi sujeito a tributação.

H. Sendo inquestionável que essas perdas estavam para além do limite legal admissível, e, nessa medida, foram sujeitas a uma liquidação de IABA.

I. Neste contexto, a liquidação oficiosa de imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas (IABA) e de juros compensatórios, no valor total de €46.456,92, é legal, devendo, por isso manter-se na ordem jurídica.

Nestes termos e nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, assim se confirmando integralmente o ato de liquidação objeto da impugnação judicial, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!”

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Notificada da admissão do recurso, a Recorrente apresentou contra-alegações, tendo concluído:

B) Conclusões:


1. A Mui Douta Sentença proferida em 1.ª Instância está devidamente fundamentada, considerou devidamente a matéria de facto carreada para os autos, bem como fez a correta interpretação e aplicação da lei e dos princípios fundamentais, unanimemente, reconhecidos pela doutrina e jurisprudência relativamente à matéria em causa.

3. Aliás. aquele decisório acolheu o alegado pela Recorrida nos termos do art.º 120.ºdo CPPT.

4. As alegações a que ora se responde incidem apenas sobre a questão de saber se, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 38.º do CIEC (em vigor à data –Dl 566/99, de 22 de Dezembro), a taxa de rendimento ali prevista deve ser avaliada por cada operação de produção e por cada equipamento (como alega a recorrente), ou se a mesma é constitui antes uma taxa de rendimento médio globalizada, como alegou a Recorrida e sufragou a sentença ora sindicada.

5. É absolutamente destituída de fundamento a posição assumida pela Recorrente quanto à questão de Direito suscitada, não encontrando qualquer suporte na citação doutrinária e jurisprudencial feita pela Recorrente nas suas alegações.

6. Os serviços aduaneiros não podiam, em respeito pela boa interpretação da Lei aplicável, ter segmentado cada uma das utilizações dos diferentes depósitos de armazenagem aguardente vínica por parte da Recorrida.

7. Impunha-se que os mesmos serviços tivessem atendido à globalidade do processo produtivo daquele produto, em todos os depósitos, num determinado período de tributação.

8. O que conduziria ao resultado da inexistência de quaisquer perdas tributáveis, conforme acolhido pela sentença recorrida.

9. Pelo que, sem necessidade de mais considerações, porque a sentença recorrida é sobeja e incensurável na sua fundamentação de facto e de direito, impõe-se a improcedência do Recurso interposto pela AT, como é de Direito e de JUSTIÇA.”

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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

i) Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por violação do disposto nos artigos 37º e 38º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC) Decreto Lei n.º566/99 de 22 de dezembro.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

IV. FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

1.A Impugnante é titular do entreposto fiscal de produção n.º PT 50033907406, anteriormente identificado pelo n.º .........57 (cfr. facto alegado pela Fazenda Pública, no artigo 19.º da contestação, admitido por acordo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. No dia 31 de Maio de 2004, deu entrada, na Alfândega de Lisboa, um requerimento da Impugnante, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
“(texto integral no original; imagem)”

(…)(cfr. requerimento e data aposta nesse requerimento, de fls. 183 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em anexo ao requerimento descrito no ponto antecedente consta um documento, intitulado «PROCESSO DE PREPARAÇÃO DE AGUARDENTES PARA O VINHO DO PORTO», onde se pode ler, designadamente, que “(…)


(…)(cfr. documento, de fls. 184 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Por despacho exarado, em 07 de Junho de 2004, o Director da Alfândega de Alverca aceitou a taxa requerida pela Impugnante (cfr. informação e despacho, de fls. 185 e 186 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. A coberto do despacho da Directora da Alfândega de Alverca, datado de 26 de Outubro de 2007, foi realizada uma acção de fiscalização ao entreposto fiscal identificado no ponto n.º 1 do probatório, com referência ao IABA devido sobre os produtos intermédios e bebidas espirituosas, no ano de 2007 (cfr. relatório final, de fls. 26 a 40 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. No dia 04 de Janeiro de 2008, os serviços da Alfândega de Alverca elaboraram o relatório final do procedimento identificado no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que “(…)
“(texto integral no original; imagem)”






































“(texto integral no original; imagem)”




9. Em anexo ao auto descrito no ponto antecedente consta uma relação, onde se pode ler, designadamente, que “(…)

(…)(cfr. anexo, de fls. 43 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Do anexo IV do relatório descrito nos pontos n.ºs 5 a 7 do probatório consta um «Auto de Declarações», onde se pode ler, designadamente, que “(…)
“(texto integral no original; imagem)”

11. No dia 28 de Janeiro de 2008, na sequência da decisão descrita nos pontos antecedentes, a Direcção de Alfândega de Alverca emitiu, em nome da Impugnante, a liquidação de IABA e de juros compensatórios, sob o registo n.º 2008/51332, no valor total de € 46.156,92, dos quais € 45.900,75 correspondem a IABA, e € 256,17 correspondem a juros compensatórios (cfr. liquidação, de fls. 155 do 1.º volume do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. Através do ofício n.º 864, de 13 de Fevereiro de 2008, a Direcção de Alfândega de Alverca comunicou à Impugnante o relatório e a liquidação descritos nos pontos n.ºs do probatório (cfr. ofício, de fls. 24 e 25 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


13. O ofício descrito no ponto antecedente foi recebido, em 15 de Fevereiro de 2008 (cfr. data indicada no print do sistema informático dos CTT de fls. 164 do 1.º volume do processo administrativo tributário, em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. No dia 20 de Fevereiro de 2008, a Impugnante remeteu a presente impugnação judicial a este Tribunal, via carta postal registada (cfr. data indicada no selo dos CTT aposto na guia de remessa, de fls. 146 dos autos – numeração do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
15. No âmbito da sua actividade, a Impugnante compra aguardente vínica a diversos fornecedores (cfr. depoimento de testemunhas);
16. Depois de adquirida, a aguardentes vínica é transportada, em camiões, para o entreposto fiscal identificado no ponto n.º 1 do probatório (cfr. depoimento de testemunhas);
17. Ao chegar ao entreposto fiscal identificado no ponto n.º 1 do probatório, a aguardente vínica é transferida, por meio de bombagem e de mangueiras ligadas entre si por anéis, do camião para os depósitos de armazenagem em aço inox ali presentes, também designados de balões, com cerca de 8 metros (cfr. depoimento de testemunhas);
18. Na transferência identificada no ponto antecedente a aguardente vínica está sujeita a perdas derivadas da sua passagem nas mangueiras, nos anéis e nas bombas, assim como da evaporação, esta última provocada pelo seu alto teor alcoólico (cfr. depoimento de testemunhas);
19. Após a transferência para os depósitos de armazenagem, a Impugnante procede a uma medição visual dos litros de aguardente vínica, mediante a leitura do nível na régua aposta no exterior dos depósitos (cfr. depoimento de testemunhas);
20. A medição identificada no ponto antecedente não é exacta, podendo variar em função do ângulo de visão e das alterações da temperatura, pois a quantidade de litros é tanto maior quanto maior for a temperatura e tanto menor quanto menor for a temperatura, sendo a única constante o peso (cfr. depoimento de testemunhas);
21. Uma vez armazenada, a Impugnante submete a aguardente vínica a vários processos de correcção, que passam, designadamente, pelo processo de adição de produtos enológicos, geralmente, no estado sólido, com vista à sua clarificação (cfr. depoimento de testemunhas);
22. O processo de correcção identificado no ponto antecedente implica recirculação da aguardente vínica, mediante a bombagem da mesma do depósito de armazenagem para um depósito misturador, seguida de uma nova bombagem do depósito misturador para o depósito de armazenagem, onde fica um a dois dias em repouso (cfr. depoimento de testemunhas);
23. Decorrido o período de repouso, é feita uma nova bombagem da aguardente vínica, de um depósito para outro, para ser filtrada, através de filtros de placas, de modo a remover os resíduos sólidos dos produtos enológicos (cfr. depoimento de testemunhas);
24. Paralelamente, a aguardente vínica é sujeita a um processo de desmineralização para remover iões, tais como cálcio, ferro e cobre, com vista à sua purificação (cfr. depoimento de testemunhas);
25. O processo de desmineralização identificado no ponto antecedente implica uma nova recirculação da aguardente vínica, mediante a bombagem da mesma, de um depósito para outro, por forma a ser filtrada, através de filtros de resinas de permuta iónica (cfr. depoimento de testemunhas);


26. Os processos de correcção e de desmineralização descritos nos pontos antecedentes podem ser repetidos várias vezes até que se mostrem cumpridos todos os parâmetros exigidos pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) (cfr. depoimento de testemunhas);
27. Os processos de correcção e de desmineralização descritos nos pontos n.ºs 21 a 25 do probatório implicam, no mínimo, uma perda de 1,5 % da aguardente vínica, em função da sua passagem nas mangueiras, nos anéis das mangueiras, nas bombas, nos filtros e nos diferentes depósitos e da sua evaporação, esta última provocada pelo alto teor de álcool (cfr. depoimento de testemunhas);
28. Quanto mais vezes forem repetidos os processos de correcção e de desmineralização descritos nos pontos n.ºs 21 a 25 do probatório, maior é a percentagem da perda (cfr. depoimento de testemunhas);
29. Terminados os processos de correcção e de desmineralização descritos nos pontos n.ºs 21 a 25 do probatório, a Impugnante procede a uma nova medição visual dos litros de aguardente vínica, mediante a leitura do nível na régua aposta no exterior dos depósitos (cfr. depoimento de testemunhas);
30. A medição identificada no ponto antecedente não é exacta, podendo variar em função do ângulo de visão e das alterações da temperatura, pois a quantidade de litros é tanto maior quanto maior é a temperatura e menor quanto menor for a temperatura, sendo a única constante o peso (cfr. depoimento de testemunhas);
31. Terminados os processos de correcção e de desmineralização descritos nos pontos n.ºs 21 a 25 do porbatório, os técnicos do IVDP recolhem amostras da aguardente vínica e fazem uma medição aproximada da respectiva quantidade para efeitos da respectiva certificação (cfr. depoimento de testemunhas);
33. Depois de emitida a certificação da aguardente vínica, a mesma é transferida por meio de bombagem e de mangueiras ligadas entre si por anéis, dos depósitos de armazenagem para camiões, com vista ao seu transporte com destino à produção do vinho do Porto (cfr. depoimento de testemunhas);
34. Na transferência identificada no ponto antecedente a aguardente vínica está sujeita a perdas derivadas da sua passagem nas mangueiras, nos anéis e nas bombas, assim como da evaporação, esta última provocada pelo seu alto teor alcoólico (cfr. depoimento de testemunhas);
35. O IVDP assiste à transferência da aguardente vínica do depósito de armazenagem para os camiões (cfr. depoimento de testemunhas);
36. O IVDP procede à medição final da respectiva quantidade com o despejo total dos depósitos para os camiões (cfr. depoimento de testemunhas);
37. A medição final identificada no ponto antecedente é mais exacta do que as medições identificadas nos pontos n.ºs 19, 20, 29 e 30 do probatório, porquanto é feita depois do acerto da temperatura da aguardente vínica e com a pesagem dos camiões (cfr. depoimento de testemunhas);
38. Com base na medição final identificada no ponto antecedente, a Impugnante procede ao acerto das quantias de aguardente vínica registadas em conta-corrente, o qual pode ser positivo ou negativo, consoante se verifique uma sobra ou uma falta no depósito de armazenagem em relação ao registado na conta-corrente, de modo a que o registo relativo a cada depósito de armazenagem fique a zeros (cfr. depoimento de testemunhas).
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Factos não provados

“Nada mais foi provado com relevância para a decisão em causa, atentos o pedido e a causa de pedir.”
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Motivação

Motivação da decisão de facto

Relativamente ao facto dado como provado no ponto n.º 1 do probatório, a convicção do Tribunal formou-se com base no teor do artigo 19.º da contestação, o qual considera-se admitido por acordo, por o mesmo não ter sido impugnado pela Impugnante nas respectivas alegações finais, nos termos dos arts. 574.º, n.º 2, e 587.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Por sua vez, no que se refere aos factos dados como provados nos pontos n.ºs 2 a 14 do probatório, a convicção do Tribunal assentou no exame crítico dos documentos que constam junto aos autos e, bem assim, ao processo administrativo tributário, em apenso, tudo conforme foi especificado a propósito de cada um desses pontos, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos do art. 115.º, n.º 4, do CPPT e dos arts. 444.º e 446.º do CPC, aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.

Para terminar, quando aos factos dados como provados nos pontos n.ºs 15 a 38 do probatório, a convicção do Tribunal derivou do depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, de seu nome P........., J......... e C..........

Com efeito, P........., engenheiro químico, que, na qualidade de trabalhador da sociedade L........., presta serviços de tratamento das aguardentes vínicas à Impugnante, desde 2003, foi claro e assertivo ao declarar que intervém na compra das aguardentes vínicas por parte da Impugnante, mediante a emissão de um parecer sobre as mesmas, ao descrever os diferentes processos de correcção e de desmineralização que efectua sobre as aguardentes vínicas compradas pela Impugnante e o respectivo propósito, ao identificar como é que se verificam as perdas de aguardente vínica nesses processos, apontando inclusive qual a percentagem mínima de perda do produto que ocorre em cada um deles, e ao observar que a percentagem de perda é tanto maior quanto mais vezes tiverem de ser repetidos os referidos processos.

Já J........., encarregado de armazém, que trabalha para a Impugnante, desde 1990, e nas instalações do entreposto fiscal, desde 1996, foi convincente ao indicar como é que é feito o transporte das aguardentes vínicas compradas pela Impugnante para as instalações do entreposto fiscal, ao descrever como é que se verificam as perdas nas transferências do meio de transporte utilizado para os depósitos localizados nessas instalações, ao identificar os momentos em que efectua a medição das referidas

aguardentes, ao mencionar como é que efectua essas medições e as correspondentes inexatidões, ao especificar como é que é feito o transporte das aguardentes vínicas tratadas pela Impugnante dos depósitos localizados nas instalações do entreposto fiscal para outro destino, ao apontar como é que se verificam as perdas nas transferências dos depósitos localizados nessas instalações para o meio de transporte utilizado, ao salientar que a medição final das aguardentes é efectuada pelo IVDP e que essa medição é mais exacta do que todas as medições que efectua, ao esclarecer em que termos é que é efectuada essa medição final e ao referir que utiliza essa medição para comunicar ao escritório os acertos que devem ser registados nas contas-correntes relativas a cada depósito.

E C........., escriturário da Impugnante, desde 2005 até 2009, corroborou o depoimento de J......... ao afirmar que era o mesmo que lhe comunicava os acertos que deviam ser registados nas contas-correntes de cada depósito, face às sobras e às falhas verificadas, aquando do despejo desses depósitos, em relação ao que estava registado, de modo a que o registo relativo a cada um deles ficasse a zeros.

Aqui chegados, resta tão-somente referir que não foi relevado por este Tribunal o depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, de seu nome N........., técnico verificador, responsável pela acção de fiscalização que está na origem do acto tributário em causa nos presentes autos.

Desde logo, porque o mesmo versou sobre a metodologia adoptada no procedimento em questão, as diligências efectuadas no decurso desse procedimento e as respectivas conclusões, as quais foram oportunamente reflectidas no relatório da acção de fiscalização, descrito nos pontos n.ºs 5 a 7 do probatório, não acrescentando assim nada de novo ao que já consta deste documento, não se podendo aqui olvidar que a fundamentação dos actos tributários deve ser contextual ou contemporânea à prática desses actos, conforme decorre do disposto nos arts. 123.º, n.º 1, al. d), 124.º e 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) (na numeração e redacção vigentes à data dos factos), aplicável ex vi do art. 2.º, al. c), da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 2.º, al. d), do CPPT, não sendo, por isso, de considerar a fundamentação a posteriori, nomeadamente, quando feita na sequência da inquirição de uma testemunha perante o Tribunal (vide acórdãos do STA, de 26.03.2014, processo n.º 01674/13, de 23.01.2014, processo n.º 01690/13, de 06.07.2016, processo n.º 01436/15, e, de 11.12.2019, processo n.º 0859/14; e, acórdão do TCAS, de 25.01.2018, processo n.º 06660/13).

Depois, porque o mesmo versou ainda sobre a interpretação da lei, sendo certo que, por um lado, a produção de prova testemunhal deve recair apenas sobre factos controvertidos ou necessitados de prova, nos termos do art. 410.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT, e que, por outro lado, o Tribunal é livre de conhecer o direito, nos termos do art. 6.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT, não ficando, por isso, o mesmo vinculado a qualquer interpretação jurídica que seja oferecida por uma testemunha.”.
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II.2- De direito


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) e de juros compensatórios, no valor a pagar de € 46.456,92.

Alega a Fazenda Pública, que a sentença interpreta erradamente o Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), tendo violado, designadamente os artigos 37º e 38º do referido diploma legal, Decreto-Lei n.º566/99 de 22 de dezembro:

“(…)

No caso dos autos, a taxa de rendimento na produção de aguardente vínica é de 98%, tendo sido autorizada a taxa de 2% como perdas de produção, para efeitos de franquia de imposto.

Da leitura do artigo 38.º, normativo que disciplina as franquias por perdas na produção, ressalta que as taxas de rendimento, ali referidas, reportam-se a taxas de rendimento na produção, sendo estas fixadas em função de percentagens mínimas de produtos acabados obtidos a partir de determinada quantidade de matéria-prima.

(…)

No caso dos autos, tendo em conta os registos efetuados na contabilidade de existências, resultou que nas operações de produção, dos dias 28 de agosto a 11 de outubro de 2007 a recorrente ultrapassou a franquia por perdas, autorizada pela Alfândega, respetivamente, em 864,22 litros de álcool puro e 3.932,95 litros de álcool puro.

Ad contrário do que ficou decidido na douta sentença recorrida, a taxa de rendimento é avaliada por cada operação de produção e, por cada equipamento, não sendo, por isso, uma taxa de rendimento anual média globalizada. Andou bem a equipa inspetiva, pois, analisou, individualmente, num determinado período de tributação, a utilização dos diferentes depósitos. Ou seja, não se aplica à globalidade do processo produtivo desse produto. Por conseguinte, as perdas ocorridas também serão avaliadas caso a caso, individualmente, e não correspondem a uma franquia de imposto anual média.

Neste enquadramento, ao ser constatado um excesso de perdas nas operações de produção de aguardente vínica registadas em 28.08.2007 e 11.10.2007, que ultrapassaram a franquia, respetivamente, em 864,22 litros de álcool puro e 3.932,95 litros de álcool puro, esse excesso, em total concordância legal foi sujeito a tributação.

Foi precisamente sobre estes valores que os serviços aduaneiros fizeram incidir a taxa de imposto de €956,83 por hectolitro de álcool puro, em consonância com os art.5(s) 37.5, 38.5 e do CIEC, em vigor à data da prática dos factos.



Não havendo quaisquer dúvidas, que essas perdas estavam para além do limite legal admissível, e, nessa medida, foram sujeitas a uma liquidação de IABA.

Ademais, a ora recorrente, aceitou as quebras registadas na contabilidade de existências, dos dias 29.03, 11.07; 12.09 e 04/09, em virtude de essas quebras não ultrapassarem o limite da franquia de imposto e, por esse motivo, não foram sujeitas a imposto.

(…)

Assim sendo, no que concerne à atuação da ora recorrente no caso sub judice, a mesma pautou- se totalmente por critérios de legalidade, na análise sobre as operações de produção de aguardente vínica registadas em 28.08.2007 e 11.10.2007 que ultrapassaram a franquia por perdas que lhe havia sido autorizada.

E, por conseguinte, pelos fundamentos expostos, deve proceder o pedido sub judice e a liquidação oficiosa de imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas (IABA) e de juros compensatórios, no valor total de €46.456,92, é legal, devendo, por isso manter-se na ordem jurídica.”

A questão sobre a qual se pronunciou o tribunal a quo, foi unicamente a de saber se nas operações de produção de aguardente vínica registadas em 28 de agosto de 2007 e 11 de outubro de 2007, a Impugnante sofreu perdas sujeitas a tributação em sede de IABA.

Para decidir pela anulação da liquidação de IABA e de juros compensatórios, que derivou da tributação de perdas, por erro na interpretação e aplicação do direito, o tribunal a quo entendeu que:

“(…)

In casu, da análise do elenco dos factos provados decorre que a Impugnante é titular do entreposto fiscal de produção n.º PT 50033907406, anteriormente identificado pelo n.º .........57, sito na Quinta da B........., onde produz, designadamente, aguardente vínica, com vista à produção de vinho do Porto, em conformidade com o disposto nos arts. 21.º, n.º 1, e 23.º, n.º 3, do CIEC de 1999 (cfr. pontos n.ºs 1 a 3 e 33 do probatório).

Para além disso, deriva dos autos que a Impugnante requereu aos serviços aduaneiros a aprovação de uma taxa de rendimento anual média com referência à produção do citado produto de 98 %, ao abrigo do disposto nos arts. 22.º, n.º 1, al. g), e 38.º do CIEC de 1999, a qual foi aceite pelo Director da Alfândega de Alverca, mediante despacho exarado, em 07 de Junho de 2004 (cfr. pontos n.ºs 1 a 4 do probatório).

Por conseguinte, constata-se que, a partir daquela data, a Impugnante adquiriu, no âmbito da produção desse mesmo produto, o direito a uma franquia de IABA de 2%, nos termos das citadas disposições legais, não sendo aqui aplicável qualquer franquia em função


da armazenagem desse produto, ao contrário do que é sugerido pela Impugnante (cfr. pontos n.ºs 1 a 4 e 33 do probatório).

Desde logo, porque não está aqui em causa nenhum entreposto fiscal de armazenagem, mas, outrossim, um entreposto fiscal de produção, em face do que vem previsto nos arts. 23.º, n.º 3, e 25.º, n.ºs 1 e 2, do CIEC de 1999, sendo certo que a violação destas normas legais implicaria a revogação da autorização do entreposto, nos termos do art. 31.º, n.º 2, al. c), do CIEC de 1999, na redacção dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12 (cfr. pontos n.ºs 1 a 4 do probatório).

Depois, porque as perdas de matérias-primas e/ou produtos intermédios que ocorrem durante o processo de produção do produto intermédio que corresponde à aguardente vínica deverão estar abrangidas pela franquia de IABA de 2%, anteriormente mencionada (cfr. pontos n.ºs 1 a 4 e 33 do probatório).

A isto acresce que não foi alegado ou sequer demonstrado que tenha sido efectuada qualquer alteração da referida taxa, quer por iniciativa, quer por iniciativa dos serviços aduaneiros (cfr. pontos n.ºs 1 a 4 do probatório).

Pelo que inexistem dúvidas de que a franquia de IABA a aplicar ao caso sub judice é de 2% (cfr. pontos n.ºs 1 a 4 e 33 do probatório).

Posto isto, impõe-se agora averiguar se, no ano de 2007, a Impugnante ultrapassou a citada franquia, tal como é defendido pela Fazenda Pública.

Vejamos então.

Compulsado o acervo probatório, verifica-se que os serviços aduaneiros, na sequência da acção de fiscalização, que está na origem da liquidação de IABA, objecto da presente impugnação judicial, detectaram que, no dia 30 de Outubro de 2007, a Impugnante tinha nas instalações do entreposto fiscal em questão 203.121 litros de aguardente vínica, com um volume de álcool de 78%, o que equivale a 158.434 litros de álcool puro, os quais encontravam-se em depósitos selados, apreendidos à ordem de processos judiciais (cfr. pontos n.ºs 5 a 9 e 11 a 14 do probatório).

Para além disso, sobressai dos autos que, com base no extracto de conta-corrente da Impugnante, os serviços aduaneiros apuraram que, em 01 de Janeiro de 2007, o entreposto fiscal tinha existências iniciais de 344.365 litros de aguardente vínica, que correspondiam 287.619,83 litros de álcool puro (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 do probatório).

Resulta, igualmente, dos autos que, com base nos documentos de acompanhamento administrativo, que titulavam as entradas e saídas de aguardentes vínicas no entreposto fiscal, os serviços aduaneiros averiguaram que entraram 5.236.959,15 litros de álcool puro e que saíram 5.261.642 litros de álcool puro (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 do probatório).

Mais, avulta dos autos que, com base no extracto de conta-corrente da Impugnante,


os serviços aduaneiros, constataram que a Impugnante registou perdas no processo produtivo de aguardente vínica, no montante total de € 109.128,89 litros de álcool puro, abaixo do limite legal de perdas admissível, que resultava da aplicação da franquia de IABA de 2%, o qual ascendia a € 113.173,83 litros de álcool puro (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 do probatório).

E, ainda que, a partir dos referidos elementos, os serviços aduaneiros procederam à reconstituição dos saldos da Impugnante, calculando uma existência final inferida de 153.808,59 litros de álcool puro, superior à existência final real, em 4.625,79 litros de álcool puro, concluindo, assim, que não havia lugar a qualquer tributação de perdas, por esta via (cfr. pontos n.ºs 5 a 9 do probatório).

Não obstante, constata-se que os serviços aduaneiros, não satisfeitos com esta conclusão, decidiram analisar cada um dos processos produtivos de aguardente vínica de per si, representados através de cada uma das utilizações dos diferentes depósitos de armazenagem desse produto, sob as designações de “Inox 3”, “Inox 4”, “Inox 5” e “Inox 6”, por forma a averiguar se existiam diferenças relevantes para efeitos da referida tributação (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 do probatório).

Neste sentido, retira-se dos autos que os serviços aduaneiros começaram por averiguar que, até Julho de 2007, a Impugnante efectuava o registo contabilístico tomando os diversos depósitos existentes no entreposto fiscal como um só e que, somente após aquela data, é que individualizou as contas-correntes por depósito (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 e 10 do probatório).

No seguimento, ressalta dos autos que, com base nas preditas contas-correntes, os serviços aduaneiros detectaram que, em 29 de Março de 2007, a Impugnante registou uma perda global de produção da aguardente vínica de 9.581,29 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 12.959,76 litros de álcool puro, ficando assim 3.378,47 litros de álcool puro abaixo do limite tributável, que, em 11 de Julho de 2007, a Impugnante registou uma perda global de produção da aguardente vínica de 48.698,27 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 52.792,89 litros de álcool puro, ficando assim 4.094,62 litros de álcool puro abaixo do limite tributável, que, em 12 de Setembro de 2007, a Impugnante registou uma perda de produção da aguardente vínica, no depósito designado por “Inox 3”, de 10.940,27 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 11.611,33 litros de álcool puro, ficando assim 771,06 litros de álcool puro abaixo do limite tributável, que, em 04 de Setembro de 2007, a Impugnante registou uma perda de produção da aguardente vínica, no depósito designado por “Inox 4”, de 11.173,21 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 11.641,66 litros de álcool puro, ficando assim 468,45, litros de álcool puro abaixo do limite tributável, e que, em 12 de Setembro de 2007, a Impugnante registou uma perda de produção da aguardente vínica, no depósito designado por “Inox 6”, de 4.423,30 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 4.553,31 litros de álcool puro, ficando assim 130,01 litros de álcool puro abaixo do limite tributável, tendo sido todos estes valores ignorados pelos serviços aduaneiros (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 do probatório).

Em contrapartida, verifica-se que tais serviços, com base nas mesmas contas correntes, apuraram que, em 11 de Outubro de 2007, a Impugnante registou uma perda de produção da aguardente vínica, no depósito designado por “Inox 3”, de 11.874,44 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 7.941,49 litros de álcool puro, o que determinou a existência de uma perda tributável de 3.932,95 litros de álcool puro, e que, em 28 de Agosto de 2007, a mesma registou uma perda de produção da aguardente vínica, no depósito designado por “Inox 5”, de 12.537,61 litros de álcool puro, sendo admissível, em função da aplicação da franquia de imposto de 2%, uma perda de 11.673,39 litros de álcool puro, o que determinou a existência de uma perda tributável de 864,22 litros de álcool puro, tendo sido sobre estes valores que os serviços aduaneiros fizeram incidir a taxa de imposto de € 956,83, por hectolitro de álcool puro, ao abrigo do disposto nos arts. 37.º, 38.º e 57.º do CIEC de 1999, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, dando assim origem à liquidação de IABA ora impugnada (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 e 11 a 14 do probatório).

Sucede, porém, que este último procedimento de controlo adoptado pelos serviços aduaneiros não se mostra correcto, à luz do disposto nos arts. 22.º, n.º 1, al. g), e 38.º, n.º 1, do CIEC de 1999 (cfr. pontos n.ºs 5 a 7, 10, 15 a 18, 21 a 28 e 31 a 34 do probatório).

Isto porque, por um lado, sendo a taxa de rendimento, prevista nas citadas disposições legais, uma taxa de rendimento anual média, também a franquia de imposto, que daí resulta, por oposição, deve corresponder a uma franquia de imposto anual média (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 do probatório).

O que significa que a franquia de imposto de 2 % não deve ser aplicada a cada um dos processos produtivos de aguardente vínica de per si, representados através de cada uma das utilizações dos diferentes depósitos de armazenagem desse produto, sob as designações de “Inox 3”, “Inox 4”, “Inox 5” e “Inox 6”, num determinado período de tributação, mas antes à globalidade do processo produtivo desse produto, em todos os depósitos, num determinado período de tributação, não podendo assim os serviços aduaneiros pura e simplesmente ignorar as utilizações dos depósitos onde a perda registada ficou abaixo do limiar de 2% (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 e 10 do probatório).

Por outro lado, porque, ainda que se admitisse que as perdas ocorridas na transferência das aguardentes vínicas dos camiões para os depósitos de armazenagem presentes no entreposto fiscal da Impugnante, antes do processo de produção, e na transferência das aguardentes vínicas dos depósitos de armazenagem presentes no entreposto fiscal da Impugnante para os camiões, com destino à produção do vinho do Porto, depois do processo de produção, são sensivelmente constantes, o mesmo não se pode dizer do processo de produção propriamente dito, porquanto as aguardentes vínicas que a Impugnante compra a diversos fornecedores são de diferentes qualidades, podendo, por isso, ser sujeitas a um ou mais processos de correcção e de desmineralização até que se mostrem cumpridos todos os parâmetros exigidos pelo IVDP, com vista à produção do vinho do Porto, sendo certo que cada processo de correcção e de desmineralização implica, no mínimo, uma perda de 1,5 %, pelo que quanto mais vezes forem repetidos esses processos, maior é a percentagem de perda (cfr. pontos n.ºs 15 a 18, 21 a 28 e 31 a 34 do probatório).

O que quer dizer que a aplicação da franquia de imposto de 2% a cada uma das utilizações dos depósitos de armazenagem desses produtos, sob as designações de “Inox 3”, “Inox 4”, “Inox 5” e “Inox 6”, num determinado período de tributação, é susceptível de determinar a existência de distorções consideráveis, para mais ou para menos, em relação às perdas reais, que, efectivamente, terão ocorrido nesses depósitos, em derrogação do espírito que subjaz aos arts. 22.º, n.º 1, al. g), e 38.º, n.º 1, do CIEC de 1999 (cfr. pontos n.ºs 15 a 18, 21 a 28 e 31 a 34 do probatório).

Daí que os serviços aduaneiros tenham incorrido em erro quando procederam à segmentação de cada uma das utilizações dos diferentes depósitos de armazenagem de aguardente vínica ao invés de atenderem à globalidade do processo produtivo desse produto, em todos os depósitos, num determinado período de tributação, o que, no caso dos presentes autos, acaba por determinar a inexistência de quaisquer perdas tributáveis, uma vez que os excessos de perdas registados na utilização do depósito de armazenagem “Inox 3”, em 11 de Outubro de 2007, e na utilização do depósito de armazenagem “Inox 5”, em 28 de Agosto de 2007, mostram-se compensados pelas folgas de perdas registadas na utilização global dos depósitos de armazenagem, em 29 de Março de 2007 e 11 de Julho de 2007, na utilização do depósito de armazenagem “Inox 3”, em 12 de Setembro de 2007, na utilização do depósito de armazenagem “Inox 4”, em 04 de Setembro de 2007, e na utilização do depósito de armazenagem “Inox 6”, em 12 de Setembro de 2007 (cfr. pontos n.ºs 5 a 7, 10, 15 a 18, 21 a 28 e 31 a 34 do probatório).

Como se tal não bastasse, as medições da aguardente vínica em litros e, concomitantemente, dos correspondentes litros de álcool puro, que a Impugnante faz antes e depois do processo produtivo não são exactas, podendo variar segundo o ângulo de visão e consoante as alterações da temperatura, pois a respectiva quantidade tanto maior quanto maior for temperatura e tanto menor quanto menor quanto menor for a temperatura, sendo a única constante o peso (cfr. pontos n.ºs 19, 20, 29 e 30 do probatório).

Pelo que as únicas medições que se revelam fidedignas são aquelas que são feitas aquando da compra das aguardentes vínicas e que constam, à partida, dos documentos de acompanhamento administrativo da entrada das mesmas no entreposto fiscal da Impugnante, e as que são feitas pelo IVDP aquando da saída das aguardentes vínicas, com vista ao seu transporte com destino à produção do vinho do Porto, e que também constam, à partida, dos documentos de acompanhamento administrativo da saída das mesmas do referido entreposto fiscal, com base nos quais a Impugnante procedeu aos devidos acertos nas quantidades registadas na conta-corrente (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 e 35 a 37 do probatório).

E não se venha aqui dizer, como parece fazer a Fazenda Pública, que os acertos não foram valorados pelos serviços aduaneiros, por a Impugnante não ter apresentado quaisquer documentos de suporte a esses movimentos, já que a mesma também não apresentou nenhum documento de suporte relativamente às perdas de produção de aguardente vínica na globalidade dos depósitos de armazenagem, até Julho de 2007, nem no que se refere às perdas de produção de aguardente vínica em cada uma das utilizações dos depósitos de armazenagem, após essa data, não tendo essa circunstância impedido que os serviços aduaneiros tivessem valorado as perdas assim registadas para os efeitos que entendeu serem devidos, abstendo-se assim de recorrer a quaisquer outras metodologias que se afigurassem mais adequadas à situação em presença (cfr. pontos n.ºs 5 a 7 e 38 do probatório).

Deste modo, conclui-se que, diversamente do que foi decidido pelos serviços aduaneiros, nas operações de produção registadas, em 28 de Agosto de 2007 e 11 de Outubro de 2007, a Impugnante não sofreu perdas sujeitas a tributação, em sede de IABA, nos termos dos arts. 37.º, 38.º e 57.º do CIEC de 1999, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12 (cfr. pontos n.ºs 1 a 38 do probatório).”

No caso concreto, não é controvertida a factualidade assente, mas apenas as consequências jurídicas dela retiradas.

Vejamos, pois.

Em conformidade com o preceituado nos artigos 1º, al. a), e 21º, n.º 1, do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22.12, vigente à data dos factos, doravante designado por CIEC de 1999, a produção, transformação e armazenagem de produtos sujeitos a IABA, em regime de suspensão, apenas podem ser efetuadas em entreposto fiscal, mediante autorização e sob o controlo da estância aduaneira competente.

Com efeito, inseridos no Capítulo IV (Franquias por perdas) os arts. 37º, 38º e 39º do CIEC dispunham então:

Artigo 37º - Regras Gerais

«1. Beneficiam de franquia de imposto as perdas ocorridas em regime de suspensão, durante a produção, armazenagem e circulação, bem como por caso fortuito ou de força maior.
2. As perdas que ultrapassem as franquias concedidas estão sujeitas a imposto, a cobrar à taxa em vigor no território nacional no momento em que ocorreram, devidamente determinado pela autoridade aduaneira ou, eventualmente, no momento em que sejam constatadas, sem prejuízo do disposto no artigo 36º

Artigo 38º - Perdas na produção


«1. As perdas atinentes à própria natureza dos produtos, ocorridas durante o processo de produção, beneficiam de franquia correspondente às taxas de rendimento aprovadas por portaria conjunta dos ministérios interessados, sob proposta do depositário autorizado, devendo as perdas poder ser identificadas nos registos contabilísticos relativos aos entrepostos fiscais.
2. Não sendo emitida aquela portaria 30 dias após a formulação do pedido, considera-se aceite a proposta do depositário.»

Artigo 39º - Perdas na armazenagem,


«1. Os entrepostos fiscais de armazenagem beneficiam de franquia de imposto correspondente às diferenças, para menos, entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, calculadas sobre a soma das quantidades de produto existentes em entreposto com as quantidades nele entradas, com os seguintes limites:

a) Até 1,5% no caso de álcool e bebidas alcoólicas não engarrafados;
b) Até 0,4% no caso dos óleos minerais.

2. As estâncias aduaneiras competentes procederão à realização regular de varejos aos entrepostos fiscais de armazenagem, devendo adoptar os seguintes procedimentos no tocante às perdas apuradas:
a) Se as franquias não forem ultrapassadas, relevarão esse facto e procederão à rectificação correspondente na ficha de conta corrente do entreposto fiscal;
b) Se as franquias forem ultrapassadas, promoverão a liquidação oficiosa do imposto, as necessárias averiguações e a eventual instauração de processo por infracção fiscal aduaneira;
c) Se forem constatados excedentes, proceder-se-á à rectificação da contabilidade do entreposto fiscal.

3. A diferença entre o saldo contabilístico e as existências poderá ainda, em casos específicos, designadamente na destilação de vinhos e no envelhecimento de bebidas alcoólicas em vasilhame de madeira, ser ajustada de acordo com a respectiva taxa de rendimento.»

Por entreposto fiscal de produção entende-se aquele onde são recebidas matérias-primas e/ou produtos intermédios, os quais são sujeitos a um processo de transformação com vista à produção de novos produtos intermédios e/ou acabados.

A autorização concedida pela estância aduaneira competente define, desde logo, o tipo de entreposto fiscal a constituir, designadamente, se o mesmo é destinado à produção ou à armazenagem, no seguimento do que vem previsto no artigo 23º, n.º 3, do CIEC de 1999, sendo que a utilização de um determinado entreposto fiscal para fins diversos daqueles que foram autorizados implica a revogação da correspondente autorização, nos termos do artigo 31º, n.º 2, al. c), do CIEC de 1999, na redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30.12.

Quer no processo de produção de produtos intermédios e/ou acabados, quer na armazenagem dos produtos acabados, podem ocorrer perdas resultantes das mais diversas circunstâncias.

A circunstância de o entreposto ser de produção e não de armazenagem tem consequências ao nível das perdas, ou seja, a taxa de rendimento do produto acabado sofre influência.

A portaria deveria definir, assim, as perdas admissíveis durante o processo de produção.
E como resulta do normativo em apreço, estas taxas de rendimento são aprovadas (por portaria conjunta dos ministérios interessados) sob proposta do depositário autorizado.

E não sendo emitida a portaria no prazo de 30 dias após a formulação do pedido, considera-se aceite a proposta do depositário.

Todavia, quer haja portaria, quer não haja, as perdas devem sempre estar identificadas nos registos contabilísticos relativos aos entrepostos fiscais. Se não estiverem registadas, elas são tributadas, como salienta Sérgio Vasques, “Os Impostos Especiais de Consumo”, Almedina, pp. 328:

Pelo que, a taxa de rendimento corresponde, invariavelmente, àquela que é proposta pelo depositário autorizado, em conformidade com o disposto no artigo 38º, n.º 2, do CIEC de 1999.

Como bem se diz na sentença objeto de recurso, “Essa proposta é então feita pelo interessado, aquando da constituição do entreposto fiscal, nos termos do artigo 22º, n.º 1, al. g), do CIEC de 1999, onde vem previsto que o pedido de constituição de um entreposto fiscal deve ser acompanhado do plano de produção anual previsível, com indicação das taxas de rendimento, no que se refere aos entrepostos fiscais de produção ou transformação”.

Assim, a partir do momento em que a taxa de rendimento se reporta a um plano de produção anual previsível, a mesma deve corresponder a uma taxa de rendimento anual média previsível, definida em função das taxas mínimas e máximas de rendimento previsíveis.

Aqui chegados, resta tão-somente referir que as perdas que ultrapassem as franquias concedidas em regime de suspensão estão sujeitas a imposto à taxa em vigor no território nacional, no momento em que ocorreram, devidamente determinado pela autoridade aduaneira ou, eventualmente, no momento em que sejam constatadas, em conformidade com o disposto no artigo 37º, n.º 2, do CIEC de 1999.

Sucede, porém, que este último procedimento de controlo adotado pelos serviços aduaneiros não se mostra correto, à luz do disposto nos artigos 22º, n.º 1, al. g), e 38º, n.º 1, do CIEC de 1999

Quer isto significar, que, por um lado, sendo a taxa de rendimento, prevista nas citadas disposições legais, uma taxa de rendimento anual média, também a franquia de imposto, que daí resulta, por oposição, deve corresponder a uma franquia de imposto anual média.

Ou seja, como bem se refere na decisão do tribunal a quo “… a franquia de imposto de 2 % não deve ser aplicada a cada um dos processos produtivos de aguardente vínica de per si, representados através de cada uma das utilizações dos diferentes depósitos de armazenagem desse produto, sob as designações de “Inox 3”, “Inox 4”, “Inox 5” e “Inox 6”, num determinado período de tributação, mas antes à globalidade do processo produtivo desse produto, em todos os depósitos, num determinado período de tributação, não podendo assim os serviços aduaneiros pura e simplesmente ignorar as utilizações dos depósitos onde a perda registada ficou abaixo do limiar de 2%.

Daí que os serviços aduaneiros tenham incorrido em erro quando procederam à segmentação de cada uma das utilizações dos diferentes depósitos de armazenagem de aguardente vínica ao invés de atenderem à globalidade do processo produtivo desse produto, em todos os depósitos, num determinado período de tributação, o que, no caso dos presentes autos, acaba por determinar a inexistência de quaisquer perdas tributáveis, uma vez que os excessos de perdas registados na utilização do depósito de armazenagem “Inox 3”, em 11 de Outubro de 2007, e na utilização do depósito de armazenagem “Inox 5”, em 28 de Agosto de 2007, mostram-se compensados pelas folgas de perdas registadas na utilização global dos depósitos de armazenagem, em 29 de Março de 2007 e 11 de Julho de 2007, na utilização do depósito de armazenagem “Inox 3”, em 12 de Setembro de 2007, na utilização do depósito de armazenagem “Inox 4”, em 04 de Setembro de 2007, e na utilização do depósito de armazenagem “Inox 6”, em 12 de Setembro de 2007 (cfr. pontos n.ºs 5 a 7, 10, 15 a 18, 21 a 28 e 31 a 34 do probatório)”.

Pelo que, acompanhamos a decisão recorrida, quando conclui que, “diversamente do que foi decidido pelos serviços aduaneiros, nas operações de produção registadas, em 28 de Agosto de 2007 e 11 de Outubro de 2007, a Impugnante não sofreu perdas sujeitas a tributação, em sede de IABA, nos termos dos arts. 37.º, 38.º e 57.º do CIEC de 1999, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12”.

Deste modo, não padece a decisão objeto de recurso, da apontada errónea interpretação da lei.

Em face do exposto improcedem todas as conclusões do recurso da Fazenda Pública, sendo de manter a sentença recorrida.


*

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento a ambos os recursos, confirmando-se a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


Registe e notifique.


Lisboa, 7 de novembro de 2024.
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[Maria da Luz Cardoso]

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[Teresa Costa Alemão]
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[Cristina Coelho da Silva]