Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 117/21.8BEPDL |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 04/07/2022 |
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Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
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Descritores: | GARANTIA INDÍCIOS DOLOSOS ÓNUS DA PROVA |
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Sumário: | I-O deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa. Alternativamente, importa provar que: i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; Cumulativamente, cumpre demonstrar: iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (artigo 52.º, nº4 da LGT); II-Com a nova redação do n.º 4, do artigo 52.º, da LGT o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado III-A formulação do juízo sobre a legalidade do ato, tem de quedar-se pela fundamentação contextual integrante do mesmo, estando o Tribunal impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação. IV-Fundando-se o órgão da execução fiscal em pressupostos legais não vigentes à data do pedido de isenção, e não estando em causa a demonstração da irresponsabilidade do executado, portanto, a prova do facto negativo, mas sim a prova da existência de indícios dolosos, cujo ónus se circunscreve na esfera da AT, tal circunstância, per se, acarreta um vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I-RELATÓRIO J..., vieram interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, através do qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças da Horta, formulado no processo de execução fiscal n.º 2917201201016539 e apensos 2917201201017799, 2917201401001264, 2917201401001272, 291720140100 1280, 2917201401001299, 2917201401001302, 2917201401001310, 2917201401001329, 2917201401001337, 2917201401001655, 2917201401006290, 2917201401006304, 2917 201401006312, 2917201401006320, 2917201401006339, 2917201401006347, 29172014 01006355, 2917201401006363, 2917201401007572, 2917201401007599, 291720140105 1580, 2917201401058363, 2917201401058371, 2917201401058380, 2917201481002297, 2917201481002300, 2917201481002319, 2917201481011857, 2917201481012764, 2917 201501005510, 2917201501005529, 2917201501006096, 2917201501006100, 2917 201501006770, 2917201501012592 e 2917201501014587, inicialmente instaurado contra a sociedade devedora originária denominada de “J..., Lda”, contra si revertido. *** O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “1- Na oposição em sede da reversão fiscal deduzida à execução em apreciação o revertido pôs em causa que seja responsabilidade sua a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, ou que tal resulte do exercício efetivo do cargo de gerente (cfr. oposição deduzida no âmbito do aludido processo de execução nº 129/20.9BEPDL); 2- Não se encontrando ainda prolatada a sentença no processo de execução nº 129/20.9BEPDL, não pode nos presentes autos de reclamação considerar-se que o revertido é culpado da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, não se encontrando nessa medida reunidos os pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária do revertido/executado, atento o disposto nos artigos 23º/2 da LGT e 153º/2 do CPPT; 3- Carece, pois, de prova, que a atuação do executado/revertido configura um forte indício de que a situação de insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis seja culpa sua; 4- Não se pode concluir que a administração tributária logrou cumprir o seu ónus probatório da existência de fortes indícios de atuação dolosa do Reclamante na inexistência de bens penhoráveis, ao dispor gratuitamente de vários imóveis pertença do seu património pessoal em benefício da sua filha. Termos em que, Atentas as razões acima descritas, se requer a V. Ex.cias: - Seja recebido o presente recurso, julgado procedente, por provado, e em consequência, . Seja anulada a decisão recorrida na parte em que considera poder concluir-se que a administração tributária logrou cumprir o seu ónus probatório da existência de fortes indícios de atuação dolosa do Reclamante na inexistência de bens penhoráveis, ao dispor gratuitamente de vários imóveis pertença do seu património pessoal em benefício da sua filha; . Seja a AT condenada no pagamento das custas de parte, nos termos legais. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.” *** Não foram produzidas contra-alegações. *** O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso. *** Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa: A- O ora Reclamante deduziu oposição à execução fiscal contra o processo de execução fiscal n.º 2917201201016539 e apensos, inicialmente instaurados em nome da sociedade J..., Ld.ª (depois J... – Construção e Transportes, Ld.ª), para cobrança da quantia de € 3.688,76, a título de IRC de 2012, IVA de 2012 a 2014 e IUC de 2013 a 2015, os quais vieram a ser revertidos contra o Reclamante, o qual corre termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada com o n.º 129/20.9BEPDL. (Documento 3 junto com o requerimento inicial) B- Juntamente com a petição de oposição à execução fiscal, o Reclamante apresentou junto do SF da Horta requerimento no PEF 2917201201011472, para prestação de garantia, que se dá por reproduzido e de que se extrai o seguinte: J..., com domicílio na R. ..., Horta, titular do NIF ..., tendo sido citado no âmbito da reversão do processo de execução supra referido para pagar a quantia de 9.833,11 €, relativa a IVA de 2012-1° Trim., vem C- Na sequência de notificação para proceder ao reforço das garantias prestadas no PEF n.º 2917201201016539 e apensos, o Reclamante apresentou junto do SF da Horta requerimento de dispensa de prestação de garantia para reforço das anteriores, que se dá por reproduzido e de que se extrai o seguinte: “Requerer a V. Ex.cia a D- Sobre o requerimento referido no ponto anterior foi elaborada informação pelo SF da Horta, que se dá por reproduzida e de que se extrai o seguinte: “1- O executado alega, que no seguimento da crise económica e financeira internacional que a parir de 2008 assolou o nosso país, as sociedades que o requerente era sócio deixaram de ter condições económicas e financeiras para continuar a exercer, o que impossibilitou o cumprimento dos compromissos financeiros empresariais (ponto 1). E- Em 16/11/2021, com base na informação referida no ponto anterior, pelo chefe do SF da Horta foi prolatado despacho, que se dá por reproduzido e de que se extrai o seguinte: 1. Introdução F- Com data de 18/11/2021, foi elaborado ofício dirigido à mandatária do reclamante, com assunto Notificação de decisão de pedido de dispensa de garantia – 129/20.9BEPDL, de que se extrai o seguinte: Pela presente fica notificada, na qualidade de mandatária de J..., do despacho de 16-11-2021, de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, para suspensão -do processo executivo n.º 2917201201016539 e apensos, referente ao processo de oposição que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, n.º 129/20.9BEPDL com os fundamentos constantes da informação e despacho que junto. (Documento 1 junto com o requerimento inicial) G- Em 24/02/2016, o ora Reclamante outorgou com sua filha A..., perante advogado, documento denominado contrato de doação, através do qual o primeiro declarou doar à segunda, que através de M..., sua mãe e atuando na qualidade de sua procuradora, declarou aceitar, o prédio urbano destinado a habitação situado no …, inscrito sob o artigo … da matriz predial urbana da freguesia e município de São Roque do Pico, ao qual atribuíram o valor patrimonial de € 65.000. ( Petição Inicial (50054) Documentos da PI (004248324) Pág. 1 de 13/12/2021 19:48:32) H- Em 06/06/2016, o ora Reclamante e M…, esta por si e na qualidade de procuradora da filha de ambos, A..., outorgaram escritura de justificação e doação, através da qual os dois primeiros declararam doar, por conta da quota disponível, à segunda, que através da sua representante declarou aceitar, os prédios rústicos sitos ao …., inscritos sob o artigos …, …, …, …., os prédios rústicos sitos ao …, inscritos sob o artigos … e …, o prédio rústico sito ao … inscrito sob o artigo …, o prédio rústico sito ao Sítio … inscrito sob o artigo …, e o prédio rústico sito ao …. inscrito sob o artigo …, todos da freguesia do …., município da Horta.(Petição Inicial (50054) Documentos da PI (004248324) Pág. 5 de 13/12/2021 19:48:32) I- Em 14/02/2020, o ora Reclamante e M…, esta por si e na qualidade de procuradora da filha de ambos, A..., outorgaram escritura de doação, através da qual os dois primeiros declararam doar, por conta da quota disponível, à segunda, que através da sua representante declarou aceitar, o prédio urbano constituído por casa de rés-do-chão, andar e garagem situado na Avenida …., inscrito sob o artigo … da matriz predial urbana da freguesia de …., município da Horta, com o valor patrimonial de € 97 658,11, o prédio rústico situado no …, inscrito sob o artigo … da matriz predial rústica da freguesia de Feteira, município da Horta, com o valor patrimonial de € 199,61 e o prédio urbano constituído por terreno para construção situado no …, inscrito sob o artigo ….da matriz predial urbana da freguesia do Capelo, município da Horta, com o valor patrimonial de € 6 749,75. (Petição Inicial (50054) Documentos da PI (004248324) Pág. 11 de 13/12/2021 19:48:32)” *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada: “Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.” *** A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “[n]o exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.” *** III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o pedido de isenção de prestação de garantia concretizado no âmbito do processo de execução fiscal nº 2917201201016539 e apensos. Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, por ter erroneamente valorado a prova da existência de indícios de atuação dolosa relativamente à inexistência de bens penhoráveis, face à disposição gratuita de vários imóveis pertença do património pessoal do Recorrente em benefício da sua filha, violando, dessa forma, o disposto no artigo 52.º, nº4, in fine, da LGT. Apreciando. O Recorrente defende que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, desde logo porque não se pode considerar que o Recorrente é culpado da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, visto que inexiste decisão prolatada no âmbito do processo de oposição nº 129/20, pendente no TAF de Ponta Delgada, logo não se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária do revertido/executado, atento o disposto nos artigos 23.º, nº2 da LGT e 153.º, nº2 do CPPT. Mais defendendo que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, não se pode concluir que a AT cumpriu o ónus probatório da existência de fortes indícios de atuação dolosa do Reclamante na inexistência de bens penhoráveis, ao dispor gratuitamente de vários imóveis pertença do seu património pessoal em benefício da sua filha, na medida em que não foram objeto de qualquer análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e avaliação. Adensando, ainda, que carece de demonstração que as doações tenham sido ilegítimas, ou caraterizadas por uma atuação dolosa do Reclamante, até porque as mesmas em nada podem configurar atos ilegais. O Tribunal a quo fundamentou a improcedência da presente reclamação com base no seguinte discurso jurídico: “[a] administração tributária alegou e provou, na decisão sob censura, que o executado, que requeria a dispensa de garantia por não ter bens penhoráveis, alienou vários prédios, gratuitamente, em favor da sua filha, na pendência do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos. Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente, começando por convocar o quadro jurídico que releva para a presente lide. A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 52.º da LGT. Contudo, a Autoridade Tributária (AT) pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, segundo o qual: “4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.(1)” Da letra do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, resulta que o deferimento do pedido de isenção de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: Alternativamente, importa provar que: i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; Cumulativamente, cumpre demonstrar: iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado. Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa (2). Por seu turno, compete à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes. A ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o executado tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sociedade em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia. Note-se que com a nova redação do n.º 4, do artigo 52.º, da LGT o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado (3). De convocar, outrossim, o teor do artigo 170.º, nº3, do CPPT, o qual a propósito da instrução do requerimento dispõe que: “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.” Visto o direito que releva para a apreciação da questão, vejamos, então, se a decisão recorrida padece da censura que lhe é dirigida. Como visto, o Recorrente sustenta, desde logo, a sua posição na falta de prova de indícios de atuação dolosa, na medida em que as doações convocadas pelo Tribunal a quo não foram, desde logo, objeto de uma apreciação crítica que permitisse inferir nesse sentido, sendo certo que os pressupostos de aferição da isenção e que determinaram o indeferimento por parte do órgão da execução fiscal não eram os vigentes à data do pedido. Apreciando. Comecemos, então, por convocar o que foi dirimido no ato reclamado porquanto, como é consabido, é apenas com base nas razões nele constantes que se terá de balizar a ponderação da legalidade do ato e o inerente juízo de censura. Atentemos, assim, no teor do ato reclamado e na respetiva informação instrutora por forma a avaliar da fundamentação expendida para efeitos de improcedência do pedido de isenção de prestação de garantia. Ora, da informação instrutora, verifica-se que a mesma convoca o Ofício Circulado nº 60077, de 29 de julho de 2010, concluindo que “[e]m face dos documentos apresentados juntamente com o requerimento de isenção de garantia parece-nos que a presente petição enferma de insuficiência de comprovação inerente ao pressuposto da irresponsabilidade da atuação do executado na génese da situação de insuficiência ou inexistência de bens.” Por seu turno, do teor do despacho de indeferimento da isenção da prestação de garantia, prolatado pelo órgão da execução fiscal, retira-se o seguinte: A AT convoca o teor do artigo 52.º, nº4 da LGT, e enuncia que a isenção de prestação de garantia está dependente da verificação dos seguintes pressupostos: “• Prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou, Para depois, concluir que “[n]ão resulta a comprovação da irresponsabilidade da atuação do executado na génese da situação de insuficiência, pressuposto este que tem necessariamente que ser demonstrado, quer se verifique prejuízo irreparável causado pela prestação de garantia ou a manifesta falta de meios económicas revelada pela insuficiência de bens”, cujo ónus da prova refere encontrar-se na esfera jurídica do executado. Adicionalmente, sustenta que “[p]or consulta ao sistema informático do património, verifica-se que foram doados pelo executado à filha, A..., diversos Imóveis, por escritoras de doação de 24/02/2016, 06/06/2016 e 14/02/2020.” Concluindo, in fine, que o indeferimento se consubstancia no seguinte: “O requerente não apresentou prova documental da irresponsabilidade da situação de insuficiência de bens, não apresentou prova testemunhal, sendo que o ónus da prova recai sobre quem o invoque (n.° 1 do artigo 74.° da LGT).” Ora, face ao supra aludido constata-se, inequivocamente, que o despacho reclamado e a respetiva informação instrutora, não sindicam a prova da inexistência de bens penhoráveis, dando-a por adquirida, apenas se centram na falta de prova da irresponsabilidade da situação da insuficiência dos bens, daí que o Tribunal a quo tenha analisado, exclusivamente, a questão do pressuposto contemplado na parte final do artigo 52.º, nº4 da LGT, ou seja, do indício doloso. No entanto, e como evidenciado pelo Recorrente -e, desde logo, validado pelo Tribunal a quo, pese embora, como veremos, não validemos e secundemos as consequências daí extraídas-o órgão da execução fiscal sustentou a improcedência em pressupostos legais não vigentes. E a verdade é que, tal circunstância, per se, acarreta um vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Explicitemos, então, porque assim o entendemos. Com efeito, e conforme já evidenciámos anteriormente, à data de apresentação do pedido de isenção de prestação de garantia a letra da lei, entenda-se o citado normativo 52.º, nº4 já não contemplava a menção “[d]esde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.” Como doutrinado no Aresto deste Tribunal, prolatado no processo nº 321/17, datado de 08 de março de 2018: “O regime jurídico da dispensa da prestação de garantia foi recentemente alterado com a entrada em vigor (a 1 de Janeiro de 2017) da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2017), alteração que há muito se impunha face à prova diabólica que sobre o contribuinte recaía relativamente ao facto negativo de que a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”. (…) Com a alteração legislativa introduzida pela LOE de 2017 cabe ao órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, desonerando-se, portanto, o executado do ónus da prova que sobre ele impendia no regime anterior.” Ora, face ao supra expendido dimana inequívoco que o órgão da execução fiscal fundou-se em pressupostos legais que não podem, de todo, fundamentar a improcedência da isenção da prestação de garantia, assistindo, assim, razão ao Recorrente quando advoga que não foram cumpridos os requisitos atinentes à prova e demonstração dos indícios dolosos. Com efeito, no caso vertente-contrariamente ao evidenciado pelo órgão da execução fiscal no ato reclamado- não está em causa a demonstração da irresponsabilidade do executado, portanto, a prova do facto negativo, mas sim a prova da existência de indícios dolosos, e cujo ónus se circunscreve, como visto, na esfera da AT. É certo que este Tribunal não descura que, no ato reclamado em contenda, foram invocadas as escrituras de doação, mas a verdade é que as mesmas foram convocadas enquanto mera decorrência fática e de forma, absolutamente, conclusiva, sem que se consigam estabelecer os “fortes indícios” de conduta dolosa por parte do Executado na dissipação e insuficiência do património. De resto, realidade nunca alegada nesse e para esse efeito-aliás bem se percebe essa falta de alusão e densificação, visto que à luz da redação legal convocada a mesma não era pressuposto vigente-nunca se apelando ao dolo e ao nexo com a atuação do Recorrente e respetiva insuficiência. Com efeito, inexiste uma concreta análise dessas escrituras de doação, com a respetiva apreciação e ponderação, mormente, estabelecendo a necessária correlação temporal com as dívidas exequendas e inerente materialização da reversão-quando, de resto, resulta inclusivamente do probatório que as doações foram realizadas em momento temporal precedente à reversão- por forma a apurar-se do indício doloso para a ocorrência de uma situação de manifesta insuficiência patrimonial. Note-se, ademais, que o dolo não se presume, apenas se presumindo a mera culpa (culpa em sentido restrito), cabendo o ónus da prova do dolo a quem o invoca. No caso era, portanto, imperioso que a AT convocasse o pressuposto legal vigente à data do pedido, e demonstrasse que o Requerente, ora Recorrente, se colocou dolosamente em situação de manifesta insuficiência económica. É certo que, na informação de remessa dos autos é referenciado -ainda que de forma algo conclusiva e substanciada por reporte à “responsabilidade pela insuficiência de bens penhoráveis”, como visto, não aplicável-que “[e]xistem as várias doações de bens imóveis a favor da sua fila, daí que o facto de não ter outros bens em seu nome, neste momento, se deve ao facto de os ter voluntariamente dado a alguém”, mas a verdade é que tal fundamentação não é contemporânea do ato, donde não pode ser relevada para materializar uma intenção dolosa que não foi, minimamente, convocada e corporizada, como legalmente se impunha. Note-se, ademais, e como é jurisprudência consolidada “[e]m sede de reclamação do acto do órgão da execução fiscal (art. 276.º do CPPT), se o acto sindicado tiver natureza administrativa, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência do meio impugnatório (4).” (destaques e sublinhados nossos). Pelo que, face a todo o expendido anteriormente, não secundamos o entendimento do Tribunal a quo, o qual, não obstante aquiescer a existência de uma base legal, donde, pressupostos legais não aplicáveis à data, ajuizou, por referência a fundamentação de facto não elencada e densificada no ato reclamado, um indício doloso na atuação da Recorrente. Assim, contrariamente ao sentenciado pelo Tribunal a quo, a AT não fez, conforme lhe competia, prova do pressuposto elencado na parte final do artigo 52.º, nº4 da LGT, pelo que não tendo, como visto, a concreta manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência patrimonial sido colocada em causa, sendo a mesma, portanto, não controvertida-é certo que, mais uma vez, a informação de remessa dos autos sindica a sua verificação e sufraga a sua insuficiência probatória, mas, como visto, sem qualquer relevo por redundar em fundamentação a posteriori- tal significa que o Recorrente cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, o mesmo não sucedendo com a AT, o que acarreta, necessariamente, a procedência do recurso. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em : -CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e em consequência julgar procedente a reclamação, anulando-se o respetivo ato reclamado, com todas as legais consequências. Custas pela Recorrida. Registe. Notifique. Lisboa, 07 de Abril de 2022 (Patrícia Manuel Pires) (Cristina Flora) (Luísa Soares) (1) Redação atribuída com a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (2) Vide, designadamente, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 05-07-2012, no âmbito do processo n.º 0286/12. |