Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20018/16.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/23/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
SUJEITOS PASSIVOS MISTOS NA CÉDULA DE I.V.A.
CRITÉRIOS LEGAIS DE CÁLCULO DO IMPOSTO DEDUTÍVEL DE SUJEITOS PASSIVOS MISTOS.
MÉTODO DA PERCENTAGEM DE DEDUÇÃO (“PRO-RATA”) E MÉTODO DE AFECTAÇÃO REAL.
ARTº.23, DO C.I.V.A., NA VERSÃO EM VIGOR EM 1997.
DETERMINAÇÃO DOS LIMITES DO DIREITO À DEDUÇÃO POR PARTE DE UM “SUJEITO PASSIVO MISTO”.
SEPARAÇÃO “EX ANTE” OU SEPARAÇÃO “EX POST”.
ARTº.23, DO C.I.V.A., NÃO IMPUNHA QUALQUER OBRIGATORIEDADE DE UTILIZAÇÃO DO MÉTODO DA PERCENTAGEM DE DEDUÇÃO ÀS SGPS.
ARTº.23, Nº.2, DO C.I.V.A.
DISTORÇÕES SIGNIFICATIVAS NA TRIBUTAÇÃO.
EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA SUJEITA A VINCULAÇÕES ESPECÍFICAS POR PARTE DA A. FISCAL.
CONDENAÇÃO EM CUSTAS.
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
DECAIMENTO PARCIAL.
Sumário:1. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
2. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
3. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
4. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.
5. Sujeitos passivos mistos, para efeitos de I.V.A., podem definir-se como contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., por serem normalmente tributáveis e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial.
6. Não obstante o método da percentagem de dedução (“pro-rata”) ser o regime regra (ou supletivo) com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto no que diz respeito aos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos, podia o próprio contribuinte, de harmonia com o artº.23, nº.2, do C.I.V.A., efectuar a dedução segundo o método de afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunicasse tal facto à D.G.I., prevendo a lei, ainda, a faculdade de a A. Fiscal tornar obrigatório o uso deste método alternativo no caso previsto no artº.23, nº.3, do C.I.V.A.
7. O método de afectação real obriga a que o sujeito passivo contabilize, em separado, as operações da actividade que conferem direito à dedução e das que não conferem direito à dedução, portanto, as operações isentas. Acaso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método de afectação real tiver várias despesas comuns e afectas a diversas actividades que conferem direito à dedução do imposto e, ao mesmo tempo, a actividades isentas, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino, ou seja, nestes casos é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do “pro-rata”.
8. Nos termos do artº.23, do C.I.V.A., na versão em vigor em 1997, a A. Fiscal poderia impor ao sujeito passivo de imposto condições especiais ou fazer cessar o recurso ao método de afectação real, no caso de se verificar que provocava distorções significativas na tributação, ou até, pelo contrário, impor-lhe a adopção do método de afectação real (cfr.nºs.2 e 3 da norma).
9. Existem duas hipóteses de actuação no âmbito da determinação dos limites do direito à dedução por parte de um “sujeito passivo misto”. Uma separação “ex ante” ou uma separação “ex post” entre as actividades que conferem direito a dedução e actividades que não conferem esse direito. No plano da separação “ex ante” surge-nos o citado método de afectação real. Em contrapartida, no plano da separação “ex post”, calculada em função do volume de negócios e consubstanciando uma verdadeira “avaliação indiciária”, aparece o mencionado método da percentagem de dedução (“pro-rata”), tudo conforme estatuía o artº.23, nºs.1 e 4, do C.I.V.A.
10. O C.I.V.A., no citado artº.23, não impunha qualquer obrigatoriedade de utilização do método da percentagem de dedução (“pro-rata”) às SGPS, sendo que tal conclusão igualmente não se podia retirar do regime legal de tais entes societários, o qual constava do dec.lei 495/88, de 30/12, com as alterações introduzidas pelo dec.lei 318/94, de 24/9.
11. A. Fiscal limitou-se a afastar, conclusivamente, a aplicação do método de afectação real, com o argumento de que, sendo o sujeito passivo uma SGPS, que exerceu actividades isentas sem direito a dedução e actividades sujeitas a tributo com direito a dedução, deveria ter usado o método do “pro rata”, mais não sustentando que o recurso ao método de afectação real provocava distorções significativas na tributação, conforme lhe impunha o artº.23, nº.2, do C.I.V.A.
12. Sendo que tal actuação da A. Fiscal se consubstancia no exercício de competência sujeita a vinculações específicas, pressupondo a indagação prévia de pressupostos de natureza substantiva, assim não estando dependente de meros juízos de conveniência ou oportunidade de actuação.
13. No final da sentença deve o juiz, nos termos do artº.607, nº.6, do C.P.Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), condenar os responsáveis pelas custas processuais no seu pagamento e indicar a proporção da respectiva responsabilidade. Por seu turno, o artº.527, nº.2, do mesmo diploma, consagra a regra de que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for, assim fazendo o legislador apelo ao princípio da causalidade, no âmbito do qual um nexo objectivo de causalidade deve ligar a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva. Mais se dirá que a condição de vencido é que determina a condenação no pagamento de custas e a fixação do respectivo decaimento.
14. Especificamente, no processo de impugnação judicial também se deve levar em consideração o disposto no artº.122, nº.2, do C.P.P.T., preceito em que, analogamente, se chama à colação a regra da condenação em custas de acordo com o decaimento, quanto à pessoa do impugnante.
15. O decaimento total ocorre quando o impugnante não consegue ver julgada procedente qualquer das pretensões que formulou na impugnação. O decaimento parcial, por sua vez, verifica-se quando alguma, mas não todas, as pretensões formuladas, seja julgada procedente. Nomeadamente, poderá haver decaimento parcial quando o acto impugnado for divisível e só proceder a impugnação relativamente a parte dele. Será, por exemplo, o caso de uma impugnação que tem por fundamento erro na quantificação da matéria tributável, sendo reconhecido que existe erro, mas não com a dimensão defendida pelo impugnante.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.522 a 540 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “C... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, tendo por objecto liquidação adicional de I.V.A. e respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 1997 e no montante total de € 53.369,14.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.568 a 571 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-No caso dos autos, o que se sustenta no relatório de inspecção é que, tendo a impugnante, no ano em causa, exercido actividades isentas sem direito à dedução e actividades tributáveis em IVA, deveria a mesma, para efeitos de determinação do direito à dedução do mesmo imposto, ter utilizado o método da percentagem de dedução ou pro rata, calculando tal percentagem nos termos dos nºs 4 e 5 do art. 23° do CIVA;
2-No exercício em causa, não tendo a impugnante utilizado o aludido método da percentagem da dedução para efeitos de apuramento do imposto suportado que, de acordo com o mesmo método, poderia ser objecto de dedução, tal originou que tivesse deduzido valores de IVA superiores aos que resultariam da aplicação do referido método, tendo, em consequência, sido apurado imposto em falta, não entregue nos cofres do Estado no prazo legal, dado ter sido deduzida a totalidade do imposto suportado;
3-Assim, tendo sido constatada objectivamente a inadequação do método de dedução do IVA adaptado pela ora impugnante, do qual resultou a dedução de imposto suportado não correspondente, em termos de percentagem, ao montante anual das operações que dêem lugar à dedução, não se vislumbra qualquer impedimento à actuação da AT no sentido de proceder às correcções constantes do mesmo relatório, as quais visavam, tão-somente, o apuramento do IVA em falta, com base na adequada utilização do método da percentagem da dedução ou pro rata;
4-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. Porém v. Ex.as decidindo farão a costumada Justiça.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.573 a 580 dos autos), nas quais termina com o sequente quadro Conclusivo, subsidiariamente, pedindo a ampliação do objecto do recurso:
1-Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso contra a Sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo ... (ex 5.º J / 1.ª S), a qual julgou parcialmente procedente o pedido de anulação apresentado pela ora recorrida contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado n.º ... (e correspondentes juros compensatórios), referente ao ano de 1997, no valor total de Eur. 53.369, 14 (cinquenta e três mil, trezentos e sessenta e nove euros e catorze cêntimos);
2-A título prévio, e cabendo recurso da decisão proferida, desde já se impugna o valor do decaimento fixado para efeitos de custas ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;
3-Considerou o douto Tribunal a quo que ao abrigo da redação em vigor do artigo 23.º do Código do IVA à data dos factos, em 1997, não existia qualquer obrigatoriedade na utilização do método pro rata às SGPS, no que tange à dedução do IVA suportado na atividade;
4-Nesse sentido, se o sujeito passivo, na sua declaração de início de atividade declarou a opção pelo método da afetação real considerando-se nos termos da lei, sujeito passivo de IVA, cabia à Autoridade Tributária, "impor condições especiais ou fazer cessar esse direito no caso de se verificarem distorções significativas", o que não foi feito no caso concreto, considerando a recorrida legitimamente aplicado o método pelo qual havia optado;
5-A douta sentença recorrida concluiu, aliás, em conformidade com o entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, no Acórdão n.º 0169/11 de 25 de maio de 2011, segundo o qual: "IlI - Se o contribuinte apresentou declaração de alterações optando pelo método de dedução da afectação real e a Administração Tributária nada disse, não pode depois, em fiscalização dos três exercícios seguintes, aplicar-lhe o método pro rata com fundamento em que tem sido entendimento da AT que tal método não é adequado às SGPS - caso da recorrente -, podendo, quando muito e de acordo com o nº 2 do citado art° 23° fazer cessar para o futuro a aplicação daquele método.";
6-Nesse sentido, a recorrida louva-se na sentença recorrida, a qual julgou bem a causa, sub judice, devendo ser mantida na íntegra, com as legais consequências;
7-Não obstante, e caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio jurídico se equaciona mas não se concede, admitindo-se que a Autoridade Tributária podia impor retroativamente a aplicação do método pro rata, ainda assim, entende que a percentagem de dedução de IVA apurada pelos serviços de inspeção, mostra-se errada;
8-Na verdade, e como ficou cabalmente demonstrado nos presentes autos, não podem ser incluídos no denominador da fração prevista no artigo 23.º do Código do IVA os montantes relativos a dividendos e juros recebidos de participadas, de acordo com o entendimento sufragado pelo TJUE e que veio a ser veiculado pela Autoridade Tributária através do Oficio Circulado n.º 30103 de 23 de abril de 2008;
9-Igualmente, não devem ser incluídos no denominador os montantes respeitantes a «Ganhos em Imobilizações Corpóreas», «Ganhos de Sinistros», «Correcções de Exercícios Anteriores», «Excesso de Estimativa para Impostos» e «Redução de Provisões para Cobrança Duvidosa»;
10-Nesse sentido, sempre deverá ser corrigida a percentagem de dedução de IVA apurada pela Autoridade Tributária, refletindo-se a mesma no valor das correções promovidas;
11-Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, e assim, confirmada a douta sentença recorrida, nos seus exatos termos.
X
A sociedade impugnante/recorrida igualmente apresentou recurso da decisão do Tribunal “a quo” (cfr.fls.550 dos autos). Todavia, admitido o mesmo (cfr.despacho exarado a fls.559 do processo), não foram apresentadas alegações no prazo para o efeito, pelo que se julga deserto este recurso.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.602 e 603 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.526 a 529 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, “C... - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, com o n.i.p.c. …, no ano e 1997, tinha por objecto a actividade de gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, podendo ainda prestar serviços técnicos de administração e gestão às suas participadas (cfr.certidão de registo comercial junta a fls.341 a 351 dos presentes autos);
2-No ano de 1997, a sociedade impugnante encontrava-se enquadrada, como sujeito passivo de IVA, no regime normal de periodicidade mensal (cfr.relatório de inspecção junto a fls.51 a 57 dos presentes autos);
3-No ano de 1997, a impugnante utilizou o método de dedução de IVA de afectação real (cfr.facto alegado pela impugnante no artigo 53 da petição inicial e que se infere do teor do relatório de inspecção junto a fls. 51 a 57 dos presentes autos);
4-A impugnante efectuou, no ano de 1997, débitos às suas participadas relativos a despesas com viagens, refeições e alojamentos referentes a empregados das suas participadas, bem como com despesas de notariado e anúncios correspondentes a sociedades do grupo (cfr.teor do relatório de inspecção junto a fls.51 a 57 dos presentes autos; documentos juntos a fls.58 a 78 e 92 a 309 dos presentes autos);
5-Os valores referidos no nº.4 que antecede, foram registados na conta 738 da contabilidade da impugnante, tendo como suporte documental notas de débito emitidas por esta às suas participadas, sem liquidação de IVA (cfr.documentos juntos a fls.58 a 78 e 92 a 309 dos presentes autos);
6-Os documentos que titulam os débitos das despesas às empresas participadas, mencionados no nº.5, não contêm o motivo justificativo da não liquidação de IVA (cfr. documentos juntos a fls.92 a 309 dos presentes autos);
7-Em cumprimento das ordens de serviço n.ºs …, de 27/07/2001, os Serviços de Inspecção Tributária da então 2.ª Direcção de Finanças de Lisboa procederam a uma acção de inspecção à sociedade impugnante, relativa aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.51 a 57 dos presentes autos);
8-Da acção de inspecção referida no número anterior resultou um relatório de inspecção tributária, datado de 18/09/2001, no qual, para o que aqui importa, foram propostas correcções à matéria colectável em sede de IVA do ano de 1997, no montante de € 36.737,84/Esc.7.365.276$00 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.51 a 57 dos presentes autos);
9-Do relatório de inspecção referido supra consta, como fundamento das correcções mencionadas no nº.8, o seguinte:
"(...)
1.1- IVA não liquidado e não entregue

Da análise dos proveitos, contabilizados na conta "73.8 - Outras Receitas Suplementares" (anexo 1), apurou-se que nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 foram feitos débitos às participadas de diversas despesas incorridas pela C..., designadamente viagens, refeições e alojamentos, referentes a empregados das suas participadas, bem como despesas de notariado e anúncios correspondentes a sociedades do grupo, que configuravam prestações de serviços sujeitas a imposto, nos termos do art° 4 do CIVA, pelo que deveria a empresa ter procedido à respectiva liquidação e entrega nos termos dos art°s 19º a 25º, 71º e 26º, todos do CIVA, estas infracções são puníveis pelos art°s 29° e 34° do RJIFNA. Conforme mapas elaborados, tendo como base os extractos da conta "73.8 - Outras Receitas Suplementares" que constituem o anexo 2. O IVA em falta totaliza 191.718$, 1.739.262$ e 729.667$, para os anos de 1997, 1998 e 1999, respectivamente.

1.2 - Excesso de deduções

Nos termos do nº 1 do artº 23 do CIVA “quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectua transmissões de bens e prestação de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução".
Dado que a SGPS exerceu actividades isentas sem direito à dedução e por outro lado, actividades sujeitas a IVA com direita à dedução, deveria ter utilizado o método do "pro rata" calculado de conformidade com os nºs 4 e 5 do citado art° 23 do referido código.
Da análise efectuada, em sede de IVA, verificou-se que a C... nos exercícios de 1996, 1997, 1998 e 1999, não utilizou para efectuar a dedução do imposto suportado o método da percentagem da dedução, o que originou IVA dedutível por montantes superiores ao devido. Consequentemente, apurou-se falta de entrega do IVA nos cofres do Estado dentro do prazo legal, pois foi deduzida a totalidade do imposto suportado em vez da que resultaria da aplicação daquele método.
Tendo em consideração que a empresa realizou, nos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, transmissões de bens e prestações de serviços, parte dos quais não conferiam direito à dedução do imposto suportado nas aquisições, há que determinar a percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
Deste modo, procedeu-se ao cálculo dos pro rata em relação aos exercícios em causa, conforme anexo 3, tendo sido apurados 48%, 51%, 38% e 13%, que originaram Imposto em falta, por deduções indevidas, nos totais de 9.593.899$, 7.173.558$, 10.605.786$ e 13.827.937$, respectivamente (anexo 4).
(...)"
(cfr.relatório de inspecção junto a fls.51 a 57 dos presentes autos);
10-Sobre o relatório de inspecção referido no nº.8 supra, foi proferido despacho datado de 27/09/2001, com o seguinte teor:
"(…)
Concordo com o conteúdo do relatório (...).
Confirmo as correcções meramente aritméticas em sede de IVA.
(...)"
(cfr.documento junto a fls.50 dos presentes autos);
11-Em consequência das correcções identificadas nos nºs.8 e 9 supra, foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º ..., relativa ao ano de 1997, no valor de € 36.737,84, bem como as liquidações dos respectivos juros compensatórios, com os n.ºs …, perfazendo o total de € 53.369,14, todas com data limite de pagamento voluntário fixada em 31/01/2002 (cfr.documentos juntos a fls.36 a 48 dos presentes autos);
12-Em 2/05/2002, foi apresentada a presente impugnação (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão da causa, em face das possíveis soluções de direito…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese:
1-Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, dado que a Administração Tributária procedeu, após a interposição da impugnação, à anulação da parte da liquidação impugnada correspondente à correcção relativa à integração no denominador da fracção para cálculo do pro rata dos valores respeitantes às rúbricas "reposição de provisões", "estimativas para impostos" e "mais-valias resultantes da transmissão de bens do acto imobilizado" (cfr.despacho exarado ao abrigo do artº.112, nº.3, do C.P.P.T.; documento junto a fls.376 a 382 dos presentes autos);
2-Julgar improcedente a impugnação relativamente às despesas com viagens, refeições, alojamentos e de notariado que foram facturadas à impugnante, mas que são da responsabilidade das sociedades do grupo, dado que despesas sujeitas a imposto nos termos previstos no artº.4, do C.I.V.A., porque enquadráveis no conceito de prestações de serviços;
3-Julgar procedente a impugnação na parte respeitante ao imposto decorrente da correcção relativa a “excesso de deduções” (cfr.nº.9 do probatório), em consequência do que se anulou a liquidação objecto do processo na fracção respectiva;
4-Condenar a sociedade impugnante em custas na proporção do respectivo decaimento, o qual fixou em 40%.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido sustentando, em sinopse, que tendo sido constatada a inadequação do método de dedução do I.V.A. adoptado pela sociedade impugnante/recorrida, do qual resultou a dedução de imposto suportado não correspondente, em termos de percentagem, ao montante anual das operações que davam lugar à dedução, não se vislumbra qualquer impedimento à actuação da A. Fiscal no sentido de proceder às correcções constantes do relatório de inspecção, as quais visavam o apuramento do tributo em falta, com base na adequada utilização do método da percentagem da dedução ou pro-rata (cfr.conclusões 1 a 3 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
Antes de mais, se dirá que o presente recurso apenas abarca a parcela da decisão recorrida que decretou a anulação das liquidações impugnadas. Concretizando, na porção respeitante ao imposto decorrente da correcção relativa a “excesso de deduções” (cfr.nº.9 do probatório), visto que somente nesta vertente a Fazenda Pública ficou vencida (cfr.artº.631, nº.1, do C.P.Civil).
Avancemos.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/09/2016, proc.8092/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2016, proc.9875/16; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, entendeu a A. Fiscal, resumidamente, que se verificava uma inadequação do método de dedução do I.V.A. adoptado pela sociedade impugnante/recorrida, do qual resultou a dedução de imposto suportado não correspondente, em termos de percentagem, ao montante anual das operações que davam lugar à dedução de imposto. Em consequência de tal constatação, efectuou o cálculo da percentagem estimada, (pro-rata), utilizada para determinar a dedução do imposto suportado, nos termos do citado artº.23, nº.4, do C.I.V.A., mais tendo liquidado I.V.A. adicional supostamente em falta (cfr.nºs.8 a 11 do probatório).
Pelo contrário, o Tribunal "a quo" concluiu pela ilegalidade da correcção efectuada pela A. Fiscal, tendo por base o pressuposto da aplicação necessária do método do cálculo da percentagem estimada, (pro-rata), dado não ter indagado da existência de vectores que impossibilitavam a aplicação, no caso concreto, do método de afectação real, utilizado pelo sujeito passivo.
Vejamos quem tem razão.
Nos artºs.21 e 23, do C.I.V.A., são estabelecidas limitações ao direito a dedução do I.V.A. debitado nas facturas ou documentos equivalentes, sendo que o primeiro dos preceitos citado se refere aos casos de exclusão total da dedução (caso de aquisições de certos bens e serviços) e o artº.23 às situações em que se verifica a dedução parcial do imposto em função da actividade económica realizada pelo sujeito passivo, caso de operações tributáveis e operações isentas sem direito a dedução, nos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos.
No caso de sujeitos passivos mistos (contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial - cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.167 e seg.) existe a necessidade de determinar o montante, tanto do imposto dedutível, como do que não é dedutível.
Nessas circunstâncias, o C.I.V.A. prevê como regime regra de cálculo da parte dedutível do imposto o método da percentagem de dedução também chamado de “pro- rata” (cfr.artº.23, nº.1, do C.I.V.A.).
Não obstante o método da percentagem de dedução (“pro-rata”) ser o regime regra (ou supletivo) com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto no que diz respeito aos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos, podia o próprio contribuinte, de harmonia com o artº.23, nº.2, do C.I.V.A., efectuar a dedução segundo o método de afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunicasse tal facto à D.G.I., prevendo a lei, ainda, a faculdade de a A. Fiscal tornar obrigatório o uso deste método alternativo nos casos previstos no artº.23, nº.3, do C.I.V.A. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc.1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2016, proc.8092/14; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.149 e seg.).
A afectação real obriga a que o sujeito passivo contabilize, em separado, as operações da actividade que conferem direito à dedução e as que não conferem direito à dedução, portanto, as operações isentas. Acaso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método de afectação real tiver várias despesas comuns e afectas a diversas actividades que conferem direito à dedução do imposto e, ao mesmo tempo, a actividades isentas, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino, ou seja, nestes casos é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do “pro-rata” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc.1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/9/2016, proc.8092/14; Clotilde Celorico Palma, ob.cit., pág.174; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.160 e seg.).
Quanto ao exercício do direito à dedução, dispunha o artº.23, do C.I.V.A., na redacção em vigor em 1997:
Artº.23º
(Métodos de regularização da dedução do imposto)
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução, segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, desde que previamente comunique o facto à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sem prejuízo da possibilidade de esta lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.
3- A administração fiscal pode obrigar o contribuinte a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do art. 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
(…)".

Nos termos do preceito sob exegese a A. Fiscal poderia impor ao sujeito passivo de imposto condições especiais ou fazer cessar o recurso ao método de afectação real, no caso de se verificar que provocava distorções significativas na tributação, ou até, pelo contrário, impor-lhe a adopção do método de afectação real (cfr.nºs.2 e 3 da norma).
Existem duas hipóteses de actuação no âmbito da determinação dos limites do direito à dedução por parte de um “sujeito passivo misto”. Uma separação “ex ante” ou uma separação “ex post” entre as actividades que conferem direito a dedução e actividades que não conferem esse direito. No plano da separação “ex ante” surge-nos o citado método de afectação real. Em contrapartida, no plano da separação “ex post”, calculada em função do volume de negócios e consubstanciando uma verdadeira “avaliação indiciária”, aparece o mencionado método da percentagem de dedução (“pro-rata”), tudo conforme estatuía o artº.23, nºs.1 e 4, do C.I.V.A. (cfr.Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.156 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, os serviços de inspecção tributária procederam à correcção “sub judice” apenas com a fundamentação descrita no nº.9 do probatório.
Do exame de tal argumentação, desde logo, se deve concluir que o C.I.V.A., na norma sob exegese, não impunha qualquer obrigatoriedade de utilização do método da percentagem de dedução (“pro-rata”) a este tipo de sociedades (SGPS), sendo que tal conclusão igualmente não se podia retirar do regime legal de tais entes societários, o qual constava do dec.lei 495/88, de 30/12, com as alterações introduzidas pelo dec.lei 318/94, de 24/9 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/02/2017, proc.5493/12).
Ora, tendo a Fazenda Pública procedido à correcção sindicada nos autos, impunha-se à mesma apreciar fundadamente as eventuais distorções da actividade e indicar os factos que pudessem permitir concluir pela impossibilidade prática de aplicação do método da afectação real face aos elementos contabilísticos apresentados pela empresa e aos dados extra-contabilísticos da actividade do sujeito passivo. Ou seja, deveria a A. Fiscal verificar e justificar a existência de distorções significativas na tributação decorrentes da aplicação do método de afectação real por parte da sociedade impugnante/recorrida.
Contudo, como decorre da leitura da fundamentação constante do relatório de inspecção, a A. Fiscal limitou-se a afastar, conclusivamente, a aplicação do método de afectação real, com o argumento de que, sendo o sujeito passivo uma SGPS, que exerceu actividades isentas sem direito a dedução e actividades sujeitas a tributo com direito a dedução, deveria ter usado o método do “pro rata”, mais não sustentando que o recurso ao método de afectação real provocava distorções significativas na tributação, conforme lhe impunha o artº.23, nº.2, do C.I.V.A.
A mera invocação como fundamento da imposição da utilização do método do “pro rata” do facto de o sujeito passivo exercer actividades isentas sem direito a dedução e actividades sujeitas a imposto com direito a dedução não é, manifestamente, suficiente, porquanto, tal circunstância só justifica o recurso ao regime previsto no artº.23, do C.I.V.A., com vista à determinação do tributo a deduzir, não afastando, por si só, a aplicação de um dos dois métodos previstos na norma, um dos quais o método de afectação real.
E recorde-se que seria no relatório de inspecção que a A. Fiscal teria que indagar por forma a concluir, ou não, pela verificação de distorções significativas na tributação e consequente impossibilidade de aplicação do método de afectação real. Sendo que tal actuação da A. Fiscal se consubstancia no exercício de competência sujeita a vinculações específicas, pressupondo a indagação prévia de pressupostos de natureza substantiva, assim não estando dependente de meros juízos de conveniência ou oportunidade de actuação (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.284 e seg.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.565).
Face a tudo o exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade da correcção efectuada com base no pressuposto de aplicação necessária do método da percentagem de dedução (“pro-rata”), com a consequente ilegalidade da liquidação de I.V.A., na parte correspondente (Esc.7.173.558$00/€ 35.781,56 - cfr.nº.9 do probatório), e dos respectivos juros compensatórios, tudo conforme decidiu o Tribunal “a quo”.
Rematando, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
Resta analisar o valor do decaimento fixado para efeitos de custas ao abrigo do disposto no artº.527, nº.2, do C.P.Civil, questão suscitada pela sociedade recorrida nas contra-alegações (cfr.conclusão 2 das contra-alegações).
No final da sentença deve o juiz, nos termos do artº.607, nº.6, do C.P.Civil (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), condenar os responsáveis pelas custas processuais no seu pagamento e indicar a proporção da respectiva responsabilidade.
Por seu turno, o artº.527, nº.2, do mesmo diploma, consagra a regra de que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for, assim fazendo o legislador apelo ao princípio da causalidade, no âmbito do qual um nexo objectivo de causalidade deve ligar a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva. Mais se dirá que a condição de vencido é que determina a condenação no pagamento de custas e a fixação do respectivo decaimento (cfr.Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.50 e seg.).
Especificamente, no processo de impugnação judicial também se deve levar em consideração o disposto no artº.122, nº.2, do C.P.P.T., preceito em que, analogamente, se chama à colação a regra da condenação em custas de acordo com o decaimento, quanto à pessoa do impugnante.
O decaimento total ocorre quando o impugnante não consegue ver julgada procedente qualquer das pretensões que formulou na impugnação. O decaimento parcial, por sua vez, verifica-se quando alguma, mas não todas, as pretensões formuladas, seja julgada procedente.
Nomeadamente, poderá haver decaimento parcial quando o acto impugnado for divisível e só proceder a impugnação relativamente a parte dele. Será, por exemplo, o caso de uma impugnação que tem por fundamento erro na quantificação da matéria tributável, sendo reconhecido que existe erro, mas não com a dimensão defendida pelo impugnante (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.310).
“In casu”, é precisamente essa a situação, embora a percentagem do decaimento da sociedade impugnante e ora recorrida não possa fixar-se em quarenta por cento (40%), conforme decidiu o Tribunal “a quo”, certamente por lapso.
Assim sendo, levando em consideração o montante total do acto tributário objecto do processo (€ 53.369,14 - cfr.nº.11 do probatório) e a quantia em que a impugnação mereceu provimento (€ 35.781,56 - cfr.nº.9 do probatório) à qual haverá que acrescentar os correspondentes juros compensatórios, fixa-se a percentagem do respectivo decaimento em vinte por cento (20%), expressão da responsabilidade das custas a suportar pela sociedade recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
Em primeira instância, ao abrigo do artº.527, do C.P.Civil, condena-se a sociedade recorrida em custas, na proporção do decaimento, o qual se fixa em vinte por cento (20%).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 23 de Março de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)