Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:51/19.1BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:10/10/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ATO ADMINISTRATIVO.
FUMUS BONI IURIS – PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE ORDENAR A RESTITUIÇÃO DO SUBSÍDIO ATRIBUÍDO À REQUERENTE/ ORA RECORRIDA.
Sumário:I - Estando em causa a devolução de ajudas comunitárias determinadas por ato que modificou unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas comunitárias, o regime aplicável à prolação de decisões de recuperação de pagamentos indevidos varia consoante o comportamento que esteve na origem desse pagamento.

II - Se o pagamento indevido for ditado por erro do beneficiário ou de terceiro, constitui uma irregularidade, nos termos em que é definida pelo art 1º, nº 2 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, e o prazo para o exercício da competência de recuperação é o definido no art 3º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95.

Se o pagamento indevido for ditado por erro da autoridade competente ou por erro de outra autoridade, não se subsume no conceito de irregularidade, nos termos em que é definida pelo art 1º, nº 2 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, e o prazo para o exercício da competência de recuperação é o definido no art 168º, nº 4, al c) do CPA (que entrou em vigor a 8.4.2015, nos termos do art 8º, nº 1 do DL nº 4/2015, de 7.1).

III – In casu, como a devolução da ajuda recebida se alicerça na imputação de irregularidades à requerente e recorrente - ausência de pista de controlo da despesa – cuja necessidade de ser assegurada se encontra prevista no art 33º do Regulamento nº 65/2011, da Comissão de 27.1 – é de aplicar o prazo de prescrição de 4 anos, previsto no artigo 3º, nº1, §1 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, mas a contar nos termos do §2 e do §4, com a interrupção por efeito do §3.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Relatório

A......... requereu providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, de 10.10.2018, contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas – IFAP, IP.

O pedido cautelar consistiu na suspensão de eficácia do ato que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento nº 02........./0, respeitante à operação denominada como «Área Agrupada do M.........» e a concomitante obrigação de proceder à devolução de «subsídios ao investimento», no montante de €: 423.292,02, determinando-se, designadamente, que o requerido se abstenha de:

1. Executar o ato requerido, exigindo à requerente, por qualquer forma, a devolução do valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos;

2. Compensar o valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos, com o valor de outros subsídios devidos à requerente nas restantes operações financiadas pelo requerido.

A 27.5.2019 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja decidiu:

a) Deferir o pedido de suspensão de eficácia da decisão do IFAP, adotada em 10.10.2018, que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento nº 02........./0 – outorgado, em 16.5.2013, com A........., respeitante à operação denominada como «Área Agrupada do M.........» e a concomitante obrigação de proceder à devolução de «subsídios ao investimento», no montante de €: 423.292,02;

b) Indeferimos o pedido de compensação do valor do subsídio não reembolsável liquidado no âmbito da operação «Área Agrupada do M.........», mediante o valor de outros subsídios ao investimento (alegadamente) devidos – em distintas operações co-financiadas pelo IFAP, a A..........




As partes – A......... e IFAP – não se conformaram com o assim decidido e recorreram na parte em que cada uma decaiu.

O IFAP nas alegações de recurso que apresentou concluiu:

«1ª Conforme se colhe da economia da Sentença recorrida, nela, o Mº Juiz a quo, partindo do pressuposto de que que a candidatura (PRODER) em causa, fora aprovada em 10/04/2013 “pela Entidade Requerida” (o IFAP) – cfr. G) da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida - considerou que “o cerne do presente litígio reconduz-se à (i)legalidade de (…) anulação parcial de um ato administrativo, o qual teve natureza favorável à ora Requerente, cuja aprovação fundou o contrato agora resolvido. E, naturalmente, a anulação daquela aprovação fundou a resolução (parcial) do contrato, resolução aqui atacada” (cfr. Sentença recorrida, pág. 34 e 35), com sustento no entendimento de que “o ato administrativo suspendendo se trata, simultaneamente, de uma resolução contratual e de uma anulação administrativa” (cfr. Sentença recorrida, pág. 34).

2ª Tendo presente, por um lado, a factualidade evidenciada documentalmente nos autos (designadamente o “Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial”) e, por outro lado, o quadro regulamentar aplicável (designadamente o disposto no nº 5 do artº 17º do Regulamento de Aplicação aprovado pela Portaria nº 1137-D/2008, de 9 de outubro, resulta, não só, que:

· não foi o IFAP a entidade que aprovou a candidatura em causa,

· como igualmente resulta que nem sequer a poderia ter aprovado por para tanto carecer de tal competência,

· e, consequentemente, também resulta que não seria o IFAP a entidade competente que poderia anular administrativamente tal decisão de aprovação da candidatura por falta de competência para o efeito;

3ª Por isso, o Mº Juiz a quo, ao ter julgado provado em G) da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida que “Em 10.04.2013, a candidatura mencionada em C) foi aprovada pela Entidade Requerida” errou na apreciação da prova;

4ª Como tal, o facto constante de G) da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida deverá ser expurgado da Sentença, não só por não corresponder à realidade como também por se mostrar irrelevante para a decisão da providência;

5ª Conforme se colhe de páginas 34 da Sentença recorrida, resulta que aí, o Mº Juiz a quo, no conhecimento e apreciação perfunctória da invocada prescrição (do procedimento), fundou a decisão de probabilidade de procedência deste alegado vício de prescrição do procedimento no disposto no nº 4 do artº 168º do CPA, por considerar que o ato administrativo do IFAP, de a modificação unilateral do Contrato de Financiamento n.º 02........./0”, celebrado entre o IFAP e a A......... no âmbito referente ao pedido de apoio na Operação PRODER n.º 02........., comportaria, simultaneamente, uma anulação administrativa do ato de aprovação de tal Operação, da autoria da AG PRODER/DRAP;

6ª Tendo presente a factualidade documentalmente evidenciada nos autos, bem como, também, o regime legal vigente, afigura-se incorreta a subsunção da factualidade considerada pelo Mº Juiz a quo na Sentença recorrida ao disposto no artº 168º do CPA, quanto mais não fosse, por força do disposto no artº 127º do CPA, segundo o qual, sob a epígrafe ‘Decisão do procedimento’, estabelece que “Salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer, o procedimento pode terminar pela prática de um ato administrativo ou pela celebração de um contrato.” (negrito e sublinhado, nossos);

7ª No caso em presença, resulta que o procedimento aberto pela apresentação da candidatura em causa se extinguiu “pela tomada da decisão final” de aprovação da AG PRODER, nos termos do disposto no artº 106º do CPA ao tempo vigente sendo que, subsequentemente, na sequência de tal decisão final de aprovação da AG PRODER, entre a A......... e o IFAP viria a ser celebrado o “Contrato de Financiamento n.º 02........./0:

8ª Tal Contrato de Financiamento é, reconhecidamente, um contrato administrativo cujo regime substantivo já ao tempo se achava regulado no Código dos Contratos Públicos (CCP) aprovado pelo DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, por força do disposto na «norma revogatória» constante da al. c) do artº 14º deste DL 18/2008, segundo a qual foi revogado todo “O capítulo iii da parte iv do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro”, sendo que com a aprovação do Novo CPA, atualmente vigente, passou a ficar expressamente prescrito no nº 1 do artº 202º (sob a epígrafe ‘Regime substantivo’) que “As relações contratuais administrativas são regidas pelo Código dos Contratos Públicos ou por lei especial, sem prejuízo da aplicação subsidiária daquele quando os tipos dos contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa.”

9ª Tendo presente o regime substantivo dos contratos administrativos instituído na Parte III do CCP, tal qual se acha regulado no artº 307º do CCP, resulta conjugadamente do disposto no nº 1 e no nº 2 deste preceito, que Decisão suspendenda de modificação unilateral do Contrato de Financiamento nº 02........./0, celebrado entre o IFAP e a A........., reveste a natureza de ato administrativo, cuja formação “não está sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo Código do Procedimento Administrativo” (cfr. nº 1 do artº 308º do CCP);

11ª Considerando a aplicação deste quadro legal ao caso dos autos, ter-se-á que, sendo o Contrato de Financiamento nº 02........./0, celebrado entre o IFAP e a A......... no âmbito da Operação PRODER nº 02.........., um contrato administrativo, o regime substantivo que regula as respetivas relações contratuais é o constante da PARTE III do CCP;

12ª Por isso, a declaração do IFAP constante da Decisão suspendenda, traduzindo-se na modificação do contrato, constitui prática de ato administrativo emitido/praticado pelo IFAP no exercício dos poderes de contraente público, cuja formação (do ato administrativo) não estava sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido no CPA, designadamente ao disposto no artº 168º do CPA;

13ª Tendo presente tal quadro legal aplicável in casu, de concluir será, então, que o ato administrativo de modificação unilateral do Contrato de Financiamento em causa, não se inserindo no “regime da marcha do procedimento estabelecido pelo Código do Procedimento Administrativo”, não constitui (nem poderia constituir)

· nem uma revogação da decisão de aprovação da AG PRODER/PDR, por o IFAP, para tal, carecer de competência;

· nem uma anulação administrativa:

- quer por o ato administrativo de modificação unilateral se não fundar em qualquer ilegalidade da decisão e aprovação a AG PRODER/PDR

- quer por o IFAP para tal também carecer da necessária competência.

14ª Como tal, mostra-se absolutamente inaplicável ao caso dos autos o disposto no artº 168º do CPA, na parte em que o mesmo rege em matéria procedimental a respeito de revogação e de anulação administrativa.

15ª Aliás, a respeito da aplicabilidade do regime substantivo constante do CCP aos Contratos de Financiamento celebrados pelo IFAP com Beneficiários no âmbito do PRODER, como é o caso dos autos, este TCA Sul já declarou no recentíssimo Acórdão de 09/05/2019 (prolatado no Proc. nº 342/18.9 BECTB, em caso absolutamente análogo aos dos presentes autos e nos quais foram partes o IFAP e a A.........), jurisprudência, esta, integralmente aplicável ao caso dos autos relativamente à concreta (in)aplicabilidade do artº 168º do CPA, no caso em presença, no segmento que regula os casos de revogação e de anulação administrativa (que como se disse, não está, nem poderia estar, em causa na prolação da decisão suspendenda - de modificação unilateral de contrato administrativo);

16ª Por tais ordens de razões, afigura-se que a Sentença recorrida também é suscetível de reparo, porquanto, dela resulta ter sido, por um lado, erradamente aplicado, ao caso em apreço, o artº 168º do CPA na parte em que os prazos procedimentais a serem observados em casos de revogação ou anulação administrativa, e, por outro lado, absolutamente desconsiderado o quadro jurídico e legal aplicável constante do regime substantivo dos contratos administrativos regulado nos termos do disposto no nº 2 do artº 307º e no artº 308º, ambos do CCP, expressamente aplicável in casu por força do disposto no nº 1 do artº 202º do CPA;

17ª Acresce que, considerando a natureza repetida das irregularidades que fundamentam a decisão suspendenda (ausência de pista de controlo em violação do artº 30º do R 65/2011), a data em que cessaram tais irregularidades (na data do último pagamento processado pelo IFAP à A......... em 30/12/2015), de concluir será que o procedimento se não achava prescrito,

· nem em 14.09.2018 (data em que se mostra ter sido interrompido qualquer prazo prescricional),

· nem em 10.10.2018 (data em que o IFAP, na qualidade de «Organismo Pagador», IP praticou o ato administrativo suspendendo.

18ª Como tal, não se verificando in casu a probabilidade (indiciária) de procedência dos vícios imputados pela A......... à decisão suspendenda, tanto bastará para que a providência requerida não possa, nem deva ser decretada;

19ª Como se colhe da Sentença recorrida, nela o Mº Juiz a quo também considerou que «a realidade descrita e indiciariamente comprovada, mormente no que concerne à natureza e atividade desenvolvidas pela Requerente [pautada pela ausência de fins lucrativos ou de angariação de quaisquer proventos] e a sua situação patrimonial atual [marcada pela total ausência de património e de proventos] deve conduzir ao preenchimento do requisito legal do “periculum in mora”, atentos os prejuízos de difícil reparação (senão mesmo impossível) que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em apreço.» (cfr. Sentença recorrida, pág. 53);

20ª Ora, a verdade é que se, por um lado, do Requerimento Inicial, não constam quaisquer factos concretos alegados com base nos quais se pudesse avaliar o periculum in mora para os interesses que a A......... prendesse visar na ação principal, por outro lado, o que resulta dos factos provados em P), Q), S), X), Z) e AA) da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, é que a A......... já se encontra, objetiva e praticamente, numa situação de insolvência, de tal forma que, no concreto caso em apreço se não verifica, indiciariamente, que fosse, qualquer nexo de causalidade entre o decretamento ou o não decretamento da providência requerida e o, respetivo, desagravamento e/ou o agravamento da situação económica e financeira em que a A......... já se encontra;

21ª Como tal, também se afigura que a Sentença recorrida é, igualmente suscetível de reparo, porquanto, dela resulta ter sido erradamente aplicado o direito à factualidade provada para efeitos de conhecimento e decisão do periculum in mora enquanto requisito de verificação, também necessária, ao decretamento da providência requerida (não perdendo de vista a circunstância de o caso em apreço também em nada divergir de outros casos já conhecidos, apreciados e decididos por este TCA Sul, a respeito da não verificação do periculum in mora, e nos quais foram partes o IFAP e a A.........)».

A A......... contra-alegou o recurso do IFAP concluindo:

«1º A alínea G) da matéria de facto provada corresponde ao facto alegado pelo ora Recorrida no artº 4º do requerimento inicial, suportado pelo doc. nº 2 junto com aquela peça processual.

2º Aquele facto não foi impugnado pelo Recorrente na sua oposição, pelo que por força do artº 118º nº 2 CPTA, não restava outro caminho ao Meritíssimo Juiz do que levar aquele facto à matéria assente.

3º A alteração pretendida pelo Recorrente à resposta dada pela douta sentença “a quo” àquele facto, é absolutamente irrelevante para a boa decisão da causa.

4º O despacho suspendendo é uma medida administrativa de retirada de um benefício anteriormente concedido, ato administrativo de natureza sancionatória, sujeito aos prazos de decisão do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

5º Nos termos do artº 11º nº 6 do D.L. nº 37-A/2008, de 5-3, os termos e efeitos da resolução, da modificação ou da denúncia do contrato, designadamente, a obrigação de reposição de quantias já pagas ao beneficiário, são objeto de decisão da autoridade de gestão, sob proposta da entidade contratante.

6º A decisão sobre a matéria de facto consolidada nos autos, não pode agora ser alterada com novos factos e fundamentos que não foram levados à oposição no tempo e oportunidade devidos.

7º O despacho suspendendo configura a natureza de um ato administrativo de modificação unilateral do contrato, que revoga a decisão de atribuição do subsídio à Recorrida, suportada no disposto no artº 11º do D.L. nº 37-A/2008, de 5-3, e nas cláusulas E.2 e F.2 das Condições Gerais do contrato de financiamento celebrado com a Recorrida.

8º Em caso de incumprimento do contrato, o contraente público pode, a título sancionatório, resolver o contrato ou revogar os subsídios atribuídos, nos termos do disposto no artº 11º do D.L. nº 37-A/2008, de 5-3.

9º A declaração do contraente público constante do despacho suspendendo não tem assim a natureza de simples ato de modificação negocial, revestindo a natureza de ato administrativo de carácter sancionatório, revogatório dos subsídios atribuídos à Recorrente.

10º E porque assim sucede, qualquer que seja a configuração jurídica que se queira atribuir ao despacho suspendendo, não há dúvidas que está sujeito aos prazos de decisão do procedimento previsto no CPA.

11º O facto relativo à alegada situação de insolvência da Requerente não foi alegado pelo Recorrente nem consta dos factos assentes nos autos.

12º Em sede de recurso, o Tribunal de apelo apenas pode julgar com base nos factos julgados como provados nos autos ou que, no seu entender, resultem da prova constante dos autos.

13º Sucede que, não existem factos ou prova carreada para os autos pelo ora Recorrente que consubstanciem o alegado estado de insolvência da Requerente.

14º Face à matéria de facto fixada nos autos, como bem decidiu a sentença “a quo” é manifesto que o não decretamento da providência acarretará para a Requerente prejuízos de difícil reparação, senão mesmo impossível, que advirão da eficácia da ordem de devolução em causa.

15º Assim, a sentença “a quo” não merece qualquer censura».

A A......... recorreu do segmento decisório que «indeferiu o pedido de compensação do valor do subsídio não reembolsável liquidado no âmbito da operação «Área Agrupada do M.........» mediante o valor de outros subsídios ao investimento devidos em distintas operações co-financiadas pelo IFAP». Para tanto imputa-lhe nulidade, nos termos do art 615º, nº 1, als c), d) e e) do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, por ter decidido sobre objeto diverso do pedido, pronunciando-se sobre questão que não lhe foi colocada, entrando em contradição com o deferimento do pedido de suspensão de eficácia da decisão de 10.10.2018. Assim requer seja revogada a sentença nesta parte e, nos termos do art 149º, nº 2 do CPTA, seja determinado que o requerido se abstenha de compensar o valor atribuído na operação identificada nos autos com o valor de outros subsídios devidos à requerente nas restantes operações financiadas pelo requerido.

Este recurso não foi contra-alegado.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste TCAS, notificado nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, não emitiu parecer.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Fundamentação

De facto

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

A) «Em 13.12.2005, a Requerente foi constituída, entre outros, por Jaime .........., portador do bilhete de identidade n.º .......... emitido pelos Serviços de Identificação Civil da Guarda _ cfr. Documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;

B) A Requerente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, que tem por objeto social “a defesa e promoção dos interesses dos produtores e proprietários florestais e o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora; a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, a conservação da natureza, bem como (…) a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados” _ cfr., de novo, Documento n.º 1 junto com o requerimento inicial;

C) Em 09.10.2008, a Requerente submeteu, junto do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente (PRODER), candidatura ao Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural” - subprograma 2 (“Gestão Sustentável do Espaço Rural”), Medida 2.3 (“Gestão do Espaço Florestal e Agro- Florestal”), Ação 2.3.3. (“Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”), sub- ação 2.3.3.3. (“Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos”), no valor de € 764.564,72 (setecentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos) _ cfr. Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial;

D) Pelo menos desde 11.12.2009, Jaime .......... exerceu o cargo de Vice-Presidente da Direção da Requerente _ cfr. fls. 153 do processo administrativo apenso ao processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA;

E) Atualmente, Jaime .......... exerce o cargo de Presidente da Direção da Requerente _ cfr. declarações de parte da Requerente prestadas, em 10.05.2019, no âmbito do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA;

F) Desde, aproximadamente o ano de 2010, Jaime .......... é sócio e gerente de “A.....-B....., Lda.”, NIPC .......... e de “P....., Lda.”, NIPC .......... _ cfr Declarações de Parte da Requerente prestadas, em 10.05.2019, no âmbito do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA;

G) Em 10.04.2013, a candidatura mencionada em C) foi aprovada pela Entidade Requerida _ cfr., de novo, Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 99 a 109 do processo administrativo apenso;

H) Em 16.05.2013, tendo por objeto o pedido de concessão de apoio à concretização da operação n.º 02......... (“Área Agrupada do M.........”), as Partes outorgaram o “Contrato de Financiamento n.º 0........./0 _ cfr., de novo, Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial;

I) Mediante o contrato mencionado em H), a Entidade Requerida comprometeu-se em conceder à Requerente subsídio não reembolsável no valor de € 465.203,63 (quatrocentos e sessenta e cinco mil, duzentos e três euros e sessenta e três cêntimos) _ cfr., de novo, Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 96 do processo administrativo apenso;

J) A execução material da operação n.º 02......... teve início em 01.02.2012 _ cfr., de novo, Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 96 do processo administrativo apenso;

K) Em 09.04.2014, o Presidente da Entidade Requerida aprovou o “Manual Técnico do Beneficiário - Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER (Investimento) e FEP”, no qual se lê:

“(...).

6.2. DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES DE ELEGIBILIDADE DA DESPESA

Os casos de verificação da elegibilidade de despesa a que se referem os pontos seguintes são aplicados a cada Medida / Ação com as devidas adaptações, tendo em conta as portarias enquadradoras dos apoios, os seus normativos específicos ou, caso existam, orientações das respetivas autoridades de gestão. Nestas circunstâncias, a Entidade Requerida competente pela análise do pedido de pagamento procede às seguintes verificações complementares:

(...) h) Relações especiais: Considera-se que existem relações especiais entre duas Entidade Requeridas nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente entre: (...)

4. Entidade Requeridas em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta; (...) No âmbito das relações especiais, o beneficiário deve assegurar que as transações efetuadas são identificadas apropriadamente e relevadas nas demostrações financeiras.

No âmbito da análise do pedido de pagamento, podem ser solicitados os seguintes elementos: (i) Documentos emitidos pelo fornecedor ou prestador de serviço que demostrem e comprovem a composição do preço final; (ii) Os preços de aquisição dos bens / serviços pelo grupo, através do dossier de preços de transferência. A despesa a considerar elegível é a que estiver de acordo com os preços de mercado, sendo que no âmbito da subcontratação, o valor aceite será limitado ao montante dessa subcontratação (1° preço de venda / preço de entrada) (...).” _ cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.10.2017, proferido no âmbito do processo n.º 550/17, disponível em www.dgsi.pt, “ex vi” artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Civil;

L) Em 26.07.2013, em 22.01.2014, em 09.07.2014 e em 04.09.2015, a Requerente solicitou o pagamento do subsídio contratualizado em 16 de maio de 2013 _ cfr. Documento n.º 3 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 26 a 57 do processo administrativo apenso;

M) Os pedidos mencionados em L) foram instruídos com faturas emitidas por “A.....-B....., Lda.”, “P....., Lda.”, “S.......... Lda.” e “L.........., Lda.” _ cfr. Documento n.º 3 junto com o processo administrativo e, ainda, fls. 59 a 95 do processo administrativo apenso;

N) Em 29.07.2013, em 30.05.2014, em 29.08.2014 e em 23.12.2015, mediante “crédito na conta de depósitos à ordem da Requerente”, a Entidade Requerida liquidou - no âmbito da operação n.º 02.........- o montante de € 423.292,02 (quatrocentos e vinte e três mil, duzentos e noventa e dois euros e dois cêntimos) _ cfr. fls. 96-97 do processo administrativo;

O) Em 07.06.2016, no decurso de trabalhos da Inspecção-Geral de Finanças tendente à Certificação de Contas de 2015 da Entidade Requerida, realizou-se ação de controlo administrativo à operação n.º 02......... _ cfr. pontos n.ºs 2 e 12 do Documento n.º 3 junto com o requerimento inicial;

P) Em 31.12.2016, a Requerente registou um resultado anual ilíquido negativo de € 1.417,995,51 (um milhão, quatrocentos e dezassete mil, novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), e um passivo total de € 3.007.722,22 (três milhões, sete mil, setecentos e vinte e dois euros e vinte e dois cêntimos) _ cfr. Documentos n.ºs 27, 28 e 29 juntos com o requerimento inicial que deu origem à constituição do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA;

Q) Em 20.06.2017, a Requerente não possuía imóveis em seu nome _ cfr. Documento n.º 31 junto com o requerimento inicial que deu origem à constituição do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA;

R) Em 22.05.2018, a execução da operação n.º 02......... teve o seu termo _ cfr. fls. 96 do processo administrativo apenso;

S) Em 20.02.2018, nas contas bancárias por si detidas junto da Caixa .........., SA, o saldo disponível da Requerente ascendia a € 2.216,03 (dois mil, duzentos e dezasseis euros e três cêntimos) _ cfr. Documento n.º 32 junto com o requerimento inicial que deu origem à constituição do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA;

T) Em 14.09.2018, mediante o ofício n.º ...../2018, de 13.09, sob o assunto “audiência prévia nos termos dos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo. PRODER. (…) Operação n.º 02.........”, a Entidade Requerida informou a Requerente da sua “intenção de (…) determinar a devolução do montante de € 423.292,02” _ cfr. Documento n.º 4 junto com a Oposição e, ainda, fls. 7 a 12 do processo administrativo apenso;

U) A Requerente não se pronunciou em sede de audiência prévia _ cfr., de novo, Documento n.º 3 (ponto 1.) junto com o requerimento inicial e, ainda, artigo 10.º da Oposição;

V) Em 10.10.2018, sob o assunto “Decisão Final. PRODER / Ação n.º 2.3.3.3. Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos. Operação n.º 02.........”, a Entidade Requerida expediu o ofício n.º ...../2018 DAI-UREC”, mediante o qual informou a Requerente como se segue:

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Documento n.º 3 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 1 a 6 do processo administrativo apenso;

W) Em 11.10.2018, a Requerente recebeu o ofício n.º ...../2018 DAI- UREC, de 10.10 _ por confissão;

X) Para além do ato administrativo consubstanciado no ofício n.º ...../2018 DAI-UREC, de 10.10, a Entidade Requerida determinou a alteração de vinte e três contratos de financiamento - celebrados com a Requerente - e a concomitante obrigação de devolução de € 3.013.668,57 (três milhões, treze mil, seiscentos e sessenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos), correspondente às seguintes operações: (i) n.º 02.......... (Área Agrupada de F..........); (ii) n.º 02.......... (Área Agrupada da B..........); n.º 02.......... (Área Agrupada da F..........); (iv) n.º 02.......... (Área Agrupada de T..........); (v) n.º 02.......... (Área Agrupada de C..........); (vi) n.º 02.......... (Área Agrupada de M..........); (vii) n.º 02.......... (Área Agrupada de S..........); (viii) n.º 02.......... (Área Agrupada V..........); (ix) n.º 02.......... (Área Agrupada da H..........); (x) n.º 02.......... (Área Agrupada de V..........); (xi) n.º 02.......... (Área Agrupada H..........); (xii) n.º 02.......... (Área Agrupada de T..........); (xiii) n.º 02.......... (Área Agrupada da L..........); (xiv) n.º 02.......... (Área Agrupada de T.......... (xv) n.º 02.......... (Área Agrupada da C..........); (xvi) n.º 02.......... (Área Agrupada de A..........); (xvii) n.º 02.......... (Área Agrupada F..........); (xviii) n.º 02.......... (ZIF do ..........); (xix) n.º 02.......... (ZIF do ..........); (xx) n.º 02.......... (Área Agrupada de V..........); (xxi) n.º 02.......... (ZIF de ..........); (xxii) n.º 02.......... (Área Agrupada da C..........) e (xxiii) n.º 02.......... (Área Agrupada de V..........) _ cfr. Documentos n.ºs 4 a 26 juntos com o requerimento inicial;

Y) A Requerente não tem capacidade para proceder à restituição do montante de € 423.292,02 (quatrocentos e vinte e três mil, duzentos e noventa e dois euros e dois cêntimos) _ cfr. declarações de parte da Requerente e depoimento do contabilista, Joaquim .........., que relevou possuir conhecimento direto dos documentos comprovativos dos proveitos e despesas da Requerente e respetivos fluxos financeiros, os quais foram prestados - em 10.05.2019 - no âmbito do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA - neste exclusivo ponto -, de forma clara, segura e, logo, convincente;

Z) A Requerente não possui meios económicos ou bens que lhe permitam constituir garantia de pagamento de € 423.292,02 (quatrocentos e vinte e três mil, duzentos e noventa e dois euros e dois cêntimos) _ cfr. depoimento de Joaquim .........., prestado em 10.05.2019 no âmbito do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA, o qual - neste ponto -, se revelou claro, seguro e, por conseguinte, convincente;

AA) A devolução do valor do subsídio de € 423.292,02 (quatrocentos e vinte e três mil, duzentos e noventa e dois euros e dois cêntimos), provocará o estrangulamento financeiro da Requerente e conduzirá à sua insolvência _ cfr. depoimento do contabilista da Requerente, Joaquim .........., prestado em 10.05.2019 no âmbito do processo cautelar n.º 49/19.0BEBJA, o qual revelou possuir conhecimento direto dos documentos comprovativos dos proveitos / despesas da Requerente e respetivos fluxos financeiros de uma forma clara, segura e, logo, convincente;

BB) Em 03.12.2018, junto do Centro Distrital de Setúbal do Instituto da Segurança Social, IP a Requerente deduziu pedido de concessão de “proteção jurídica” na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, de molde a propor o presente processo cautelar _ cfr. fls. 139 a 142 dos autos;

CC) Em 11.01.2019, foi intentada a presente providência cautelar _ cfr. fls. 1 dos autos;

DD) Em 11.01.2019, no Tribunal Administrativo de Beja, deu entrada a petição inicial do processo n.º 52/19.0BEBJA ao qual os presentes autos se encontram apensos _ cfr. n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;

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FACTOS NÃO PROVADOS

Nos presentes autos, não se provou que:

A) Por causa do ato suspendendo, a Entidade Requerida suspendeu os pagamentos à Requerente no âmbito do PRODER e a análise e aprovação das candidaturas, entretanto, submetidas (em sede do “PDR 2020”) _ não foi produzida qualquer prova que permita ao tribunal sustentar a convicção quanto à veracidade dos factos ora alegados; com efeito, nem dos autos nem do processo administrativo consta qualquer informação, proposta ou despacho neste sentido;

B) A Requerente aplicou o valor do subsídio que lhe foi atribuído e liquidado em sede da operação 02......... na aquisição de bens e no pagamento dos trabalhos relativos à respetiva execução _ cfr. declarações de parte da Requerente, as quais - este respeito - não se revelaram claras, seguras e, como tal, convincentes.

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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

No que concerne aos factos provados, o Tribunal fundou a sua convicção na matéria alegada pelas Partes, na prova documental carreada para os autos, aqui se incluindo o processo administrativo apenso, nas declarações de parte prestadas e, ainda, na prova testemunhal produzida, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.

Quanto ao facto não provado A), pois, não foi produzida qualquer prova que permita ao tribunal sustentar a convicção quanto à veracidade dos factos ora alegados; com efeito, nem dos autos nem do processo administrativo consta qualquer informação, proposta ou despacho neste sentido. No que concerne ao facto não provado B), o mesmo decorre de as declarações de parte da Requerente, nesta parte, não se revelarem realizadas de forma clara, segura e, por estes motivos, convincente».

De Direito

Objeto dos recursos

Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, verificamos que cumpre saber se:

- no recurso interposto pela A.........: a sentença padece de nulidade por contradição, condenação em objeto diverso do pedido e por conhecer de questão que não lhe foi colocada;

- no recurso interposto pelo IFAP:

· o tribunal a quo errou ao fixar o facto inscrito na al G) dos factos provados;

· o Tribunal a quo errou ao suspender a eficácia da decisão, de 10.10.2018, do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, pela qual havia sido determinado a devolução do valor de EUR 423.292,02, recebido pela recorrida a título de subsídio de investimento, por ter considerado verificado os requisitos do fumus boni iuris (reportado à prescrição do direito de ordenar a restituição de ajudas comunitárias irregularmente concedidas) e do periculum in mora.


Recurso da A.........

Nulidades da sentença – art 615º, nº 1, als c), d) e e) do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA.

A A......... recorre da sentença na parte em que a decisão indeferiu o pedido de compensação do valor do subsídio não reembolsável liquidado no âmbito da operação «Área Agrupada do M.........» mediante o valor de outros subsídios ao investimento devidos nas restantes operações financiadas pelo IFAP.

O fundamento do recurso da A......... reside em saber se a decisão recorrida incorreu em nulidade, por violação do princípio do dispositivo, na vertente relativa à conformação objetiva da instância, não observando os limites impostos pelo art 609º, nº 1 do CPC, decidindo sobre objeto diverso do pedido, pronunciando-se sobre questão que não lhe foi colocada, violando o disposto no art 615º, nº 1, als d) e e) do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA.

Referiu a A......... que não peticionou a compensação do valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos com o valor de outros subsídios atribuídos pelo IPAF.

O que a requerente de facto peticionou foi que se determinasse, na sequência lógica do decretamento da suspensão de eficácia do ato requerido, que o IFAP se abstivesse de compensar, por sua iniciativa, o valor do subsídio atribuído na operação, com o valor de outros subsídios devidos à A......... nas restantes operações financiadas pelo IFAP.

Assiste razão à A..........

Vejamos.
O pedido cautelar da A......... consistiu na suspensão de eficácia do ato que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento nº 02........./0, respeitante à operação denominada como «Área Agrupada do M.........» e a concomitante obrigação de proceder à devolução de «subsídios ao investimento», no montante de €: 423.292,02, determinando-se, designadamente, que o requerido se abstenha de:

1. Executar o ato requerido, exigindo à requerente, por qualquer forma, a devolução do valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos;

2. Compensar o valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos, com o valor de outros subsídios devidos à requerente nas restantes operações financiadas pelo requerido.

A sentença recorrida decidiu:

a) Deferir o pedido de suspensão de eficácia da decisão do IFAP, adotada em 10.10.2018, que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento nº 02........./0 – outorgado, em 16.5.2013, com A........., respeitante à operação denominada como «Área Agrupada do M.........» e a concomitante obrigação de proceder à devolução de «subsídios ao investimento», no montante de €: 423.292,02;

b) Indeferimos o pedido de compensação do valor do subsídio não reembolsável liquidado no âmbito da operação «Área Agrupada do M.........», mediante o valor de outros subsídios ao investimento (alegadamente) devidos – em distintas operações cofinanciadas pelo IFAP, a A..........

Na verdade, analisado e interpretado o pedido formulado pela A........., no requerimento inicial, verifica-se que a mesma requereu a suspensão de eficácia do ato que determinou a devolução por aquela da quantia que recebeu, de €: 423.292,02, referindo, a título exemplificativo, os efeitos e consequências que pretende ver suspensos, um dos quais é que o IFAP se abstenha de compensar o valor do subsídio com outros subsídios que a recorrente alegadamente tenha direito a receber do IFAP. O especificado efeito – de que o IFAP se abstenha de efetuar a referida compensação – é uma decorrência lógica e necessária do pedido de suspensão de eficácia formulado, sem autonomia em relação ao pedido de suspensão de eficácia do ato, nem foi formulado pela requerente de forma autónoma.

Com efeito, a A......... não requereu que fosse decretada a compensação de subsídios, antes pretendeu o contrário, que o IFAP fosse intimado a abster-se de efetuar qualquer compensação de subsídios. A que acresce que nem mesmo a decisão de indeferimento do alegado pedido de compensação se compagina com o deferimento do pedido de suspensão de eficácia do ato que lhe determina a devolução do montante indevidamente recebido a título de subsídio ao investimento, no valor de €: 423.292,02.

Assim sendo, a sentença recorrida apreciou questão que não lhe foi colocada e decidiu indeferir pedido de compensação que não lhe foi formulado pela A.......... Pelo que, nos termos dos arts 609º, nº 1 e 615º, nº 1, als d) e e) do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, é nula na parte em que indefere o alegado pedido cautelar de compensação do valor do subsídio indevidamente recebido, de €: 423.292,02.

No entanto, ao contrário do invocado pela recorrente, a situação não se subsume no disposto no artigo 615º, nº 1, c) do CPC, pois não existe verdadeiramente oposição entre a decisão e os seus fundamentos, nem a sentença incorre em obscuridade ou ambiguidade que a torne ininteligível.

Em face do exposto, procede o recurso da A........., por se verificar a nulidade da decisão recorrida na parte em que indefere a compensação do valor do subsídio atribuído na operação com o valor de outros subsídios devidos à A........., nos termos do artigo 615º, nº 1, als d) e e) do CPC.


*
A questão do conhecimento em substituição deste tribunal de recurso, nos termos do artigo 149.º, n.º 2 do CPTA, do pedido efetivamente formulado pela Requerente, depende do desfecho do recurso interposto pelo IFAP, quanto ao juízo de procedência do pedido cautelar de suspensão de eficácia formulado, relegando-se, por isso, o seu conhecimento para final.

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Recurso do IFAP:
Erro sobre os factos.
A decisão recorrida deu como provado que: (G) Em 10.04.2013, a candidatura mencionada em C) foi aprovada pela Entidade Requerida (cfr., de novo, Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 99 a 109 do processo administrativo apenso). E o recorrente IFAP entende que este facto deve ser expurgado da sentença, não só por não corresponder à realidade, uma vez que, nos termos do art 17º, nº 5 da Portaria nº 1137-D/2008, de 9.10, a entidade com competência para aprovar a candidatura é o Gestor do PRODER, como também por o facto se mostrar irrelevante para a decisão.

Assentindo que o facto inscrito na al G) do probatório é irrelevante para a boa decisão da causa, a A......... considera que, por o facto não ter sido impugnado pelo IFAP na oposição não restava outro caminho ao tribunal a quo do que levar o facto à matéria assente.
Este tribunal de recurso entende que o facto em crise foi relevante para a decisão sob escrutínio, porque a sentença recorrida julgou preenchido o requisito cautelar fumus boni iuris, por ser provável a procedência do vício de prescrição do direito ao reembolso da ajuda recebida pela A..........
Na verdade, a controvérsia cuja resolução se nos pede, a título de fumus boni iuris, resume-se à questão de saber se o direito ao reembolso de parte da ajuda recebida pela A........., com fundamento em irregularidade por ela praticada, já estava prescrito quando foi exercido pelo IFAP. E mais, para decidir pela prescrição, a sentença recorrida partiu da data de 10.4.2013 fixada no facto da al G).
O que significa que o facto em causa, ou pelo menos a data da aprovação da candidatura da A......... ao subsídio, não foi nem é irrelevante para decidir da questão da prescrição.
E tratando-se de facto para cuja prova se exige documento escrito (cfr arts 15º, nº 2 e 17º, nº 5 da Portaria nº 1137-D/2008, de 9.10, e art 364º, nº 1 do Código Civil), do documento que alicerça o facto dado como provado – o contrato de financiamento - apenas retiramos que a candidatura da A......... foi aprovada a 10.4.2013, mas do mesmo documento não consta que a candidatura mencionada na al C) do probatório foi aprovada pelo IFAP. Aliás nem podia, porque, nos termos do art 17º, nº 5 da Portaria nº 1137-D/2008, os pedidos de apoio são objeto de decisão pelo gestor do PRODER.
Pelo que, atenta a prova produzida no processo cautelar, apenas existe documento que prova que «Em 10.04.2013, a candidatura mencionada em C) foi aprovada» (cfr Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 99 a 109 do processo administrativo apenso).
Assim sendo alicerçado no contrato de financiamento, cumpre determinar a eliminação, da al G), do facto que identifica o IFAP como entidade que aprovou a candidatura da A........., mantendo o mais que ali consta escrito.
Por estes motivos, procedem parcialmente as conclusões 1ª a 4ª das alegações de recurso do IFAP.

Termos em que, em face da prova produzida, se altera o teor da alínea G) do probatório nos seguintes termos:

G) Em 10.04.2013, a candidatura mencionada em C) foi aprovada (cfr Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e, ainda, fls. 99 a 109 do processo administrativo apenso).

Do fumus boni iuris – da prescrição do procedimento para a recuperação do subsídio ao investimento.

A sentença recorrida deferiu o pedido cautelar apresentado pela requerente A......... de suspensão de eficácia da decisão do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, de 10.10.2018, que determinou a modificação unilateral do contrato de financiamento nº 02........./0, outorgado a 16.5.2013, com a A........., respeitante à operação denominada como «Área Agrupada do M.........» e a concomitante obrigação de proceder à devolução de «subsídios ao investimento», no montante global de €: 423.292,02.

Para assim decidir o Tribunal recorrido julgou verificados os requisitos da tutela cautelar - fumus boni iuris, periculum in mora, juízo de proporcionalidade dos interesses envolvidos.

A saber,

O tribunal considerou verificado o requisito do fumus boni iuris, apenas, por se mostrar prescrito o direito de ordenar a restituição do subsídio atribuído à requerente/ ora recorrida.

Quanto aos demais vícios assacados ao ato suspendendo, de 10.10.2018, o tribunal decidiu que «a fundamentação de facto e de direito exigida relativamente ao ato suspendendo se mostra, integralmente, observada, nos termos e para os efeitos consagrados, sucessivamente, nos arts 151º, nº 1, al d); 152º, nº 1, al e) e 153º do CPA». Mais decidiu o tribunal a quo, que o IFAP aferiu as despesas emergentes de subcontratação em consonância com o preceituado no art 24º, nº 3, al b) do Regulamento [EU] nº 65/2011, de 27.1, que exclui do financiamento despesas sem comprovativo da sua correspondência e/ ou real e efetiva existência. E assim concluiu que a decisão suspendenda - muito provavelmente – não padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

A decisão recorrida considerou ultrapassado o prazo legal de prescrição tendente a determinar a restituição de ajudas comunitárias irregularmente concedidas, por o prazo de prescrição do procedimento ser de cinco anos, de acordo com o disposto no art 3º, nº 3 do Regulamento (CEE) 2988/95, de 18.12, e no art 168º, nº 4, al c) do CPA de 2015, entendendo o ato administrativo suspendendo como uma resolução contratual e, simultaneamente, como uma anulação administrativa parcial da decisão que, em 10.4.2013, aprovou a candidatura ao Eixo «Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural – subprograma 2, Medida 2.3, Ação 2.3.3., sub ação 2.3.3.3. Pelo que identificou «o cerne do presente litígio reconduz-se à ilegalidade de tal anulação parcial de um ato administrativo, o qual teve natureza favorável à ora requerente, cuja aprovação fundou o contrato agora resolvido. E, naturalmente, a anulação daquela aprovação fundou a resolução (parcial) do contrato, resolução aqui atacada». E considerou «o termo inicial do prazo – agora de 5 anos – para o IFAP poder proceder à anulação administrativa da decisão de aprovação da candidatura da requerente, necessariamente, se reconduz à data dessa mesma aprovação pela Administração, ou seja, ao dia 10.4.2013». Concluindo que «entre 10.4.2013 e 15.9.2018 decorreram mais de 5 anos».

O recorrente discorda da decisão, porque entende que o prazo prescricional para a devolução do subsídio não é o previsto no art 168º, nº 4, al c) do CPA, uma vez que o ato suspendendo – de modificação unilateral do Contrato de Financiamento – não constitui nem poderia constituir nem uma revogação da decisão de aprovação da AG Proder/PDR, por o IFAP, para tal, carecer de competência, nem uma anulação administrativa, quer por o ato administrativo de modificação unilateral se não fundar em qualquer ilegalidade da decisão e aprovação da AG Proder/PDR, quer por o IFAP para tal também carecer da necessária competência. Assim, ao ato administrativo de modificação unilateral do contrato de financiamento dos autos aplica-se o regime substantivo do Código dos Contratos Públicos e não está sujeito ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo CPA – cfr art 202º, nº 1 do CPA, arts 307º e 308º do CCP – nem se encontra prescrito, nem em 14.9.2018, nem em 10.10.2018, tanto mais considerando a natureza repetida das irregularidades que o fundamentam.

Vejamos.

Como referem Carla Amado Gomes e Rui Tavares Lanceiro, em artigo publicado nos CJA, nº 104, intitulado «Em busca do prazo de revogação das decisões de concessão de apoios da União Europeia», a pág. 9, a questão em discussão – do prazo estabelecido para restituir subsídios comunitários com base em irregularidades cometidas – tem sido marcada por «instabilidade» jurisprudencial dos nossos tribunais e de tratamento pelo TJUE.
Os tribunais administrativos portugueses partiram do pressuposto de que a imposição da ordem de devolução das ajudas comunitárias atribuídas envolvia a anulação administrativa do ato que as aprovou e, num primeiro momento, começaram por entender que era de aplicar ao caso o prazo previsto no art 141º do CPA de 1991, de um ano.
Depois, a posição dos tribunais nacionais veio a evoluir e, em recurso de oposição de julgados, o Pleno do STA, em acórdão de 6.12.2005 (e louvando-se na fundamentação de um acórdão do mesmo Pleno de 6.10.2005), admitiu que o prazo de revogação de apoios ilegalmente concedidos não está dependente da norma do art 141º, nº 1 do CPA de 1991, em nome do interesse da União Europeia, de princípios como os do primado do direito da União Europeia (que derroga a norma nacional) e da repetição do indevido. Então o STA determinou a aplicação, na falta de norma expressamente aplicável à revogação de apoios comunitários, do art 40º do Código Comercial, que fixa em dez anos o prazo limite para conservar os documentos comerciais (cfr arts 118º, nº 2 e 115º, nº 5 do CIRC) e veio a entender ser este o prazo a observar para a anulação administrativa da decisão de concessão de ajudas comunitárias (cfr acórdãos do STA de 29.3.2006, processo nº 47/06; de 25.5.2006, processo nº 2037; de 15.11.2006, processo nº 346/06; de 29.3.2007, processo nº 661/05).
Este consenso, no entanto, não foi duradouro e regressou a instabilidade na fixação do prazo prescricional de devolução das ajudas. Com efeito, logo em 2008, um novo prazo surgiu no quadro das opções possíveis: o prazo de vinte anos, previsto no art 309º do Código Civil (cfr acórdãos do STA de 22.10.2008, processo nº 601/08; de 17.12.2008, processo nº 599/08). Este prazo voltou a ser acolhido nas decisões do STA de 9.6.2010, processo nº 185/10, e de 22.5.2013, processo nº 279/13, já depois de o acórdão Ze Fu Fleischhandel e Vion Trading ter descartado a aplicação, por analogia, de um prazo de trinta anos neste domínio, considerando-o manifestamente excessivo.
E, em acórdão de 12.9.2013, processo nº 134/13, apresentando uma resenha de toda a situação que envolveu as ordens de reposição de ajudas indevidamente concedidas, o STA ressuscitou o prazo de dez anos.
Entretanto, em acórdão de 2.12.2010, proferido no processo nº 512/09, o STA, apelando à primazia do direito da União Europeia e à inexistência de disposição nacional especificamente aplicável, mandou aplicar o prazo prescricional do Regulamento que sustentava as ajudas em causa (Regulamento (CEE), nº 4045/89 do Conselho, de 21.12, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias.), afastando quaisquer outros prazos constantes de normas nacionais. Esta posição foi seguida em outros acórdãos do STA (cfr de 29.1.2014, processo nº 299/13; de 9.4.2014, processo nº 173/13). Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão n° 1/2015, de 26.02, proferido no processo nº 173/13, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «Na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no artigo 3º, nº 1 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18.12, é este o aplicável». O mesmo acórdão, que afasta expressamente a aplicação do prazo de 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil, bem como o prazo de 5 anos previsto no artigo 40º do DL nº 155/92, refere: «Assim, deve considerar-se aplicável, no caso dos autos, o prazo de prescrição previsto no nº 1, do artigo 3º do Regulamento nº 2988/95, por se tratar de uma norma jurídica diretamente aplicável na ordem interna - artigo 288º, parágrafo 2° CE (face às alterações operadas pelo Tratado de Lisboa) e artigo 8º, nº 3 e 4 da CRP - e porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior (cf. acórdãos, desta Secção de 30.10.2014, proc. 092/14 e da 2.a Secção de 08.10.2014, proc. 398/12)».
Hoje, o art 168º, nº 4, al c) do CPA submete ao prazo de 5 anos a anulação administrativa dos atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.

Em suma, a jurisprudência nacional evoluiu e passou a defender que, sendo detetadas irregularidades em controlos posteriores à concessão da ajuda comunitária, ainda que por vícios já presentes no momento da concessão das mesmas, serão de aplicar os prazos mais alargados que sejam impostos por normas comunitárias ou normas nacionais que apliquem aquelas. Pois o objetivo é a Administração cumprir o dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efetua e que pesam no orçamento da União, que implica que deve tomar as medidas destinadas a remediar as irregularidades com prontidão. Assim, admitir que os Estados-Membros podem conceder à referida Administração um período para agir muito mais longo do que o previsto no artigo 3°, n° 1, §1, do Regulamento nº 2988/95 poderia, de certa forma, encorajar a inércia das autoridades nacionais no combate às irregularidades, expondo os operadores, por um lado, a um longo período de incerteza jurídica e, por outro, ao risco de já não terem a possibilidade de fazer prova da regularidade das operações em causa após esse período.
Enfim, é a esta luz que se deve analisar o regime de procedimento administrativo aplicável pelas administrações nacionais ao poder de revogação ou anulação administrativa de decisões dos Estados-Membros relativas a atribuições de apoios da União Europeia ilegais - bem como a questão de saber quais os limites temporais para que tal aconteça.
Mas, importa ainda considerar um outro dado, a saber: o regime aplicável à prolação de decisões de recuperação de pagamentos indevidos varia consoante o comportamento que esteve na origem desse pagamento. Ou seja, se o pagamento indevido for ditado por erro do beneficiário ou de terceiro, constitui uma irregularidade, nos termos em que é definida pelo art 1º, nº 2 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, e o prazo para o exercício da competência de recuperação é o definido no art 3º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95. Se o pagamento indevido for ditado por erro da autoridade competente ou por erro de outra autoridade, não se subsume no conceito de irregularidade, nos termos em que é definida pelo art 1º, nº 2 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, e o prazo para o exercício da competência de recuperação é o definido no art 168º, nº 4, al c) do CPA (que entrou em vigor a 8.4.2015, nos termos do art 8º, nº 1 do DL nº 4/2015, de 7.1).
Isto porque o ato administrativo suspendendo foi proferido pelo IFAP no exercício dos poderes de contraente público, constituindo um ato administrativo de modificação unilateral do contrato de financiamento outorgado pelas partes, como refere o recorrente, citando, para o efeito, o disposto nos arts 307º, nº 1 e nº 2, al d) do Código dos Contratos Públicos.
E assim sendo não constitui nem uma revogação da decisão de aprovação da candidatura da A......... ao subsídio ao investimento que lhe foi concedido, em 10.4.2013 (cfr art 167º do CPA), nem uma anulação administrativa (cfr art 168º do CPA), porque o ato administrativo de modificação unilateral não resulta de qualquer ilegalidade da decisão e aprovação da candidatura, imputável ao IFAP ou outra autoridade, mas é devido por se constatarem inelegibilidades ao nível da despesa apresentada pela A.......... Diz o ato suspendendo:
· No 1º pedido de pagamento de incentivo, excluiu-se do financiamento o montante de despesa de €: 99.991,96, correspondente à fatura nº …/2013, de A..... B....., Lda, e à fatura nº …/2013, de P....., Lda, ambas emitidas em 26.7.2013, pelas irregularidades melhor identificadas na al V) do probatório;
· Relativamente ao 2º pedido de pagamento de incentivo, excluiu-se do financiamento o montante de despesa de €: 194.844,45, correspondente à fatura nº …/2014, emitida em 21.1.2014, por de A..... B....., pelas irregularidades melhor descritas na al V) do probatório;
· No que se refere ao 3º pedido de pagamento de incentivo, excluiu-se do financiamento o montante de despesa de €: 140.830,64, correspondente à fatura nº …/2014, emitida em 8.7.2014, por de A..... B....., pelas irregularidades melhor descritas na al V) do probatório;
· Ainda no que respeita ao 3º pedido de pagamento de incentivo, excluiu-se do financiamento o montante de despesa de €: 990,68, para a qual não foi apresentado qualquer documento de suporte, de subcontratação ou de realização pelo fornecedor constante do pedido de pagamento;
· Também neste 3º pedido de pagamento foi excluída a despesa de marcação e piquetagem, no valor de €: 3.246,78, por ausência das folhas de remuneração da Segurança Social, no período de emissão da fatura;
· No que concerne ao pedido de pagamento submetido em 4.9.2015, foi excluída a despesa de €: 93.447,97, com referência à fatura nº …/2015, emitida em 20.3.2015, por P....., Lda.
As irregularidades apontadas à conduta da A......... – cfr art 1º, nº 1 e nº 2 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 – determinaram a inelegibilidade das despesas mencionadas e a, consequente, retirada da vantagem indevidamente obtida, designadamente, através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos, nos termos do art 4º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95.
Acrescenta o nº 2 do art 4º, que a aplicação destas medidas limita-se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa, sendo certo que, como se explicita no nº 4, tais medidas não são consideradas sanções.
Apenas as irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem determinar as sanções administrativas, previstas no artigo 5º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95.
Ora, in casu, o IFAP modificou unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas comunitárias, celebrado com a A........., por força das irregularidades que lhe imputou, exigindo-lhe a devolução da ajuda recebida na quantia de € 423.292,02, pelo que estamos perante a aplicação de uma medida administrativa nos termos previstos no artigo 4º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, e não de uma qualquer sanção prevista no artigo 5º.
Assim, nos termos do art 308º do Código dos Contratos Públicos, a formação do ato administrativo suspendendo, de 10.10.2018, não está sujeita ao regime da marcha do procedimento estabelecido pelo CPA, aplicando-se o prazo para o exercício da competência de recuperação definido no art 3º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 (cfr em sentido contrário, o acórdão do TCA Sul, de 4.10.2017, proferido no processo nº 689/16.9BEALM, citado na decisão recorrida).
No que concerne, em especial, à prescrição, prevê o artigo 3° do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, o seguinte:
1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n° 1 do artigo 1°. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.
(§2) O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.
(§3) A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.
(§4) Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição – 8 anos - sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, exceto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n° 1 do artigo 6°”.
O art 3º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 estabelece, como regra geral, o prazo prescricional de 4 anos, a contar da data em que foi praticada a irregularidade, e três ressalvas respeitantes ao modo de contagem de tal prazo e a factos interruptivos.
A primeira refere-se ao momento em que o prazo prescricional começa a correr no caso das irregularidades continuadas ou repetidas (desde o dia em que cessou a irregularidade); a segunda ao modo de contagem do prazo quanto aos programas plurianuais (corre até ao encerramento definitivo do programa), ou seja, tem como limite de contagem o encerramento definitivo do programa, correndo sempre até essa data (cfr Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15.6.2017, Lietuvos Respublikos aplinkos ministerijos Aplinkos projektų valdymo agentūra contra «Alytaus regiono atliekų tvarkymo centras» UAB (processo C-436/15, EU:C:2017:468) e a terceira aos casos em que se verifica a interrupção da prescrição.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é continuada ou repetida, na aceção do artigo 3º, nº 1, § 2º do Regulamento nº 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (v. acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, nº 41). Quando um operador, com o fim de retirar uma vantagem económica, efetua várias operações semelhantes que violam a mesma disposição de direito da União, há que considerar que essas operações formam uma única e mesma irregularidade continuada ou repetida (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11.6.2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, nº 66). As irregularidades não podem, no entanto, constituir uma irregularidade repetida, na aceção do artigo 3º, nº 1, § 2º do Regulamento nº 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no § 1º desse mesmo número (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11.6.2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, nº 52).
Quanto ao termo inicial da contagem do prazo de prescrição, na hipótese de infrações continuadas ou repetidas, a expressão cessou a irregularidade, prevista no artigo 3º, nº 1, § 2º do Regulamento nº 2988/95, deve ser interpretada no sentido de que se refere ao dia em que cessou a última operação constitutiva de uma mesma irregularidade repetida (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11dejunho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 66).

Por conseguinte, e ao contrário da posição da A......... e da decisão recorrida, é de aplicar ao presente caso, o prazo de prescrição de 4 anos, previsto no artigo 3º, nº1, §1 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, mas a contar nos termos do §2, porquanto estamos perante irregularidades continuadas ou repetidas.
Na verdade, a despesa não elegível resultou da «ausência de pista de controlo da despesa – cuja necessidade de ser assegurada se encontra prevista no art 33º do Regulamento nº 65/2011, da Comissão de 27.1 – dada a impossibilidade, quer de confirmação da existência de meios para a realização dos serviços faturados, quer pela incoerência de datas e ausência de pagamentos dos documentos de suporte à subcontratação, cuja falta de idoneidade não permite a validação destas despesas, já que não há conciliação entre as faturas do projeto e a execução da despesa. 9. Por conseguinte, a falta de idoneidade dos documentos de subcontratação ou a ausência deles não permite a validação destas despesas, já que não há conciliação com as faturas do projeto» (cfr al V) dos factos provados).
Considerando a factualidade provada nas als L), M), a alegada irregularidade cometida pela A......... cessou em 4.9.2015, quando formulou o último pedido de pagamento do subsídio contratualizado e o instruiu com as faturas melhor descritas no ponto 7, da al V) do probatório.
Ou seja, o prazo dos 4 anos teve o termo inicial no dia em que cessou a última operação constitutiva da mesma irregularidade repetida, o dia 4.9.2015.
O curso do prazo dos 4 anos foi, no entanto, interrompido com a notificação, em 14.9.2018, da A......... para efeitos de audiência prévia sobre a intenção do IFAP de determinar a devolução do montante de €: 423.292,02 (cfr al T) do probatório).
O prazo de prescrição, de 4 anos, corre de novo a contar dessa interrupção até ao limite consagrado no §4 do n° 1 do artigo 3° do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18.12, segundo o qual, independentemente de quaisquer interrupções do prazo de prescrição, a mesma tem lugar, o mais tardar, na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição – isto é 8 anos – sem que tenha sido aplicada a medida ou sanção (também neste sentido, vide o já citado acórdão do STA de 14.06.2018).
A conclusão a retirar, nesta sede cautelar e sem prejuízo de uma análise mais cuidada no âmbito da ação principal, é a de que o procedimento de recuperação de verbas por parte do IFAP, nos termos do art 3º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95, por irregularidades imputadas à A........., em 10.10.2018, não se achava prescrito pelo decurso de um prazo de 4 anos.

E assim sendo, num juízo de summario cognitio, a improcedência da alegada prescrição do procedimento e dos demais vícios julgados improcedentes na sentença, os quais não foram objeto de recurso, leva-nos a decidir que não resulta provável a procedência da pretensão da requerente no processo principal.

Do periculum in mora

Quanto ao requisito do periculum in mora a decisão recorrida não merece reparo, quando o julgou verificado, atenta a natureza e atividades desenvolvidas pela A......... e a sua situação patrimonial atual.
A A......... é uma associação sem fins lucrativos, que celebrou com o IFAP um contrato de financiamento, tendo-lhe sido concedido um subsídio não reembolsável no valor de €: 423.292,02 (cfr al B) do probatório).
Como decorre do facto provado na al X), para além do valor ora peticionado, está a ser requerida à A......... a devolução de diversos financiamentos, num valor total de €: 3.013.668,57.
A A......... não é proprietária de imóveis e as contas por si tituladas, em 20.2.2018, apresentavam um saldo de €.2.216,03 (cfr als Q) e P) do probatório).

O que significa que a A......... se encontra em dificuldades financeiras, sem meios económicos ou bens que lhe permitam restituir o valor de €: 423.292,02. E a devolução do valor em causa acarretará, atentas as regras da experiência comum, um agravamento da situação deficitária da requerente.

Donde se conclui que a não suspensão de eficácia do ato que determinou a devolução do montante de €: 423.292,02 lhe traga consequências irreversíveis, determinantes ou coadjuvantes de pedido de insolvência.
Assim, mantem-se a decisão recorrida na parte em que julgou verificado o requisito do
periculum in mora, improcedendo o recurso nesta parte.

Em face da procedência do recurso interposto pelo IFAP e da consequente revogação da sentença recorrida, na parte em que defere o pedido de suspensão de eficácia do ato suspendendo, fica prejudicado o pedido cautelar formulado pela A........., de intimação do requerido IFAP de se abster de compensar o valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos com o valor de outros subsídios devidos à requerente nas restantes operações financiadas pelo IFAP.

Decisão

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, em:
1. conceder provimento ao recurso da A......... com fundamento em nulidade decisória e, em consequência, anular a sentença recorrida na parte em que indeferiu o pedido de compensação;
2. conceder provimento ao recurso do IFAP, com fundamento em erro de julgamento de facto e de direito e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que deferiu o pedido de suspensão de eficácia, não decretando a suspensão de eficácia do ato suspendendo;
3. julgar prejudicado o conhecimento e decisão do pedido de intimação do IFAP à abstenção da compensação do valor do subsídio atribuído na operação identificada nos autos com o valor de outros subsídios devidos à A..........

Custas pela A......... no presente recurso e na 1ª instância.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2019-10-10,

(Alda Nunes)


(Carlos Araújo)


(Ana Celeste Carvalho).