Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11785/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/12/2015
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:ASILO
Sumário:I – O leque dos meios processuais previstos no CPTA não exaure nem exclui a possibilidade de serem contemplados na lei (outras leis, que não aquele Código), novos ou distintos meios processuais, mormente de caráter urgente.

II – A Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo), na sua redação original (a anterior à 1ª alteração, efetuada pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio) não fazia qualquer remissão (total ou parcial) para o meio processual “ação administrativa especial” a que alude o artigo 46º nºs 1 e 2 do CPTA, não fazendo apelo à aplicação, mesmo que subsidiária, seja total ou parcial, das respetivas regras processuais, pelo que tem de considerar-se que a impugnação judicial das decisões do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a que alude a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, constitui um meio processual autónomo (e urgente), distinto da ação administrativa especial prevista e regulada no CPTA.

III – Não é aplicável à impugnação judicial das decisões do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a que alude a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, o disposto no artigo 40º nº 3 do ETAF, no sentido de a sua decisão (julgamento) caber a um coletivo de juízes, mas a regra geral constante do artigo 40º nº 1 do ETAF, cabendo a sua decisão (julgamento) a um juiz singular.

IV – É considerado «refugiado» para os efeitos da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo) o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar.

V - Os motivos da perseguição que hão-de fundamentar o receio fundado de o requerente ser perseguido, devem, nos termos do artigo 2º nº 1 alínea j) ser apreciados tendo em conta as noções de «Raça» (que inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico), de «Religião» (que abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, noutros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas); de «Nacionalidade» (que não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designadamente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado); de «Grupo» (entendendo-se este como um grupo social específico nos casos concretos em que os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia) ou de «Opinião política» (que inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os potenciais agentes da perseguição às suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por atos do requerente).

VI - É de considerar estarmos perante a situação de inadmissibilidade do pedido a que alude a alínea j) do nº 2 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho (“não ter apresentado o pedido mais cedo, sem motivos válidos, tendo tido a possibilidade de o fazer”), quando é declarado pelo requerente na fase administrativa que saiu do Paquistão com destino a Itália, tendo passado pelo Irão, Turquia, Grécia; que decidiu não ficar em Itália, onde passou por Roma e Milão, porque se apercebeu que os campos de refugiados não têm condições; que decidiu ir para França, porque alguns dos seus companheiros tinham amigos em França e que decidiu vir para Portugal, porque lhe disseram que havia menos estrangeiros do que em França e que seria mais fácil e mais rápido obter asilo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


IFTIKHAR ……….., de nacionalidade Paquistanesa (devidamente identificado nos autos), inconformado com a sentença de 07/10/2014 do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial (Proc. nº 876/14.4BELSB) que deduziu contra o Ministério da Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) (devidamente identificado nos autos), do despacho do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 18 de Fevereiro de 2014, que lhe indeferiu o pedido de asilo e que não o enquadrou, subsidiariamente, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional, assim concluindo nas suas alegações:
«16º - A decisão do Proc. n.º 876/14.4BELSB deve ser anulada pois não está fundamentada, limita-se a subscrever, integralmente e sem reservas, a fundamentação do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que também padece de falta de fundamentação.

17º - Equivale à falta de fundamentação uma fundamentação deficiente, que nada fundamenta e que, na pureza dos conceitos, não passa de uma opinião.

18º - No entender do Gabinete de Asilo e Refugiados, entender sufragado pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o Autor não consegue estabelecer a razão pela qual a sua pessoa seria visada por tais indivíduos, mesmo depois de este ter explicado, dando inclusive um exemplo de um casal, que o problema dos talibans com ele era a forma como obtinha os seus meios de subsistência.

19º - Nos termos do n.º 3 do art.16.º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, "Para os efeitos dos números anteriores, logo que receba o pedido de asilo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de cinco dias."

20º - Ora, o pedido de asilo foi recebido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a 25 de Junho de 2013 e o Autor foi notificado para comparecer no Gabinete de Asilo e Refugiados a 16 de Janeiro de 2014, quase sete meses depois.

21º - Esta violação de lei é particularmente grave pelo facto de se tratar de um requerente de asilo, particularmente vulnerável, com crises fortes de depressão e ansiedade devido a tudo aquilo porque passou até ao momento.

22º - É incompreensível como é que o Tribunal a quo conclui que do relato do Autor não resultam quaisquer factos indiciadores de uma das situações comtempladas no artigo 7.º da Lei 27/ 2008, de 30 de Junho - sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou risco do requerente sofrer ofensa grave, quando o país de que se está a falar é o Paquistão e o Autor levou três tiros.

23º - Em conclusão, requer-se a este douto Tribunal que dê ao Autor a possibilidade das circunstâncias de vida que o trouxeram até ao Estado português sejam devidamente apreciadas, sendo certo que a devida apreciação não poderá concluir noutro sentido que não a requerida proteção.

24º - Sugere-se ainda que, se dúvidas persistirem sobre a veracidade de todo o alegado, seja contactada a Embaixada portuguesa no Paquistão que, com certeza, poderá investigar e confirmar a veracidade das declarações prestadas.»


O recorrido contra-alegou (fls. 171 ss.) pugnando pela improcedência do recurso, defendendo que a sentença recorrida deve ser mantida por não se encontrarem reunidos os pressupostos para a admissibilidade do pedido de asilo, nem do pedido de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.

Após a Mmª Juiz do Tribunal a quo ter, por despacho de 08/12/2014 (fls. 189), em apreciação da arguição de falta de fundamentação imputada à sentença recorrida, mantido os seus termos, subiram os autos a este Tribunal Central Administrativo Sul.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer (fls. 197 ss.), no qual suscitou desde logo a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, por considerar, em síntese, que da sentença recorrida caberia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA, e não recurso jurisdicional. Sendo que dele notificadas as partes nenhuma respondeu (cfr. fls. 200-201).

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO (das questões a decidir)

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pela recorrente as conclusões de recurso, são colocadas a este Tribunal, as seguintes questões:
- saber se a sentença recorrida é nula (cfr. artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA), por falta de fundamentação (conclusões 16º e 17º das suas alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida errou quanto à solução jurídica, incorrendo em erro de julgamento, de direito, ao decidir pela improcedência da impugnação judicial, por ter considerado não resultarem factos indiciadores de uma das situações contempladas no artigo 7.º da Lei 27/ 2008, de 30 de Junho para a concessão do asilo: a sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou risco do requerente sofrer ofensa grave (conclusões 18º e 24º das suas alegações de recurso).

Sendo que importa ainda, e previamente, por se tratar de questão que deve ser primeiramente decidida, e que foi suscitada no seu Parecer (fls. 197 ss.) pela Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, relativamente à qual já se mostra assegurado o direito de contraditório, cumpre apreciar e decidir se ocorre a referida inadmissibilidade do recurso por falta de prévia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA, já que a ser assim não poderá conhecer-se do objeto do presente recurso.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Na sentença recorrida foi dada como provada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
A) Em 25 de Junho de 2013, o Autor formulou pedido de asilo ao Estado português (cf. documento de fls. 6, do processo administrativo).

B) No dia 16 de Janeiro de 2014, o Autor foi ouvido no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido elaborado Auto de Declarações de fls. 14 a 17, do processo administrativo, do qual se extrai o seguinte:

«(…)»

C) No dia 07 de Fevereiro de 2014, o Autor foi ouvido no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido elaborado auto de declarações de fls. 51 /52, do qual se extrai o seguinte:

«(…)»

D) O pedido de asilo formulado pelo Autor foi analisado pela Informação do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras n.º 64/14, de 10 de Fevereiro de 2014, da qual se extrai o seguinte:

«(…)»

D) Por despacho de 18 de Fevereiro de 2014, o Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, colhendo a Informação do Gabinete de Asilo e Refugiados n.º 64/GAR/l 4, referida na Alínea anterior, indeferiu o pedido de asilo formulado pelo Autor e decidiu não admitir o pedido para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias (cf. documento de fls. 53, do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).


**
B – De direito

1. – Da questão prévia da inadmissibilidade do recurso
Foi suscitada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal no seu Parecer (fls. 197 ss.) a questão da inadmissibilidade do recurso por falta de prévia reclamação para a conferência, nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA.
Sendo que notificadas daquele Parecer nenhuma das partes respondeu (cfr. fls. 200-201).
Vejamos.
O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença proferida por juiz singular em 07/10/2014 no Proc. nº ………./14.4BELSB do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial que o recorrente deduziu do despacho do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 18 de Fevereiro de 2014, que lhe indeferiu o pedido de asilo e que não o enquadrou, subsidiariamente, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.
O pedido de asilo em causa foi requerido e decidido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao abrigo da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho – que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas nºs 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho – (vg. Lei do asilo), na sua redação original.
Sendo que só após a apresentação da Petição Inicial dos autos (11/04/2014 – cfr. fls. 1 ss. dos autos) é que foi publicada a Lei nº 26/2014, de 5 de Maio que efetuou a 1ª alteração àquela Lei n.º 27/2008 (Lei do asilo) – transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida; a Diretiva n.º 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional e a Diretiva n.º 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional - cuja entrada apenas veio a ocorrer 60 dias após a sua publicação (cfr. artigo 7º).
Sob a epígrafe “Impugnação Judicial” o artigo 22º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, dispunha na sua redação original que da decisão proferida pelo Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras quanto ao pedido de asilo (a que aludem os artigos 20º e 21º daquele Diploma), “é suscetível de impugnação judicial perante os tribunais administrativos, no prazo de oito dias, com efeito suspensivo” (nº 1), devendo a decisão judicial ser proferida no prazo de oito dias (nº 2).
E sob mesma epígrafe (“Impugnação Judicial”) o artigo 25º daquela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, dispunha também na sua redação original que da decisão proferida pelo Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras quanto ao pedido de asilo que seja apresentado nos postos de fronteira por estrangeiros que não preencham os requisitos legais necessários para a entrada em território nacional (a que aludem os artigos 23º e 24º daquele Diploma), “é suscetível de impugnação judicial perante os tribunais administrativos, no prazo de setenta e duas horas, com efeito suspensivo” (nº 1), devendo a decisão judicial ser proferida no prazo de setenta e duas horas (nº 3).
Sendo que o artigo 84º daquela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (que não sofreu qualquer alteração), sob a epígrafe “Gratuidade e Urgência dos Processos” determina que “os processos de concessão ou de perda do direito de asilo ou de proteção subsidiária e de expulsão são gratuitos e têm carácter urgente, quer na fase administrativa quer na judicial”.
Aquela Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, não continha, na sua redação original, normas de tramitação, para além do referido, no que tange ao processo de impugnação judicial ali previsto, de que o interessado lance mão com vista à impugnação das decisões administrativas proferidas no âmbito de pedidos de asilo regulados naquele diploma legal. Mas também não fazia qualquer remissão (total ou parcial) para o meio processual “ação administrativa especial” a que alude o artigo 46º nºs 1 e 2 do CPTA, não fazendo apelo à aplicação, mesmo que subsidiária, seja total ou parcial, das respetivas regras processuais (como sucede, por exemplo, com a Oposição à aquisição de nacionalidade, relativamente à qual o artigo 60º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, expressamente determina que em tudo o que não se encontrar ali regulado “a oposição segue os termos da ação administrativa especial, prevista no CPTA”, o que tem conduzido este TCA Sul a considerar que o artigo 40º nº 3 do ETAF se aplica aos processos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e que assim, das sentenças proferidas por juiz singular em processos de valor superior ao da alçada do tribunal de 1ª instância cabe reclamação para a conferência nos termos do artigo 27º nº 2 do CPTA e não recurso – vide Acórdãos deste TCA Sul de 15/01/2015, Proc. 11588/14 e de 07/03/2013, Proc. 09645/13, in, www.dgsi.pt/jtacs – e motivou também a adoção de igual posição no Acórdão do STA de 17/12/2014, Proc. 0585/14, in, www.dgsi.pt/jsta, que ali fez vencimento, em recurso de revista, ainda que com um voto de vencido).
Tem assim que considerar-se que a impugnação judicial das decisões do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a que alude a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, constitui um meio processual autónomo (e urgente), distinto da ação administrativa especial prevista e regulada no CPTA.
Sendo certo que o leque dos meios processuais previstos no CPTA não exaure nem exclui a possibilidade de ser contemplado na lei (outras leis, que não aquele Código), novos ou distintos meios processuais, mormente de caráter urgente. O que ademais se acha desde logo ressalvado pelo nº 1 do artigo 36º do CPTA (ainda que tal ressalva não fosse necessária, já que mesmo que a mesma ali não estivesse contida, sempre assim seria). O que é o caso.
Assim, a impugnação judicial das decisões do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a que alude a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, constitui um meio processual autónomo, distinto da ação administrativa especial prevista e regulada no CPTA e não segue na sua tramitação as regras processuais da ação administrativa especial prevista e regulada no CPTA, não lhe sendo, por conseguinte, aplicável o disposto no artigo 40º nº 3 do ETAF, no sentido de a sua decisão (julgamento) caber a um coletivo de juízes, mas a regra geral constante do artigo 40º nº 1 do ETAF, cabendo a sua decisão (julgamento) a um juiz singular.
Não cabendo a um coletivo de juízes, mas ao juiz singular, a decisão da impugnação judicial das decisões do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a que alude a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, não é de aplicar em tal caso o disposto artigo 27º nº 2 do CPTA. Sentido em que foi também já decidido nos Acórdãos deste Tribunal de 04/12/2014, Proc. 11619/14 e de 26/09/2013, Proc. 10286/13, in, www.dgsi.pt/jtacs.
Não se impunha, pois, que da sentença proferida pela Mmª Juiz titular do processo fosse deduzida a reclamação para a conferência a que alude o artigo 27º nº 2 do CPTA.
E não altera tal conclusão a circunstância de a Mmª Juiz do Tribunal a quo ter, nos tramites processuais que adotou no processo, seguido de perto a tramitação prevista no CPTA para a ação administrativa especial, designadamente proferindo despacho-saneador e determinando a notificação das partes para apresentarem nos prazos sucessivos de 20 dias as alegações escritas previstas no nº 4 do artigo 91º do CPTA (cfr. despacho de 26/06/2014, de fls. dos autos), só após proferindo sentença. O que encontra justificação na ausência de previsão na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, de normas de tramitação, para além das referidas, no que tange ao processo de impugnação judicial ali previsto. Mas que concomitantemente conduziu, como é bom de ver, que não obstante o processo ter caráter urgente - que lhe foi, aliás, reconhecido no Tribunal a quo quer aquando da autuação e distribuição, que foi efetuada na 10º espécie – “Outros Processos Urgentes” (cfr. Deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 15/10/2013, publicada no DR. IIª Série, nº 213, de 04/11/2013) quer pela referência contida nos diversos despachos proferidos no processo ao artigo 36º do CPTA – viesse a ser proferida decisão judicial muito para além do previsto nos artigos 22º nº 2 e 25º nº 3 da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, 8 dias no primeiro caso e 72 horas no segundo. Prazos especialmente curtos, ali assim previstos, em face da natureza dos interesses envolvidos e em obediência às Diretivas nºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, que aquele diploma legal transpõe para a ordem jurídica interna.
E foi precisamente em face dos especiais valores e interesses em causa, de natureza humanitária, e reconhecendo a necessidade de uma decisão judicial especialmente urgente quanto às impugnações judiciais dirigidas às decisões das entidades administrativas relativas a pedidos de asilo que, dissipando as dúvidas que a prática judicial evidenciou quanto aos atos de trâmite a seguir em tais casos (umas vezes usando-se as regras da tramitação processual previstas no CPTA para a ação administrativa especial, outras vezes as previstas naquele Código para o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias) a Lei nº 26/2014, de 5 de Maio, que efetuou a 1ª alteração à Lei n.º 27/2008 (Lei do asilo), modificando a redação quer do seu artigo 22º quer do seu artigo 25º, passou a prever expressamente que às impugnações judiciais das decisões das entidades administrativas relativas a pedidos de asilo, ali previstas, “são aplicáveis a tramitação e os prazos previstos no artigo 110.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com exceção do disposto no respetivo n.º 3”. Alteração que, contudo, apenas entrou em vigor 60 dias após a sua publicação (cfr. artigo 7º da Lei nº 26/2014, de 5 de Maio), por conseguinte, já na pendência do presente processo judicial.
Assim, e concluindo, considerando que a impugnação judicial das decisões do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a que alude a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na sua redação original, constitui, pelas razões expostas, um meio processual autónomo, distinto da ação administrativa especial prevista e regulada no CPTA, não seguindo na sua tramitação as regras processuais da ação administrativa especial prevista e regulada no CPTA, não lhe sendo, por conseguinte, aplicável o disposto no artigo 40º nº 3 do ETAF, no sentido de a sua decisão (julgamento) caber a um coletivo de juízes, mas a regra geral constante do artigo 40º nº 1 do ETAF, cabendo a sua decisão (julgamento) a um juiz singular, não se impunha que da sentença proferida pela Mmª Juiz titular do processo fosse deduzida a reclamação para a conferência a que alude o artigo 27º nº 2 do CPTA.
Improcede, por conseguinte, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público no seu Parecer, não ocorrendo a invocada questão obstativa ao conhecimento do mérito do recurso interposto.
*
2. – Do mérito do recurso

2. 1. Da nulidade da sentença
Da questão de saber se a sentença recorrida é nula (cfr. artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA), por falta de fundamentação (conclusões 16º e 17º das suas alegações de recurso)
~
Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida, de 07/10/2014, a Mmª Juiz do Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial (Proc. nº 876/14.4BELSB) que o recorrente deduziu contra o despacho do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 18 de Fevereiro de 2014, que lhe indeferiu o pedido de asilo e que não o enquadrou, subsidiariamente, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias.
~
Da tese do recorrente
Defende o recorrente que a decisão recorrida deve ser anulada por não estar fundamentada, limitando-se, no seu entender, a subscrever integralmente e sem reservas a fundamentação do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que também padece de falta de fundamentação, e que equivale à falta de fundamentação uma fundamentação deficiente, que nada fundamenta e que, na pureza dos conceitos, não passa de uma opinião.
Decorre do assim invocado, que a alegação do recorrente faz apelo ao disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo, aplicável aos Tribunais Administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, de acordo com o qual é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ainda que não remeta expressamente para aquele normativo. O que é compatível com o pedido de anulação da sentença formulado a final das suas alegações de recurso.
~
Da análise e apreciação da questão
As situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do atual CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (correspondente ao artigo 668º nº 1 do CPC anterior), cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos, as de carácter formal (alínea a)) e as respeitantes ao conteúdo da decisão (alíneas b) a e)). Neste último grupo se integra a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, que nos remete para as situações de falta de fundamentação, de facto e de direito, da decisão.
E só tal falta constituirá causa de nulidade da sentença. O que aliás está em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP. Mas, como é consensual na Doutrina e na Jurisprudência, a falta de motivação (quer de facto quer de direito) suscetível de integrar a nulidade de sentença a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao anterior artigo 668º) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta). Para que se esteja perante falta de fundamentos geradores da nulidade de sentença é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos fundamentos de facto e das razões de direito que hão-de suportar a decisão que profere.
Na situação dos autos a Mmª Juiz do Tribunal a quo especificou na sentença os factos que considerou provados, e até o fez separadamente, como se aconselha como boa técnica judiciária.
Após o que, tendo equacionado que o ato impugnado «é a decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional que o Autor dirigiu às autoridades portuguesas, proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras», e que o ato devido se traduz «na admissão desse pedido para instrução e decisão nos termos dos artigos 27º e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho», e que «em ação de condenação à prática do ato devido não há que apreciar os vícios do ato impugnado», entendeu que a questão a apreciar e decidir era apenas «a questão de saber se se verifica uma das causas de Inadmissibilidade previstas no artigo 19.º, da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho» (vide pág. 2 da sentença recorrida), passou a subsumir os factos ao direito. O que fez, designadamente, nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«Nos presentes autos vem impugnado o despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 18 de Fevereiro de 2014, que indeferiu o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, em 25 de Junho de 2013, colhendo a Informação do Gabinete de Asilo e Refugiados n.º 64/GAR/14, de 10 de Fevereiro de 2014, na qual se concluiu pela inadmissibilidade do pedido nos termos do disposto nas alíneas b), c) e j), do n.º 2, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (cf. Alíneas D) e E), dos Factos Assentes).
Os pedidos de protecção Internacional devem considerar-se inadmissíveis e sujeitos a tramitação acelerada sempre que se verifique qualquer das situações previstas no artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, atribuindo a lei a competência para a decisão dos pedidos inadmissíveis ao Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (artigos 20.º, n.º 1, 24.º, n.º 4, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho). Não se verificando qualquer causa de Inadmissibilidade, os pedidos de protecção Internacional devem ser admitidos e Instruídos nos termos previstos nos artigos 27.º, e seguintes, da lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, tendo em vista a concessão ou recusa de protecção internacional, pertencendo a competência para a decisão ao membro do Governo responsável pela administração interna (artigo 29.º, n.º 5, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho).
Estando em causa a impugnação da decisão de inadmissibilidade do pedido formulado pelo Autor, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, o Tribunal não pode condenar a Administração a praticar o acto de concessão de asilo/autorização de residência por razões humanitárias, da competência do membro do Governo responsável pela administração interna. No âmbito da presente acção de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido a Administração só pode ser condenada a admitir o pedido formulado pelo Autor e, consequentemente, a dar início ao procedimento administrativo tendente à concessão de asilo/autorização de residência por razões humanitárias, previsto e regulado nos artigos 27.º, e seguintes, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, para cuja decisão é competente o membro do Governo responsável pela administração interna.
Assim, traduzindo-se o acto devido no acto de admissão do pedido formulado pelo Autor, tendo em vista a sua instrução e decisão pelo membro do Governo competente, e considerando que em acção de condenação à prática do acto devido não há que apreciar os vícios do acto impugnado, o qual apenas releva para aferir da tempestividade da acção (…) a questão a apreciar e decidir é apenas a questão de saber se se verifica qualquer das causas de inadmissibilidade do pedido previstas no artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, o direito de asilo é garantido aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. [n.º 1 ]. Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. [n.º 2].
O n.º 1, do artigo 5.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção em vigor à data da prática do acto impugnado, estabelece que «para efeitos do artigo 3.º os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais».
O artigo 6.º do mesmo diploma legal, na redacção em vigor à data da prática do acto impugnado, sob a epígrafe "Agentes da perseguição”, estipula:
« 1 - São agentes de perseguição:
a) O Estado;
b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território;
c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b), s.fo incapazes ou não querem proporcionar protecção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.
2 - Para efeitos da alínea e) do número anterior, considera-se que existe protecção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adaptem medidas adequadas para impedir a prática de actos de perseguição, por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva.».
Quando não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º a Administração deve averiguar se a situação é enquadrável no regime de protecção subsidiária consagrado no artigo 7.º, que se traduz na concessão de uma autorização de residência por razões humanitárias. O artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção em vigor à data da prática do acto impugnado, sob a epígrafe "Protecção subsidiária”, estabelece:
«1 - É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que ai se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a Integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.».
De acordo com o disposto no n.º 3, do artigo 18.º, da Lei n.º 27/2008, de 20 de Junho, na redacção em vigor à data da prática do acto impugnado, aplicável às situações previstas no artigo 7.º (cfr. artigo 34.º, da Lei n.º 27/2008, de 20 de Junho), «constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou directamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado ameaçado de ofensa grave, excepto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.».
Quando foi ouvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no dia 16 de Janeiro de 2014, o Autor disse que vivia com a família em Z……… - N………e trabalhava no negócio de família: ourivesaria. A família tem duas lojas, uma em N………….. e outra em Z……….. A partir de Novembro de 2012, começou a ter problemas com um grupo de indivíduos por causa de artigos que vendia na loja de Z........, onde trabalhava, sobretudo CDs e DVDs de música e de filmes, que diziam não estarem de acordo com a religião. Em Novembro de 2012, dois homens foram à loja de Z........, onde se encontrava, partiram algumas coisas na loja e deram-lhe três tiros, no braço e dois na parte lateral esquerda do abdómen. Enquanto esteve hospitalizado, por causa dos ferimentos causados pelos tiros, os referidos indivíduos incendiaram a loja. Quando ainda estava no Hospital, um primo disse-lhe que esse grupo andava à sua procura por causa dos filmes, para o matarem, que já tinham morto um casal de namorados que tinham relações sexuais e diziam que ele era o culpado, pois eram os filmes que vendia que provocavam estas coisas. A Polícia não fez nada porque tem medo deles. Quando saiu do hospital ficou em P…………., pois a família disse-lhe que não deveria voltar para N......... porque andavam à sua procura. De P….., foi para R……….. e depois para Lahore, não tendo tido quaisquer problemas nessas localidades. Saiu do Paquistão com destino a Itália, tendo passado pelo Irão, Turquia, Grécia. Decidiu não ficar em Itália, onde passou por Roma e Milão, porque se apercebeu que os campos de refugiados não têm condições. Decidiu ir para França, porque alguns dos seus companheiros tinham amigos em França. Decidiu vir para Portugal, porque lhe disseram que havia menos estrangeiros do que em França e que seria mais fácil e mais rápido obter asilo. (cf. Alínea B), dos Factos Assentes, dos Factos Assentes).
Das declarações prestadas perante o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, para as quais o Autor remete na Petição Inicial, resulta que não está em causa qualquer envolvimento pessoal em actividades exercidas em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou qualquer perseguição por motivos relacionados com a raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, conforme exige o artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, não resultando, também, do relato do Autor quaisquer factos indiciadores de uma das situações contempladas no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho - sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou da residência habitual ou risco do requerente sofrer ofensa grave nos termos previstos no n.º 2, do mesmo artigo 7.º.
O próprio Autor referiu que não teve quaisquer problemas em P……….., R………. e L…………, localidades onde alegadamente permaneceu, respectivamente, dois meses, uma semana e um mês, depois dos acontecimentos que terão motivado a sua saída do Paquistão, sendo que o Autor também teve oportunidade de pedir protecção às autoridades dos países por onde alegadamente passou até chegar a Portugal, nomeadamente às autoridades italianas e francesas. O facto de não ter solicitado protecção nos países por onde alegadamente transitou, sem motivos válidos, tendo tido a possibilidade de o fazer, permite-nos também duvidar da invocada necessidade de protecção, tanto mais que o seu relato, para além de vago, apresenta contradições, designadamente quanto à data em que o seu Irmão terá sido alvejado. Na entrevista realizada em 16 de Janeiro de 2014, tendo-lhe sido perguntado como é que sabia que os indivíduos que o perseguiam continuavam à sua procura, disse que sabe que andam à sua procura pelo que aconteceu ao seu irmão, que foi alvejado, por sua causa, há cerca de três meses, sendo que, na segunda entrevista, realizada em 07 de Fevereiro de 2014, disse que os referidos indivíduos foram à sua procura e alvejaram o seu irmão em Agosto de 2013 (cf. Alínea B) e C), dos Factos Assentes, dos Factos Assentes).
De acordo com o disposto no n."' 2, do artigo 19.º, da lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção vigente à data da prática do acto impugnado, o pedido deve ser considerado inadmissível e sujeito a tramitação acelerada quando for evidente que o requerente não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque, nomeadamente por "ao apresentar o pedido e ao expor os factos ter invocado apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado” [alínea b)], ou "não preencher claramente as condições para ser considerado refugiado ou para lhe ser concedido o estatuto de refugiado num Estado membro [alínea c)] ou "não ter apresentado o pedido mais cedo, sem motivos válidos, tendo tido a possibilidade de o fazer” [alínea j)].
Assim, em face das declarações prestadas perante o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, para as quais o Autor remete na Petição Inicial, não podemos deixar de concordar com a Entidade Demandada quando defende que o pedido tinha de ser considerado inadmissível e sujeito a tramitação acelerada nos termos das alíneas b), c), e j), do n.º 2, do artigo 19.º, da lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, aplicáveis às situações previstas no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, ex vi artigo 34.º, do mesmo diploma legal, pelo que a presente acção deve improceder, mantendo­se o Despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras impugnado, que recusou a admissão do pedido de protecção internacional formulado pelo Autor.»

Como é bom de ver, e decorre à saciedade do teor da sentença recorrida, aqui transcrito, que nela a Mmª Juiz do Tribunal a quo verteu as razões, de facto e de direito que conduziram, no seu entender, à decisão de improcedência do pedido formulado no processo pelo recorrente. Mostra -se, por conseguinte, fundamentada.
Não incorrendo a sentença recorrida em falta (absoluta) de fundamentação, não se verificando a causa de nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, nem sendo relevante para tal efeito a eventual deficiente fundamentação, no sentido aludido pelo recorrente, não há motivo para anular a mesmo. Quando muito ocorrerá erro de julgamento, quanto à solução jurídica da questão, por falta de adequada subsunção dos factos ao direito. Questão diversa, que não deixará de ser apreciada infra e que foi também invocada pelo recorrente no presente recurso.
Assim, e pelo exposto, não incorrendo a sentença recorrida em falta (absoluta) de fundamentação, não se verifica a causa de nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, pelo que não merece provimento o recurso nesta parte.

*
2. 2. Do erro de julgamento quanto à solução jurídica
Da questão de saber se a sentença recorrida errou quanto à solução jurídica, incorrendo em erro de julgamento ao decidir pela improcedência do pedido formulado pelo recorrente por ter considerado não resultarem factos indiciadores de uma das situações contempladas no artigo 7.º da Lei 27/ 2008, de 30 de Junho para a concessão do asilo: a sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou risco do requerente sofrer ofensa grave (conclusões 18º e 24º das suas alegações de recurso).
~
Da tese da recorrente
Sustenta o recorrente que no entender do Gabinete de Asilo e Refugiados, entender sufragado pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o Autor não consegue estabelecer a razão pela qual a sua pessoa seria visada por tais indivíduos, mesmo depois de este ter explicado, dando inclusive um exemplo de um casal, que o problema dos talibans com ele era a forma como obtinha os seus meios de subsistência; que nos termos do n.º 3 do art. 16.º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, "Para os efeitos dos números anteriores, logo que receba o pedido de asilo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de cinco dias."; que o pedido de asilo foi recebido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a 25 de Junho de 2013 e o Autor foi notificado para comparecer no Gabinete de Asilo e Refugiados a 16 de Janeiro de 2014, quase sete meses depois; que esta violação de lei é particularmente grave pelo facto de se tratar de um requerente de asilo, particularmente vulnerável, com crises fortes de depressão e ansiedade devido a tudo aquilo porque passou até ao momento; que é incompreensível como é que o Tribunal a quo conclui que do relato do Autor não resultam quaisquer factos indiciadores de uma das situações comtempladas no artigo 7.º da Lei 27/ 2008, de 30 de Junho, sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou risco do requerente sofrer ofensa grave, quando o país de que se está a falar é o Paquistão e o Autor levou três tiros; e que deve ser dada ao recorrente a possibilidade de serem devidamente apreciadas as circunstâncias de vida que o trouxeram até ao Estado português, pugnando que a devida apreciação não poderá concluir noutro sentido que não a requerida proteção, sugerindo que se dúvidas persistirem sobre a veracidade do que alegou seja contactada a Embaixada portuguesa no Paquistão que, com certeza, poderá investigar e confirmar a veracidade das declarações prestadas.
~
Da análise e apreciação da questão
Antes do mais importa evidenciar que é irrelevante para o desfecho do presente recurso jurisdicional a invocação feita pelo recorrente nas suas alegações de recurso de que não foi observado na fase administrativa do processo o previsto no artigo 16º nº 3 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, nos termos do qual “logo que receba o pedido de asilo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras notifica de imediato o requerente para prestar declarações no prazo de cinco dias”, por o pedido de asilo ter sido recebido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 25/07/2013 e o recorrente apenas ter sido notificado para comparecer no Gabinete de Asilo e Refugiados em 16/01/2014, quase sete meses depois, e que esta violação da lei é grave por se tratar de um requerente de asilo, particularmente vulnerável. Alegação da qual, ademais, não extrai qualquer consequência para efeitos da validade do despacho do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 18/02/2014, objeto de impugnação nos autos, nem a mesma existe, nem para efeitos de erro de julgamento da sentença recorrida. Sendo certo que, além do mais, se trata de invocação nova, que não havia sido alegada na petição inicial.
Na verdade, compulsada a petição inicial dos presentes autos o que se constata é que nela o aqui recorrente se insurgiu contra o identificado despacho, objeto de impugnação nos autos, peticionando a sua revogação e substituição por outra que deferisse ao recorrente o pedido de asilo, ou, se assim não se entendesse, que lhe fosse pelo menos concedida a autorização de residência por razões humanitárias.
E defendeu ali para o efeito, nos termos que expôs nos treze (13) artigos que compõem aquela sua peça processual, dos quais emana a causa de pedir, que ao contrário do entendido, não tem condições para voltar ao Paquistão, por ter medo dos Talibãs e não existir qualquer garantia de segurança no seu país; que tem sofrido muito desde que a guerra se instalou no seu país, tendo inclusive sido baleado como resulta das declarações que prestou e do documento hospitalar que juntou na fase administrativa; que os Talibãs efetuam uma perseguição a todos os que não se conformem com as suas regras fundamentalistas; que foi por causa dessa perseguição que foi para o Irão e daí fugiu até chegar a Portugal, país onde lhe garantiram haver segurança; que conseguiu os seus intentos de vir para Portugal onde se sente mais seguro e por isso pretende o estatuto de refugiado; que a sua situação é suscetível de ser enquadrada no regime de asilo previsto no artigo 3º nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho e que não sendo assim entendido pelo menos é suscetível de enquadramento no regime de proteção subsidiária previsto no artigo 27º e ss. do mesmo diploma.
O que importa agora apreciar e decidir, em sede do presente recurso jurisdicional, é se a sentença recorrida fez correta aplicação do direito ao julgar improcedente o pedido formulado. Com efeito, sendo os recursos jurisdicionaismeios judiciais de refutar o acerto da decisão judicial, na fase de recurso, em que nos encontramos, o que importa é apreciar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC novo (ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso), mas simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90).
Com efeito, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido (ou pedidos) formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância (ressalvada naturalmente a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objeto por anulação do julgado – cfr. artigos 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artigo 665º nºs 1, 2 e 3 do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, correspondente ao anterior artigo 715º nºs 1, 2 e 3, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA). Veja-se a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359, bem como, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 08/05/2014, Proc. 11054/14 e de 19/02/2013, Proc. 06193/12, in.www.dgsi.pt/jtcas.
Assim, os recursos jurisdicionais, enquanto meios de impugnação de decisões judiciais, não devem ser utilizados como meio de julgamento de questões novas (novos fundamentos da pretensão) que não tenham sido oportunamente invocadas no Tribunal a quo.
Feita esta precisão, vejamos se na situação dos autos foi correto o entendimento feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, ou se pelo contrário, em vez de ter julgado improcedente a pretensão do recorrente a deveria ter deferido nos termos propugnados.
O despacho do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 18/02/2014, contra o qual se insurgiu o recorrente, indeferiu o pedido de proteção internacional que este havia formulado em 25/06/2013, concluindo pela inadmissibilidade do pedido nos termos do disposto nas alíneas b), c) e j), do n.º 2, do artigo 19º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, nos termos da Informação do Gabinete de Asilo e Refugiados n.º 64/GAR/14, de 10 de Fevereiro de 2014 (vertida em D) do probatório) em que se suportou e a que aderiu.
Os pedidos de proteção internacional devem considerar-se inadmissíveis e sujeitos a tramitação acelerada sempre que se verifique qualquer das situações previstas no artigo 19º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. Sendo que de acordo com o disposto nas alíneas b), c) e j) do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho (na redação vigente à data), que fundamentaram o despacho impugnado, o pedido deve ser considerado inadmissível, e sujeito a tramitação acelerada, quando for evidente que o requerente não satisfaz nenhum dos critérios definidos pela Convenção de Genebra e Protocolo de Nova Iorque por “ao apresentar o pedido e ao expor os factos ter invocado apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado” (alínea b)), por “não preencher claramente as condições para ser considerado refugiado ou para lhe ser concedido o estatuto de refugiado num Estado membro (alínea c)), por “não ter apresentado o pedido mais cedo, sem motivos válidos, tendo tido a possibilidade de o fazer” (alínea j)).
Na sentença recorrida entendeu-se que em face das declarações prestadas pelo recorrente perante o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não podia deixar de considerar-se que o pedido de asilo era inadmissível nos termos daquelas alíneas b), c), e j), do n.º 2, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, tal como foi considerado no impugnado despacho do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e que assim tal despacho devia ser mantido.
E é correto o juízo ali feito.
É que de harmonia com o artigo 3º nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho (Lei do asilo), invocado pelo recorrente, é garantido o direito de asilo “aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
E nos termos do nº 2 do mesmo artigo 3º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho (Lei do asilo), têm ainda direito à concessão de asilo “os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual”.
Ora resulta à evidência que a situação do recorrente não se enquadra no previsto no normativo inserto no nº 1 do artigo 3º, não tendo invocado, nem tendo sido apurado, na fase administrativa, que a perseguição a que aludiu seja consequência de atividade por exercida “em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”
Como não se enquadra também no previsto no nº 2 do artigo 3º já que não invocou, nem foi apurado, na fase administrativa, que seja perseguido em virtude da sua religião, opinião política ou integração em certo grupo social.
O que o recorrente invocou em sede administrativa, tal como ali oportunamente declarou quando foi ouvido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 16/01/2014, foi que vivia com a família em Z........ - N......... e trabalhava no negócio de família: ourivesaria; que a família tem duas lojas, uma em N......... e outra em Z........; que a partir de Novembro de 2012, começou a ter problemas com um grupo de indivíduos por causa de artigos que vendia na loja de Z........, onde trabalhava, sobretudo CDs e DVDs de música e de filmes, que diziam não estarem de acordo com a religião; que em Novembro de 2012, dois homens foram à loja de Z........, onde se encontrava, partiram algumas coisas na loja e deram-lhe três tiros, no braço e dois na parte lateral esquerda do abdómen; que enquanto esteve hospitalizado, por causa dos ferimentos causados pelos tiros, os referidos indivíduos incendiaram a loja; que quando ainda estava no Hospital, um primo disse-lhe que esse grupo andava à sua procura por causa dos filmes, para o matarem, que já tinham morto um casal de namorados que tinham relações sexuais e diziam que ele era o culpado, pois eram os filmes que vendia que provocavam estas coisas; que a Polícia não fez nada porque tem medo deles; que quando saiu do hospital ficou em P……………., pois a família disse-lhe que não deveria voltar para N......... porque andavam à sua procura; que de P…………….foi para R……………e depois para Lahore, não tendo tido quaisquer problemas nessas localidades.
Pelo que tem que se considerar estarmos perante a situação de inadmissibilidade
do pedido a que aludem as alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho (ao apresentar o pedido e ao expor os factos ter invocado apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado” e “não preencher claramente as condições para ser considerado refugiado ou para lhe ser concedido o estatuto de refugiado num Estado membro).
Sendo certo que nos termos do artigo 2º nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho apenas é considerado «refugiado» para os efeitos deste diploma “o estrangeiro que, receando com razão ser perseguido em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9.º”. E manifestamente isso não sucede, como se viu.
Por outro lado tem também que se considerar estarmos perante a situação de inadmissibilidade do pedido a que alude a alínea j) do nº 2 do artigo 19º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho (“não ter apresentado o pedido mais cedo, sem motivos válidos, tendo tido a possibilidade de o fazer), em face do declarado pelo recorrente na fase administrativa, de que saiu do Paquistão com destino a Itália, tendo passado pelo Irão, Turquia, Grécia; que decidiu não ficar em Itália, onde passou por Roma e Milão, porque se apercebeu que os campos de refugiados não têm condições; que decidiu ir para França, porque alguns dos seus companheiros tinham amigos em França e que decidiu vir para Portugal, porque lhe disseram que havia menos estrangeiros do que em França e que seria mais fácil e mais rápido obter asilo.
Não merece assim censura a sentença recorrida no juízo que fez, com manutenção, nessa parte do despacho impugnado.
Como também o não merece no que tange à apreciação, que fez, a respeito dos requisitos para a concessão de proteção subsidiária consistente na autorização de residência por razões humanitárias prevista no artigo 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
O nº 1 do artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho dispõe que “é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que ai se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”. Sendo que o nº 2 deste artigo 7º densifica que para tais efeitos se considera «ofensa grave» nomeadamente “a pena de morte ou execução” (al. a)), a “tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem” (al. b)) ou a “ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos” (al. c)), e que o artigo 8º considera que «o receio fundado de ser perseguido», nos termos do artigo 3.º, ou «do risco de sofrer ofensa grave», nos termos do artigo 7º, “podem ter por base acontecimentos ocorridos ou atividades exercidas após a saída do Estado da nacionalidade ou da residência habitual, especialmente se for demonstrado que as atividades que baseiam o pedido de asilo constituem a expressão e a continuação de convicções ou orientações já manifestadas naquele Estado” (nº 1), não sendo todavia aplicável “quando o receio ou o risco tiverem origem em circunstâncias criadas pelo estrangeiro ou apátrida após a sua saída do Estado da nacionalidade ou da residência habitual, exclusivamente com o fim de beneficiar, sem fundamento bastante, do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária” (nº 2).
Importando ainda ater que por força da remissão para o artigo 6º contida no nº 3 daquele artigo 7º para efeitos da verificação do requisito de fundado receio de perseguição são considerados agentes de perseguição o Estado (al. a)), os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território (al. b)) e os agentes não estatais, se ficar provado que os demais agentes mencionados, nas alíneas a) e b), são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição.
Como importa também evidenciar que em todo o caso os motivos da perseguição hão-de fundamentar o receio fundado de o requerente ser perseguido, devem, nos termos do artigo 2º nº 1 alínea j) ter apreciados tendo em conta as noções de «Raça» (que inclui, nomeadamente, considerações associadas à cor, à ascendência ou à pertença a determinado grupo étnico), de «Religião» (que abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, noutros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas); de «Nacionalidade» (que não se limita à cidadania ou à sua ausência, mas abrange também, designadamente, a pertença a um grupo determinado pela sua identidade cultural, étnica ou linguística, pelas suas origens geográficas ou políticas comuns ou pela sua relação com a população de outro Estado); de «Grupo» (entendendo-se este como um grupo social específico nos casos concretos em que os membros desse grupo partilham de uma característica inata ou de uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham de uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e esse grupo tenha uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia) ou de «Opinião política» (que inclui, designadamente, o facto de se possuir uma opinião, ideia ou ideal em matéria relacionada com os potenciais agentes da perseguição às suas políticas ou métodos, quer essa opinião, ideia ou ideal sejam ou não manifestados por atos do requerente).
Na sentença recorrida considerou-se que não resultou também do relato do recorrente «quaisquer factos indiciadores de uma das situações contempladas no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho - sistemática violação dos direitos humanos verificada no país da nacionalidade ou da residência habitual ou risco do requerente sofrer ofensa grave nos termos previstos no n.º 2, do mesmo artigo 7.º.» Acrescentando, a tal respeito, «que próprio Autor referiu que não teve quaisquer problemas em P…………, R……………e L…………., localidades onde alegadamente permaneceu, respectivamente, dois meses, uma semana e um mês, depois dos acontecimentos que terão motivado a sua saída do Paquistão, sendo que o Autor também teve oportunidade de pedir protecção às autoridades dos países por onde alegadamente passou até chegar a Portugal, nomeadamente às autoridades italianas e francesas. O facto de não ter solicitado protecção nos países por onde alegadamente transitou, sem motivos válidos, tendo tido a possibilidade de o fazer, permite-nos também duvidar da invocada necessidade de protecção».
E tem com efeito de considerar-se que o recorrente não demonstrou que a permanência no seu país se tivesse tomado insustentável a ponto de ter de abandonar o mesmo por efeito de ameaças ou atos objetivos de natureza persecutória contra a sua pessoa por qualquer dos motivos de religião. Não tendo o discurso do recorrente criado a convicção da existência de uma situação de necessidade de proteção por receio de represálias no seu país fundadas em motivos religiosos. Não sendo de estabelecer uma ligação, como a que foi pretendida criar pelo recorrente, entre os episódios relatados, a saída do seu país e a necessidade de proteção que solicita, através da concessão da autorização de residência por razões humanitárias.
Assim sendo, bem decidiu a sentença recorrida ao julgar não verificadas as condições exigidas no artigo 7º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, para que devesse ser concedida autorização de residência por razões humanitárias.
Tem pois que manter-se o julgamento de total improcedência da ação, feito na sentença recorrida, não merecendo provimento o presente recurso jurisdicional.
**
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se, pelos fundamentos expostos, a sentença recorrida.
~
Sem custas – artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
*
Notifique.
D.N.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015


______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




______________________________________________________
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos




______________________________________________________
Pedro José Marchão Marques