Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1387/15.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
114.º RGIT
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I-Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II-Tendo sido imputada infração à Arguida punida pelo artigo 114.º, nºs. 2, e 5, al.f), do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO


F..., SA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº 2…., que correu termos no Serviço de Finanças de Ourém, e no âmbito do qual foi condenada ao pagamento de uma coima única no montante total de €3.045,50, pela prática da contraordenação consubstanciada na violação do artigo do artigo 104.º, n.º 1, alínea a), Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), cuja infração é punida nos termos do artigo 114.º, n.º 2 e 5 e 26.º, nº4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:



a) O artº 33, nº2 do R.G.I.T., estabelece um prazo especial idêntico ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação, sendo os casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos artºs.108, nº.1, 109, nº.1, 114, 118 e 119, nº.1, todos do R.G.I.T.

b) É claramente o caso do Pagamento por Conta, uma vez que, por força do disposto no artigo 114.º, n.º 1, 2 e 5, alínea f), do RGIT, coima aplicável à infracção por falta de pagamento da prestação tributária devida a título de pagamento especial por conta varia em função do montante da prestação que devia ter sido auto-liquidada pelo sujeito passivo por conta do imposto e que, na sua falta, foi liquidada pela AT, o que vale por dizer que a infracção está absolutamente dependente do acto de liquidação, uma vez que a sanção que lhe é aplicável depende do montante das entregas pecuniárias antecipadas que têm de ser liquidadas e pagas por conta do IRC.

c) Por conseguinte, caducando no dia 31 de Dezembro de 2016 (4 anos, nos termos do art.º 45 da LGT) o direito à liquidação do IRC referente a 2012, era também nessa data que ocorria a prescrição do procedimento contra-ordenacional por falta de entrega nos cofres do Estado do pagamento por conta desse imposto.

d) É aplicável ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade.

e) No caso sub judice, advieram causas de interrupção, máxime, as prevista na al. a, b) e d) do nº1 do art. 27º-A do DL nº 433/82, sendo porém apenas relevante, tendo em conta tratar-se de interrupção, a notificação da decisão de aplicação da coima, que reiniciou a contagem do prazo de prescrição, em 20 de março de 2015.

f) Assim, sendo o pagamento por conta que ficou por liquidar e que originou a coima aplicada, ora impugnada, referente a dezembro de 2012, o prazo de prescrição de 6 anos (4 +2), contado desde o início – 1 de Janeiro de 2013 –, extinguiu-se em 1 de Janeiro de 2019.

g) De resto, sem conceder, refira-se que a conclusão não é diferente se aos caso for aplicado o disposto no Artigo 33.º nº1 (em vez do nº2) do RGIT, pois nesse caso, o prazo de prescrição, com a interrupção, será de 7 anos e meio, o que significa que, contado desde 1 de Janeiro de 2013, extinguiu-se no dia 1 de Julho de 2021.

h) O pagamento por conta em causa, respeitando ao período “2012/12” (ponto 1 do probatório – Quadro), é portanto o terceiro pagamento por conta, previsto no artº 104º, nº 1, do CIRC, nº1, al. a).

i) O referido artigo 107º do CIRC, o qual tem por epígrafe “Limitações aos pagamentos por conta”, dispõe no seu nº 1 que « Se o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta. “.

j) Destarte, sendo o "pagamento por conta" uma entrega pecuniária antecipada, realizada por conta do imposto devido a final, o conhecimento da obrigação de o efectuar constitui elemento do tipo previsto no art.º 114º do RGIT, por referência ao disposto no art.º artigo 107º do CIRC, que confere ao Sujeito Passivo a faculdade de não efectuar o pagamento por conta quando, face aos elementos de que disponha, o mesmo extravase o valor de imposto que seria devido a final, tendo em conta o resultado do exercício.

k) Nem no auto de notícia, nem na sentença recorrida, é dado como provado que a ora Recorrente, pelos elementos de que dispunha à data em que seria devido o terceiro pagamento por conta, pudesse verificar que o montante dos pagamentos por conta já efetuados, era inferior ao imposto que se tornou devido com base na matéria coletável do período de tributação.

l) Pior, tal referência à obrigatoriedade de - face ao imposto liquidado relativamente ao exercício de 2012, constar a obrigatoriedade de efectuar o terceiro pagamento por conta - tendo em conta o levantamento do auto em 2015, era possível e consequentemente necessária.

m) A isto, note-se, não nos parece sinceramente obstar o que decorre do ponto 9 do probatório, máxime, ter-se apurado um valor a pagar de IRC de 45.482,42€, quer porque a existência de uma presunção “natural” de culpa não pode pois contender com o princípio in dúbio pro reo, quer porque atendendo ao disposto no artigo 107º do CIRC, tal presunção faria recair sobre o Sujeito Passivo o ónus de demonstrar a inexistência do que é, objectivamente, uma condição de punibilidade.

n) Assim, mesmo sendo a questão reconduzida ao tipo subjectivo, não obstante no que diz respeito a tal elemento estarmos perante matéria de facto do foro íntimo subjectivo que se infere ou não da matéria de facto objectiva, tal não desobriga a entidade administrativa recorrida de a enunciar expressamente na decisão.

o) A falta de requisitos da decisão administrativa constitui a nulidade prevista no art.379º, n° 1, a), do CPP, ex vi art.41º, nº 1, do RGCO, com os efeitos previstos no art.122º do CPP, que acarretam a declaração de nulidade da decisão recorrida e o reenvio do processo para a autoridade administrativa para nova decisão, a fim de suprir as deficiências indicadas e deste modo respeitar cabalmente o disposto no art.58° do RGCO.

Termos em que, deve o presente recurso ser recebido e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare procedente a impugnação,

Assim se fazendo a sã e serena Justiça! “


***


Notificados o DRFP e a Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, apenas a DMMP apresentou resposta tendo formulando as seguintes conclusões:

“1. O PEC constitui uma forma de antecipação de pagamento do imposto (IRC) que a final venha a ser devido, cujo montante concreto tem de ser determinado pelo próprio sujeito passivo para efeitos da sua entrega ao Estado;

2. Tratando-se a infracção em causa de uma conduta de natureza omissiva – falta de pagamento – a data a ter em conta como início do prazo de prescrição é a data do termo do pagamento em caus, no caso 15/12/2012, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 5º do RGCO e 5/2 do RGIT.

3. Relativamente ao prazo de prescrição dispõe o art. 33º nº 2 do RGIT que o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

4. O que sucede no caso em apreço, uma vez que estamos perante uma infracção punida pelo art. 114º do RGIT.

5. Em matéria de causas de interrupção e suspensão da prescrição, serão aplicáveis as normas do Regime Geral das Contra Ordenações aprovado pelo DL 433/82, por força do disposto no art. 33º do RGIT, não sendo in casu aplicáveis as restantes ali previstas.

6. Temos assim que no caso em apreço o prazo máximo de prescrição será de seis anos e seis meses.

7. Atendendo à data da prática da infracção – 15/12/2012 – afigura-se que já decorreu o prazo de prescrição, pelo que deverá ser concedido provimento ao recurso, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

VOSSAS EXCELÊNCIAS, PORÉM, COMO SEMPRE, MELHOR DECIDIRÃO, FAZENDO JUSTIÇA!”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de que o presente recurso deve ser provido, com fundamento na prescrição.

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A 24 de março de 2022, foi prolatado despacho com o seguinte teor:

“Antes de mais, notifique o DRFP do teor das alegações nas quais se suscita a prescrição do procedimento contraordenacional, e para, querendo, se pronunciar em dez dias.

Notifique as partes do teor do parecer do DMMP que promove a verificação do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.”


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As partes, devidamente notificadas, mantiveram-se silentes.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto:

“A) De facto

Com interesse para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

1. Em 28 de fevereiro de 2015 foi elaborado o auto de notícia n.º C0000613525/2015, em nome de “F..., S.A.”, ora Recorrente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e se extrai o seguinte:


«Texto no original»

(…)” – cfr. auto notícia, a fls. 5 dos autos (sempre em suporte físico).

2. Tendo por base o auto de notícia no ponto anterior, foram autuados os autos de contraordenação n.º …. – cfr. autuação, a fls. 4 dos autos.

3. Em 01 de março de 2015 foi emitida em nome da Recorrente, a “Notificação de Defesa/Pagamento c/redução Artº 70 RGIT”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, remetida via CTT em 04 de março de 2015, considerando-se nesta data a Recorrente notificada – cfr. notificação e doc. “SECIN – Gestão de Comunicações”, a fls. 82 e 83 dos autos.

4. Em 19 de março de 2015 a Recorrente apresentou defesa escrita no processo de contraordenação n.º 2…., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. requerimento e carimbo, a fls. 6 a 7 dos autos.

5. Em 24 de março de 2015 foi pelo Chefe do Serviço de Finanças de Ourém proferido despacho de intempestividade da defesa apresentada e determinado o prosseguimento dos autos para a fixação da coima – cfr. despacho, a fls. 61 dos autos.

6. Através do ofício n.º 535-B, de 24 de março de 2015 foi o Mandatário da Recorrente notificada do despacho aludido no ponto que antecede – cfr. ofício e talão de aceitação, a fls. 13 e 14 dos autos.

7. Em 20 de março de 2015 foi proferida decisão de fixação de coima, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e se extrai o seguinte:

“ (…)


«Texto no original»

(…)” – cfr. decisão, a fls. 80 e 81 dos autos.

8. Na mesma data, a Administração Tributária procedeu ao envio à Recorrente da “Notificação Art.º 79.º Nº 2 do RGIT” – cfr. notificação e histórico do processo de contraordenação, a fls. 73 e 79 dos autos.

9. Da demonstração da liquidação do ano de 2012 de IRC consta o seguinte:


«Texto no original»

- cfr. demonstração de liquidação de IRC, ora junta aos autos.


***

Consta na motivação da matéria de facto o seguinte:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada. “


***

Mais resulta consignado na decisão recorrida o seguinte:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa.”


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Atento o disposto no artigo 431.º, al. a), do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, procede-se à alteração da redação do ponto 8 do probatório, que passa a ter o seguinte teor:

8. A 20 de março de 2015, o Serviço de Finanças de Ourém, procedeu ao envio à Recorrente da “Notificação Art.º 79.º Nº 2 do RGIT”, tendente a dar conhecimento da decisão administrativa de aplicação de coima referida em 7), a qual foi recebida a 24 de abril de 2015– cfr. notificação e histórico do processo de contraordenação, a fls. 21, e informação de fls.92 dos autos.


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Ao abrigo do disposto nos artigos 428.º e 431.º, al. a), do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, adita-se a seguinte matéria de facto:

10. A 24 de setembro de 2015, foi expedido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, ofício endereçado às partes, visando dar conhecimento do despacho de admissão do presente recurso judicial (cfr. fls. 105 e 106 dos autos);


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão administrativa de aplicação de coima, proferida no âmbito do processo de contraordenação nº21…..

Em ordem ao consignado no artigo 411.º, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

In casu, são as seguintes as questões a decidir:

a) O procedimento contraordenacional está prescrito?

b) Verifica-se erro de julgamento, por a decisão recorrida ter procedido a uma errónea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes?

c) O conhecimento da obrigação constitui elemento do tipo previsto no artigo 114.º do RGIT, por referência ao disposto no artigo 107.º do CIRC?

d) A decisão administrativa de aplicação da coima padece de requisitos essenciais, devendo ser cominada com a nulidade?

Cumpre, antes de mais, aferir da prescrição do procedimento contraordenacional, porquanto trata-se de causa extintiva de conhecimento oficioso do Tribunal e que precede o conhecimento do mérito da causa, e que, a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer questão (1).

Vejamos, então, se já se completou o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, conforme arguido pela Recorrente e anuído pela DMMP junto da primeira instância e, ora, secundado neste Tribunal.

Apreciando.

Comecemos por convocar o quadro jurídico que para os autos releva.

Conforme resulta do probatório a decisão da Autoridade Administrativa consubstancia-se na infração ao artigo 104.º, nº1, alínea a), do CIRC e punida pelos normativos 114.º, n.º 2, 5, alínea f), e 26º, nº4, ambos do RGIT.

A norma punitiva do artigo 114.º, n.os 1, 2, e 5, alínea f) do RGIT, com a redação à data aplicável, dispunha o seguinte:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.(…)
5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária (…)
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.”

Estatuindo, por seu turno, o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT, relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional:

“[o] procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”. (destaque e sublinhado nosso).

Mais dispondo o seu n.º 2 que:

“[o] prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.(destaques e sublinhados nossos).

Sendo que nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCOC, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Significa, então, que regra geral o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Conforme doutrinam Jorge Lopes De Sousa e Manuel Simas Santos:“A infração depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor (2)”.

Entre os casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária encontramos precisamente o ilícito contraordenacional constante no artigo 114.º do RGIT (3).

Com efeito, tem entendido a Jurisprudência, na esteira de Jorge Lopes De Sousa, que, “[p]ara efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cfr., por todos o Acórdão deste STA de 28 Abril de 2010, rec. 0777/09) e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, o procedimento extingue-se logo que decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação da respectiva prestação tributária, pois que, de outro modo, não se asseguraria a coincidência de prazos que o legislador terá pretendido)” (4).

Em face do que vem sendo dito, sendo a infração que fundamentou a aplicação de coima à Recorrente punida pelo artigo 114.º, nºs.1, 2, e 5, alínea f), do RGIT, estando dependente do apuramento do imposto em falta, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (5).

Aplicando os aludidos conceitos ao caso dos autos, e tendo presente que a infração respeita ao período 201212, temos que o dies a quo, é o dia 31 de dezembro de 2012.

Significa isto que, aplicando o aludido prazo de prescrição (4 anos) e na hipótese de não ter ocorrido qualquer causa de interrupção ou suspensão, o procedimento contraordenacional prescreveria em 31 de dezembro de 2016.

Porém, na contagem do referido prazo de prescrição tem de ser ressalvado o tempo de interrupção e suspensão da prescrição.

De relevar, neste particular, que existindo causa de interrupção do prazo de prescrição o tempo decorrido antes da causa de interrupção fica sem efeito, uma vez que depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição (cfr. n.º 2 do artigo 121.º do CP ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Por seu turno, a suspensão do prazo de prescrição impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo de prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Atentemos, ora, nas causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional.

No concernente às causas de interrupção dispõe o artigo 28.º do RGCO que o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se nos termos estabelecidos na lei geral, consignando de forma expressa que:
“1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”

Em matéria de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, o normativo contido no artigo 27º-A do RGCO, aplicável ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT, estabelece o seguinte:

“1. A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa nos termos do artigo 40º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”

Por sua vez, a norma do artigo 33.º nº 3 do RGIT prevê causas específicas de suspensão do procedimento contraordenacional tributário consignando-se aí que a suspensão da prescrição se verifica também:

- Por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º;

- No caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento.

Visto o direito aplicável ao caso sub judice, façamos a competente transposição para a situação fática dos autos.

No caso vertente, são causas de interrupção as elencadas nos pontos 1), 3), 5), 6), 7) e 8), do probatório, sendo que a última causa ocorreu em 24 de abril de 2015, com a notificação da decisão administrativa de aplicação de coima.

Relativamente às causas de suspensão, importa apenas considerar uma causa de suspensão, concretamente, a prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 27º-A, ou seja, a relativa aos presentes autos. Sendo certo que, quanto a esta última e em ordem ao consignado no citado artigo no seu nº2, tal causa de suspensão tem como limite máximo o prazo de 6 meses.

Concretizando, então, por reporte ao acervo fático dos autos.

Ora, tendo em consideração as diversas interrupções supra elencadas, urge convocar a aplicação da regra do nº3, do artigo 28.º do RGCO, por, in casu, se revelar mais favorável à Arguida, porquanto contado o prazo prescricional de quatro anos, a partir 24 de abril de 2015 e contemplando a aludida causa de suspensão o prazo de prescrição consumar-se-ia em 24 de outubro de 2019.

Assim, aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2019.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito.

Encontrando-se prescrito o procedimento contraordenacional relativo à infração objeto dos presentes autos, verifica-se exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões.

No concernente a custas, declarado extinto o procedimento de contraordenação por prescrição, inexiste condenação da Arguida, não sendo, por isso, devidas custas processuais por esta. De relevar, outrossim, que não estando prevista, em situação alguma que o Ministério Público suporte as custas, dado ser entidade isenta do seu pagamento, e inexistindo norma no regime legal de custas aplicável em processo de contraordenação tributária que preceitue a condenação da Autoridade Tributária, a presente lide será sem custas, como se determinará no dispositivo (6).


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e, em consequência, julgar extinto o processo de contraordenação nº21272015060000014674 por prescrição, e o oportuno arquivamento dos autos.

Sem Custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 26 de maio de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


(1) Vide, neste sentido, Acórdão do STA, proferido no processo nº01270/15, datado de 14.12.2016 e Acórdão do TCA Sul, proferido no recurso nº 04847/11, de 15.11.2011
(2) in Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, 2.ª edição. 2003, pág. 283.
(3) Vide, Ob. Citada, p.258; por todos, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0326/12, de 30.05.2012, e TCA Sul proferido no processo nº 241/13.0, de 13.09.2018, ambos referentes a uma situação de falta de entrega de prestação tributária-pagamento por conta.
(4) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0679/11.8, de 30.04.2019.
(5) Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 0777/09, de 28.04.2010.
(6) Vide, designadamente, Acórdãos do STA proferidos nos processos 01408/15, 01106/16 e 01355/17, datados de 24.02.2016, 23.11.2016 e 14.03.2018, respetivamente.