Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09876/16
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
ARTº.4, DO C.I.R.C., NA REDACÇÃO EM VIGOR EM 1997.
PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE.
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL. NOÇÃO.
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL CARACTERIZA-SE PELA AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA DISTINTA DA PRÓPRIA SEDE.
CONCEITO DE ESTABELECIMENTO ESTÁVEL PARA A JURISPRUDÊNCIA COMUNITÁRIA.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. No artº.4, do C.I.R.C., redacção em vigor em 1997, o legislador, confinando-se ao princípio da territorialidade, procurou definir, com precisão, quais os rendimentos que deveriam ser objecto de tributação por parte dos sujeitos passivos referidos no artº.2, do mesmo diploma, adoptando, para o efeito, uma definição baseada na residência, isto é, o local, sede ou direcção efectiva, das respectivas entidades e que constitui o elemento de referência dos rendimentos a englobar para efeitos da determinação da matéria colectável. Relativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva no território português serão considerados todos os rendimentos auferidos. Diferentemente se trata em relação às entidades que não tenham residência no território português, mas que aqui auferem rendimentos. Quanto a estas, haverá apenas uma obrigação de natureza real, isto é, ficarão sujeitas apenas à declaração dos rendimentos aqui obtidos. Trata-se da aplicação de um princípio de equidade, pois não faria sentido que o Estado onde se situa a fonte dos rendimentos não cobrasse o tributo correspondente. De entre as entidades que não tenham residência em Portugal, ficam sujeitas ao pagamento de imposto, os rendimentos auferidos no nosso país que sejam imputáveis a um estabelecimento estável, ao abrigo do citado elemento de conexão fonte.
6. Em sede de I.R.C., o elemento de conexão pessoal “residência” assume predominante importância, ao qualificar como sujeito passivo do imposto a entidade, dotada ou não de personalidade jurídica, com sede ou direcção efectiva em território português (artº.2, do C.I.R.C.). Não obstante, a previsão do elemento de conexão real “origem ou fonte do rendimento” permite, igualmente, considerar como sujeitos passivos todas as entidades não residentes que, em território nacional, obtenham rendimentos enquadráveis neste imposto.
7. Fruto deste último elemento de conexão real, o estabelecimento estável de um sujeito passivo não residente encontrava no artº.4, nº.5, do C.I.R.C., em vigor em 1997 (cfr.actual artº.5, nº.1, do C.I.R.C.), a sua caracterização legal de base, em cuja construção se seguiram os elementos essenciais propugnados pelo artº.5, da Convenção Modelo da OCDE, evidenciados na existência de uma instalação ou representação, no carácter fixo ou permanente do estabelecimento - elemento estático - e no exercício de actividade empresarial - elemento dinâmico.
8. O estabelecimento estável caracteriza-se pela ausência de personalidade jurídica distinta da própria sede, pelo que carece de capacidade jurídica autónoma para intervir como parte contratual em relações obrigacionais com terceiras entidades. Decorre do exposto que a sociedade não residente é responsável pelas dívidas contraídas através do estabelecimento estável. Esta conclusão é válida para efeitos fiscais, o que não significa, naturalmente, que o credor das dívidas resultantes da actividade desenvolvida através do estabelecimento estável não procure, em primeira linha, executar o património a este afecto, por motivos de ordem prática. Em igual medida, as relações entre o estabelecimento estável e a sede da empresa não assumem a natureza de relações jurídicas, sendo insusceptíveis de gerar direitos e/ou obrigações entre as partes.
9. Sobre o conceito de estabelecimento estável a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr.acórdão de 4 de Julho de 1985, C-168/84, Berkholz; acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, C-260/95, DFDS), é unânime em estabelecer que um estabelecimento de uma sociedade num Estado-Membro que não o da sede da sua actividade económica só pode ser considerado lugar das suas prestações de serviços, para efeitos de I.V.A., quando evidencie um grau suficiente de permanência e uma estrutura apta, ao nível humano e técnico, que possibilite, autonomamente, a efectivação das prestações de serviços consideradas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.849 a 876 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, "V..., BV", tendo por objecto acto de liquidação oficiosa de I.R.C., relativo ao ano de 1997 e no montante total de € 44.647,63.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.893 a 905 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a sentença que procede à anulação do ato impugnado, a liquidação de IRC N.º ... por considerar que a impugnante não dispunha de estabelecimento estável em Portugal, pelo que não lhe eram exigíveis as obrigações declarativas e consequentemente a liquidação oficiosa impugnada;
2-A aqui recorrida, sociedade de direito holandês, deduziu impugnação judicial tendo por objeto a dívida de IRC em causa, alegando não ter em Portugal qualquer estabelecimento estável;
3-Assim, a questão sub judice tem como necessariamente implícita a obrigação de imposto e, a aferição prévia do preenchimento dos requisitos necessários para que essa obrigação se considere associada à existência de estabelecimento estável;
4-Consequentemente, deverá aferir-se se realmente se verifica a existência de um estabelecimento estável - noção que engloba qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola por um período seguido ou interpolado, não inferior a 120 dias (n.º 7 do art.º 4.º do CIRC, à data em vigor), concluindo-se pela positiva como resulta da matéria de facto constante do nº.15 de fls. 742 a 767 dos autos;
5-Os estabelecimentos estáveis são núcleos de uma eficiente utilização dos meios da empresa em sectores específicos ou em atividades temporárias, um local onde as atividades de coordenação, fiscalização e supervisão se exercem caso a atividade, ou o seu exercício seja efetivado durante um certo período ou espaço de tempo;
6-No caso em apreço, estas operações materializaram-se através dos barcos de dragagem propriedade da impugnante, não residente, verdadeiros estaleiros de obra (que possuíam inclusivamente zonas sociais), locais a partir dos quais a impugnante exercia a atividade de dragagem;
7-Na verdade, a recorrida detinha as qualidades necessárias a que possa ser considerada a existência de um estabelecimento estável enquanto núcleo empresarial considerado apto ao exercício de forma autónoma e independente da atividade em causa porque dotado de meios para tal. Desse modo foi identificada como sujeito passivos do imposto e, no âmbito da atribuição de lucros provenientes da atividade por si desenvolvida, a sujeitar-se às normas de incidência previstas no código do IRC;
8-Essa autonomia da recorrida constata-se desde logo, face à relação existente entre a mesma e a empresa D..., SA com quem de forma concertada participou em diversos trabalhos, sob a égide de um consórcio designado - F..., construção da doca dos ... - e, subjugado à lei portuguesa;
9-Este tipo de contrato encontra-se previsto Decreto-lei n.º 231/81, onde se encontra regulado que apenas se poderá extinguir nos termos previstos no art.º 11.º do mesmo diploma e, o facto de a impugnante ter fornecido serviços a esse outro membro do consórcio não implica per si qualquer modificação do contrato nos termos do art.º 5.º desse diploma;
10-Ora a posição assumida pela empresa V..., a recorrida, participante e membro do consórcio dever-se-ia ao facto de que apenas ela possuía o equipamento e os recursos humanos capazes de executar as tarefas da atividade de dragagem e de igual modo o Know-How adequado para tal, como ficou provado;
11-Não nos podemos conformar que, contrariamente, o Tribunal ad quo desse como provado que a impugnante não dispunha de uma estrutura autónoma de forma a que em termos físicos e humanos, a tornasse apta a tornar possíveis quaisquer prestações de serviços;
12-Efetivamente, da matéria de facto apurada, fls. 742 a 767 dos autos não é possível concluir tal uma vez que os trabalhadores estavam integrados na estrutura organizativa da impugnante e utilizavam os seus próprios recursos (da impugnante);
13-Por outro lado, como resulta do nº.3 do probatório, "o utilizador utiliza o equipamento da recorrida - proprietária do navio para execução da obra" e "o proprietário designa o pessoal para ocupar as posições de bordo do equipamento..." e tal pessoal inclui "técnicos superintendentes e especialistas técnicos durante os períodos de reparação e inspeção", funções essas de tal modo especializadas que seria necessário uma direção efetiva por parte de algum membro da tripulação para além do conhecimento também especializado dos restantes tripulantes da impugnante;
14-A recorrida tinha uma efetiva execução e através de contrato de trabalho, pois era ela que assegurava, com trabalhadores seus, através da sua contribuição, os serviços de dragagem e, em contrapartida, D... seria, quiçá, chefe do consórcio, responsável pela indicação do local onde se realizariam essas tarefas, não detendo por isso um verdadeiro poder de direção sendo apenas um membro desse consórcio que participava num projeto, cuja execução cabia à recorrida que o realizava, ficando ainda a seu cargo (da recorrida) a gestão dos equipamentos e sua manutenção, os recursos humanos por ela geridos e (quando assim o entendia) substituídos, os quais eram por ela remunerados, sendo estes quem detinha o know how, como resulta do nº.5 dos factos, pois quanto ao equipamento técnico "o seu manuseamento tem de ser feito por pessoal com grande nível de especialização.";
15-Acerca da relação dos trabalhadores com a recorrida, como refere o acórdão 517/10.9 TTLSB.L1.S1 do STA, disponível em www.dgsi.pt, no contrato de trabalho é de qualificar como laboral o vínculo contratual que une ambas as partes, estando demonstrado, nomeadamente, o seguinte: inserção na estrutura administrativa, organizativa e hierárquica, fornecimento de equipamento e restante material necessário para o desempenho da atividade que terá lugar na instalação daquela entidade, recebimento de uma contrapartida pecuniária certa, horário de trabalho, exercício de funções permanentes, etc.;
16-Doutamente refere o acórdão citado: "Nem sempre estando presentes alguns dos seus traços tradicionais e mais característicos, a subordinação deve perspetivar-se enquanto conceito de “geometria variável", que comporta graus de intensidade diversos, em função, nomeadamente, da natureza da atividade e/ou da confiança que empregador deposita no trabalhador, assumindo natureza jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica e se articula com as aptidões profissionais específicas do próprio trabalhador e com a autonomia inerente à especificidade técnica da atividade, sendo, deste modo, consentânea com atividades profissionais altamente especializada ou que tenham uma forte componente académica ou artística, tal como pode ser meramente potencial, bastando a possibilidade de exercício dos inerentes poderes do empregador.";
17-É o que importa concluir. Como decorre do exposto, não se verifica qualquer cedência de trabalhadores à D..., mas sim subordinação dos mesmos à impugnante perante quem seriam responsabilizados em caso de incumprimento do contrato celebrado com a D.... Ademais, se a impugnante constituiu um consórcio - ponto nº.11 - (agrupamento em que cada um dos membros tinha distribuídas tarefas específicas) não se encontrando até provado qual a data efetiva da cedência dessa posição, nem quais os termos desse contrato, o que seria até essencial para a descoberta da verdade matéria, embora tal não ponha em crise a existência do estabelecimento estável detido pela recorrida;
18-É de sublinhar que ao estamos perante matéria de direito mas também de facto, cabia à impugnante demonstrar - a necessidade de fazer prova dos factos constitutivos o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias;
19-Salvo melhor entendimento a decisão recorrida padece de deficit instrutório e errada interpretação dos factos, pelo que não se pode manter na ordem jurídica;
20-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.907 a 920 dos autos), nas quais pugna pela confirmação do julgado, sustentando, nas Conclusões, o seguinte:
1-Pretende a Administração Tributária a revogação da sentença recorrida, reconhecendo o Tribunal ad quem que a recorrida tinha, no exercício de 1997, um estabelecimento estável em Portugal;
2-Sem se conceder quanto à eventual existência de um estabelecimento estável, sempre se diga que o Tribunal ad quem só poderia chegar a essa conclusão caso a recorrente tivesse também recorrido da matéria de facto, o que não fez;
3-Na verdade, atenta a prova produzida e a matéria considerada provada pelo Tribunal a quo, nunca o Tribunal ad quem pode chegar à conclusão que a recorrida tinha um estabelecimento estável em Portugal, sem que a matéria de facto seja alterada (sob pena de contradição), pelo que o Tribunal ad quem está impedido de conhecer do presente recurso;
4-Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se dirá que, atenta a matéria de facto provada, não se poderá concluir que a recorrida exercesse a atividade de dragagem através dos seus equipamentos em Portugal, tendo por essa razão um estabelecimento estável no território nacional;
5-Se atentarmos nos nºs.15, 16 e 17 da matéria de facto provada, deverá concluir-se que a recorrida se limitou a dar de aluguer à empresa D..., S.A. uma embarcação, bem como a disponibilizar os seus trabalhadores para que esta empresa exercesse a atividade de dragagem;
6-Contudo, quem exercia a atividade de dragagem, quem foi contratada pela Marina de ... e quem tinha a direção da obra era a empresa D..., S.A.;
7-Assim, ficando demonstrado que a recorrida apenas disponibilizou a embarcação e a tripulação respetiva para a realização da obra, a qual tinha sido adjudicada a outra empresa que também era a responsável pela sua execução, nunca se poderá entender que a recorrente tinha um estabelecimento estável em Portugal;
8-Alega a recorrente que, no caso sub judice - e tendo por base o conceito da OCDE de estabelecimento estável - a recorrida tinha autonomia face à D... SA., o que, aliás, resulta demonstrado pelo facto de entre ambas ter sido celebrado um contrato de consórcio;
9-Conforme resulta da matéria provada - nºs.23, 24 e 25 - a recorrente apenas participou formalmente e numa fase inicial no consórcio em questão, sendo que, logo após a adjudicação da obra, cedeu a sua participação à D..., nunca tendo participado na execução da obra;
10-Estando demonstrado nos autos a existência de um consórcio entre as empresas que se extinguiu ainda antes do início das obras, a relação entre a recorrida e a D..., SA. assentou apenas no contrato de locação da embarcação, o que por si só, não releva para efeitos do preenchimento do conceito de estabelecimento estável;
11-Também não assiste razão à recorrente ao alegar que era a recorrida quem exercia a atividade de coordenação, fiscalização e supervisão do plano de obra com total independência face à D..., SA.;
12-Tal conclusão não só não assenta na factualidade provada, porquanto ficou demonstrado que a fiscalização, coordenação e supervisão do projeto cabia à D..., SA., empresa a quem tinha sido adjudicada a obra (nºs.16 e 17 da matéria de facto provada), bem como apesar de a embarcação ter a bordo pessoal especializado da Recorrida, estes não eram os únicos trabalhadores a bordo da mesma, existindo aí também funcionários da D... responsáveis pela execução e fiscalização da obra (por exemplo, uma das testemunhas inquiridas);
13-Acresce ainda que, em momento algum da matéria de facto provada, se faz referência ao facto da recorrida prestar serviços à D... com independência técnica e sem total autonomia, estando, aliás, provado precisamente o contrário;
14-Por outro lado, não assiste razão à recorrente ao alegar que é necessária a existência do vínculo empregado-empregador e que aquele receba instruções da empresa na orientação da atividade, para daqui concluir que, sendo em parte os funcionários, trabalhadores da recorrida, era esta que exercia exclusivamente o poder de direção;
15-No caso em apreço, embora os colaboradores da recorrida fossem indispensáveis para a execução dos trabalhos de carregamento e colocação de pedras na Marina de ..., estes encontravam-se sob a autoridade e direção da D..., que definia o plano de trabalhos e, diariamente, a forma como a obra deveria ser executada;
16-Adicionalmente, ficou ainda provado que os serviços prestados à D... pelos colaboradores da ora recorrida se efetuaram sempre - reitere-se - a bordo da embarcação cedida por esta a uma entidade terceira, e tendo tal embarcação permanecido sempre por curtos períodos de tempo no território português sem se ter fixado, sequer, num local geográfico preciso, verifica-se que os requisitos de fixidez e de permanência previstos na definição de estabelecimento estável constante, quer da Convenção Modelo da OCDE (artigo 5°), quer da legislação interna portuguesa (artigo 5° do Código do IRC) não se encontram preenchidos;
17-Por outro lado, tendo ficado provado que a ora recorrida apenas fez deslocar pontualmente a Portugal equipas de colaboradores e embarcações cedidos temporariamente à D..., as quais, após finalizarem os trabalhos de funcionamento e manuseamento dos equipamentos alugados, abandonavam de imediato o território português, também por este facto não se pode concluir que a ora recorrida deteve um estabelecimento estável em Portugal;
18-Assim, a sentença recorrível não é suscetível de ser posta em causa, ainda que a embarcação tivesse permanecido em Portugal por um período superior a 120 dias tal não se revela suficiente para preenchimento do conceito de estabelecimento estável, na medida em que os funcionários da recorrida atuavam exclusivamente sob a direção da D... e trabalhavam de forma rotativa, não se podendo concluir que eram sempre os mesmos trabalhadores que exerceram funções em território português, durante aquele período;
19-Por fim, tenha-se ainda em conta que todos os pagamentos e recebimentos desde o início da execução da obra, foram efetuados pela D..., sendo que a recorrente não recebeu qualquer contrapartida, para além da acordada, e relativa ao contrato de locação;
20-Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida, com todas as legais consequências;
21-Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer JUSTIÇA!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se conceder provimento ao presente recurso (cfr.fls.935 a 937 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.857 a 867 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante, "V..., BV", é uma sociedade comercial de direito holandês (cfr.informação da Direção de Serviços sobre o Rendimento junta a fls.63 a 66 dos presentes autos);
2-No âmbito de inspeção tributária à contabilidade da sociedade "D... SA.", a AT constatou que a impugnante apresentava um montante elevado de faturação àquela entidade, resultante de prestações de serviços efetuadas no porto de ..., referentes aos anos de 1995, 1996 e 1997 (cfr.informação da Direção de Serviços sobre o Rendimento junta a fls.63 a 66 dos presentes autos);
3-A impugnante não se encontrava inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junto a fls.37 a 47 dos presentes autos);
4-Pelo ofício n.º … de 03/03/2000 a impugnante foi notificada para apresentar no prazo de 25 dias as declarações de início de atividade dos anos 1995 a 1997 (cfr. documento junto a fls.231 dos presentes autos);
5-Em consequência, a impugnante deu entrada da resposta nos serviços da AT alegando que nos exercícios de 1995 e 1996 não esteve em território português 120 dias seguidos, embora em 1997 tenha ultrapassado esse tempo de presunção legal de estabelecimento estável, esteve em serviço de apoio a uma sociedade inglesa, razão porque não procedeu às obrigações declarativas impostas (cfr.documento junto a fls.513 a 515 dos presentes autos);
6-Em 23/05/2000 foi emitida Informação da Direção de Imposto sobre o Rendimento onde, sob a concordância do Subdiretor Geral cujo parecer refere que "a aplicação do nº 7 do artº 4º do CIRC, que constitui uma extensão do conceito de estabelecimento estável, pressupõe que não se verifiquem os requisitos do n.º 5, ou seja, a existência de uma instalação fixa ou representação permanente através das quais seja exercida uma actividade comercial. Ora, verificando-se, no caso concreto, que a empresa exerceu, com carácter relevante nos exercícios de 1995, 1996 e 1997, uma actividade de execução de obras (dragagem do canal de acesso ao Porto de ..., projecto e construção da zona sul de regularização da F... e Obra Marina de ...), considera-se que o próprio estaleiro de construção constitui uma instalação. Esta última tem ainda carácter de fixidez face à continuidade do exercício da actividade por 3 exercícios. De realçar a irrelevância, para estes efeitos, da subcontratação da empresa inglesa" (cfr.documento junto a fls.66 e 67 dos presentes autos);
7-Na sequência do enquadramento efetuado pela AT foi a impugnante objeto de uma ação de inspeção aos anos de 1995, 1996 e 1997, sendo notificada das conclusões do relatório, através do ofício n.º 019160 de 24/10/2000, de onde se retira que foram efetuadas as seguintes correções:
"(...)
2.3 Cálculos do IRC
(...)
Exercício de 1997
3.1- Proveitos
Face à existência de elementos concretos - Prestações de serviços no total de Esc. 350.960.369$00 em 1997, à não entrega de declarações mod. 22 de IRC, às diligências efectuadas, e, ao envio ao S. passivo e ao Representante Legal de notificações que foram recebidas mas cujo conteúdo não foi cumprido, nem foi apresentado a contabilidade, inviabilizando assim o apuramento dos rendimentos nos termos dos artº.s 17º e seguintes do CIRC. A determinação do lucro tributável só é possível recorrendo aos mecanismos previstos no art.º 51º nº. 1 do CIRC e art.º 87º da LGT., isto é aplicação de métodos indirectos.
3.2.- Custos
Compulsados os elementos existentes nos Serviços Fiscais, nomeadamente os Indicadores por Sectores de Actividade, para o sector de “Outras prestações de Serviços não especificadasª constata-se que o mesmo é de 50,40% em 1997. Anexo 112.
Assim, o referido indicador é aplicado sobre o volume de facturação do S. passivo, por ser este o único elemento disponível.
a) Custos inerentes à prestação de serviços obtida por Métodos lndirectos:
Vn- Custos/Vn = 50,40%
ESC. 350.960.369$00 - x 1350.960.369$00 = 50,40%
50,40: = (350.960.369$00 - X) X 350.960.369$00
X = 350.960.369$00 X 49,60%
X = 174.076.343$00
3.3 Cálculo do IRC
Apuramento do resultado fiscal (...)
Resultado líquido do exercício 176.884.026$00.»
(...)
VI - Direito de audição.
Nos termos do art.º 60º da L.G.T. e art.º. 60 do R.C.P.l.T o S. passivo exerceu o seu direito de audição, fora do prazo legal, pelo que o mesmo não foi objecto de análise. Anexos 120 (registo) e 121 (data entrada nos serviços).
(...)"
(cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junto a fls.37 a 47 dos presentes autos);
8-As correções previstas no projeto do relatório inspectivo foram notificadas à impugnante, na pessoa do seu representante legal, através do ofício n.º … de 14/09/2000, por carta registada, para o exercício do direito de audição no prazo de 10 dias (cfr.documentos juntos a fls.406 e 407 dos presentes autos);
9-As conclusões do relatório inspetivo foram notificadas à impugnante através do ofício n.º … de 24/10/2000 (cfr.documento junto a fls.33 e 34 dos presentes autos);
10-Em 23/11/2000, a impugnante deu entrada na 1.ª Direção de Finanças de ... do requerimento a pedir a revisão da matéria tributável apurada com recurso a métodos indiretos (cfr.documento junto a fls.48 a 60 dos presentes autos);
11-Da reunião do pedido de revisão da matéria tributável resultou a correção do valor inicialmente fixado de 176.884.026$00 para 19.069.302$00, em virtude da AT ter entendido não ser de considerar a facturação da empresa Inglesa, V... Ltd. (cfr.cópia de acta junta a fls.113 a 120 dos presentes autos);
12-Na sequência dessa fixação foi estruturada a liquidação de IRC n.º..., de 11/11/2001 referente ao ano 1997 no montante de 8.951.047$00/€ 44.647,63 (cfr. documento junto a fls.32 dos presentes autos);
13-O articulado inicial da presente impugnação deu entrada no … Serviço de Finanças de ... em 08/06/2001, conforme carimbo aposto a fls.2 dos autos;
14-A sociedade impugnante emitiu facturas à "D..., S.A." em Junho de 1995, em Setembro e Outubro de 1996 e em Maio, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 1997 (cfr.documentos juntos a fls.386, 387 e 592 a 612 dos presentes autos);
15-A impugnante, mediante contrato celebrado em Espanha, em 1996, com a "D..., S.A.", alugou a esta uma embarcação com tripulação e pessoal técnico, topógrafos e hidrógrafos para executar uma obra na marina de ... (cfr.documentos juntos a fls.470 a 512 dos presentes autos; depoimento das testemunhas A... e C...);
16-A obra adjudicada à empresa "D..., S.A.", consistia em encher uma vala na marina de ... com pedras oriundas de ... que eram transportadas pela embarcação especializada de descarga lateral referida no nº.15 (cfr.depoimento da testemunha C...);
17-A direcção da obra era da empresa "D..., S.A.", a qual orientava o pessoal, bem como os carregamentos e respectivas descargas no local da obra (cfr.depoimento da testemunha C...);
18-Os trabalhos foram facturados à semana, relativamente aos equipamentos, e diariamente, relativamente ao pessoal (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...);
19-Os trabalhos só podiam ser efetuados no verão, durante 24 horas, com pessoal técnico especializado e rotativo (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...);
20-Os colaboradores da impugnante, responsáveis pelo funcionamento e manuseamento do equipamento objecto do contrato referido, trabalhavam por turnos e regressaram à Holanda ou a outros locais onde houvesse trabalhos, quando terminou a sua prestação para a D..., SA, Sucursal em Portugal (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...);
21-Os equipamentos encontravam-se em permanente deslocação, entre ... e ..., fazendo duas descargas de pedra por dia (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...);
22-A sociedade impugnante não possuía, em 1996 e 1997, qualquer estaleiro ou instalação semelhante em território português (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...);
23-A sociedade impugnante constituiu um consórcio com outras três entidades para execução de uma empreitada para a "...", através de documento datado de Junho de 1996 (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...; informação exarada a fls.415 a 429 dos presentes autos);
24-No âmbito do consórcio referido no número anterior, a impugnante nunca participou na execução de qualquer empreitada (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...);
25-A impugnante acordou com a D..., SA, sucursal em Portugal a cedência da sua participação no consórcio, após a adjudicação da obra para a "...”, tendo esta empresa ficado com uma participação de 26% (cfr.depoimento das testemunhas A... e C...).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão...”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão a proferir e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, resultou da sua análise crítica e está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como da prova testemunhal produzida.
Prova testemunhal:
A..., funcionário da empresa “D... SA.” desde 1996 e 1997, afirmou ao tribunal que acompanhou os trabalhos em ... e que esta empresa alugou uma embarcação à Impugnante. Confirmou que a D... é uma empresa pequena e necessita dos recursos da V.... Explicou que em 1997 foi adjudicada à D... uma obra na marina de .... Essa obra consistia em tapar uma vala construir uma proteção com pedras que eram carregadas na referida embarcação em ... e descarregadas na marina de .... Afirmou que o contrato da embarcação foi efetuado em Espanha entre a D... SA e a V... em 1996. Confirmou que não existe nenhuma representação da V... em Portugal. Afirmou que o equipamento é muito complexo porque além da embarcação e da sua tripulação era preciso topógrafos e hidrógrafos porque a obra é submersa e era necessário ter a certeza onde as pedras iriam cair. Essa equipa técnica era da V... e da D... e a sua estadia era custeada pela D... SA. Afirmou ainda que os técnicos só ficaram em Portugal durante a realização da obra na marina de .... E nem todos porque alguns iam embora e vinham outros. Em 1997 a embarcação foi alugada a uma empresa do Reino Unido. Só operou em Portugal nos meses de verão de 1996 e 1997 porque no inverno não trabalham. Afirmou que a V... é das empresas marítimas mais importantes e participou num consórcio na ... com 2% e quando ganharam o concurso cedeu a sua participação à D... que ficou com 26% do consórcio e, por isso facturou e suportou os custos do consórcio da .... Confirmou que a facturação da V... à D... SA é referente ao aluguer da embarcação e do seu pessoal técnico para efetuar a referida obra.
Confirmou que a responsabilidade da obra era da D... e todos os operários estavam sobre as ordens da D....
C..., funcionário da "D... SA", piloto do barco de hidrografia alugado à V... participou na construção da proteção do molhe da marina de .... Explicou que estas embarcações são muito especializadas e existem muito poucas. São de descarga lateral. Afirmou que os técnicos são muitos especializados porque a obra é feita debaixo de água e a descarga tem de ser calculada com as marés razão porque os estudos têm de ser efetuados com muita precisão para que as pedras lançadas da superfície caiam no local correto.
Confirmou ao tribunal que a facturação é efetuada semanalmente em relação ao material alugado e diariamente em relação ao pessoal.
Afirmou que a V... não dispõe de qualquer instalação em Portugal.
As testemunhas responderam prontamente às questões que lhes foram dirigidas sem hesitações e revelaram ter conhecimento direto dos factos, sendo A... responsável pela parte administrativa da "D... SA." e C... piloto da embarcação especializada que manobrava o equipamento auxiliar de hidrografia, tendo participado nas situações descritas nos autos…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, assim anulando o acto de liquidação de I.R.C. objecto dos presentes autos (cfr.nº.12 do probatório), mais absolvendo a Fazenda Pública do pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante defende, em primeiro lugar, que a decisão recorrida padece de deficit instrutório e errada interpretação dos factos, pelo que não se pode manter na ordem jurídica (cfr.conclusão 19 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto ao conteúdo da concreta decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tal como dos meios probatórios constantes do processo e que impunham a mesma decisão.
Arrematando, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso.
O recorrente discorda do decidido sustentando, igualmente e em síntese, que a sociedade recorrida detinha as qualidades necessárias para que possa ser considerada a existência de um estabelecimento estável no nosso país, enquanto núcleo empresarial considerado apto ao exercício, de forma autónoma e independente, da actividade em causa porque dotado de meios para tal. Que desse modo foi identificada como sujeito passivo de imposto e, no âmbito da atribuição de lucros provenientes da actividade por si desenvolvida, sujeitar-se às normas de incidência previstas no Código do IRC. Que a sociedade recorrida era participante e membro de consórcio empresarial, sendo que apenas ela possuía o equipamento e os recursos humanos capazes de executar as tarefas da actividade de dragagem e de igual modo o "know-how" adequado para tal. Que não se verifica qualquer cedência de trabalhadores à empresa "D..., S.A.", mas sim subordinação dos mesmos à impugnante perante quem seriam responsabilizados em caso de incumprimento do contrato celebrado com a mesma "D..., S.A." (cfr.conclusões 1 a 18 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
Decorre do probatório que os serviços de inspeção tributária constataram que a sociedade recorrida tinha efectuado prestações de serviços em diversos períodos, bem como fez parte, desde 1996, de um consórcio que actuou em obras relativas à ..., os quais, face à regularidade e periodicidade dos mesmos, a enquadravam no artº.4, nº.7, do C.I.R.C., devido à existência de um estabelecimento estável (cfr.nº.6 do probatório).
Estabelecia o artº.4, nº.7, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 1997: "Considera­se ainda que existe estabelecimento estável quando as entidades referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º exerçam no território português a sua actividade através de empregados ou de outro pessoal contratado para esse efeito, por período seguido ou interpolado, não inferior a 120 dias, compreendido num intervalo de doze meses.".
Por sua vez, o artº.2, nº.1, al.c), do C.I.R.C., estipulava que: são sujeitos passivos do I.R.C. "As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos neles obtidos não estejam sujeitos a IRS.".
Dispunha ainda o artº.4, nº.5, do C.I.R.C., que: "Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa ou representação permanente através das quais seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.".
No citado artº.4, do C.I.R.C., o legislador, confinando-se ao princípio da territorialidade, procurou definir, com precisão, quais os rendimentos que deveriam ser objecto de tributação por parte dos sujeitos passivos referidos no artº.2, do mesmo diploma, adoptando, para o efeito, uma definição baseada na residência, isto é, o local, sede ou direcção efectiva, das respectivas entidades e que constitui o elemento de referência dos rendimentos a englobar para efeitos da determinação da matéria colectável. Relativamente às pessoas colectivas e outras entidades com sede ou direcção efectiva no território português serão considerados todos os rendimentos auferidos. Diferentemente se trata em relação às entidades que não tenham residência no território português, mas que aqui auferem rendimentos. Quanto a estas, haverá apenas uma obrigação de natureza real, isto é, ficarão sujeitas apenas à declaração dos rendimentos aqui obtidos. Trata-se da aplicação de um princípio de equidade, pois não faria sentido que o Estado onde se situa a fonte dos rendimentos não cobrasse o tributo correspondente. De entre as entidades que não tenham residência em Portugal, ficam sujeitas ao pagamento de imposto, os rendimentos auferidos no nosso país que sejam imputáveis a um estabelecimento estável, ao abrigo do citado elemento de conexão fonte (cfr.artº.4, nºs.5 e 7, do C.I.R.C., em vigor em 1997; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.78 e seg.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.226 e seg.).
A evolução dos sistemas tributários, com reflexos nas normas de aplicação da lei tributária no espaço, ditou a conceptualização do princípio da territorialidade, presentemente consagrado no artº.13, da L.G.Tributária, em acepções que importam, designadamente, na consideração de elementos de conexão pessoal e real (cfr.Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2005, pág.203 e seg.).
Em sede de I.R.C., o elemento de conexão pessoal “residência” assume predominante importância, ao qualificar como sujeito passivo do imposto a entidade, dotada ou não de personalidade jurídica, com sede ou direcção efectiva em território português (artº.2, do C.I.R.C.). Não obstante, a previsão do elemento de conexão real “origem ou fonte do rendimento” permite, igualmente, considerar como sujeitos passivos todas as entidades não residentes que, em território nacional, obtenham rendimentos enquadráveis neste imposto.
Conforme mencionado supra, o legislador fiscal português configurou a figura do sujeito passivo de I.R.C. com o recurso a dois elementos de conexão: um de natureza subjectiva, assente na sua residência em território nacional (cfr.artº.2, nº.1, als.a) e b), do C.I.R.C.) e outro de natureza objectiva, configurando as situações em que não residentes percepcionem rendimentos com origem ou fonte neste território (cfr.artº.2, nº.1, al.c) do C.I.R.C.; Manuela Duro Teixeira, A Determinação do Lucro Tributável dos Estabelecimentos Estáveis de Não Residentes, Almedina, 2007, pág.16 e seg.).
Fruto deste último elemento de conexão real, o estabelecimento estável de um sujeito passivo não residente encontrava no artº.4, nº.5, do C.I.R.C., em vigor em 1997 (cfr.actual artº.5, nº.1, do C.I.R.C.), a sua caracterização legal de base, em cuja construção se seguiram os elementos essenciais propugnados pelo artº.5, da Convenção Modelo da OCDE, evidenciados na existência de uma instalação ou representação, no carácter fixo ou permanente do estabelecimento - elemento estático - e no exercício de actividade empresarial - elemento dinâmico (cfr.Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, Almedina, 2005, pág.203 e seg.; Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2ª. Edição actualizada, Almedina, Março de 2007, pág.306 e seg.).
A entidade não residente que desenvolve a sua actividade empresarial em Portugal mediante um estabelecimento estável possui, à luz da ordem jurídico-fiscal, características equivalentes às do sujeito passivo residente, decorrentes da sua presença física em território nacional, pelo que a ela serão extensíveis regras de tributação próprias das aplicáveis a estes, designadamente, através da tributação sintética dos seus rendimentos a título de “lucro”, por oposição à autonomia da tributação de rendimentos obtidos pelas demais entidades não residentes.
O estabelecimento estável caracteriza-se pela ausência de personalidade jurídica distinta da própria sede, pelo que carece de capacidade jurídica autónoma para intervir como parte contratual em relações obrigacionais com terceiras entidades. Decorre do exposto que a sociedade não residente é responsável pelas dívidas contraídas através do estabelecimento estável. Esta conclusão é válida para efeitos fiscais, o que não significa, naturalmente, que o credor das dívidas resultantes da actividade desenvolvida através do estabelecimento estável não procure, em primeira linha, executar o património a este afecto, por motivos de ordem prática. Em igual medida, as relações entre o estabelecimento estável e a sede da empresa não assumem a natureza de relações jurídicas, sendo insusceptíveis de gerar direitos e/ou obrigações entre as partes (cfr.Manuela Duro Teixeira, A Determinação do Lucro Tributável dos Estabelecimentos Estáveis de Não Residentes, Almedina, 2007, pág.21 e seg.).
Integrando-se o estabelecimento estável numa entidade jurídica global composta por distintas partes, a determinação do seu lucro tributável importa na adopção de metodologias e princípios adequados a esse desígnio. Para o efeito, no âmbito da OCDE, tem prevalecido o princípio da empresa distinta e separada, pelo qual as diferentes partes da empresa são tratadas como entidades distintas e separadas, ficcionando-se uma autonomia para a determinação do lucro imputável ao estabelecimento estável, princípio que, em virtude da relevância atribuída às relações internas entre o estabelecimento estável e as outras partes da empresa, será susceptível de interpretação numa perspectiva de autonomia absoluta ou de autonomia restrita, esta última em defesa da unidade da pessoa colectiva. Por conseguinte, as relações jurídicas com terceiros serão equiparáveis a relações jurídicas geradoras de rendimentos tributáveis e despesas dedutíveis, mas, nas relações internas, tal efeito será de rejeitar (cfr.Manuela Duro Teixeira, A Determinação do Lucro Tributável dos Estabelecimentos Estáveis de Não Residentes, Almedina, 2007, pág.35 e seg.; Miguel Alexandre Serrão, A determinação dos lucros imputáveis a um estabelecimento estável, C.T.F., nº.417, Janeiro/Junho 2006, pág.7 e seg.).
Sobre o conceito de estabelecimento estável a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr.acórdão de 4 de Julho de 1985, C-168/84, Berkholz; acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, C-260/95, DFDS), é unânime em estabelecer que um estabelecimento de uma sociedade num Estado-Membro que não o da sede da sua actividade económica só pode ser considerado lugar das suas prestações de serviços, para efeitos de I.V.A., quando evidencie um grau suficiente de permanência e uma estrutura apta, ao nível humano e técnico, que possibilite, autonomamente, a efectivação das prestações de serviços consideradas.
Situação que se pode transportar para o caso do I.R.C. uma vez que este imposto é, na sua essência, a base tributável utilizada para a liquidação do I.V.A.
Revertendo ao caso dos autos, desde logo, se deve afastar a matéria relativa à participação da sociedade impugnante/recorrida num consórcio com outras três entidades para execução de uma empreitada para a "...", visto que a mesma nunca participou na execução de qualquer empreitada no âmbito do mencionado consórcio (cfr.nº.24 do probatório).
Releva apenas a análise da relação entre a sociedade impugnante/recorrida e a "D..., S.A.".
Decorre do probatório que, em 1996, foi celebrado em Espanha um contrato, entre a sociedade impugnante/recorrida e a "D..., S.A.", mediante o qual a primeira locava à segunda uma embarcação especializada de descarga lateral. Dada a natureza da embarcação, a sua locação implicava que a mesma dispusesse se uma tripulação igualmente especializada para manobra da mesma. Mais ficou provado nos autos que, tanto a embarcação como o pessoal, estiveram ao serviço e sob as ordens e direcção da empresa "D..., S.A.", adjudicatária da obra da marina de ... (cfr.nºs.15 a 21 da matéria de facto provada).
De acordo com a factualidade acabada de identificar, ficou demonstrado que, embora a sociedade impugnante/recorrida tenha sido a locadora da embarcação e do respectivo pessoal técnico, a sua utilização e os serviços foram efectuados sob a direcção, instrução e planeamento da empresa locatária "D..., S.A.". Atento o referido, não pode ser entendido que na situação dos autos exista alguma característica que se possa assemelhar ou fazer entender que a sociedade "V..., BV" dispunha de um estabelecimento estável em território nacional, desde logo, porque lhe faltava qualquer dos elementos identificadores de tal realidade e identificados supra, o elemento estático (existência de uma instalação ou representação com carácter fixo ou permanente) e o elemento dinâmico (exercício autónomo de actividade empresarial).
Apesar disso, foi assumido pela sociedade recorrida que, em 1997, estiveram técnicos seus em Portugal durante período superior a cento e vinte dias.
Ora, independentemente do número de dias que os técnicos estiveram em Portugal, estes foram cedidos pela impugnante/recorrida para efeitos de manobra do equipamento em causa, estando sob as ordens e direcção da "D..., S.A.", assim não se podendo configurar que o exercício de tais funções originasse a autonomia necessária ao exercício de prestações de serviços por parte da sociedade "V..., BV".
Em conclusão, a liquidação oficiosa objecto do presente processo deve ser anulada, dado padecer de vício de violação de lei, mais exactamente o disposto no artº.4, nº.7, do C.I.R.C., na redacção em vigor em 1997, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, neste segmento.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 15 de Dezembro de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)