Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2181/23.6BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 11/14/2024 |
Relator: | JOANA COSTA E NORA |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PRESSUPOSTOS |
Sumário: | I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe. II - A mera alegação da demora na decisão do pedido de aquisição de nacionalidade sem invocação de quaisquer circunstâncias relativas ao caso concreto caracterizadoras de uma violação de direito, liberdade e garantia, e de uma urgência na sua tutela não basta para se concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO M… nacional do Brasil, residente no Brasil, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P.. Pede a intimação da entidade demandada a decidir o seu pedido de aquisição de nacionalidade e a lavrar o respectivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a absolver a entidade demandada da instância por não se encontrar verificado o requisito da indispensabilidade inerente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “I. A situação do Requerente carece de proteção urgente e célere, a qual é incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, não tendo a Requerida atentado devidamente no facto de estarmos perante um direito fundamental; II. O Requerente deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impende, fundamentando e provando a má atuação da administração; III. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, conclui- se que o presente meio processual é adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente no risco de não poder entrar no País devido às variadas entradas e saídas. IV. Existe uma lesão iminente perpetuada no tempo que poderá implicar a perda da função do Recorrente em função das questões imigratórias atuais que causam incerteza. V. Atendendo à legislação vigente e tendo o Recorrente em boa consideração a certeza jurídica que o ordenamento jurídico garante, em nenhum momento seria expectável um prazo de demora para a aquisição de nacionalidade VI. Não ignorando o Recorrente que a concessão da nacionalidade não é automática, é certo que este reconhecimento e consequente atribuição em tempo útil e a curto prazo por parte da entidade requerida é a única forma de permitir o exercício da nacionalidade; VII. Assim, não restam dúvidas que a Conservatória tem violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais está vinculado, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA; VIII. O procedimento de aquisição da nacionalidade por naturalização do Requerente encontra-se a correr seus termos na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa desde 12 de Maio de 2021, verificando-se que, face ao tempo já decorrido e de acordo com os prazos processuais estabelecidos no artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, já foram ultrapassados os prazos com vista à emissão de uma decisão em tempo útil. IX. Não foi proferida decisão, nos termos do artigo 27º, nº 10 do Regulamento da Nacionalidade, verificando-se que já foram violados todos os prazos processuais com vista à análise e decisão do pedido de aquisição da nacionalidade, prazos que se encontram previstos, para os procedimentos de aquisição da nacionalidade por naturalização, no mencionado artigo 27º do Regulamento da Nacionalidade, que contém normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa; X. A Conservatória tem violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais está vinculado, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA; XI. Pelo que o facto da Conservatória dos Registos Centrais não ter analisado o pedido dentro do prazo legal, como previsto no artigo 27º, nº 2 do Regulamento da Nacionalidade, a que se soma o facto de não ter sido ainda proferida decisão final e lavrado o respetivo registo de nascimento, ofende o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa e os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias que são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas; XII. Requerendo a intimação do IRN, I.P., a decidir o processo do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Requerente, lavrando o respetivo registo de nascimento, atendendo à reiterada violação dos prazos processuais que supra evidenciamos, como o requerente o solicitou, sem sucesso, porém, prosseguindo a respetiva tramitação nos termos do artigo 27º do RNP, com respeito pelos prazos, diligenciando pela sua decisão e pela feitura do registo de nascimento; XIII. Pese embora o Requerente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida (grave carência de meios), a verdade é que tal circunstancialismo é alheio ao requerente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável; XIV. Tendo o Recorrente conhecimento do atual estado dos pedidos de nacionalidade formulado à Entidade Requerida, vem o mesmo peticionar o cumprimento dos prazos legais nos termos estabelecidos pela Lei da Nacionalidade e Regulamento da Nacionalidade, sendo certo que enquanto a lei e os respetivos prazos não forem alterados deve o Douto Tribunal Ad Quem pugnar pelo estrito cumprimento da lei” A entidade recorrida respondeu à alegação da recorrente, contendo as suas alegações as seguintes conclusões: “I. A INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, regulada nos artigos 109º a 111º do CPTA, é um meio principal e urgente de tutela jurisdicional efetiva, assumindo um caráter restrito quanto ao seu objeto e uma natureza subsidiária em relação aos outros meios processuais existentes; II. Essa natureza subsidiária traduz-se na conclusão de que a via normal de reação será a propositura de uma ação administrativa não urgente - neste caso, de condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA já que em matéria de nacionalidade não se afigurará adequado o decretamento de uma providência cautelar; III. Nessa medida, não foram apresentados e comprovados factos que concretizem, clara e convincentemente, o pressuposto da urgência, pressuposto adjetivo e substantivo inultrapassável para que a intimação em causa seja deferida, até porque apenas será de reconhecer ao Recorrente a detenção, não de um direito, mas de uma mera expetativa jurídica. PORQUE, IV. O Recorrente é natural e nacional do Brasil onde habitualmente reside. Ora, não residindo em permanência Portugal, não lhe é aplicável o princípio da equiparação vertido no artigo 15º da CRP e, assim sendo, mais claro se torna que a aquisição da nacionalidade portuguesa não surge na sua esfera jurídica como um direito, mas sim como uma expetativa jurídica. BEM COMO, V. Consequentemente, não demonstrou, nem comprovou que: o A sua pretensão a que lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa, configura um “direito” cuja tutela jurisdicional efetiva tenha de ser garantida de forma urgente; o Porque a ameaça de lesão ou início de lesão é real, efetiva, presente, na medida em que foi devidamente densificada ou concretizada pelo Recorrente; o E que a adoção pela Administração da conduta pretendida é indispensável para assegurar, em tempo útil, o regular exercício desse(s) “direito(s)”; VI. Insistimos que nos presentes autos se verifica uma EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pelo Recorrente, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 do CPTA e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º do CPC, estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA; AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA, VII. A CRCentrais e outros serviços do IRN IP, debatem-se há vários anos com uma gravíssima carência de meios humanos e materiais, situação que tornam totalmente impossível o cumprimento dos prazos legalmente previstos para a análise e decisão dos processos de nacionalidade; VIII. No entanto, tais prazos só podem revestir caráter meramente indicativo e/ou “ordenador”, atendendo à especificidade da matéria em causa, uma vez que “(...) o conservador de registos ou o oficial de registos determina as diligências que considere necessárias para proferir a decisão.”, como se dispõe no artigo 42º, nº 1 do RN. IX. Ou seja, o cumprimento dos prazos previstos no RN é objetivamente impossível, pois os mesmos foram pensados para situações de normalidade na receção de pedidos, o que não acontece no momento presente e, sendo meramente ordenadores ou indicativos estarão, porventura, fora da sindicância do CPA, como dispõe o artigo 41º, nº 9 do RN, em consonância com o artigo 2º, nº 5 do CPA, “a contrario sensu”; X. Por imperativo de justiça e em obediência aos princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade (artigos 3º, 6º e 9º do CPA), foi determinado que os processos entrados na CRCentrais (e também nos seus Balcões) fossem analisados e decididos por ordem de entrada, independentemente da qualidade dos requerentes ou do seu mandatário, salvo os casos de urgência excecionalíssima, devidamente comprovada; XI. Sendo certo que a concessão de prioridade na tramitação e decisão dos processos de nacionalidade não tem base legal, quer na Lei da Nacionalidade, quer no respetivo Regulamento, que na lei administrativa geral; XII. Assim, cremos deverem ser os serviços públicos administrativos que analisam e decidem os pedidos de atribuição, aquisição e perda da nacionalidade, no cumprimento do princípio da boa administração, a estabelecer os critérios para uma tramitação mais célere, eficaz e eficiente daqueles decidindo, nomeadamente, quanto aos critérios atendíveis para aceitar pedidos de urgência, com vista à melhor organização e capacidade de resposta do serviço a prestar à comunidade, mais ainda na situação gravíssima em que se encontra atualmente, quer a nível de meios humanos e materiais, quer a nível do número exponencial de processos de nacionalidade que tem entrado na CRCentrais e Balcões de Nacionalidade; XIII. Este tipo de decisões da Administração, enquadrar-se-ão, cremos, salvo melhor opinião, no domínio de reserva da função administrativa e relevarão, por isso, ao nível do mérito ou da oportunidade, e não ao nível da legalidade administrativa, pelo que a margem de livre decisão por parte da Administração quanto ao pedido de urgência, não será suscetível de controlo de legalidade e, consequentemente, não será, também, suscetível de controlo judicial. É o que decorre do disposto nos artigos 111.º da Constituição e n.º 1 do artigo 3.º do CPTA. XIV. Até porque a mencionada Deliberação do IRN IP13 , mostra-se uma deliberação proporcional, ponderada e justa, sopesando em termos razoáveis os interesses público e particulares em conflito, visando não só evitar as entropias graves que milhares de pedidos de urgência acarretam para os serviços que se encontram quase à beira da rutura como exposto atrás, mas visando, também, no cumprimento do princípio da igualdade, disciplinar e balizar as decisões sobre tais pedidos, tornando-as mais transparentes e equitativas; XV. Admitir que, por via da presente intimação o pedido do A. passasse a ter prioridade sobre todos os demais que o antecedem temporalmente em iguais circunstâncias, constituirá uma violação grosseira do princípio da igualdade, sem que se anteveja valor superior ou princípio de direito a levar em linha de conta que possa contrariar ou sobrepor-se a tal conclusão; XVI. Até porque o dever de uma entidade administrativa proferir uma decisão, está também subordinado ao dever estabelecido no nº 2 do artigo 266º da CRP, de respeitar os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé; XVII. A douta sentença focou-se, e bem, na verificação da EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA da impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pelo Recorrente, exceção que após juízo positivo quanto à sua verificação, determina a absolvição da instância e o afastamento de uma apreciação de mérito; XVIII. Não vislumbramos, assim, qualquer censura a fazer, nem qualquer erro de apreciação, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, quanto à douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo;” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por ter considerado não verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados: “1) Em 14/05/2021 deu entrada nos serviços da entidade requerida o pedido de naturalização do requerente ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, da Lei 37/81, alegado ser descendente de judeus sefarditas de origem portuguesa [cf. fls. 3-4, do processo administrativo]. 2) Em 16/03/2022 deu entrada nos serviços da entidade requerida o requerimento do requerente com o teor de fls. 54, do processo administrativo, que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte: «…” «Imagem em texto no original» …». 3) Em 07/07/2022 os serviços da entidade requerida remeteram para o requerente uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor: «… …» [cf. fls. 70, do processo administrativo]. 4) Em 14/11/2022 o requerente remeteu para os serviços da entidade requerida uma mensagem de correio eletrónico, da qual consta o seguinte: «…. «Imagem em texto no original» …» [cf. fls. 71 e 72, do processo administrativo]. 5) Em 25/01/2023 o requerente remeteu para os serviços da entidade requerida uma mensagem, com o seguinte teor: «… …» [cf. fls. 106, do processo administrativo]. 6) Em 13/04/2023 os serviços da entidade requerida remeteram para o requerente uma mensagem de correio eletrónico, da qual consta o seguinte: «… …» [cf. fls. 108, do processo administrativo].” IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela. Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883. No caso em apreço, tendo sido pedida a intimação da entidade demandada a decidir o pedido de aquisição de nacionalidade que lhe foi dirigido pelo autor e a lavrar o respectivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa, a sentença recorrida absolveu a entidade demandada da instância por não se encontrar verificado o requisito da indispensabilidade inerente à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Mais precisamente, a sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação: “(…) O requerente alega que a entidade requerida viola o artigo 26.º, n.º 1, da CRP, na medida em que há muito que estão ultrapassados os prazos procedimentais de decisão do seu pedido de naturalização. Ora, o meio processual que o ordenamento jurídico coloca à disposição dos lesados pela inércia da administração é a ação de condenação à prática de ato devido disciplinada nos artigos 66.º e seguintes do CPTA. Com isto não se quer dizer que em situações de inércia decisória relativas a procedimento que vise satisfazer direitos fundamentais o recurso à intimação para proteção de direitos liberdades e garantias está excluída. O que ocorre é que – como refere o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão supra citado – tem que se aferir, em concreto e em face do alegado no requerimento inicial, se a tutela de tal direito carece de uma decisão definitiva urgente. Assim, para que numa situação de inércia decisória da administração um putativo lesado possa legitimamente lançar mão da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não basta que tal inércia se verifique num procedimento relativo a um direito fundamental. É, ainda, necessário que no requerimento inicial sejam alegados factos que permitam ao tribunal concluir que a inércia da administração está a ferir o referido direito fundamental de tal forma que o titular carece de uma tutela principal urgente, sob pena do exercício do próprio direito ficar posto em causa. As alegações da requerente não permitem concluir pela indispensabilidade da tutela dispensada pelo artigo 109.º do CPTA. Com efeito, as alegações do requerente reconduzem à vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa como meio de facilitar a sua circulação no espaço da União Europeia, sem, contudo, alegar que tal circulação está impossibilitada. Ocorre apenas que, como cidadão extracomunitário, tem que recorrer a pedidos de vistos de entrada. Por outro lado, o tribunal não pode concluir com base nas regras da experiência, que a delonga da decisão de um pedido de naturalização, de quem não alega ser apátrida, acarreta gravosas consequências suscetíveis de justificar o recurso à intimação prevista no artigo 109.º do CPTA. De tal delonga, poderão decorrer constrangimentos, indefinições, mas que, no caso em concreto, não relevam para preenchimento do pressuposto da indispensabilidade exigido pelo artigo 109.º do CPTA. Do exposto decorre que as alegações do requerente não permitem concluir que a delonga na decisão do pedido de naturalização está a causar-lhe danos ou está prestes a causar-lhe danos, que não possam ser removidos ou evitados pelo recurso à ação administrativa. Do exposto decorre que se verifica a impropriedade do meio processual, a qual deverá conduzir à absolvição da entidade requerida da instância [cf. acórdão do TCAN, processo n.º 00701/15.9BEVIS, de 06/11/2015, para cuja fundamentação se remete, e na qual se sumariou o seguinte: “Só no caso de erro na forma do processo (em sentido estrito) se pode admitir a adaptação ou convolação dos atos processuais na forma devida; diversamente, a inidoneidade absoluta da forma de processo utilizada (ou a impropriedade do meio processual) constitui uma exceção dilatória inominada, que determina a nulidade de todo o processado (sem possibilidade de aproveitamento ou convolação) e a consequente a absolvição do réu da instância.”]. (…).” Em suma, o Tribunal recorrido concluiu pela impropriedade do meio processual por ter entendido que as alegações do requerente não permitem concluir pela indispensabilidade da tutela dispensada pelo artigo 109.º do CPTA na medida em que se reconduzem à sua vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa como meio de facilitar a sua circulação no espaço da União Europeia, sem ter sido alegado que tal circulação está impossibilitada, mas apenas que, como cidadão extracomunitário, tem que recorrer a pedidos de vistos de entrada, não podendo o Tribunal concluir, com base nas regras da experiência, que a delonga da decisão de um pedido de naturalização, de quem não alega ser apátrida, acarreta gravosas consequências susceptíveis de justificar o recurso à intimação prevista no artigo 109.º do CPTA. O recorrente insurge-se contra o assim decidido, imputando erro de julgamento de direito à sentença recorrida, alegando que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, é o meio processual “adequado e idóneo”, tendo sido alegados factos concretos subjacentes à especial urgência na tutela dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade, considerando que a ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 27.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa por parte da Conservatória dos Registos Centrais e a falta de decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade por naturalização, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, violam os princípios da legalidade, da boa-fé e da colaboração, previstos nos artigos 3.º, 10.º e 11.º do CPA, sendo alheios ao mesmo os constrangimentos de serviço na entidade demandada, provocados por uma grave carência de meios, devendo aquela adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável. Vejamos. Na sua petição, o autor recorrente limita-se a alegar que é descendente de judeu sefardita português e requereu, em 12.05.2021, a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, invocando urgência na decisão pela necessidade de mobilidade internacional, em razão da situação profissional por ser membro do Conselho de Administração de D… Alimentação S.A – Grupo D…, desempenhando ainda as funções de Presidente da Federação Iberoamericana de Franquias – FIAF, com a necessidade de estar presente constantemente nos países da União Europeia, em especial em Portugal e Espanha, tendo esse pedido de tramitação urgente sido indeferido em Julho de 2022. Em 14.11.2022, formulou um novo pedido de urgência para priorizar a tramitação do seu processo de nacionalidade, reiterando as alegações anteriores e acrescentando que havia adquirido um imóvel em Lisboa, em razão da sua relação de trabalho e estadias frequentes em Portugal, bem como pelo facto de o filho menor estar prestes a completar 18 anos, e a necessidade urgente de requerer a aquisição da nacionalidade com fundamento no artigo 2.º da Lei da Nacionalidade e, diante da falta de resposta a tal pedido, em 25.01.2023 foi efectuado um pedido de insistência, solicitando esclarecimentos e informações quanto ao pedido e andamento do processo, sem que obtivesse resposta, o que o levou, em 30.05.2023, a solicitar, novamente, informações e que fosse proferida decisão relativamente ao pedido de urgência e insistência, continuando sem resposta ao solicitado, o que viola os seus direitos processuais, nomeadamente, o da informação processual, e o direito à cidadania, consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa. Todavia, o recorrente não concretiza minimamente a ameaça dos direitos que invoca, de modo a aferir-se da necessidade de uma tutela definitiva urgente, não explicando em que termos concretos isso acontece, ou seja, sem alegar factualidade apta a concluir pela violação dos direitos. Com efeito, embora ensaie uma justificação para a urgência que invoca, nem a alegada necessidade de o autor se deslocar a Portugal em virtude de desempenhar funções de direcção de grupo económico, nem a circunstância de o mesmo ter adquirido um imóvel em Portugal, nem o facto de o seu filho estar prestes a completar 18 anos, caracterizam uma situação de urgência na aquisição de nacionalidade, pois que esta nem sequer é requisito para que o autor se desloque ou seja proprietário de imóvel em território português, não alegando o autor factos constitutivos de uma relação entre tais alegações e a sua pretensão de adquirir a nacionalidade portuguesa, nem sequer uma situação de lesão de direitos provocada pela demora na decisão do seu pedido. Ademais, não alega também de que modo a demora na decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade inviabiliza ou prejudica a aquisição da mesma pelo seu filho. E para se poder concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto, impunha-se-lhe que alegasse factualidade concreta demonstrativa de que a não decisão atempada do seu pedido era violadora dos direitos constitucionais que invoca, o que, manifestamente, não fez. Assim, a alegação do recorrente reconduz-se a uma pressa na decisão do seu pedido, e a uma expectativa - legítima, aliás – de concretizar tal intento, o que não se confunde com uma situação de urgência, não tendo sido alegada qualquer factualidade consubstanciadora de uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental. O autor recorrente não descreve uma situação factual de urgência nem de lesão dos direitos que invoca – necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias -, limitando-se a afirmar uma mera e abstracta lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para o recorrente na decisão do seu pedido. É que não basta estar em causa um direito, liberdade e garantia, sendo ainda necessário, não só demonstrar uma lesão (ou iminência de lesão), mas também que é urgente a sua tutela, o que o recorrente, nos termos expostos, não fez. Assim, pela falta de alegação de factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados. * Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto. Sem custas. Lisboa, 14 de Novembro de 2024 Joana Costa e Nora (Relatora) Ana Lameira Ilda Côco |