Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:398/18.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/10/2019
Relator:HELENA AFONSO
Descritores:IDENTIFICAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CAUSAS DE INVALIDADE DIVERSAS DAS QUE FORAM ALEGADAS.
ASPECTOS DA EXECUÇÃO DO CONTRATO NÃO SUBMETIDOS À CONCORRÊNCIA.
AFASTAMENTO DO EFEITO ANULATÓRIO DO CONTRATO CELEBRADO.
Sumário:
I – Conferindo o artigo 95.º, n.º 3, do CPTA a possibilidade de o tribunal identificar outras causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares, como sucedeu, podia o Tribunal a quo conhecer da invalidade do acto impugnado, na parte em que admitiu a proposta da Autora, não tendo incorrido em violação do disposto no n.º 3, do artigo 95.º do CPTA.
II – Ainda que o modelo da viatura – ou como se refere no artigo 13.º do CE, as especificações técnicas - não constitua um atributo da proposta, pois, não está submetido à concorrência, não se mostrando violado o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CCP, a proposta da Autora deveria ter indicado o mesmo para permitir aferir se cumpria as exigências/condições do caderno de encargos ou características técnicas requeridas pela Entidade Demandada, não submetidas à concorrência, em conformidade com o previsto no artigo 70.º, n.º 1, in fine do CCP.
III - Não tendo a proposta da Autora indicado o modelo de viatura em concreto, incorreu em violação do disposto nos artigos 57.º, n.º 1, alínea c), 70.º, n.º 1 e 146.º, n.º 2, alínea d), do CCP.
IV – Resulta das disposições conjugadas dos artigos 54.º, n.º 1, da Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, 2.º, alínea g) e 7.º, n.º 1 do DL 290-D/99, de 2 de Agosto, que os documentos submetidos na plataforma electrónica devem ser assinados com recurso a uma assinatura electrónica qualificada e que a aposição de assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos e cria a presunção, nomeadamente, de que a pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou, no caso da pessoa colectiva ser a titular da assinatura electrónica qualificada, a pessoa que apôs a assinatura é representante da mesma com poderes bastantes.
V - Uma vez que o “Certificado Digital Qualificado – Profissional”, com perfil de representação, confere poderes para assinar em plataformas electrónicas, em nome da CI, mediante o qual foi assinado o documento da proposta, confere poderes a Agostinho Ramos para assinar em plataformas electrónicas, em representação da A..... , beneficiando, assim, da presunção prevista no artigo 7.º do DL 290-D/99, permitindo relacionar o mesmo com a sua função na A..... , não era exigível que esta tivesse de submeter à plataforma eletrónica um documento electrónico oficial – designadamente, certidão permanente do registo comercial, procuração ou delegação de poderes emitida pelos legais representantes da CI, com menção expressa de poderes de representação para obrigar e vincular a mesma, indicando o poder de representação e a assinatura do assinante, em conformidade com o previsto no artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015.
VI – Não tendo a proposta da CI incorrido no vício que a sentença recorrida entendeu verificar-se, não haveria que proceder à aplicação do regime jurídico decorrente do artigo 285.º do CCP.
VII - Não tendo a sentença recorrida reconhecido o bem fundado da pretensão da Recorrente - tal como, não se reconheceu no presente recurso -, a adjudicação não poderia ser feita à Autora, ora Recorrente, pelo que, não se estava perante uma situação de aplicação do regime previsto nos artigos 45.º, n.º 1 e 45.º-A, do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – Relatório:

A…. I…. Unipessoal Lda., instaurou a presente acção urgente de contencioso pré-contratual, contra o Município de Loures, ambos melhor identificados nos autos, na qual formulou o pedido de:
- Declaração de nulidade ou anulação do acto de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente A…. – S.C.A., Lda. (A…, doravante);
- A anulação do contrato público que, entretanto, tenha sido celebrado;
- Condenação do Réu a proferir nova decisão de apreciação das propostas, determinando a exclusão das propostas apresentadas pelas contrainteressadas e a adjudicação da proposta da Autora.

Indicou como contrainteressadas as concorrentes E…. – Atividade de Engenharia e T. A..., Lda. (E..... , doravante), a SCA R… , Lda. (SCA R... , doravante) e a A..... S.C.A., Lda. (A..... , doravante).

Por sentença proferida a 13/12/2018 foi julgada parcialmente procedente a presente acção, no que concerne ao pedido de anulação do acto impugnado e improcedente no que respeita aos pedidos de anulação do contrato público celebrado entre a Entidade Recorrida e a CI A..... e de condenação do Réu a proferir nova decisão de apreciação das propostas, determinando a exclusão das propostas apresentadas pelas contrainteressadas e de adjudicação da proposta da Autora.

A Autora interpôs recurso da referida sentença, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“1.ª No entender da ora Recorrente, a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento, tendo aplicado incorretamente o direito aos factos que considerou provados.
2.ª Com efeito, a sentença recorrida deu indevida aplicação ao disposto no artigo 95.°, n.° 3 do CPTA, no que concerne à análise de supostos vícios da proposta da Autora.
3.ª Para além de, na própria decisão que convidou as partes a apresentar alegações complementares, não ter indicado os motivos concretos pelos quais considerava que a proposta da Autora violava o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CCP, é manifesto que ao Tribunal recorrido não assistia a faculdade de conhecer oficiosamente quaisquer supostos vícios proposta da Autora, muito menos com os efeitos que lhe foram atribuídos na decisão recorrida.
4.ª Ao contrário do que sustenta o Tribunal recorrido, a mera admissão da proposta da Autora não consubstancia qualquer causa de invalidade do ato de adjudicação impugnado (e anulado em 1.ª Instância).
5.ª Não tinha, pois, com o maior respeito, o Tribunal recorrido de identificar quaisquer causas de invalidade da proposta da Autora, sendo que nenhuma das partes invocou qualquer suposto vício da proposta apresentada pela ora Recorrente, muito menos com base na invocada falta de apresentação do "modelo da viatura em concreto" a fornecer.
6.ª Abrindo o artigo 95.º, n.º 3 do CPTA a "porta" a que, por força do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sejam oficiosamente conhecidas invalidades não invocadas pelo interessado na ação impugnatória, tais vícios têm de dizer exclusivamente respeito ao ato administrativo impugnado, o que não é o caso.
7.ª A este respeito, saliente-se, ademais, que, ainda que tal fosse admissível (no que não se concede) ninguém impugnou oportunamente a decisão de admissão da proposta da Autora.
8.ª Outrossim, sempre se dirá que, ao contrário do que se preconiza da douta decisão recorrida e embora não seja esse o objeto ou thema decidendum da presente ação, bem andou a Entidade Demandada ao não excluir a proposta da Autora.
9.ª Como decorre da factualidade assente (cfr. Ponto 2 do probatório, no qual se dão como reproduzidas as peças procedimentais), o critério de adjudicação era tão somente o do mais baixo preço, não constando, nem do Programa do Procedimento, nem do Caderno de Encargos, qualquer suposto dever de a Autora indicar na sua proposta o dito "modelo da viatura em concreto".
10.ª Trata-se, portanto, de uma regra procedimental que foi criada pelo próprio Tribunal a quo na fundamentação de direito da respetiva sentença.
11.ª Como decorre da análise das peças procedimentais, em matéria de termos e condições de fornecimento dos veículos automóveis, a Entidade Adjudicante apenas exigiu aos concorrentes que se vinculassem a fornecer veículos com as características técnicas especificadas no Caderno de Encargos, mais precisamente as características que constam da sua Cláusula 13.ª sob a epígrafe "Especificações técnicas das 4 (quatro) viaturas ligeiras de passageiros a gasóleo".
12.ª Não tinha, assim, a Autora, ao contrário do que se preconiza na douta sentença recorrida, de indicar qualquer modelo de viatura em concreto na sua proposta, podendo, na fase de execução do contrato, entregar uma viatura de qualquer marca ou modelo, desde que preenchesse as características técnicas previstas no Caderno de Encargos.
13.ª Ao contrário do que se aduz na fundamentação de direito da douta decisão recorrida, não só não está em causa qualquer suposto atributo da proposta da Autora, como a falta de indicação de tal modelo das viaturas não implica qualquer pretensa impossibilidade de avaliação daquela proposta.
14.ª O erro de julgamento sobre este ponto da matéria de direito apreciada pelo Julgador a quo afigura-se evidente, sendo que a própria decisão recorrida não menciona (por não existirem) as normas do Programa ou do Caderno de Encargos das quais extrai que o "modelo" das viaturas constituía um atributo da proposta ou que existisse qualquer dever de os concorrentes se vincularem, nas suas propostas, a uma determinada marca ou modelo em concreto que desse satisfação às características técnicas requeridas pela Entidade Demandada.
15.ª Em face do acima exposto, conclui-se que a douta decisão recorrida violou e aplicou indevidamente o disposto no artigo 70.°, n.° 2, alíneas a) e c) do CCP, não padecendo a proposta da ora Recorrente dos vícios que lhe são assacados na sentença do Tribunal a quo.
16.ª A douta decisão recorrida errou ainda ao determinar o afastamento do efeito anulatório do contrato celebrado entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada A.....
17.ª Não só a proposta da Autora estava em condições de ser aceite e devia ter sido adjudicada, como os demais argumentos invocados na sentença recorrida não preenchem os pressupostos previstos no artigo 283.°, n.° 2 do CCP (na redação em vigor à data em que foi tomada a decisão de contratar).
18.ª Como decorre da fundamentação da decisão recorrida, se a legalidade tivesse sido observada pela Entidade Demandada, a Contrainteressada A..... nunca seria, em caso algum, adjudicatária no procedimento em apreço.
19.ª Pelo contrário, a adjudicação teria de ser feita à Autora, ora Recorrente, por ter sido a única concorrente que apresentou uma proposta válida à luz das regras procedimentais e legais aplicáveis, pelo que a anulação da adjudicação e do contrato implicariam uma modificação subjetiva, não sendo o contrato a celebrar celebrado com o mesmo cocontratante.
20.ª Não se configura, por outro lado, a existência de uma desproporção ou violação do princípio da boa fé.
21.ª A anulação do contrato não é desproporcionada, mas sim absolutamente impossível por, em virtude do levantamento do efeito suspensivo da presente ação, já ter sido executado o contrato a celebrar - cfr. Ponto 31 do probatório, da qual decorre que as quatro viaturas já foram entregues pela Contrainteressada A..... à Entidade Demandada, tendo essa entrega ocorrido em 11 de abril de 2018.
22.ª Isto dito, diferentemente do que se preconiza na decisão recorrida, impunha-se que o Tribunal a quo, reconhecendo o bem fundado da pretensão da Recorrente, tivesse dado aplicação ao disposto no artigo 45.°, n.° 1 do CPTA, para efeitos indemnizatórios.”.


O Recorrido, Município de Loures, apresentou contra-alegação de recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1ª. A douta sentença recorrida fez o devido uso da faculdade que o n.º 3, do artigo 95º, do CPTA confere ao tribunal, pois este ouviu as partes em alegações complementares, sendo que a Recorrente, no momento próprio, nada teve a opor ao exercício do contraditório em sede de alegações complementares ao abrigo do artigo 95º, n.º 3, do CPTA.
2ª. Quer em sede de contestação, quer em sede de alegações complementares, foi alegado pelo recorrido que a proposta da A./Recorrente carece de atributos, já que não está minimamente concretizada, não fazendo qualquer referência ao modelo de viatura, o que viola os princípios da leal concorrência, impedindo, inclusivamente, que o júri possa comparar a sua proposta com a dos outros concorrentes, o que viola o artigo 70º, n.º 2, alíneas a) e c), e artigo 57º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos.
3ª. Além do mais, o objecto social da Recorrente não comportava, à data, o comércio de veículos automóveis ligeiros – cfr. Ac. TCA Sul, de 7/11/2013, proc.º n.º 10404/13, in www.dgsi.pt, sendo que, também por essa ordem de razões, igualmente, carecia de pressupostos para vir a ser colocada na categoria de adjudicatária do concurso.
4ª. A proposta da recorrente não concretizou o modelo da viatura e foi, em termos de preço, o mais elevado, não lhe assistindo qualquer razão, ao pretender, com o presente recurso, que a sua proposta era a única em condições de ser aceite.
5ª. E, sendo o objecto do contrato a aquisição de viaturas automóveis, tal configura um elemento essencial da proposta, pelo que, ao não indicá-lo, a Recorrente impediu que o júri pudesse apreciar a sua proposta quanto ao atributo preço.
6ª. Assim, bem andou a douta sentença recorrida ao considerar que a proposta da A./Recorrente não reunia os atributos necessários para a sua aceitação, pelo que o acto em apreço violou o artigo 70º, n.º 2, alíneas a) e c), do CCP, padecendo do vício de anulabilidade.
7ª. A douta sentença recorrida analisou a (i)legalidade de todas as propostas, tendo o R./Recorrido invocado a ilegalidade da proposta da Recorrente na vertente da falta de concretização do modelo da viatura, sendo que o acto impugnado tem uma abrangência maior do que a estrita adjudicação, sendo necessário, para aferir da legalidade e manutenção da mesma, todas as propostas envolvidas, pelo que a douta sentença recorrida não violou o artigo 95º, n.º 3, do CPTA e do artigo, 70º, n.º 2, alíneas a) e c), do CCP.
8ª. No que concerne ao afastamento do efeito anulatório, atendendo a que:
a) Nenhuma das propostas apresentadas a concurso reunia os pressupostos para a sua aceitação;
b) A falta de subscrição da proposta da A..... por pessoa com capacidade para a obrigar não interferiu com o conteúdo do contrato celebrado entre esta e o Município de Loures;
c) Não foi alegada nem provada qualquer intenção dolosa da A..... e/ou do Município de Loures na violação do disposto nos artigos 57º, n.º 4, 62º, 146º, n.º 2, alíneas e) e l) do CCP e do disposto no artigo 54º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015;
d) À data em que a A..... foi citada para a presente acção já tinha pago o valor dos veículos à N…. I....;
e) O presente concurso foi dotado de urgência, em função da necessidade que o Município tinha das viaturas em causa;
Conclui-se pela verificação dos pressupostos previstos no n.º 4, do artigo 283º, do CCP, que determinam o afastamento do efeito anulatório previsto no seu n.º 2.
9ª. “In casu” ficou demonstrado que o vício não implica uma modificação subjectiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial, sendo que, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade do vício, a anulação do contrato revela-se desproporcionada ou contrária à boa fé (vide J.C. VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 4.ª ed., Coimbra, 2015, pp. 299-300).
10ª. Quanto à ponderação judicial das condições assinaladas no n.º 4 do artigo 283.º do CCP, existe abundante jurisprudência do STA a sustentar uma “ampla discricionariedade” do julgador /cfr. Ac. STA de 09.05.12, Proc. n.º 0760/11, onde se esclarece no seu ponto VII que “A apreciação da consequência da invalidação do contrato à luz dos princípios da proporcionalidade e da boa fé traduz uma ampla discricionariedade jurisdicional, onde há lugar a uma ponderação de todos os interesses em presença e a uma realística relevância dos diferentes níveis de gravidade”.
11ª. E, a ponderação a realizar pelo julgador deve considerar não apenas o ocorrido na fase de formação do contrato mas, de igual forma, o que sucedeu já após a adjudicação do contrato: a circunstância de, por exemplo, o contrato já ter sido celebrado; de já estar a ser executado; o tempo que já decorreu desde o início da execução do contrato, etc..
12ª. Ora, foi precisamente o que a douta sentença recorrida fez face à matéria de facto provada, pelo que, ao contrário do pretendido pela Recorrente, bem andou aquela ao preconizar o afastamento do efeito anulatório do contrato “sub judice”.
13ª. Acresce que, atendendo às deficiências e ilegalidades de que padece a proposta da Recorrente, como bem decidiu a douta sentença recorrida, nunca a sua proposta podia prevalecer em detrimento das outras, não lhe assistindo qualquer razão ao pretender ser indemnizada com recurso ao disposto no artigo 45º, n.º 1, do CPTA.
Subordinadamente,
14ª. Dos documentos dos autos relativos ao certificado digital da A..... , verificamos que a procuração emitida por esta para esse efeito, confere a Agostinho R……, os poderes necessários para este assinar em plataformas electrónicas de contratação em representação em nome da A..... , o que abrange toda e qualquer assinatura (digital), designadamente a de todos os documentos e contratos submetidos na plataforma, o que inclui as assinaturas que vinculam e obrigam a A..... no âmbito de cada procedimento de contratação.
15ª. A referida procuração ao conferir os poderes necessários para toda e qualquer assinatura em plataformas electrónicas de contratação em nome da A....., tem um sentido e alcance abrangentes, uma vez que não procede a qualquer distinção, abarcando as peças que constituem o procedimento de contratação, tendo sido essa a vontade da A..... ao conferir os referidos poderes.
16ª. De tal forma assim é, que a A..... celebrou o contrato em apreço no dia 14/02/2018.
17ª. As sociedades por quotas também se vinculam perante terceiros por meio de representantes voluntários, nos termos dos artigo 252, n.º 6, do CSC, que prevê a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade, para a prática de determinados actos ou categoria de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.
18ª. “In casu”, dos documentos juntos aos autos resulta que o certificado digital em questão é um certificado digital de assinatura qualificada de representação, tendo incorporados os poderes de representação do utilizador, pelo que não era necessário anexar nenhum documento adicional de vinculação da A..... , pois trata-se de um certificado digital de assinatura qualificada com poderes de representação e actuação em nome daquela (cfr. Ac. TCASul, de 03/11/2016, proc.º n.º 13703/2016 e Ac. TCANorte, de 11/05/2017, proc.º n.º 00809/16.3BEAVR, in www.dgsi.pt).
19ª. Efectivamente, com um certificado digital qualificado de representação, uma vez que este já tem incorporados os poderes de representação do utilizador, não há necessidade de anexar qualquer documento adicional de vinculação da sociedade, quando é utilizado para assinar documentos na plataforma electrónica, como foi o caso (cfr. Ac. STA, de 14/02/2013, proc.º n.º 1257/12-12, in www.dgsi.pt).
20ª. Ora, nos termos do artigo 7º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, republicado pelo decreto-Lei nº 88/2009, de 09 de Abril, a aposição de uma assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que a pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada.
21ª. A certificação e a assinatura electrónicas não são confundíveis, visto aquela funcionar como um bilhete de identidade indispensável ao acesso à Plataforma - podendo ser feita através de certificados disponibilizados pela própria Plataforma ou de certificados próprios que identificam permanentemente os utilizadores perante quaisquer Plataformas – e a assinatura constituir a forma de vinculação dos concorrentes às propostas e documentos apresentados, sendo uma condição de validade das mesmas.
22ª. É, pois, seguro, que, por força dos citados normativos, todos os documentos carregados nas Plataformas devem ser assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica a qual por força, do art.º 7.º/1 do DL 290-D/99 “equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:
a) A pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada;
b) A assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico;
c) O documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada.”
23ª. Sendo certo que, nos casos em que a assinatura não relacione o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve o interessado submeter à Plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante (art.º 27.º/3 da citada Portaria) pois que, se o não fizer, a Plataforma rejeita a proposta ou documento que se quer submeter (art.º 19.º do mesmo diploma), sendo que “in casu”, a assinatura relaciona o assinante com a sua função e poder de assinatura.
24ª. Consta à saciedade, dos autos, que a proposta foi assinada digitalmente na plataforma, através de assinatura electrónica qualificada, associada ao certificado da A..... .
25ª. Em situação paralela à dos presentes autos, sendo que aos documentos da proposta não havia sido aposta assinatura manuscrita mas apenas assinatura digital pelo legal representante da sociedade, decidiu-se assim no acórdão do TCAN, de 25-11-2011, processo nº 02389/10.4BELSB:
26ª. Deste modo, a assinatura efectuada ao abrigo do certificado digital qualificado de representação, que já tem incorporados os poderes de representação do utilizador vincula a A.....
27ª. Refira-se que a A..... actuou com toda a boa fé no âmbito do presente procedimento de contratação pública, pois cumpriu o artigo 9.º , n.º 2, do Programa de Concurso, isto é, apresentou a proposta assinada electronicamente, utilizando um certificado digital qualificado de representação, considerando-se tal assinatura da própria A..... .
28ª. Assim, ao contrário do decidido pela douta sentença recorrida, ao admitir a proposta da A..... , o acto impugnado não violou os artigos 57º, n.º 4, 62º, 146º, , n.º 2, alíneas e) e l) do CCP e artigo 54º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015, tendo, outrossim, sido a douta sentença recorrida a violar tais dispositivos legais.”.


A Autora e ora Recorrente, apresentou contra-alegação de recurso, relativamente ao recurso subordinado interposto pela Entidade Recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª Ao contrário do que sustenta o ora Recorrente no seu recurso subordinado, o segmento decisório da decisão recorrida pretende ver modificado não merece qualquer reparo ou censura.
2.ª Carece de mérito o entendimento sustentado pelo Recorrente no seu recurso, tendo o Tribunal a quo doutamente considerado que a proposta da Contrainteressada A..... deveria ter sido excluída com fundamento no disposto no artigo 146.°, n.° 2, alíneas e) e l), em conjugação com os artigos 57.°, n.° 4 e 62.°, todos do CCP, por incumprimento do disposto no artigo 54.°, n.° 7, da Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto.
3.ª Tais disposições foram, efetivamente, violadas pela decisão de adjudicação impugnada.
4.ª O Recorrido não impugna, desde logo, a matéria de facto constante dos pontos 7 e 8 do probatório, dos quais consta que "dos detalhes do certificado digital de Agostinho R..... apenas resultam poderes para "Assinar em Plataforma Eletrónicas de Contratação" e que “A A..... não juntou com a sua proposta procuração que conferisse poderes a Agostinho ..... para a obrigar".
5.ª Em parte alguma da proposta da Contrainteressada A..... é possível verificar que aquele subscritor detinha poderes para obrigar aquela concorrente, pois a mesma não juntou com a sua proposta qualquer procuração que conferisse poderes a Agostinho R..... para a obrigar.
6.ª Constatou-se, portanto, que o titular da assinatura eletrónica qualificada aposta na declaração de aceitação do Caderno de Encargos (Anexo I do CCP) não tinha poderes para obrigar a A..... , razão pela qual se considerou (e bem) na douta decisão recorrida que não foi observado o disposto no artigo 57.°, n.° 4 do CCP.
7.ª Não se justifica qualquer modificação do sentido da decisão proferida na sentença recorrida sobre o mérito da concreta questão em apreço no recurso subordinado.
8.ª Perante o exposto, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que a proposta da Contrainteressada A..... deveria ter sido excluída.
9.ª Está em causa o incumprimento de uma formalidade que o legislador sancionou com a exclusão da proposta.
10.ª A falta de junção de procuração ou instrumento de mandato no momento da apresentação da proposta enquadra-se no artigo 146.°, n.° 2, alíneas e) e l) do CCP, o qual, no entender da ora Contrainteressada, não deixa espaço hermenêutico ao aplicador para a "admissão condicional" de propostas que não cumpram os requisitos formais nele estabelecidos.
11.ª É a própria lei que estabelece as causas de exclusão da proposta, pelo que não cabe ao intérprete qualificar tal formalidade como não essencial.
12.ª Deve, assim, no entender da ora Recorrida, ser julgado totalmente improcedente o recurso subordinado em apreço.”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não se pronunciou sobre o mérito do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.
*
II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Autora e Recorrente, no recurso independente e pela Entidade Recorrida, no recurso subordinado, delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, são, respectivamente, as seguintes:
- Se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 95.º, n.º 3, do CPTA, o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código dos Contratos Públicos (CCP) e o disposto no artigo 283.º, n.º 2, do CCP;
- Se a sentença recorrida incorreu em violação do disposto nos artigos 57º, n.º 4, 62º, 146º, n.º 2, alíneas e) e l) do CCP e artigo 54º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015.

III – Fundamentação:
3.1. De facto:
i) Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
1. Pelo Município de Loures foi aberto o concurso público urgente, sem publicidade internacional, para “aquisição de quatro viaturas ligeiras de passageiros a gasóleo”, sendo referido, na proposta que sustenta este despacho que “o tipo de procedimento aquisitivo proposto é…. (…) e o que melhor responde à celeridade que a aquisição dos bens em causa reclama” (cfr. docs. de fls. 18 e 19 do processo administrativo).

2. Foram aprovados o Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos constante de fls. 9 a 17 do processo administrativo (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), sendo o critério de adjudicação o do preço mais baixo.

3. O anúncio do concurso público foi publicado no Diário da República nº 226 da II Série, Parte L – Contratos públicos, de 23.11.2017.

4. Pode ler-se, designadamente, o seguinte na cláusula 13º do CE, sob a epígrafe “Especificações técnicas das 4 (quatro) viaturas ligeiras de passageiros a gasóleo”:
Peso bruto (kg) – Entre 1750 e 1850
Comprimento exterior (mm) – Entre 4350 e 4400
Largura sem espelhos (mm) – Entre 1750 e 1850
Altura máxima (mm) - Entre 1750 e 1850
Potência máxima (KW/cv) – Igual ou superior a 74/100
Número de portas – 5
Número de lugares – 5
Encostos de cabeça traseiros em todos os lugares
(cfr. fls. 9 do PA)

5. Apresentaram proposta as seguintes empresas:
- A..... D I.......
- A.....
- E......
- S…… R.....

6. Os documentos que instruem a proposta da A..... foram assinados eletronicamente por Agostinho ...., nomeadamente o documento da proposta a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 57º do CCP, constando da assinatura electrónica a referência expressa à denominação da A..... .

7. Contudo, dos detalhes do certificado digital de Agostinho ..... apenas resultam poderes para “Assinar em Plataforma Eletrónicas de Contratação”.

8. A A..... não juntou com a sua proposta procuração que conferisse poderes a Agostinho ..... para a obrigar.

9. As viaturas propostas pela A..... têm a seguinte designação: N…. P..... dci EU 6 11… CV (81kw) Vis… P-15 DV … M6.

10. Pode ler-se, designadamente, o seguinte, na proposta da A..... :

Lotação: 5 lugares
Interior:
4 encostos de cabeça
(cfr. fls. 52 e 52 verso do PA)

11. As viaturas propostas pela E..... têm a seguinte designação: P…. 2008 style 1.6 blueHDI 75 cv, cor Branco Banquise. E a sua potência é de 75 cv (cfr. proposta da E..... ).

12. Os ficheiros que contêm os documentos que acompanham a proposta da S.C.A.R. ........ não foram previamente encriptados e assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada antes da sua submissão na plataforma electrónica.

13. Apenas a submissão da proposta foi objeto de assinatura electrónica qualificada.

14. Os documentos que instruem a proposta da S.C.A.R. foram assinados electronicamente, no momento da sua submissão, por F....... F.........., sendo que a assinatura electrónica não menciona a existência e/ou extensão de poderes de representação da SCA .....… .

15. A SCA ...... não juntou, com a sua proposta, procuração que conferisse poderes a F....... Ferreira para a obrigar.

16. As viaturas propostas pela SCA ...… têm a seguinte designação: O…. A…. 2018A Business Edition 5 portas 1.6 turbo D 110cv S/S (MT6) E têm as seguintes dimensões/peso: Largura:1871; Altura:1485; peso máximo: 1760-1890
(cfr. respetiva descrição técnica, constante da página 7 da proposta da SCA ......).

17. Pode ler-se o seguinte na proposta da Amb… D I....….:

“Designação:
Viatura Ligeira de passageiros a Gasóleo de acordo com o Caderno de Encargos
Preço unitário – €18.500,00
Preço total - €74.000,00
Especificações Técnicas da Viatura: De acordo com a Cláusula 13ª do Caderno de Encargos”.
(cfr. proposta da Autora junta ao PA).

18. Apercebendo-se de que a A..... tinha mencionado, na sua proposta, que as viaturas propostas tinham 4 encostos de cabeça, o júri consultou o site da marca das viaturas constantes da proposta da A..... (a N…..) e constatou que o modelo proposto (N…. P.....) tem 5 encostos de cabeça e, ainda, que esse modelo não tinha qualquer variante que comportasse apenas 4 encostos de cabeça.

19. Ainda assim, contactou informalmente a A..... e obteve a resposta de que se tratava de um lapso de escrita na proposta e que as viaturas tinham 5 encostos de cabeça.

20. O modelo de automóvel que a A..... propôs e identificou na sua proposta (N..... P.....) é constituído por 5 lugares e 5 encostos de cabeça não tendo esse modelo qualquer versão que comporte apenas 4 encostos de cabeça.

21. Por razões de segurança, a N..... não fabrica um automóvel de modelo N..... P..... com 5 lugares e apenas 4 encostos de cabeça.

22. O júri procedeu à elaboração do projeto de decisão de adjudicação do seguinte nos termos constantes de fls. 73 a 74 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido, transcrevendo-se o seguinte excerto:

“a) Admitir as propostas das concorrentes E..... – Atividades de Engenharia e T. A…, Lda., A…..... D I…......, Unipessoal, Lda., A..... – S.C.A., Lda. e SCA R..... , S.A;
b) Ordenar em 1º lugar a proposta da concorrente A..... – S.C.A., Lda, em 2º lugar a proposta da concorrente E..... – Atividades de Engenharia e T. A..., Lda., em 3º lugar a proposta da concorrente SCA R..... , S.A e em 4º lugar a proposta da concorrente A…..... D I…......, Unipessoal, Lda”
c) Adjudicar a proposta da concorrente A..... – S.C.A., Lda pelo preço total das quatro viaturas de tipo ligeiro de passageiros a gasóleo, N..... P..... dci EU 6 110 CV (81kw) Vis… P-15 DV … M6, pelo preço total de €65.350,00.”, acrescido do IVA.”
23. Em 21.12.2017, foi proferida informação pelos serviços do Réu, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte:
“propõe-se remeter ao DGMA/NAT, após a validação do compromisso, do projeto de decisão de adjudicação, procedimento identificado em assunto, com vista à submissão do mesmo, para efeitos da tomada de decisão de aprovação e da inerente adjudicação ao Sr. Vice Presidente por ser o órgão competente para contratar.” (cfr. fls. 77 do PA).
24. Sobre a informação referida no ponto anterior o Vice Presidente do Réu exarou despacho do seguinte teor: “Concordo” (cfr. fls. 77 do PA).

25. Em 14.02.2018 foi celebrado o contrato de compra e venda das viaturas referidas em 9. entre a A..... e o Município de Loures, tendo outorgado em representação da A..... M......., na qualidade de sócia gerente e procuradora dessa sociedade (cfr. contrato de fls. 87 a 89 do PA cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

26. De acordo com o contrato, o prazo para a entrega das viaturas é de 60 dias e para o pagamento do preço é de 30 dias após a receção das facturas, cuja apresentação deveria ocorrer no momento da entrega das viaturas ao Réu.

27. A A..... comprou os veículos à N..... I.... SA em 15.02.2018 (cfr. últimos quatro documentos juntos ao requerimento de fls. 132).

28. A A..... foi citada para a presente ação em 06.03.2018 (cfr. aviso de receção junto aos autos).

29. O Município de Loures foi citado para a presente ação em 06.03.2018 (cfr. aviso de receção junto aos autos).

30. Os veículos foram matriculados em 09.04.2018 (cfr documentos juntos ao requerimento de fls. 103).

31. Os veículos foram entregues ao Município de Loures em 11.04.2018 com cinco lugares e cinco encostos de cabeça (cfr. doc junto ao requerimento de fls. 103).

Motivação dos pontos 18. a 21:
Na audiência final foram ouvidas duas testemunhas: V…… A........, Presidente do Júri do Concurso em causa e J…. P.........., Gestor de Frota da empresa N.....-I…. e representante desta marca, que dá apoio a todos os concursos públicos a que as concessões N..... (entre as quais a A..... ) respondem a nível nacional. Referiu ter dado apoio à A..... na elaboração da proposta, mas que não reparou no lapso que a mesma continha quanto à referência aos 4 encostos de cabeça.
A primeira testemunha afirmou o que vem vertido nos pontos 18 e 19.
A segunda testemunha afirmou o que vem vertido nos pontos 20 e 21. E respondeu, ainda, a instâncias do tribunal, que os veículos N..... P..... são fabricados em Inglaterra e importados pela N....., de Inglaterra para Portugal, limitando-se a A..... a comprar os veículos à N..... e a vendê-los a terceiros. À pergunta sobre se era possível, encomendar, à N....., um veículo N..... P..... com 5 lugares e 4 encostos de cabeça, disse que não porque a segurança do veículo ficaria prejudicada. Afiançou que, neste modelo, não há qualquer versão composta por 5 lugares e 4 encostos de cabeça.”.


ii. Nos termos dos art.ºs. 149.º, do CPTA, 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, com interesse para a decisão, porque estão provados, aditam-se os seguintes factos:
A – A D..… emitiu o instrumento constante a fls. do SITAF, que aqui se dá por integralmente reproduzido e doa qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
“Texto Integral com Imagem”

“Texto Integral com Imagem”

(…)”– cfr. fls. 188-196 do SITAF; ,
B – O certificado digital qualificado de que é titular Agostinho R....., foi emitido com o perfil de representação da A..... – S.C.A., Limitada, na sequência da apresentação do “Pedido de Emissão de certificado Digital Qualificado (Perfil: Representação – Organização), constante de fls. 191-192 do SITAF, que aqui se dá por integralmente reproduzido, ao qual foi anexado instrumento denominado “Procuração”, que aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. fls. 191-205 do SITAF.
*
3.2. De Direito.
Nos presentes autos de contencioso pré-contratual peticionou a Autora, ora Recorrente, que fosse declarada a nulidade ou que fosse anulado o acto de adjudicação da proposta apresentada pela concorrente A..... – S.C.A., Lda. (A..... , doravante); a anulação do contrato público que, entretanto, tenha sido celebrado; e, a condenação do Réu a proferir nova decisão de apreciação das propostas, determinando a exclusão das propostas apresentadas pelas contrainteressadas e a adjudicação da proposta da Autora.
A presente acção foi julgada parcialmente procedente, tendo sido anulado o acto de adjudicação e julgados improcedentes os pedidos de anulação do contrato e de condenação do Réu a proferir nova decisão de apreciação das propostas, com exclusão da proposta da A..... e decisão de adjudicação da proposta da Autora, tendo a Autora interposto recurso desta decisão, assim como a Entidade Recorrida apresentou recurso subordinado, quanto à decretada anulação do acto de adjudicação.
Relativamente à ordem de conhecimento dos recursos, António Santos Abrantes Geraldes considera que “Ultrapassados os requisitos de ordem formal relacionados com a admissibilidade ou com a tramitação do recurso, o tribunal ad quem confrontar-se-á, no momento da decisão, com ambas as pretensões recursórias, sem que o resultado decretado quanto a uma influa necessariamente no sucesso da outra. (…) assegurada a cognoscibilidade do objecto de qualquer dos recursos, cumprirá ao Tribunal Superior averiguar por que ordem os mesmos devem ser conhecidos, pois que o resultado de qualquer deles poderá repercutir-se no outro independentemente da sua natureza subordinada ou autónoma.”[1].
*
3.2.2. Importa, assim, começar por apreciar e decidir o recurso interposto pela Autora e Recorrente, sendo as questões a decidir, tal como vêm delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, as supra enunciadas, a saber: se a sentença recorrida deu indevida aplicação ao disposto no artigo 95.°, n.° 3 do CPTA e ao disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código dos Contratos Públicos (CCP). Seguidamente, apreciaremos a questão suscitada pela Entidade Recorrida, após o que se procederá à apreciação da invocada violação do disposto no artigo 283.º, n.º 2, do CCP, suscitada no recurso interposto pela Autora.
Debrucemo-nos, então, sobre as referidas questões que constituem o objecto do presente recurso, pela ordem referida, esclarecendo que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos na alegação e conclusões, mas apenas as questões suscitadas.
*
A sentença recorrida julgou a presente acção parcialmente procedente, tendo determinado a anulação do acto impugnado, por ter considerado:
- Que a proposta da A..... deveria ter sido excluída do concurso ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º 2, alínea a), do CCP, conjugado com o artigo 57.º, n.º 4, do mesmo diploma, essencialmente com o fundamento de que “o titular da assinatura electrónica qualificada aposta na declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos é de um procurador que não tinha poderes para obrigar a sociedade.”. Concluindo que “ao admitir a proposta da A..... , o ato impugnado padece de vício de violação de lei por preterição do disposto nos artigos 57º, n.º 4, 62º, 146º, nº 2, alíneas e) e l) do CCP e do disposto no artigo 54º, nº 7, da Lei n.º 96/2015.”;
- Que ao admitir as propostas das CI E..... e S.C.A.R. ..... , o acto impugnado padece, designadamente, de vício de violação de lei por preterição da cláusula 13ª do CE e do disposto nos artigos 70º, nº 2, alínea b) e 146º, nº 2, alínea o) do CCP; e,
- Ao ter aceite a proposta da Autora, o Réu violou o disposto nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 70º do CCP.
A sentença recorrida afastou o efeito anulatório do contrato celebrado entre a A..... e a Entidade Recorrida, julgando improcedente o pedido de anulação do contrato, bem como, julgou improcedente o pedido de condenação do ora Recorrido a proferir nova decisão de adjudicação da proposta da Autora, ora Recorrente.
A Recorrente discorda do assim decidido, em síntese, por entender que a sentença recorrida:
i) - violou o disposto no artigo 95.º, n.º 3 do CPTA, pelas seguintes razões:
- Na decisão que convidou as partes a apresentar alegações complementares, não foram indicados os motivos concretos pelos quais considerava que a proposta da Autora violava o disposto no artigo 70.º, n.° 2, alíneas a) e c) do CCP;
- Ao Tribunal recorrido não assistia a faculdade de conhecer oficiosamente quaisquer supostos vícios proposta da Autora, não tinha, pois, o Tribunal recorrido de identificar quaisquer causas de invalidade da proposta da Autora, sendo que nenhuma das partes invocou qualquer suposto vício da proposta apresentada pela ora Recorrente, muito menos com base na invocada falta de apresentação do "modelo da viatura em concreto" a fornecer;
- Ninguém impugnou oportunamente a decisão de admissão da proposta da Autora;
ii) - violou o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CCP, pelas seguintes razões:
- A Autora não tinha de indicar qualquer modelo de viatura em concreto na sua proposta, podendo, na fase de execução do contrato, entregar uma viatura de qualquer marca ou modelo, desde que preenchesse as características técnicas previstas no Caderno de Encargos, não estando em causa qualquer suposto atributo da proposta da Autora, como a falta de indicação de tal modelo das viaturas não implica qualquer pretensa impossibilidade de avaliação daquela proposta.
iii) - Errou ao determinar o afastamento do efeito anulatório do contrato celebrado, entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada A..... , não só porque a proposta da Autora estava em condições de ser aceite e devia ter sido adjudicada, como os demais argumentos invocados na sentença recorrida não preenchem os pressupostos previstos no artigo 283.º, n.º 2 do CCP (na redação em vigor à data em que foi tomada a decisão de contratar).

Vejamos.
3.2.1. Com a epígrafe “Objeto e limites da decisão”, dispõe o artigo 95.º do CPTA, o seguinte:
1 - A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
2 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, mas, se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
3 - Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório.”.
A determinação introduzida pelo artigo 95.º, n.º 3, do CPTA “tem em vista algo de qualitativamente distinto do mero exercício do poder de (re)qualificação normativa dos argumentos invocados, que é inerente ao princípio iura novit curia . Está em causa a identificação, no episódio da vida que foi trazido a juízo, de ilegalidades diversas daquelas que foram alegadas pelo autor. É, pois, do ponto de vista da ampliação do objecto do processo de impugnação que a solução normativa deve ser encarada, com o alcance de permitir o alargamento dos limites objectivos do caso julgado: quanto maior o número de vícios que o tribunal identifique por sua própria iniciativa, maior, na verdade, a extensão das preclusões que da sentença se projectarão sobre o ulterior exercício do poder por parte da Administração.[2]”.
Assim, “o juiz, no uso dos seus poderes inquisitórios, especifica, através dos factos trazidos ao processo, causas de invalidade que não foram alegadas pelo autor. Não se trata de efetuar uma qualificação jurídica diversa dos factos que foram alegados, o que o juiz sempre poderia fazer nos termos gerais do artigo 5.º do CPC, mas de identificar novos vícios que podem determinar a anulação do ato.
À face do preceito em análise, pode, pois, dizer-se que o objeto do processo é a pretensão anulatória, que se reporta ao ato impugnado na globalidade das suas causas de invalidade, de modo que a identificação em juízo de um novo vício não implica uma ampliação da causa de pedir. Esta solução acarreta consequências no plano do caso julgado, fazendo, a nosso ver, recair sobre o autor o ónus de invocar todos os eventuais vícios de que tenha conhecimento. Se o processo impugnatório vier a ser julgado improcedente, o interessado fica impedido de impugnar de novo o mesmo ato, arguindo causas de invalidade que não tenham sido invocadas da primeira vez. (…)
Na verdade, é tradicionalmente reconhecido que as sentenças de anulação de atos administrativos envolvem, não apenas a eliminação do ato impugnado, mas a definição, em maior ou menor medida, do poder de conformação, por parte da Administração, da situação jurídica em causa. (927). Esta circunstância explica o propósito do Código de ampliar, no presente artigo, o efeito preclusivo que da sentença decorre quanto ao reexercício futuro do poder por parte da Administração[3]”.
“Como resulta do segmento final do n.º 3, a pronúncia do tribunal sobre causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas impõe a prévia notificação das partes para apresentarem alegações complementares, pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório. A referência ao princípio do contraditório não pode deixar de ser entendida em consonância com o princípio da proibição das decisões surpresa a que se refere o n.º 3 do artigo 3.º do CPC, pelo qual não é «lícito ao juiz, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem». Tratando-se assim de questão nova, sobre a qual as partes não tiveram oportunidade de se pronunciarem, há lugar à sua audição antes do tribunal emitir a sentença, sob pena de nulidade processual, por se tratar de irregularidade suscetível de influir no exame ou na decisão da causa (neste sentido, cfr. acórdão do STA de 15 de setembro de 2011, Processo n.º 505/10)[4]”.
Nos presentes autos a Autora, ora Recorrente, formulou o pedido de anulação do acto de adjudicação da proposta apresentada pela A..... , constante do despacho do Vice-Presidente do Município de Loures que concordou com a proposta do júri de admissão das propostas apresentadas pelas “concorrentes E..... – Atividades de Engenharia e T. A..., Lda., A….... D I……..., Unipessoal, Lda., A..... – S.C.A., Lda. e SCA R..... , S.A;”, de “Ordenar em 1º lugar a proposta da concorrente A..... – S.C.A., Lda, em 2º lugar a proposta da concorrente E..... – Atividades de Engenharia e T. A..., Lda., em 3.º lugar a proposta da concorrente SCA R..... , S.A e em 4º lugar a proposta da concorrente A…..... D I…….., Unipessoal, Lda” e de c) “Adjudicar a proposta da concorrente A..... – S.C.A., Lda pelo preço total das quatro viaturas de tipo ligeiro de passageiros a gasóleo, N..... P..... dci EU 6 110 CV (81kw) Vis… P-15 DV … M6, pelo preço total de €65.350,00.”, acrescido do IVA.” – cfr. pontos 22 a 24 do probatório.
Formulou também, a Autora, os pedidos de anulação do contrato e de adjudicação da proposta apresentada pela mesma.
Em sede de contestação e de alegações complementares, invocou a Entidade Recorrida que a proposta da Autora, ora Recorrente “carece de atributos, já que não está minimamente concretizada”, não fazendo qualquer referência ao modelo de viatura, “o que viola os princípios da leal concorrência, impedindo, inclusivamente, que o júri possa comparar a sua proposta com a dos outros concorrentes, o que viola o artigo 70º, n.º 2, alíneas a) e c), e artigo 57º, n.º 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos.” – cfr. artigo 21.º da contestação e 24.º do articulado denominado “Alegações complementares”.
Assim como, invocou que a Autora não tinha no seu objecto social, como actividade “o comércio de veículos automóveis” – cfr. artigo 25.º do articulado denominado “Alegações complementares”.
Efectivamente, em 2 de Outubro de 2018, o Tribunal a quo ouviu as partes em alegações complementares “para a eventualidade de o tribunal vir anular o acto impugnado ao admitir a proposta da A., por violação do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP”.
Não subsistem dúvidas que o juiz pode invocar causas de invalidade diversas das que foram invocadas pela Autora, de forma a conformar o futuro reexercício, pela Administração, do poder de avaliação das propostas, em conformidade com o previsto no n.º 3, do artigo 95.º do CPTA. Sendo que, no caso, além da impugnação do acto de adjudicação - que se trata, em simultâneo do acto de admissão das propostas apresentadas ao procedimento – a Autora peticionou, além do mais, a condenação da Entidade Recorrida a proferir nova decisão de apreciação das propostas e de adjudicação da proposta da Autora.
Como resulta dos autos, apenas a ora Recorrida apresentou alegações complementares. A ora Recorrente não apresentou alegações complementares, nem se pronunciou de qualquer forma sobre o referido despacho de 2 de Outubro de 2018, designadamente, arguindo que no mesmo não se indicavam os motivos concretos pelos quais considerava que a proposta da Autora violava o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CCP.
Tal despacho permite compreender que o motivo da eventual anulação do acto impugnado prendia-se com a admissão da proposta da Autora, por se entender que lhe faltavam atributos que impossibilitavam a avaliação da proposta.
Acresce que a invocação pela ora Recorrente da referida irregularidade deveria ter sido feita no prazo de dez dias a contar da data em que a Autora, ora Recorrente, foi notificada do referido despacho, que determinou a notificação da mesma para exercer o contraditório relativamente à possibilidade de anulação do acto impugnado com fundamento na falta de atributos da proposta apresentada e da impossibilidade de avaliação da mesma, em “violação do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP”, o que só veio a suceder, com a interposição do recurso da sentença, ou seja, para além do prazo geral de 10 dias, previsto no artigo 149.º do CPC.
Ora, conferindo o artigo 95.º, n.º 3, do CPTA a possibilidade de o tribunal identificar outras causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares, como sucedeu, podia o Tribunal a quo conhecer da invalidade do acto impugnado, na parte em que admitiu a proposta da Autora, não tendo incorrido em violação do disposto no n.º 3, do artigo 95.º do CPTA.
Vejamos, agora se a sentença recorrida violou o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CCP.
O artigo 70.º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), na redacção do DL 214-G/2015, aplicável ao caso dos autos prevê:
1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respectivos atributos;”.
Dispõe-se no artigo 56.º, n.º 1, do CCP que a “proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.”.
E no n.º 2 do referido artigo 56.º prevê-se que “Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos.”

Como se prevê no artigo 57.º, do CCP:
“1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;
(…)
4 - A declaração referida na alínea a) do n.º 1 deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.”.
O artigo 146.º do CPTA prevê no n.º 2, o seguinte:
No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…)
d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º;
e) Que não cumpram o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.ºs 1 e 2 do artigo 58.º;
(…)
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;
(…)
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º
(…)”.

Como se considerou na sentença recorrida o objecto do contrato era a aquisição de viaturas automóveis. A proposta da Autora não apresenta qualquer modelo de viatura em concreto, limitando-se a referir que a viatura proposta é uma Viatura Ligeira de passageiros a Gasóleo com as especificações técnicas do caderno de encargos.
A apresentação de um documento que contenha os termos e condições relativos aos aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule, o que poderia ser aferido, designadamente, pelo modelo concreto de viatura configura, no caso do presente concurso, dado o objecto do contrato em perspectiva (a aquisição de viaturas automóveis), um elemento essencial da proposta.
A omissão da Autora impede que o júri possa apreciar a proposta, pois, como se prevê no artigo 70.º, n.º 1, do CCP as propostas são analisadas em todos os termos e condições.
Ainda que o modelo da viatura – ou como se refere no artigo 13.º do CE, as especificações técnicas - não constitua um atributo da proposta, pois, não está submetido à concorrência, ou seja, não se mostrando violado o disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CCP, a proposta da Autora deveria ter indicado o mesmo para permitir aferir se cumpria as exigências/condições do caderno de encargos ou características técnicas requeridas pela Entidade Demandada, não submetidas à concorrência, em conformidade com o previsto no artigo 70.º, n.º 1, in fine do CCP.
Ora, “A revisão do CCP de 2017 acrescentou como causa de exclusão a apresentação de propostas que não contenham os termos ou condições relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule. (…) Em regra a não apresentação desses elementos materiais da proposta corresponde à não apresentação dos documentos que os contêm: o CCP, no artigo 146.º, n.º 2, alínea d), também prevê o efeito da exclusão para a não apresentação desses documentos.[5]”.
No caso sub iudice, sendo aplicável o CCP, na redacção introduzia pelo DL 214-G/2015, de 2 de Outubro, não tendo a Autora indicado o modelo de viatura em concreto, incorreu em violação do disposto nos artigos 57.º, n.º 1, alínea c), 70.º, n.º 1 e 146.º, n.º 2, alínea d), do CCP.
Em face do que, não procedem as conclusões 1.ª a 15.ª da alegação de recurso da Recorrente.
3.2.2. Apreciemos, agora, a questão suscitada no recurso interposto pela Entidade Demandada, como supra referimos, em virtude da decisão da mesma poder repercutir-se na decisão da outra questão suscitada pela Autora, relativa ao afastamento do efeito anulatório do contrato.
A Entidade Recorrida interpôs recurso subordinado relativamente à parte da sentença em que o Tribunal a quo considerou que a proposta da Contrainteressada A..... deveria ter sido excluída com fundamento no disposto no artigo 146.º, n.º 2, alíneas e) e l), em conjugação com os artigos 57.º, n.º 4 e 62.º, todos do CCP, por incumprimento do disposto no artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
Vejamos.
Prevê-se no n.º 4, do artigo 57.º do CCP, que “Os documentos referidos nos n.ºs 1 e 2 devem ser assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.”.
Relativamente ao “Modo de apresentação das propostas” dispõe o artigo 62.º do CCP, o seguinte:
1 - Os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e electrónica de dados, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115.º
(…)
4 - Os termos a que deve obedecer a apresentação e a recepção das propostas nos termos do disposto nos n.ºs 1 a 3 são definidos por diploma próprio.”.
A Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto que “regula a disponibilização e a utilização das plataformas eletrónicas de contratação pública, abreviadamente designadas por plataformas eletrónicas, previstas no Código dos Contratos Públicos (CCP) (…), estabelecendo os requisitos e as condições a que as mesmas devem obedecer e a obrigação de interoperabilidade com o Portal dos Contratos Públicos e com outros sistemas de entidades públicas.” – cfr. n.º 1, do artigo 1.º da referida Lei -, prevê no n.º 1 do artigo 54.º, o seguinte: “1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6.”.
No n.º 2 do referido artigo 54.º, prevê-se “Os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.”.
Nos termos do n.º 7, do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015 “Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve a entidade interessada submeter à plataforma eletrónica um documento eletrónico oficial indicando o poder de representação e a assinatura do assinante.”.
O Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril que, como se prevê no artigo 1.º “regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos electrónicos, a assinatura electrónica e a actividade de certificação de entidades certificadoras estabelecidas em Portugal”), na alínea g), do artigo 2.º define a «Assinatura electrónica qualificada» como a “assinatura digital ou outra modalidade de assinatura electrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinatura”.
O artigo 7.º, do DL 290-D/2009, com a epígrafe “Assinatura electrónica qualificada”, dispõe o seguinte:
1 - A aposição de uma assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que:
a) A pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada;
b) A assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico;
c) O documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada.
2 - A assinatura electrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou colectiva e ao documento ao qual é aposta.
3 - A aposição de assinatura electrónica qualificada substitui, para todos os efeitos legais, a aposição de selos, carimbos, marcas ou outros sinais identificadores do seu titular.
4 - A aposição de assinatura electrónica qualificada que conste de certificado que esteja revogado, caduco ou suspenso na data da aposição ou não respeite as condições dele constantes equivale à falta de assinatura.”.
E nos termos do n.º 5, do artigo 3.º do referido DL 290-D/2009, “o valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada é apreciado nos termos gerais de direito.”.
A assinatura electrónica qualificada “(..) consiste numa assinatura digital ou noutra assinatura electrónica avançada que ofereça as mesmas garantias de certificação (...)” e “(...) corresponde a uma das modalidades da assinatura electrónica avançada que tem por base um certificado com os elementos do art.º 29.º do DL 290-D/99 (...)”, garantindo as exigências de segurança baseadas “num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinatura” conforme disposto no art.º 2.º al. g) do DL 290-D/99, alterado pelo DL 88/2009.
Tratando-se de assinatura electrónica qualificada, cabe levar em conta dois planos de análise.
Primeiro: a empresa que realiza as operações de geração e gestão das chaves para efeitos de aposição de assinaturas electrónicas qualificadas em plataformas electrónicas de contratação pública, está certificada pela entidade credenciadora no nosso Pais, o Gabinete Nacional de Segurança (GNS), existindo em Portugal, conforme lista de publicitação obrigatória (art.º 4.º Lei 96/2015) quatro empresas credenciadas para o efeito, entre as quais a empresa referida nos presentes autos.
Segundo: aposta uma assinatura electrónica qualificada em documento cujo conteúdo configure uma declaração escrita, têm-se como estabelecidas, por disposição expressa do art.º 7.º n.º 1 als. a), b) e c) DL 290-D/99, alterado pelo DL 88/2009 (RJDEAD), “(,.) três presunções: (i) que a pessoa que apôs a assinatura é o titular desta (ou é representante com poderes bastantes da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica qualificada), (ii) que a assinatura electrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento electrónico (iii) e que o documento electrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada.(...)
(..) por outro lado, prescreve-se que a agregação de uma assinatura electrónica qualificada certificada por entidade credenciada confere ao documento electrónico a força jurídica de um documento particular dotado de assinatura reconhecida por entidade com funções notariais, fazendo prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (..)”, conforme disposições conjugadas do art.º 3.º n.º 2 do DL 290-D/99, alterado pelo DL 88/2009 e art.º 376° C. Civil.[6]”.
Citando Luis Valadares Tavares “Empresas especializadas e certificadas vendem não só os selos temporais como os chamados “certificados digitais qualificados” (…) os quais permitem apor as assinaturas electrónicas qualificadas (...) e também autenticar que a qualidade em que o documento é assinado, por exemplo (…) como representante de dada organização detendo os devidos poderes para a obrigar para efeitos da apresentação de propostas para contratação pública.[7]”.
Como vimos, o artigo 7.º, n.º 1, do DL n.º 290-D/99, determina que a aposição de uma assinatura electrónica qualificada num documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita em suporte de papel, beneficiando das referidas presunções. “Parece-nos seguro afirmar que estas presunções correspondem aos fins ou interesses específicos visados pela assinatura electrónica qualificada, a saber: (i) função identificadora “pela qual a assinatura atribui inequivocamente a declaração ao signatário, estabelecendo a autoria deste, ou em seu nome próprio ou como representante de uma pessoa colectiva” ii) função finalizadora ou confirmadora, exprimindo a conclusão do documento e o “assentimento do signatário quanto às declarações de vontade e/ou de conhecimento dele constantes, assumindo-as como sendo próprias dele e estando correcta e completamente expressas no texto precedente” garantindo a efectiva vinculação do concorrente ao conteúdo da sua proposta (pilar de todo o sistema da contratação pública); iii) e, por fim, uma função de inalterabilidade atestando que depois de assinado o documento não foi alterado.
O cumprimento desta formalidade visa, em suma, assegurar que os documentos são da autoria do signatário, que aos mesmos se pretendeu vincular, e que o conteúdo desses documentos não foi alterado após a assinatura.
(…) as finalidades visadas pela assinatura electrónica qualificada devem ser alcançadas, ainda que por outra via, desde o momento da entrega definitiva da proposta. (…) se as finalidades subjacentes à assinatura electrónica qualificada não forem alcançadas desde o momento da entrega definitiva da proposta, a entidade adjudicante não deverá formular um convite ao suprimento dessa formalidade. Não estamos, pois, perante um caso em que o vício formal possa ser “sanado pelo cumprimento ulterior da formalidade omitida”[8]”.
Sobre o âmbito da assinatura electrónica qualificada têm-se suscitado dúvidas ou equívocos, que foram identificados, por um lado, i) como relativos à necessidade de dupla assinatura do documento e ficheiro, equivoco que “não se justifica pois a assinatura electrónica obriga o ficheiro e o seu conteúdo. Ou seja, não é possível assinar electronicamente um documento sem assinar o ficheiro e vice-versa.[9]”; e por outro, ii) como relativas à necessidade de dupla assinatura, para assinar a proposta e para entregar a proposta, não tendo fundamento esta duplicidade.
Feito o enquadramento jurídico e doutrinal, vejamos, agora o caso dos autos.
A sentença recorrida considerou procedente este invocado vício de violação de lei, com a seguinte fundamentação de facto e de direito:
“A A..... é uma sociedade por quotas e os atos praticados pelos seus gerentes vinculam-na (cfr. artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais) com a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados atos ou categorias de atos, sem necessidade de cláusula contratual expressa (cfr. artigo 252, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais).
Em concreto, quem assinou electronicamente o documento da proposta a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 57º do CCP foi Agostinho ....., na qualidade de procurador, constando da assinatura electrónica a referência expressa à denominação da A..... .
Contudo, dos detalhes do certificado digital de Agostinho ..... apenas resultam poderes para “Assinar em Plataforma Eletrónicas de Contratação”.
Em lado algum da proposta é possível verificar que Agostinho ..... tinha poderes para obrigar a A..... , pois esta não juntou com a sua proposta procuração que conferisse poderes a Agostinho ..... para a obrigar.
Ou seja, o titular da assinatura electrónica qualificada aposta na declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos é de um procurador que não tinha poderes para obrigar a sociedade.
Não foi, assim, observado o disposto no artigo 57º, nº 4, do CCP.
Pelo exposto, a proposta da A..... devia ter sido excluída do concurso ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 2, alínea a) do CCP, conjugado com o artigo 57, nº 4 do mesmo diploma.”.
Esta decisão não pode manter-se, como veremos.
Ora, resulta das disposições conjugadas dos artigos 54.º, n.º 1, da Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto, 2.º, alínea g) e 7.º, n.º 1 do DL 290-D/99, de 2 de Agosto, que os documentos submetidos na plataforma electrónica devem ser assinados com recurso a uma assinatura electrónica qualificada e que a aposição de assinatura electrónica qualificada a um documento electrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos e cria a presunção, nomeadamente, de que a pessoa que apôs a assinatura electrónica qualificada é o titular desta ou, no caso da pessoa colectiva ser a titular da assinatura electrónica qualificada, a pessoa que apôs a assinatura é representante da mesma com poderes bastantes.
E nos termos do estabelecido no n.º 4, do artigo 57.º do CCP, os documentos, designadamente, a proposta deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar.
Efectivamente, dos factos provados resulta que “Os documentos que instruem a proposta da A..... foram assinados eletronicamente por Agostinho ....., nomeadamente o documento da proposta a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 57º do CCP, constando da assinatura electrónica a referência expressa à denominação da A..... .”, e que “dos detalhes do certificado digital de Agostinho ..... apenas resultam poderes para “Assinar em Plataforma Eletrónicas de Contratação”.”.
Estando, assim, assegurada a referida função identificadora pela qual a assinatura atribui inequivocamente a declaração ao signatário, estabelecendo a autoria deste, no caso sub iudice, como representante de uma pessoa colectiva – a A..... , beneficiando da presunção legal de que a pessoa que a apôs é o representante com poderes bastantes, da CI, para a obrigar, como decorre do artigo 7.º do DL 290-D/2009.
Acresce que se provou que o certificado digital qualificado de que é titular Agostinho ....., foi emitido com o perfil de representação da A..... – S.C.A., Limitada, na sequência da apresentação do “Pedido de Emissão de certificado Digital Qualificado (Perfil: Representação – Organização), ao qual foi anexado instrumento denominado “Procuração”, que confere poderes ao mesmo para representar a CI. Ou seja, provou-se, também, que o titular da assinatura electrónica qualificada aposta na declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos é um procurador, com poderes para obrigar a sociedade.
No caso dos autos, não só o certificado digital permite relacionar o assinante com a função e poder de assinatura, como se provou que o titular tinha poderes para obrigar a CI – cfr. pontos 6, 7, A e B do probatório.
Ora, nos termos do previsto no n.º 4, do artigo 57.º do CCP a proposta deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar, sendo que nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função, deve ser acompanhado de documento comprovativo de atribuição daqueles poderes, situação que não se verifica no caso dos autos, como vimos.
Neste sentido decidiu-se, no Acórdão deste TCA Sul de 3/11/2016, proc. n.º 13703/16[10], proferido ao abrigo da Portaria 701-G/2008, de 29/7, revogada pela Lei n.º 96/2015, mas que mantém pertinência para o caso sub iudice, como resulta do respectivo sumário: “I - Há que distinguir a assinatura dos documentos que compõem a proposta, designadamente da declaração mencionada na al. a) do n.º 1 do art. 57º, do CCP, a qual pode ser manuscrita, da assinatura que ocorre aquando da submissão da proposta, a qual tem de ser uma assinatura electrónica qualificada (cfr. art. 62º n.º 4, do CCP, art. 11º n.ºs 1 e 2, do DL 143-A/2008, de 25/7, e art. 27º n.º 1, da Portaria 701-G/2008, de 29/7).
II – Conforme decorre do teor do n.º 3 do art. 27º, da Portaria 701-G/2008, de 29/7, a entidade interessada só tem de submeter à plataforma um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante caso o certificado digital não possa relacionar directamente o assinante com a sua função e poder de assinatura.”.
No caso sub iudice o certificado digital utilizado permite relacionar o assinante com a sua função, pois, no mesmo faz-se referência aos poderes de representação da CI A..... pelo respectivo titular, conferindo-lhe os já referidos poderes de assinatura em plataformas electrónicas. Sendo que a menção a estes poderes corresponde à exigência a que se refere o artigo 54.º, n.º 2, da Lei n.º 96/2015, em conformidade com a exigência decorrente da previsão do artigo 57.º, n.º 4, do CCP, pelo que, não estamos perante uma situação de exclusão da proposta apresentada pela CI, com fundamento no disposto no artigo 146.º, n.º 2, alíneas e) e l) do CCP.
Ora, o certificado digital de assinatura qualificada, em causa nestes autos, permite relacionar o assinante com a sua função e o seu poder de representação, pelo que carecia de fundamento submeter à plataforma electrónica um documento electrónico oficial indicando o poder de representação do assinante, nos termos do artigo 54.º, n.º 7 da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.
Pois trata-se de um “Certificado Digital Qualificado – Profissional”, com perfil de representação, o qual lhe confere poderes para assinar em plataformas electrónicas, em nome da CI, obrigando-a.
Em suma, uma vez que o certificado digital qualificado de que é titular Agostinho …., mediante o qual foi assinado o referido documento da proposta, confere poderes a Agostinho ….. para assinar em plataformas electrónicas, em representação da A..... , beneficiando, assim, da presunção prevista no artigo 7.º do DL 290-D/99, permite relacionar o mesmo com a sua função na A..... , não era exigível que esta tivesse de submeter à plataforma eletrónica um documento electrónico oficial – designadamente, certidão permanente do registo comercial, procuração ou delegação de poderes emitida pelos legais representantes da CI, com menção expressa de poderes de representação para obrigar e vincular a mesma, indicando o poder de representação e a assinatura do assinante, em conformidade com o previsto no artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015.
Neste sentido decidiu-se, também, no acórdão deste TCA Sul, de 12 de Setembro de 2019, processo n.º 418/18.2BELSB, consultável no SITAF e em que são partes as mesmas partes dos presentes autos, as quais já foram notificadas do mesmo, como resulta do seguinte excerto: “não se descortina que a assinatura digital qualificada aposta pelo dito Agostinho …. na declaração de aceitação do caderno de encargos fosse susceptível de não obrigar o concorrente A..... , Lda, não se cumprindo o disposto no art.º 57º/4 do CCP, considerando o perfil de “representação” da assinatura digital qualificada utilizada, devendo concluir-se que não se verifica a previsão do disposto no art.º 146º/2/e) do CCP, não existindo fundamento legal para a exclusão da proposta apresentada pela A..... , Lda.”.
Em face do que se conclui que a sentença recorrida, nesta parte, incorreu no vício de violação do disposto no artigo 146.º, n.º 2, alíneas e) e l), em conjugação com os artigos 57.º, n.º 4 e 62.º, todos do CCP, bem como, do disposto no artigo 54.º, n.º 7, da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, não podendo manter-se.
*

3.2.3. Em face da procedência do recurso interposto pela Entidade Demandada, deixa de se verificar o fundamento julgado procedente pelo Tribunal a quo para anular o acto impugnado, o que será considerado em sede de apreciação do vício subsequente.
Tal como será tida em consideração a improcedência do recurso interposto pela Autora, quanto ao fundamento de exclusão da proposta da mesma.
Referiu a Recorrente que a sentença recorrida errou ao determinar o afastamento do efeito anulatório do contrato não só porque a proposta da Autora estava em condições de ser aceite e devia ter sido adjudicada, como os demais argumentos invocados na sentença recorrida não preenchem os pressupostos previstos no artigo 283.°, n.° 2 do CCP (na redação em vigor à data em que foi tomada a decisão de contratar). Se a legalidade tivesse sido observada pela Entidade Demandada, a Contrainteressada A..... nunca seria adjudicatária no procedimento em apreço, pelo contrário, a adjudicação teria de ser feita à Autora, ora Recorrente, por ter sido a única concorrente que apresentou uma proposta válida à luz das regras procedimentais e legais aplicáveis, pelo que a anulação da adjudicação e do contrato implicariam uma modificação subjetiva, não sendo o contrato a celebrar celebrado com o mesmo cocontratante.
Referiu, também, que não se configura, por outro lado, a existência de uma desproporção ou violação do princípio da boa fé, pois, a anulação do contrato não é desproporcionada, mas sim absolutamente impossível por, em virtude do levantamento do efeito suspensivo da presente acção, já ter sido executado o contrato a celebrar - cfr. Ponto 31 do probatório, da qual decorre que as quatro viaturas já foram entregues pela Contrainteressada A..... à Entidade Demandada, tendo essa entrega ocorrido em 11 de Abril de 2018. Impunha-se que o Tribunal a quo, reconhecendo o bem fundado da pretensão da Recorrente, tivesse dado aplicação ao disposto no artigo 45.º, n.º 1 do CPTA, para efeitos indemnizatórios.
O artigo 285.º, do CCP, com a epígrafe: “Invalidade consequente de actos procedimentais inválidos” dispõe:
“1 - Os contratos são nulos se a nulidade do acto procedimental em tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo.
2 - Os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os actos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável quando o acto procedimental anulável em que tenha assentado a celebração do contrato se consolide na ordem jurídica, se convalide ou seja R..... vado, sem reincidência nas mesmas causas de invalidade.
4 - O efeito anulatório previsto no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial.”.

Como refere Vieira de Andrade - também citado pela Entidade Recorrida – a propósito do afastamento do efeito anulatório “A anulabilidade ou a anulação do acto procedimental poderão não se projectar sobre a validade do contrato, havendo lugar ao aproveitamento do contrato (“afastamento do efeito anulatório”) por decisão judicial (…): - quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva do contrato celebrado (isto é, que não seria outro o co-contratante privado) ou uma alteração do seu conteúdo essencial, ou ainda (mesmo que se verificassem essas modificações) - quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade do vício, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé[11]”.
A sentença recorrida após ter considerado que a proposta da CI deveria ter sido excluída em virtude de ter violado o disposto no nos artigos 57º, nº 4, 62º, 146º, nº 2, alíneas e) e l) do CCP e do disposto no artigo 54º, nº 7, da Lei nº 96/2015, decidiu afastar o efeito anulatório do contrato, com os seguintes fundamentos:
“Tendo em consideração que:
- Nenhuma das propostas que foram apresentadas a concurso estava em condições de ser aceite;
- O facto de a proposta da A..... não se encontrar subscrita por pessoa com capacidade para a obrigar em nada interferiu com o conteúdo do contrato celebrado entre esta empresa e o Município Réu;
- Não foi alegada, nem provada, qualquer intenção dolosa por parte da A..... ou do Réu na violação do disposto do disposto nos artigos 57º, nº 4, 62º, 146º, nº 2, alíneas e) e l) do CCP e do disposto no artigo 54º, nº 7, da Lei nº 96/2015;
- À data em que a A..... foi citada para a presente ação já tinha comprado os veículos à N..... I…. e estava, portanto, já desembolsada do respetivo valor (cfr. pontos 27. e 28. da matéria de facto);
- O presente concurso foi dotado de urgência em função da necessidade que o Réu tinha nos veículos em causa (cfr. ponto 1. da matéria de facto);
Impõe-se o afastamento do efeito anulatório previsto no nº 2 do artigo 283º do CPP por se verificarem os pressupostos para tanto, aí previstos.”.
Na verdade, a decisão de afastamento do efeito anulatório, não merece a censura que lhe foi dirigida, pois, em face dos factos provados e tidos em consideração na mesma, a anulação do contrato revelar-se-ia desproporcionada ou contrária à boa fé. E isto porque, o vício que determinaria a anulação do contrato em nada afectaria, como efectivamente, não afectou o contrato, quer relativamente aos sujeitos, quer relativamente ao seu objecto.
Ao invés a anulação do contrato revelar-se-ia gravemente lesiva dos interesses da CI, que efectuou a compra das viaturas em 15 de Fevereiro de 2018 – em momento anterior à citação da CI e da Entidade Recorrida, para os termos da presente acção - e as entregou à Recorrida, em 11 de Abril de 2018 – cfr. pontos 25 a 31 do probatório.
Sucede que como vimos, a proposta da CI não padecia do vício que a sentença recorrida entendeu verificar-se, pelo que, estamos perante uma situação em que não haveria que proceder à aplicação do regime jurídico decorrente do artigo 285.º do CCP.
Por outro lado, não tendo a sentença recorrida reconhecido o bem fundado da pretensão da Recorrente - tal como, não se reconheceu no presente recurso -, a adjudicação não poderia ser feita à Autora, ora Recorrente, pelo que, não se estava perante uma situação de aplicação do regime previsto nos artigos 45.º, n.º 1 e 45.º-A, do CPTA.
Em face do que se conclui que o recurso interposto pela Autora não merece provimento.
Deve, assim, ser negado provimento ao recurso interposto pela Autora e Recorrente e ser concedido provimento ao recurso subordinado interposto pela Entidade Recorrida.
*

As custas serão suportadas pela Recorrente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.
*

IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
- Negar provimento ao recurso autónomo interposto pela Autora e confirmar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedentes os pedidos de anulação do contrato e de condenação da Entidade Recorrida a proferir nova decisão de adjudicação da proposta da Autora, ora Recorrente, com a presente fundamentação;
- Conceder provimento ao recurso subordinado interposto pela Entidade Recorrida, revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de anulação do ato impugnado, e, consequentemente julgar improcedente o pedido de anulação do ato impugnado.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 10 de Outubro de 2019.
____________________________
(Helena Afonso – relatora)

_____________________________
(Pedro Figueiredo)

____________________________
(Cristina dos Santos)



__________________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, Almedina, pág. 81-82.
[2] Cfr. Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição Revista e actualizada, Almedina, pág. 190.
[3] Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, Almedina, pág. 765-766.
[4] Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in obra citada, pág. 767-768.
[5] Cfr. Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 3.ª edição, vol. I, pag. 898-899.
[6] Afonso Patrão, Assinaturas electrónicas, documentos electrónicos e garantias reais, Rev/CEDOUA n.º 29/2012, págs. 53, 55- 57, 59-60 – cfr. voto de vencido, no acórdão do TCA Sul, de 28/06/2018, proc. n.º 278/17.0BECTB, consultável em www.dgsi.pt., como todos os acórdãos citados sem indicação de fonte.
[7] Cfr. Luís Valadares Tavares, in O guia da boa contratação pública, OPET/2017, pág. 98.
[8] Luís Verde de Sousa, Alguns problemas colocados pela assinatura electrónica das propostas, Revista de Contratos Públicos n.º 9/2013, CEDIPRE, pág. 69-70, notas 28-30.
[9] Luís Valadares Tavares, O guia da boa contratação pública, OPET/2017, págs. 101-102.
[10] Também citado pela Entidade Recorrida e consultável em www.dgsi.pt.
[11] Lições de Direito Administrativo, 4.ª ed., Coimbra, 2015, p. 299-300.