Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1458/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:LIQUIDAÇÃO JULGADO
JUROS DE MORA
Sumário:I - Aos juros de mora, relativos a privilégio creditório imobiliário geral e especial, por créditos de IRS e de IMI, a atender na graduação de créditos, aplica-se o principio geral de dois anos anteriores à penhora, ínsito no artigo 734.º do CC
II - Os restantes juros de mora da divida exequenda não podem ser contabilizados como acessório do crédito abrangido pelo privilégio creditório, mas enquanto crédito exequendo gozam da penhora, encontrando-se no escalão inferior daqueles créditos graduáveis, e podem ser contados nos termos do artigo 44.º da LGT e atendidos e graduados no lugar próprio.
III - O n.º 8 do artigo 262.º do CPPT aplica-se apenas aos créditos públicos que são cobrados pelos serviços de finanças do próprio credor e não já aos créditos não fiscais.
IV - Os juros de mora relativos a créditos não fiscais devem ser contados até ao momento da liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. G....., veio interpor recurso jurisdicional do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente improcedente a reclamação relativa à liquidação do julgado, elaborada após a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos.

2. O Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«JUROS DOS CRÉDITOS DE IMI E DE IRS QUE BENEFICIAM DE PRIVILÉGIO

1.ª Os juros dos créditos fiscais que beneficiam do privilégio creditório imobiliário a que se referem os artigos 734.º e 744.º, do Código Civil, para o IMI, e artigos 734.º, do Código Civil e 11.º, do Código do IRS, têm o limite de dois anos;

2.ª Tais juros, por outro lado, são os vencidos nos dois anos anteriores à penhora feita no processo de execução em que surgem reclamados aqueles créditos, pois que a expressão de “dois anos” referida no artigo 734.º, do Código Civil tem exactamente o mesmo sentido que a mesma expressão posta no artigo 744.º, do mesmo Código, onde se lê os dois anos anteriores à penhora;

3.ª É que, como deliberaram os Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Sul, em acórdão de 5 de Junho de 2019, citando até um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, “Nas dívidas por créditos do Estado (por impostos indirectos e directos referidos nos arts. 736º do e 744º do CCivil ou em normas de natureza tributária) que gozem de privilégio creditório, este abrange os respectivos juros relativos aos últimos dois anos (art. 734º do CCivil), regime idêntico resultando do disposto no art. 8° do DL n° 73/99, de 16/3, especificamente para as dívidas provenientes de juros de mora”, ao que acresce, como ali fundamentam, que “por outro lado releva que a penhora do imóvel efectivou-se em 2010” – conclusão adaptada do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Junho de 2019 disponível para consulta em [www.dgsi.pt], com a referência de Processo 1956/10.0BESNT.

JUROS DOS CRÉDITOS NÃO FISCAIS

4.ªNuma execução, os juros de mora vincendos relativos a créditos não fiscais devem ser contados até à liquidação efectuada na altura da elaboração da conta no processo e não até à data da venda”– conclusão retirada do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2007 disponível para consulta em [www.dgsi.pt], com a referência de Processo 0957/06.

5.ª A esta conclusão não obsta o disposto no n.º 8, do artigo 262.º, do CPPT, que cuida apenas dos créditos tributários ou outros créditos que, não sendo tributários, podem ser cobrados em execução fiscal, que não os créditos reclamados em execução fiscal;

RESTA DIZER

6.ª O despacho recorrido violou as seguintes disposições legais: artigo 734.º e 762.º, do Código Civil e do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; artigos 133.º, n.º 2, alínea b), 133.º, n.º 1, 1.ª parte, 124.º, n.º 1, alínea a), 133.º, n.º 2, alínea d) e 134.º, n.º 2, todos do Código do Procedimento Administrativo; e artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores doutamente supridos por V.as Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso, em consequência do que deve ser revogada a decisão recorrida, na parte em que indeferiu a reclamação ali apresentada, que deve ser substituída por outra que determine que a liquidação do julgado tenha em conta que:

− os juros dos créditos de IMI e IRS que beneficiam de privilégio creditório imobiliário são os juros de dois anos, anteriores à penhora (ou anteriores à venda, como se entender melhor);

− os juros do crédito do aqui recorrente devem ser contados até à data da liquidação do julgado.»

3. A recorrida, M....., apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:

«1. O Recorrente pretende que a liquidação do julgado seja substituída por outra que considere que os juros de mora relativos aos créditos de IMI e IRS que beneficiam de privilégio creditório imobiliário são os juros de 2 (dois) anos, anteriores à penhora ou à venda, bem como que os juros de mora relativos ao seu crédito sejam calculados até à data da liquidação do julgado. Não lhe assiste razão.

2. No dia 23/01/2007 a penhora do imóvel foi registada em favor da Fazenda Pública. Assim, nos termos do nº 1 do artigo 744º do Código Civil, os créditos do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), relativos aos anos de 2005 e 2006 – bem como os correspondentes juros de mora – inscritos para cobrança em 2006 e 2007, foram graduados em 1º lugar.

3. E consoante o disposto no artigo 111º do CIRS, em 3º lugar foram graduados os créditos do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) relativos aos anos de 2005 e 2006 – bem como os correspondentes juros de mora.

4. No caso concreto, a liquidação do julgado observou o previsto no artigo 44º da LGT, bem como o nº 1 do artigo 3º e o artigo 8º, ambos do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de março. Razão pela qual, quanto à Reclamação apresentada pelo Recorrente, assim entendeu a ilustre juíza a quo:

Neste caso, a liquidação do julgado, contou os juros de mora considerados como devidos a partir da data limite de pagamento voluntário de cada imposto que foi graduado por sentença, à taxa de 1% ao mês, até ao limite máximo de 3 anos – 36 meses – 36%, tendo como limite a data da venda (22.10.2009) do bem imóvel penhorado nos autos, ou seja, até à data do depósito do preço do imóvel penhorado e vendido na execução fiscal, pelo que não enferma a liquidação de qualquer erro.

5. Importa, ainda, referir que o Supremo Tribunal Administrativo já decidiu no sentido de que o disposto no artigo 734º do Código Civil não tem aplicação às dívidas relativas a juros de mora que forem atribuídos por lei às dívidas sobre as quais eles recaírem, conforme corroboram as jurisprudências citadas no artigo 13º deste articulado.

6. Portanto, não assiste razão ao Recorrente no que se refere aos juros de mora relativos aos créditos de IMI e IRS, de 2005 e 2006, devidos ao Estado.

7. Também não assiste razão ao Recorrente no que se refere aos juros de mora relativos ao seu crédito “(…) por entender que a contagem de juros deve ser feita até à data da liquidação e não da venda.”

8. O imóvel objeto da penhora foi vendido no dia 22/10/2009 pela quantia de € 67.240,00 (sessenta e sete mil e duzentos e quarenta euros), que é insuficiente para liquidar todos os créditos reclamados.

9. Ocorre que nos termos do nº 8 do artigo 262º do CPPT, uma vez que o produto da venda não é suficiente para liquidar totalmente a quantia exequenda, os juros de mora são calculados até ao mês em que ocorreu aquela venda.

10. Na liquidação do julgado os juros de mora relativos ao crédito do Recorrente foram calculados desde 12/02/2008 até 22/10/2009 (data em que ocorreu a venda do imóvel). Portanto, neste sentido, está correta a liquidação.

11. Por todo o anteriormente exposto, conclui-se que a ilustre juíza a quo decidiu acertadamente, não merecendo o acórdão qualquer reparo.

EM SUMA: Considerando-se todo o anteriormente exposto, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão proferida pela ilustre juíza a quo.

Assim:

A Recorrida M..... requer a manutenção da decisão proferida pela ilustre Juíza a quo, prosseguindo a instância os seus ulteriores termos até ao final.

Só assim se fará JUSTIÇA!»

4. A Reclamada, M....., apresentou contra-alegações sustentando a decisão recorrida. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

5. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

6. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito ao confirmar a liquidação do julgado quanto à forma como foram contados (i) os juros de mora relativos aos créditos de IMI e IRS que beneficiam de privilégio creditório e (ii) e os juros de mora dos créditos não fiscais.


*

III – DESPACHO RECLAMADO

O despacho reclamado tem o seguinte teor:

«Reclamação apresentada pelo credor G……, em 27.05.2019, relativamente à liquidação do julgado, a fls. 307 a 310 dos autos (em suporte físico):

Alega o Credor Reclamante, em síntese, que, sendo os juros acessórios do crédito, devem ser calculados, nos termos previstos no art. 734.° do Código Civil, e, quanto ao crédito hipotecário, que a C…. efectuou a respectiva liquidação, em requerimento de 21.12.2015, pelo valor de € 44.036,19, sendo esse o montante que deve constar da liquidação. Mais defende, relativamente ao crédito por si reclamado, que a contagem de juros deve ser efectuada até à data da liquidação.

Em 27.06.2019, foi elaborada informação, nos termos do art. 31.°, n.° 4 do RCP.

Os autos foram em vista ao Digno Magistrado do Ministério Público que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação.

Cumpre apreciar:

Ponto 1 - Juros de mora referentes aos créditos devidos ao Estado - IMI e IRS, de 2005 e 2006

Na sentença proferida nos autos de reclamação de créditos foram graduados os seguintes créditos:

1.º Créditos de IMI, relativos aos anos de 2005 e 2006, inscritos para cobrança entre 2006 e 2007, relativo ao prédio penhorado, e respectivos juros de mora;

2.º Crédito hipotecário reclamado pela C…., S.A., garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado, e respectivos juros de mora relativos aos últimos três anos;

3.º Crédito de IRS relativo aos anos de 2005 e 2006, e respectivos juros de mora;

4.º Restantes créditos exequendos que gozam da garantia da penhora;

5.º Crédito reclamado por G....., e garantido por penhora".

Tendo a penhora do imóvel sido registada em 23.01.2007 a favor da Fazenda Pública, foram graduados por sentença em 1° lugar, os créditos imobiliários especiais de IMI, de 2005 e 2006, bem como os correspondentes juros de mora, inscritos para cobrança, respectivamente, em 2006 e em 2007, ao abrigo do art. 744.° n.° 1 do Código Civil, que estipula que os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente da data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.

Foram também graduados por sentença em 3° lugar, os créditos referentes a dívidas por IRS relativas aos anos de 2005 e 2006 e correspondentes juros de mora, nos termos do art. 111.°° do CIRS.

No caso das dívidas tributárias, estabelece o art. 44° da Lei Geral Tributária (na redacção da Lei n.° 55-A/2010 de 31 de dezembro), que:

1 - São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.

2 - O prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos.

3 - A taxa de juro de mora será a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.

De acordo com o art. 8.° do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março, que fixa o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, as dívidas provenientes de juros de mora gozam dos mesmos privilégios que por lei sejam atribuídos às dívidas sobre que recaírem.

A taxa de juros de mora é de 1% ao mês, se o pagamento se fizer dentro do mês de calendário em que se verificou a sujeição aos mesmos juros, aumentando-se uma unidade por cada mês de calendário ou fracção que fixe prazo diverso, nos termos do respectivo art. 3.°, n.° 1. Estabelece, por sua vez, o art. 4.°, n.° 1 deste diploma que a liquidação de juros de mora não poderá ultrapassar os últimos cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem. No entanto, o disposto nesta norma, não prejudica o disposto em legislação especial que fixe prazo diverso (cfr. art. 4.°, n.° 2).

Neste caso, a liquidação do julgado, contou os juros de mora considerados como devidos a partir da data limite de pagamento voluntário de cada imposto que foi graduado por sentença, à taxa de 1% ao mês, até ao limite máximo de 3 anos - 36 meses - 36%, tendo como limite a data da venda (22.10.2009) do bem imóvel penhorado nos autos, ou seja, até à data do depósito do preço do imóvel penhorado e vendido na execução fiscal, pelo que não enferma a liquidação de qualquer erro.

Na verdade, ao contrário do que alega o Credor Reclamante, resulta de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo que o artigo 734.° do Código Civil não tem aplicação às dívidas de juros de mora respeitantes a créditos de impostos (cfr. acórdão proferido no processo n.° 0129/08, de 21.05.2008), improcedendo, por isso, nessa parte, a presente reclamação.

Ponto 2 - Juros de mora devidos ao credor Caixa Geral de Depósitos

Nos presentes autos, o credor Caixa Geral de Depósitos solicitou o pagamento das seguintes quantias € 39.270,51, a título de capital, € 1.277,38, a título de juros de 07.01.2008 a 02.07.2008, despesas, no valor de € 4,24, num total de € 40.552,13., acrescido de juros vincendos a partir de 02.07.2008 até à data da venda (22.10.2009), à taxa de 10,246% ao ano.

Em requerimento apresentado a 21.12.2015, a fls. 270 dos autos, veio a CGD indicar que o valor do crédito reclamado, até à data da venda (22.10.2009), era de € 44.036,19, considerando os juros vincendos a partir de 02.07.2008, calculados à taxa de 10,246%, ao ano.

Na liquidação efectuada foram calculados juros vincendos desde 03.07.2008 até 22.10.2009 (477 dias), à taxa de 10,246% ao ano, perfazendo o montante de € 5.258,31.

Ora, considerando a reclamação apresentada, deverá ser corrigida a liquidação, devendo ser a mesma efectuada pelo valor da contagem de juros apresentada pela CGD, a 21.12.2015, no valor total de € 44.036,19, uma vez que a mesma já incluía o valor devido a título de juros vincendos até à data da venda.

Ponto 3 - Juros de mora devidos ao credor G.....

O Credor Reclamante solicitou o pagamento das seguintes quantias: capital € 9.975,96, juros de 27.02.2002 a 11.02.2008 à taxa anual de 4%, no valor de € 2.047,67, num total de € 12.023,63.

Na liquidação do julgado, foram calculados os juros vincendos a partir de 12.02.2008 até à data da venda. Assim, foi considerado o valor de capital, de € 9.975,96, e de juros de 27.02.2002 a 11.02.2008, à taxa anual de 4%, no valor de € 2.047,67, acrescido de juros de 12.02.2008 a 22.10.2009 (data da venda), à taxa anual de 4%, no valor de 1.075,76, perfazendo o montante de € 13.099,39

Vem o Credor Reclamante insurgir-se contra esta liquidação, por entender que a contagem de juros deve ser feita até à data da liquidação e não da venda.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, à luz do disposto no artigo 262.°, n.° 8 do CPPT, previsto para situações em que, na venda, forem arrecadadas importâncias insuficientes para solver a dívida exequenda e o acrescido, como sucede no caso dos autos, a contagem dos juros tem como limite a data da venda.

Consequentemente, e nos termos anteriormente expostos, procede parcialmente a reclamação, devendo ser corrigida a liquidação quanto ao valor do crédito reclamado pela C…..»


*

2. O DIREITO

Está em causa no presente recurso o despacho que recaiu sobre a reclamação da liquidação de julgado apresentada pelo ora Recorrente, na parte em que a indeferiu, e, em consequência, manteve a liquidação dos juros de mora dos créditos de IMI e de IRS, de 2005 e 2006, os quais foram contados a partir da data limite de pagamento voluntário de cada imposto que foi graduado por sentença até ao limite de 3 anos, tendo como data limite a data do depósito do preço do imóvel penhorado e vendido na execução fiscal, e os juros de mora devidos do crédito não fiscal contados a partir de 12/02/2008 e até à data da venda.

Apreciemos, então, cada uma das questões que nos foram colocadas.

2.1. O Recorrente não se conforma com o decidido alegando que os juros dos créditos fiscais que beneficiam do privilégio creditório imobiliário a que se referem os artigos 734.º e 744.º do Código Civil (CC) para o IMI, e artigos 734.º do CC e 111.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), têm o limite de dois anos, e são os vencidos nos dois anos anteriores à penhora feita no processo de execução fiscal em que surgem reclamados aqueles créditos.

O despacho recorrido considerou correcta a liquidação de julgado que contou os juros de mora dos créditos de IMI e de IRS a partir da data limite de pagamento voluntário de cada imposto que foram graduados na sentença, e até ao limite de 3 anos (36 meses) tendo como data limite a data da venda (22/10/2009), tendo afastado a aplicação do artigo 734.º do CC, no entendimento que não tem aplicação às dívidas de juros de mora respeitantes a créditos de imposto.

Importa saber se os juros de mora dos créditos de IMI e de IRC, respectivamente, com privilégio imobiliário especial e imobiliário geral, em processo de execução fiscal, contados a partir da data limite de pagamento voluntário devem ter o limite de 3 anos ou de 2 anos.

Vejamos.

O património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários e para garantia destes a Administração Tributária dispõe ainda dos privilégios creditórios previstos no Código Civil e nas leis tributária (artigos 50.º n.ºs 1 e 2 da LGT, 601.º e 817.º do CC).

Os privilégios creditórios consistem na faculdade que a lei concede a determinados credores de serem pagos com preferência em relação a outros credores, nomeadamente como sucede com os créditos tributários, atendendo ao interesse público que lhe é implícito, por se destinaram à satisfação das necessidades colectivas (artigos 50.º, n.º 2, alínea a) da LGT e 733.º do CC).

Em relação ao credor fiscal, as dívidas provenientes de juros de mora gozam dos mesmos privilégios atribuídos por lei às dívidas sobre que recaírem (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de Março)

Com efeito, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 73/99 dispõe o seguinte:

«As dívidas provenientes de juros de mora gozam dos mesmos privilégios que por lei sejam atribuídos às dívidas sobre que recaíam.»

A nosso ver a transcrita norma, no que aos acessórios do crédito respeita, está a remeter para o recorte geral que os privilégios creditórios têm no Código Civil.

Assim sendo, importa trazer à colação o artigo 734.º do CC.

O citado artigo 734.º do CC, com a epígrafe “Acessórios do crédito” preceitua o seguinte:

«O privilégio creditório abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.»

Na ausência duma menção expressa a derrogar o disposto no artigo 734.º do CC, os juros de mora dos créditos tributários gozam de privilégio creditório nos últimos dois anos anteriores à penhora (vide Acs. do STA de 08/01/2014, processo n.º 01660/13 e de 15/01/2016, processo n.º 0207/14, disponíveis em www.dgsi.pt/)

Desta maneira, com o devido respeito, não acompanhados o entendimento vertido no acórdão do STA referido no despacho reclamado, de que os juros de mora no que respeita a IRS e IRC gozam de privilégio creditório relativamente aos últimos 3 anos, por alinhamos com a posição da já citada jurisprudência.

Prosseguido.

O artigo 44.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária, na redacção introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, preceituava o seguinte:

«1 – São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.

2 – O prazo máximo de contagem dos juros de mora é de três anos, salvo nos casos em que a dívida tributária seja paga em prestações, caso em que os juros de mora são contados até ao termo do prazo do respectivo pagamento, sem exceder oito anos.»

A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, introduziu a actual redacção do n.º 2 do artigo 44.º, que estatui o seguinte:

«2 – Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.»

A nova redacção do n.º 2 só se aplica ao período decorrido a partir de 01/01/2012. Porém, por força das disposições transitórias constantes dos n.ºs 2 e 4 do artigo 151.º da Lei n.º 64-B/2011 (LOE 2012), teve aplicação imediata em todos os processos pendentes à sua entrada em vigor, pelo que, «(…) os juros máximos para os processos de execução fiscal serão de três ou oito anos (conforme não haja ou haja pagamento em prestações) mais os correspondentes ao período que decorrer a partir de 1-1-2012.» (vide neste sentido Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4.ª Edição, 2012, encontro de escrita, pág. 354).

Nesta conformidade, nos processos de execução fiscal o período máximo de contabilização de juros mora por dívidas tributárias é de três anos até 31/12/2011, tendo a partir de 01/01/2012 deixado de haver limite temporal.

Contudo, importa distinguir os créditos tributários (capital e juros) daqueles a que lhes é atribuído privilégio creditório.

Com efeito, uma coisa é um crédito e os juros do crédito serem exigíveis (por não se encontrarem prescritos), podendo a AT exigir o pagamento da dívida tributária e dos juros ao abrigo do artigo 44.º da LGT, e outra coisa, diferente, é ao crédito em causa e respectivos juros de mora ser atribuído privilégio creditório.

Como já se deixou expresso os juros de mora referentes aos créditos de IMI e IRS gozam de privilégio creditório nos termos da lei.

Aos juros de mora, relativos a privilégio creditório imobiliário geral e especial, por créditos de IRS e de IMI, a atender na graduação de créditos, aplica-se o principio geral de dois anos anteriores à penhora, ínsito no artigo 734.º do CC (cfr. artigo 50.º, n.º 2, alínea a) da LGT e artigo 8.º do Dec.-Lei n.º 73/99, de 16/3; vide neste sentido Ac. do STA, de 08/01/2014, processo n.º 01660/13, disponível em www.dgsi.pt/).

Isso não significa que os juros para além dos dois últimos anos não possam ser atendidos e graduados.

Os restantes juros de mora da divida exequenda não podem ser contabilizados como acessório do crédito abrangido pelo privilégio creditório, mas enquanto crédito exequendo gozam da penhora, encontrando-se no escalão inferior daqueles créditos graduáveis, e podem ser contados nos termos do artigo 44.º da LGT e atendidos e graduados no lugar próprio.

Neste caso, os juros de mora respeitantes aos tributos em cobrança coerciva usufruem apenas da garantia resultante da penhora, prevalecendo o direito inscrito em primeiro lugar sobre os que se lhe seguirem ao mesmo bem, por ordem da data dos registos.

Como resulta do probatório da sentença de verificação e graduação de créditos, a Fazenda Pública registou a penhora do imóvel efectuada no âmbito do processo de execução fiscal em 23/01/2007, enquanto a penhora registada pelo ora Recorrente foi levada a efeito em 23/11/2007 (cfr. alíneas H) e I) do probatório).

Importa ainda trazer à colação o n.º 8 do artigo 262.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que dispõe o seguinte:

«8 – Os juros de mora são devidos relativamente à parte que for paga até ao mês, inclusive, em que se tiver concluído a venda dos bens ou, se a penhora for de dinheiro, até ao mês em que esta se efectuou.»

Este regime dos juros de mora devidos é aplicável apenas aos casos de pagamento coercivo das dividas tributárias e sem prejuízo do limite máximo de contagem de juros de mora previstos no artigo 44.º, n.º 2 da LGT, na redacção anterior à introduzida pela Lei 64-B/2011, de 30/12.

«O regime previsto no n.º 8 deste art. 262.º parece explicar-se pelo facto de nos momentos nele referidos da conclusão da venda (expressão que, para este efeito, tem o alcance de referir o momento em que é pago o preço pelo adquirente) e na apreensão do dinheiro o credor público passar a dispor imediatamente das quantias arrecadadas.» (Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, IV Vol., pág. 233).

In casu, como resulta do despacho reclamado a venda realizou-se em 22/10/2009.

Assim sendo, os juros de mora contabilizados depois da penhora na liquidação do julgado devem ser graduados em 4.º lugar, conforme determinado na sentença de verificação e graduação de créditos, até ao limite de três anos, incluindo o período de tempo como acessório de crédito abrangido pelo privilégio creditório, uma vez que o n.º 2, do artigo 44.º da LGT impunha o limite máximo de 3 anos (redacção da Lei n.º 3-B/2010), tendo como limite a data do depósito do preço do imóvel penhorado e vendido na execução fiscal (cfr. artigo 262.º, n.º 3).

Termos em que deve o despacho reclamado ser revogado neste segmento e a liquidação do julgado ser corrigida nos termos supra referidos.

Procedem as conclusões 1.ª, 2.ª e 3.ª da alegação de recurso, embora os juros de mora não incluídos no privilégio creditório devam continuar graduados à frente do crédito do ora Recorrente.


*

2.2. A segunda e última questão a apreciar é a de saber se os juros de mora reclamados relativos ao crédito não fiscal de que o ora Recorrente é titular devem ser contados até à data da venda ou até à data da liquidação do julgado.

O despacho recorrido neste segmento expendeu o seguinte:

O Credor Reclamante solicitou o pagamento das seguintes quantias: capital € 9.975,96, juros de 27.02.2002 a 11.02.2008 à taxa anual de 4%, no valor de € 2.047,67, num total de € 12.023,63.

Na liquidação do julgado, foram calculados os juros vincendos a partir de 12.02.2008 até à data da venda. Assim, foi considerado o valor de capital, de € 9.975,96, e de juros de 27.02.2002 a 11.02.2008, à taxa anual de 4%, no valor de € 2.047,67, acrescido de juros de 12.02.2008 a 22.10.2009 (data da venda), à taxa anual de 4%, no valor de 1.075,76, perfazendo o montante de € 13.099,39

Vem o Credor Reclamante insurgir-se contra esta liquidação, por entender que a contagem de juros deve ser feita até à data da liquidação e não da venda.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, à luz do disposto no artigo 262.°, n.° 8 do CPPT, previsto para situações em que, na venda, forem arrecadadas importâncias insuficientes para solver a dívida exequenda e o acrescido, como sucede no caso dos autos, a contagem dos juros tem como limite a data da venda.

Diga-se, desde já, que não acompanhamos o assim decidido.

Como efeito, como já deixamos expresso supra o n.º 8 do artigo 262.º do CPPT aplica-se apenas aos créditos públicos que são cobrados pelos serviços de finanças do próprio credor e não já aos créditos não fiscais.

Retomando os ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa «(…) em relação a credores particulares já não pode justificar-se este regime distinto do previsto para a generalidade dos créditos deste tipo no processo de execução comum, o que conduz à conclusão que, a ser aplicável a estes credores, aquele nº 8 do art.262.º do CPPT será materialmente inconstitucional, por violação do principio da igualdade, consubstanciada no facto de tal diferença de regimes implicar que os particulares que tenham a infelicidade de serem obrigados a utilizar o processo de execução fiscal, por razões de interesse público a que são alheios, virem a receber menos juros de mora do que os que recebem credores em idênticas situações através do processo de execução comum.

Assim, quer por interpretação restritiva que reconduza o alcance do n.º 8 deste art. 262..º aos limites traçados pela sua razão de ser, quer com fundamento na inconstitucionalidade material que consubstanciará a sua aplicação aos credores particulares, será de afastar a aplicação deste regime aos créditos de particulares, aplicando-lhe, antes, o regime previsto no art. 805.º, n.º 2, do CPC.» (ob. cit. pág. 234).

Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 07/03/2007, prolatado no processo n.º 0957/06, cujo discurso fundamentador sufragamos, transcrevendo-se a parte relevante:

«(…) no processo executivo, embora o momento da liquidação dos juros não corresponda exactamente ao momento da entrega ao credor da prestação em dívida e da indemnização moratória, o certo é que é esse o momento que, em termos de tempo processual, mais se aproxima do momento do efectivo recebimento, por parte do exequente, de tudo aquilo que lhe é devido.

Por isso mesmo, e entre as duas alternativas possíveis, se deve optar, de acordo com os princípios expostos, por aquela que aponta para a contagem dos juros até ao momento da liquidação.

Para esta solução se orientou, aliás, o STJ, em acórdão de 15/7/86, in BMJ 359, pág. 629.

Nesse aresto, a esse propósito, e com inteira pertinência, se escreveu: «Com efeito, se o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado – art.º 762.º do CC –, ou seja, nas obrigações pecuniárias, quando satisfaz ao credor, em moeda, a prestação que lhe é devida, afigura-se evidente que havendo acção executiva e, portanto, incumprimento da prestação por mora do devedor (artigo 806.º do citado Código), o momento legal para o termo desses juros só pode ser da liquidação feita na altura da conta do processo.

É que, com a venda dos bens penhorados e depósito do respectivo processo, não se opera desde logo o pagamento aos credores, ou uma situação equivalente.
Para que assim fosse, seria necessário que, por esse facto, os credores ficassem desde logo habilitados a levantar a importância dos respectivos juros, o que não sucede. O pagamento só se torna possível depois de efectuada pela Secretaria a sua liquidação, fixando-se o seu montante. Só então os juros deixam de se vencer, ficando os credores habilitados a obter o seu reembolso.».

Acresce que, em bom rigor, ainda que o retardamento na elaboração da conta de custas e liquidação do julgado não seja da responsabilidade directa do executado, o certo é que o prejuízo sofrido pelo credor por tal facto não teria ocorrido se não tivesse havido incumprimento por parte daquele.

Por último, se dirá que, contrariamente ao afirmado no despacho recorrido, faz todo o sentido que os juros de mora dos créditos fiscais, por força do que dispõe o n.º 8 do artigo 262.º CPPT, sejam só devidos até à data da venda, ou, se a penhora for de dinheiro, até ao mês em que esta se efectuou, porquanto relativamente a esses créditos o credor Estado fica desde logo com o dinheiro depositado à sua disposição, estando nas suas mãos efectuar o mais rapidamente possível a liquidação do montante em falta, e sendo, por isso, da sua responsabilidade qualquer atraso no cumprimento da prestação a partir desse momento, enquanto o credor particular não.» (disponível em www.dgsi.pt).

Concluindo, os juros de mora relativos a créditos não fiscais devem ser contados até ao momento da liquidação.

Nesta conformidade, o despacho recorrido que assim não decidiu, não se pode manter.

Termos em que procedem as conclusões 4.ª e 5.ª da alegação de recurso.


*

Conclusões/Sumário:

I - Aos juros de mora, relativos a privilégio creditório imobiliário geral e especial, por créditos de IRS e de IMI, a atender na graduação de créditos, aplica-se o principio geral de dois anos anteriores à penhora, ínsito no artigo 734.º do CC

II - Os restantes juros de mora da divida exequenda não podem ser contabilizados como acessório do crédito abrangido pelo privilégio creditório, mas enquanto crédito exequendo gozam da penhora, encontrando-se no escalão inferior daqueles créditos graduáveis, e podem ser contados nos termos do artigo 44.º da LGT e atendidos e graduados no lugar próprio.

III - O n.º 8 do artigo 262.º do CPPT aplica-se apenas aos créditos públicos que são cobrados pelos serviços de finanças do próprio credor e não já aos créditos não fiscais.

IV - Os juros de mora relativos a créditos não fiscais devem ser contados até ao momento da liquidação.


*

IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho sob recurso, nos segmentos recorridos, e, em consequência, ordenar a reforma da liquidação do julgado tendo em conta:

a) Os juros de mora dos créditos exequendos de IMI e IRS, graduados em 1.º e 3.º lugar deverão ser contados relativamente aos dois últimos anos anteriores à penhora;

b) Os juros de mora contados depois da penhora na liquidação do julgado relativos aos créditos identificados na alínea anterior devem ser graduados em 4.º lugar, até ao limite de três anos previsto no artigo 44.º, n.º 2 da LGT (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12), incluindo o período de tempo como acessório do crédito abrangido pelo privilégio creditório, tendo como limite a data do depósito do preço do imóvel penhorado e vendido na execução fiscal;

c) Os juros de mora do crédito não fiscal do credor G… deverão ser contados até à data da liquidação e não venda.

Custas pelas Recorridas, sem prejuízo da protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo de que beneficia a Recorrida, M….

Notifique.

Lisboa, 9 de junho de 2022.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)