Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01690/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/25/2007
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRS. MAIS-VALIAS.
Sumário:Se à luz do direito anterior um imóvel não estava sujeito a tributação em mais-valias devido à sua qualificação como terreno rústico, os ganhos resultantes da transmissão deste em 10/3/2000 não são incidentes de IRS (art. 10º - categoria G – incrementos patrimoniais), por força do disposto no art. 5º do DL 442-A/88.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:RELATÓRIO
1.1. A... e F... , ambos com os sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Mmo. Juiz do TAF de Lisboa, lhes julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional do IRS e juros compensatórios respectivos, do ano de 2000, no montante total de 12.647,41 €, dos quais 10.995,10 € são referentes ao imposto e 1.652,31 a juros compensatórios.

1.2. Terminam as alegações de recurso com a formulação das seguintes Conclusões:
1 - O Tribunal a quo, na sua douta sentença, deveria ter dado como provados os factos alegados pelos Recorrentes nos artigos 18°, 23° e 25° da sua petição inicial, tendo em consideração que tais factos se encontram suportados por prova documental correspondente aos documentos nºs. 7, 8, 9 e 10 juntos com aquele articulado que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, os quais não foram impugnados pelo Distinto Representante da Fazenda Pública.
2 - Não o fazendo violou, a Douta sentença recorrida, entre outras, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, as disposições dos artigos 115° nº 1 e nº 4 do CPPT, 341° e 362° ambos do CC.
3 - Ao julgar a impugnação judicial improcedente, afastando aplicação do disposto no artigo 5° nº 1 do Decreto-Lei nº 448-A/88, de 30 de Novembro ao caso subjudice, o Tribunal a quo efectua uma interpretação do artigo 10º nº 1 alínea a) do CIRS e do artigo 1º nº 1 do Decreto-Lei nº 46673, de 9 de Junho de 1965, violadora das disposições dos artigos 3° nº 2 e nº 3, 112° nº 1 e nº 5, 13° e 103° nº 2 e nº 3 da CRP, porquanto entendeu que o prédio rústico com o artigo nº 690 da freguesia de Repeses, foi vendido pelos Recorrentes como terreno para construção, com data de passagem a urbano em 10 de Março de 2000 e, como tal, passível de tributação em sede de IRS e nos termos do artigo 1º nº 1 do Decreto-Lei nº 46673, de 9 de Junho de 1965, na medida em que a alteração de qualificação matricial só dispõe para o futuro, de acordo com o disposto no ofício circulado nº 5347.11/91 da C.A.
4 - A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo às supra referidas disposições legais viola o disposto nos artigos 3º nº 2 e nº 3, 112° nº 1 e nº 5 e 103° nº 2 e nº 3 da CRP, porquanto na Constituição da República Portuguesa, vigora nesta matéria o princípio da legalidade, segundo o qual é a lei que tem de criar e definir os impostos, os pressupostos da sua isenção, bem como a sua liquidação, sendo absolutamente irrelevante o que as entidades administrativas entendem nestas matérias, constantes de circulares dos serviços administrativos da Administração Fiscal, sendo certo que as circulares ou instruções administrativas não são lei, não tendo força obrigatória geral e, como tal, não vinculam os Tribunais, nem os particulares.
5 - A interpretação efectuada pelo Tribunal a quo às supra referidas disposições legais, viola o disposto no artigo 13° da CRP, porquanto no caso subjudice e perante igual situação de facto - alienação de um prédio em compropriedade -, houve um tratamento jurídico distinto por parte do Estado relativamente a dois particulares comproprietários do prédio em causa (cfr. a este respeito os comentários dos Professores J.J. Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 130).
6 - Com efeito, nas precisas circunstâncias das descritas nos presentes autos, o outro comproprietário do supra referido e identificado prédio, A..., irmão da Recorrente A..., recorreu a igual meio processual e que sob o processo de impugnação nº 398/05.4BEVIS corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito do qual, a Administração Fiscal veio a revogar o acto impugnado, por considerar que o objecto da transmissão não foi um terreno para a construção, mas sim de um terreno rústico, encontrando-se, assim, em condições de beneficiar a exclusão de tributação prevista no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro (cfr. Doc. nº 1 junto com as presentes alegações).
7 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo o prédio objecto da alienação foi adquirido como rústico pela Recorrente A..., em comum e em partes iguais, com o seu irmão A..., por compra e venda celebrada a 22 de Dezembro de 1978 (cfr. parte final do ponto 2 dos factos provados e Doc. nº 3 junto com a petição inicial) e por ambos vendido, como tal, à sociedade M... - Comércio de Automóveis, Lda., por compra e venda celebrada em 10 de Março de 2000 (cfr. Doc. nº 6 junto com a petição inicial).
8 - Nem os Recorrentes, nem o irmão da Recorrente, deram início a qualquer procedimento ou processo, junto das entidades públicas competentes, nomeadamente da Câmara Municipal de Viseu, tendo em vista a alteração da natureza do imóvel vendido, seja processo de loteamento para construção urbana ou industria! ou procedimento de desanexação (cfr. Docs. nº 7 e nº 8 juntos com a petição inicial).
9 - A actual proprietária M..., Lda., apenas em 8 de Outubro de 2001, veio a apresentar junto dos serviços da Administração Fiscal o requerimento modelo 129, onde requereu que o prédio em causa fosse inscrito na respectiva matriz como prédio urbano (cfr. Doc. nº 9 junto com a petição inicial).
10 - A inscrição do prédio como urbano era de tal forma desajustada que a actual proprietária M..., Lda. veio posteriormente, a declarar aos serviços da Administração Fiscal “...não ser possível a construção ....”, como fundamento para obter a reposição do referido prédio na matriz predial rústica (cfr. Doc. nº 10 junto com a petição inicial).
11 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, verifica-se que ocorreu a reposição da qualificação matricial do prédio em causa (cfr. Docs. nº 4 e nº 10 juntos com a petição inicial) - isto é, na única interpretação correcta, foi a mesma reposta na forma que sempre deveria ter tido - , não se tratando, assim, de um acto de requerimento de uma nova qualificação matricial, essa sim com meros efeitos para o futuro, pelo que o prédio em causa, substancialmente, sempre se tratou de um prédio rústico, nunca tendo sido objecto de urbanização, nem o podendo ser ainda hoje.
12 - É entendimento da jurisprudência dos doutos Tribunais Superiores que: “I - O artigo 49°, § 3°, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões de Doações, fornece-nos o conceito de «terrenos para a construção» ao dispor que serão assim de considerar os que, de acordo com os índices ali assinalados, se apresentarem afectos à construção urbana. II - Apurado que o terreno abrangido embora por aqueles índices, não tinha aptidão para a dita construção, há que reconhecer como afastada a presunção legal constante do enunciado preceito e, assim, concluir pela ilegalidade da operada avaliação nos termos do artigo 109° do citado Código, face à inexactidão do pressuposto de se tratar de «terreno para construção" (Acórdão de 9 de Junho de 1992, Proc. 60729, TT de 2ª Instância, in CTF nº 369, p. 180, citado por F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes no Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões de Doações anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª Edição, pág. 520).
13 - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, no caso sub judice, há que ter em consideração a aptidão do terreno alienado - o qual, reitera-se, substancialmente, sempre se tratou de um prédio rústico, nunca tendo sido objecto de urbanização, nem o podendo ser ainda hoje - e não às meras declarações efectuadas nas escritura pública ou no termo de declaração para efeitos de pagamento do imposto de sisa pelo adquirente.
14 - Do artigo 5° nº 1 e nº 2 do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e instituiu um regime transitório para os rendimentos provenientes da transacção de imóveis, designadas, mais-valias, resulta que os ganhos (mais valias prediais) decorrentes da alienação de bens ou de direitos que tenham sido adquiridos até 31 de Dezembro de 1988, não se encontram sujeitos a IRS.
15 - Entendem os Recorrentes que os factos no caso sub judice, se subsumem às disposições legais supra citadas, devendo beneficiar de uma isenção de mais valias prediais.
16 - Acresce que, no âmbito do referido processo de impugnação nº 398/05.4BEVIS intentado pelo comproprietário A..., a Administração Fiscal veio a revogar o acto impugnado, por entender “que o objecto da transmissão foi, não um terreno para construção, mas sim um prédio rústico (...)”, concluindo “(...) estarem em causa ganhos resultantes da alienação efectuada em 2000 de prédio rústico que vieram à posse do impugnante antes da entrada em vigor do Código do IRS, ganhos esses que não eram passíveis de tributação em sede do abolido imposto de mais valias, que apenas abrangia os resultantes da alienação, a título oneroso, de terrenos para a construção, concluiremos no sentido de que, aqueles aproveitarão da exclusão de tributação prevista no já citado artigo 5° do DL nº 442-A/88” (cfr. Doc. nº 1 junto com as presentes alegações).
17 - O Tribunal a quo interpreta incorrectamente e subsume de forma errónea ao caso sub judice o disposto no artigo 10° nº 1 alínea a) do CIRS e no artigo 1° nº 1 do Decreto-Lei nº 46673, de 9 de Junho de 1965, devendo antes ter efectuado devida interpretação e aplicação do disposto no artigo 5° do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro e ter julgado a impugnação procedente e, por consequência, determinar a anulação total do acto tributário de liquidação objecto de impugnação.
18 - Não o fazendo violou, a douta sentença recorrida, entre outras, como o Douto suprimento de Vossas Excelências, a disposição do artigo 5° do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, bem como as disposições dos artigos 3º nº 2 e nº 3, 112° nº 1 e nº 5, 13° e 103° nº 2 e nº 3 da CRP.
Terminam pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença, a ser substituída por outra que julgue procedente a impugnação judicial, determinando a anulação do acto de liquidação impugnado.

1.3. Não houve contra-alegações

1.4. O MP emitiu Parecer no qual, começa por alegar que os documentos juntos pelos recorrentes já em fase de recurso devem ser admitidos dado que, por um lado, a respectiva apresentação não seria possível com a PI (pois, atenta a data constante dos mesmos - Julho de 2006 - é óbvio que não poderiam ter sido apresentados aquando da entrega da petição de impugnação - 14 de Abril de 2005) e dado que, por outro lado, tais documentos substanciam a posição que a AT assumiu relativamente à venda da parte do prédio de que era proprietário o irmão da recorrente Ana Maria, revestindo-se, por isso de inegável interesse, face à decisão ora recorrida.
Quanto ao mérito, a MP sustenta, em síntese, que o recurso deve proceder, pois que, como tem vindo a ser entendido pela AT, a mera declaração como terreno para construção ou a vontade de afectação a esse destino expressa pelos adquirentes não vincula, nem produz efeitos, junto dos alienantes e, no caso, prova-se que o objecto da transmissão foi, não um terreno para construção, mas sim um prédio rústico.
E colocando-se, agora, a questão da tributação dos ganhos dela advenientes, há que considerar o disposto no art. 5° do DL nº 442-A/88, de 30/11, segundo o qual os ganhos que não eram sujeitos a imposto de Mais-Valias criado pelo código aprovado pelo DL nº 46673, de 9/6/1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor do respectivo código. Ora, considerando a redacção conferida àquele artigo e, bem assim, o facto de estarem em causa ganhos resultantes da alienação efectuada em 2000 de prédio rústico que viera à posse do impugnante antes da entrada em vigor do código do IRS, ganhos esses que não eram passíveis de tributação em sede do abolido imposto de mais valias, que apenas abrangia os resultantes da alienação, a título oneroso, de terrenos para construção, há que concluir no sentido de que aqueles aproveitarão da exclusão da tributação prevista no citado art. 5° do DL nº 442-A/88.
Foi, aliás, com base nesta argumentação que foi anulada a liquidação referente ao irmão da impugnante - A.... E pelas mesmas razões e, se outras não houvesse, pelos princípios consignados no art. 55° da LGT, reguladores do exercício da administração tributária na prossecução do interesse público, deve a liquidação ora em causa merecer o mesmo tratamento.

1.5. Corridos os Vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1) Em cumprimento da ordem de serviço nº 11/04, de 3/2, foi efectuada uma acção inspectiva aos ora impugnantes.
2) Através da acção inspectiva concluiu-se ter havido omissão de rendimentos na categoria G (mais valias), na respectiva declaração mod. 3, relativa ao exercício de 2000 - devido à alienação, em 10/3/2000, de um imóvel sito na freguesia de Repeses, concelho de Viseu, inscrito na matriz respectiva sob o artigo nº 690 (vd. fls. 242 e ss. e 251 do processo apenso aos autos). Este prédio tinha sido adquirido por compra e venda celebrada a 22/12/1978.
3) Nos termos do art. 60° da LGT e do art. 60° do RCPIT, a ora impugnante foi notificada para exercer o direito de audição - o que veio a fazer, por escrito, em 10/11/2004 (vd. fls. 232 e ss. do processo apenso). Os elementos aí apresentados reproduzem os elementos constantes do requerimento de 10/5/2004 (o qual tinha sido indeferido: vd. fl. 226 do processo apenso).
4) Resulta, quer do termo de declaração para efeitos de pagamento de imposto de Sisa, quer da escritura pública de compra e venda, que o prédio rústico alienado “se destina a construção urbana” (vd. fls. 189 e 200-201 do processo apenso aos presentes autos).
5) A presente impugnação diz respeito a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2000, no valor de € 12.647,41 (sendo € 10.995,10 de imposto e € 1.652,31 respeitantes a juros compensatórios).
6) Os ora impugnantes deduziram a presente impugnação em 14/4/2005.

2.2. Quanto aos factos não provados a sentença exarou o seguinte:
«Constituindo “matéria [...] relevante” para a solução da “questão de direito” - art. 511°, nº 1, do Código de Processo Civil -, nenhum”.

2.3. Em sede de fundamentação dos factos provados e não provados consignou-se que a convicção assenta “nos documentos juntos aos autos”.

3.1. A sentença julgou improcedente a impugnação, fundamentando-se, em síntese, no que ao recurso interessa (ou seja, no que se refere a este vício de violação de lei, já que os recorrentes não questionam no recurso a decisão quanto aos restantes fundamentos de impugnação que haviam também alegado) em que não assiste razão aos ora impugnantes, dado que, como se nota a fls. 222 do processo apenso aos autos, o artigo rústico nº 690, da freguesia de Repeses, foi vendido como terreno para construção, tendo dado origem ao artigo urbano nº 756, com data de passagem a urbano em 10/3/2000. E, apesar de inicialmente se ter concluído pela não tributação, uma vez que foi efectuada a reversão matricial, pelo processo de reclamação nº 1113/02, a AT veio a considerar, de acordo com o ofício circulado nº 5347.11/91 da CA, que esta alteração de qualificação só dispõe para o futuro. Assim, à data da venda o terreno era considerado urbano, pelo que a transmissão efectuada é passível de tributação em sede de IRS.
E, uma vez que, como se refere a fls. 279-280 do processo apenso, estamos perante a transmissão de um terreno para construção, então resulta do nº 1 do art. 1° do DL 46673, de 9/6/1965, que a transmissão aqui em causa (de «terreno para construção») já era passível de tributação, pelo que não há que chamar à colação o nº 1 do art. 5° do DL nº 448-A/88, de 30/11. Com efeito, como resulta do termo de declaração para efeitos de pagamento de sisa, o Sr. Carlos Alberto Alves Cardoso, na qualidade de gestor de negócios da empresa M... - Comércio de Automóveis, Lda., afirmou que o referido imóvel «se vai destinar a construção urbana» [vd. fl. 189 do processo apenso aos autos]. E, como já foi referido, da escritura pública celebrada entre a ora impugnante e a referida empresa, resulta que o prédio rústico alienado «se destina a construção urbana» [vd. fls. 200-201 do processo apenso aos presentes autos].

3.2. Do assim decidido discordam os recorrentes alegando, desde logo, como se viu, nas Conclusões 1ª, 2ª e 8ª a 10ª do recurso, que a sentença erra quanto ao julgamento de facto, pois, deveriam ter sido julgados provados os factos alegados nos artigos 18°, 23° e 25° da petição inicial, tendo em consideração que tais factos se encontram suportados por prova documental correspondente aos documentos nºs. 7, 8, 9 e 10 juntos com aquele articulado, os quais não foram impugnados pela Fazenda Pública.

3.3. Além disso, os recorrentes juntaram agora os documentos de fls. 164 a 168, os quais, como refere o MP, consubstanciam a posição que a AT assumiu relativamente à venda da parte do prédio de que era proprietário o irmão da recorrente A...[trata-se de cópia do despacho que, nos termos do art. 112º do CPPT, foi em 18/7/2006, proferido no respectivo processo de impugnação nº 398/05BEVIS (em que foi impugnante A...), pelo sr. Chefe de Divisão da DF de Viseu, por delegação do sr. Director de Finanças de Viseu, despacho esse que determinou a anulação da liquidação que ali fora impugnada e que veio a determinar a extinção da instância em tal processo de impugnação – cfr. certidão de fls. 202].

4.1. Ora, apreciando desde já esta questão da junção destes documentos com as alegações do recurso, diremos que, nos termos do disposto no art. 706º do CPC, as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o dito art. 524° do mesmo CPC ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser preterida - cfr. A.Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534]. O advérbio «apenas», usado no art. 706º do CPC, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, isto é, se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 115°, pag. 95).»
No caso vertente, por um lado, a apresentação do dito documento não seria possível com a PI (pois, atenta a data constante dos mesmos - Julho de 2006 - é óbvio que não poderiam ter sido apresentados aquando da entrega da petição de impugnação - 14 de Abril de 2005) e, por outro lado, tais documentos substanciam a posição que a AT assumiu relativamente à venda da parte do prédio de que era proprietário o irmão da recorrente Ana Maria, revestindo-se, por isso de inegável interesse, face à decisão ora recorrida. Pelo que, assim sendo, não se ordena o respectivo desentranhamento.

4.2.1. Importa, então, em seguida, apreciar o alegado erro de julgamento de facto imputado à sentença.
Pretendem os recorrentes, com base nos documentos nºs. 7, 8, 9 e 10 (fls. 55 a 57) juntos com a Petição Inicial, que se julgue provado (i) que eles não deram início a qualquer procedimento ou processo, junto das entidades públicas competentes, nomeadamente da Câmara Municipal de Viseu, tendo em vista a alteração da natureza do imóvel vendido, seja de loteamento para a construção urbana ou industrial ou procedimento de desanexação; (ii) que a actual proprietária M..., Lda. apenas em 8/10/2001 veio a apresentar junto dos serviços da AT o requerimento modelo 129, onde requereu que o prédio em causa fosse inscrito na respectiva matriz como prédio urbano; e que (iii) a mesma M..., Lda. veio posteriormente a declarar aos serviços da AT, não ser possível a construção, para obter a reposição do referido prédio na matriz predial rústica.
E, na verdade, nem a autoria nem o teor dos ditos documentos foram impugnados pela Fazenda Pública.
Todavia, se relativamente aos dois últimos factos é isso que comprovam os documentos de fls. 55 a 57, já quanto ao facto referido em primeiro lugar, o que pode ter-se como provado é o que consta do invocado documento de fls. 54, ou seja, que em 23/2/2005 a CM de Viseu certificou que até Abril de 2000 não houve qualquer procedimento com vista à alteração da natureza, à desanexação ou ao loteamento para construção urbana ou industrial, do prédio sito à Lage Redonda - Repeses, descrito na respectiva matriz rústica sob o nº 690.
Além disso, pelos docs. ora juntos a fls. 164 a 168 e 202 verifica-se que no processo de impugnação judicial nº 398/05BEVIS da DF de Viseu, em que foi impugnante A..., foi, pelo sr. Chefe de Divisão da DF de Viseu, por delegação do sr. Director de Finanças de Viseu, proferido despacho, em 18/7/2006, nos termos do art. 112º do CPPT, despacho esse que determinou a anulação da liquidação que ali fora impugnada e que veio a determinar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em tal processo de impugnação.

4.2.2. Assim sendo, adita-se ao Probatório a seguinte factualidade, que ora também se julga provada:
7) A M..., Lda. Apresentou, em 8/10/2001, junto dos serviços da AT o requerimento modelo 129, com cópia a fls. 55/56, requerendo que o prédio aí identificado e aqui em causa fosse inscrito na respectiva matriz como prédio urbano. E no campo 15 de tal declaração consta o seguinte: «conforme declarado no termo de declaração do pagamento de sisa o prédio destina-se a construção urbana, encontrando-se em fase de aprovação prévia na Câmara Municipal de Viseu»
8) Em 20/12/2002 a M..., Lda. requereu ao chefe da repartição de Finanças do concelho de Viseu a eliminação do dito prédio da matriz, em virtude de «não ser possível a construção e consequentemente a sua passagem aos artigos rústicos que lhe deram origem» (cfr. doc. de fls. 57).
9) Em 23/2/2005 a CM de Viseu certificou que até Abril de 2000 não houve qualquer procedimento com vista à alteração da natureza, à desanexação ou ao loteamento para construção urbana ou industrial, do prédio sito à Lage Redonda - Repeses, descrito na respectiva matriz rústica sob o nº 690 (cfr. doc. de fls. 54).
10) No processo de impugnação judicial nº 398/05BEVIS da DF de Viseu, em que foi impugnante A..., foi, pelo sr. Chefe de Divisão da DF de Viseu, por delegação do sr. Director de Finanças de Viseu, proferido despacho, em 18/7/2006, nos termos do art. 112º do CPPT, despacho esse que determinou a anulação da liquidação que ali fora impugnada e que veio a determinar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em tal processo de impugnação.

4.3. Quanto ao mais, a questão que importa decidir é a de saber se a venda aqui em causa está sujeita a tributação em IRS, a título de mais-valias.
Vejamos.

4.3.1. A al. a) do nº 1 do art. 9º do CIRS dispõe que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as mais-valias. E estas são constituídas (al. a) do nº 1 do art. 10º do CIRS) pelos ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Por sua vez, o art. 5º do DL 442-A/88, de 30/11 (que aprovou o CIRS), prescreve, no seu nº 1, que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo DL 46373, de 9/6/1965, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do CIRS.
E o art. 1º do revogado CIMV (aprovado pelo dito DL 46373, de 9/6/65), dispunha que o imposto de mais-valias incidia sobre os ganhos realizados através de, entre outros actos, transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17º da Lei 2030, de 22/6/48, ou no artigo 4º do DL 41616, de 10/5/58, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
No caso aqui em questão, o prédio, rústico, tinha sido adquirido por compra e venda celebrada a 22/12/1978 (cfr. parte final do nº 2 do Probatório), e embora na escritura de compra e venda outorgada em 10/3/2000 os intervenientes tenham declarado que o prédio se destinava a construção, e em 8/10/2001, a compradora M..., Lda. tenha apresentado declaração modelo 129, requerendo que o prédio fosse inscrito na respectiva matriz como prédio urbano (declarando no campo 15 de tal declaração que o mesmo se destinava a construção urbana, encontrando-se em fase de aprovação prévia na Câmara Municipal de Viseu), o que é verdade é que em 20/12/2002 a mesma M... veio a requerer a eliminação do prédio da matriz, em virtude de «não ser possível a construção e consequentemente a sua passagem aos artigos rústicos que lhe deram origem», sendo que, em 23/2/2005 a CM de Viseu certificou que até Abril de 2000 não houve qualquer procedimento com vista à alteração da natureza, à desanexação ou ao loteamento para construção urbana ou industrial, do dito prédio.
Ora, como se disse acima, no que diz respeito a terrenos, o anterior CIMV apenas previa a tributação nos casos de «transmissão onerosa de terreno para construção» (cfr. seu art. 1º, nº 1) e nos termos do § 2º do mesmo artigo, eram «havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
No caso vertente, não vem provado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação como terreno para construção, para efeito do Imposto de Mais-Valias, só poderia advir de declaração como tal no título aquisitivo.

4.3.2. É certo que na escritura os vendedores (incluindo-se os recorrentes) aceitaram (ainda que implicitamente - já que um contrato é constituído por declarações de vontade contrárias mas convergentes (cfr. ac. do STA, de 23/5/2007, rec. 0165/07) - a declaração, por parte da M..., Lda..
Todavia, como se acentua, entre outros, no ac. do STA, de 18/6/97, rec. 21.702, para que os terrenos declarados no título aquisitivo como terrenos destinados a construção possam ser como tal qualificados nos termos do § 2º deste art. 1º do CIMV, torna-se necessário que eles possam ser objectivamente destinados à construção urbana, sendo que a lei não confere aos particulares o poder de modelarem como facto tributário a aquisição de certo terreno só porque declaram que é para construção e sendo que, «como repetidamente se tem afirmado na doutrina e na jurisprudência, ... os índices de qualificação referidos no preceito constituem mera presunção juris tantum. (...) Ao presumir como terreno para construção, para efeitos de imposto de mais valias, «os assim declarados no título aquisitivo», o legislador não está a dotar a vontade das partes de qualquer poder legal de conformação do facto tributário - a definição do facto tributário legal não está aqui deixada à livre iniciativa das partes - , mas apenas a reconhecer que a mesma qualificação de terrenos para construção
deve ser atribuída aos que objectivamente (de acordo com a realidade e segundo a lei regente da situação) podem ser destinados a construção e como tal são declarados no título aquisitivo. Não será pelo facto das partes terem declarado no título aquisitivo que o terreno se destina a construção que se tem de admitir, ipso jure, a ocorrência do facto tributário. Isso só seria assim se o destino da construção pudesse estar dependente apenas dos declarantes e sabe-se que ele, perante o sistema jurídico, o não está. Tal quer dizer que também, neste caso, se tem de verificar aquela susceptibilidade legal objectiva de o terreno poder ser efectivamente destinado à construção urbana que é o pressuposto do facto tributário enunciado no nº 1 do art. 1º do CIMV e que justificará a majoração do preço cobrado na aquisição. Do que vai dito, conclui-se que a declaração das partes no título aquisitivo tem um simples valor inferativo que autoriza a administração fiscal a agir, mas sem que tenha de concluir necessariamente, mesmo em sede de procedimento administrativo, pelo dever de liquidar, se não vier a constatar a verificação do facto tributário.
E o que se diz relativamente ao título de aquisição, poder-se-á dizer, com maior pertinência ainda perante a declaração modelo 1 do imposto de mais valias, dado o facto desta não ser elemento relevante considerado para efeitos da referida qualificação e ter uma função meramente informadora do Fisco, tendo a natureza de simples obrigação acessória.»
E também a nosso ver esta é, na verdade, a interpretação que se coaduna com a disposição legal.

4.3.3. Ora, da factualidade dos autos, o que resulta é que os recorrentes adquiriram em 22/12/78 um prédio rústico e que, à data de 1/1/89 continuava a ser prédio rústico. (1)
E, aliás, apesar de na escritura de compra e venda outorgada em 10/3/2000 os intervenientes terem declarado que o prédio se destinava a construção e de em 8/10/2001 a compradora M..., Lda. ter apresentado declaração modelo 129, requerendo que o prédio fosse inscrito na respectiva matriz como prédio urbano (declarando no campo 15 de tal declaração que o mesmo se destinava a construção urbana, encontrando-se em fase de aprovação prévia na Câmara Municipal de Viseu), também se provou que em 20/12/2002 a mesma M... veio a requerer a eliminação do prédio da matriz, em virtude de «não ser possível a construção e consequentemente a sua passagem aos artigos rústicos que lhe deram origem», sendo que, em 23/2/2005 a CM de Viseu certificou que até Abril de 2000 não houve qualquer procedimento com vista à alteração da natureza, à desanexação ou ao loteamento para construção urbana ou industrial, do dito prédio.
Factualidade esta que leva à conclusão de que não se verificava então a susceptibilidade legal objectiva de o terreno poder ser efectivamente destinado à construção urbana, que, como se disse, é o pressuposto do facto tributário tipificado no nº 1 do art. 1º do CIMV.
Ou seja, à data da entrada em vigor do CIRS o terreno em causa não podia ter-se como terreno para construção, não havendo, pois, em caso de transmissão, sujeição a imposto de mais-valias. Pelo que, ao contrário do sustentado pela Fazenda Pública e na sentença recorrida, sempre seria aplicável o regime transitório previsto no art. 5º do DL 442-A/88, de 30/11. Como se diz no ac. do STA, de 12/12/2006, rec. nº 01100/05, «não interessa tanto aqui a qualidade que o bem detinha no momento da sua aquisição mas sim a sua natureza à data em que o DL 442-A/88 entrou em vigor. É que o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do CIRS.»
Por isso, tratando-se de um bem que, à luz do direito anterior não estava sujeito a tributação em mais-valias devido à sua qualificação como terreno rústico, há que concluir que os ganhos resultantes da transmissão deste em 10/3/2000 não são incidentes de IRS (art. 10º - categoria G – mais valias – incrementos patrimoniais), por força do disposto no art. 5º do DL 442-A/88.

4.3.4. Acresce, ainda, que, como alega o MP, dispondo o art. 55º da LGT que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”, a AT, ao tratar de modo diferente a mesma situação (cfr. aliás, a Conclusão 16ª das alegações de recurso) enquanto, que para o contribuinte António Carlos entendeu que os ganhos resultantes da alienação não eram passíveis de tributação em sede de imposto de mais-valias, para a ora impugnante A...entendeu exactamente o contrário), acaba por ter uma actuação que não se coaduna com a aplicação destes princípios, já que, relativamente à mesma situação tributária, tem soluções diferentes para distintos contribuintes.

4.4. Em suma, pelo exposto e em face da factualidade provada, conclui-se que a liquidação impugnada sofre de ilegalidade por vício de violação de lei, nos termos das disposições legais invocadas pelos recorrentes, e que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que os recorrentes lhe imputam, carecendo, por isso, de ser revogada.
Procedem, assim, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo do Sul em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela Fazenda Pública, apenas em 1ª instância, dado que não contra-alegou no recurso.
Lisboa, 25/09/2007

CASIMIRO GONÇALVES
ASCENSÃO LOPES
JOSÉ CORREIA


(1) E esta circunstância obviaria, desde logo, na jurisprudência do ac. do STA, 2ª secção, de 6/6/2007, processo nº 0179/07, à tributação aqui em causa. Com efeito, na tese do acórdão, este «título aquisitivo» era o título através do qual o transmitente do terreno, que era o sujeito passivo do Imposto de Mais-Valias, o adquiriu e não o título através do qual o transmitiu, pois este, na mesma terminologia, teria, decerto, a designação de «título transmissivo» ou «título translativo».