Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/25/2014
Processo:11251/14
Nº Processo/TAF:299/13.2BELSB/TAC LISBOA
Sub-Secção:2.º JUÍZO-1.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃIO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA.
ÓNUS DA PROVA.
Texto Integral:Procº nº 11251/14
2º Juízo-1ª Secção
Recurso Jurisdicional – CPTA
(Acção com processo especial de Oposição à Aquisição de Nacionalidade Portuguesa)


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada do Acórdão proferido a fls. 187 e seguintes, na presente Acção com processo especial, de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, que revogou a sentença proferida em 1ª instância, julgando improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente L…, dele vem interpor Recurso Extraordinário de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º do CPTA, o qual tem efeito suspensivo e sobe imediatamente nos próprios autos, nos termos dos arts. 141º, 142º nº 1 e 143º nº 1 do CPTA.


Seguem as Alegações de Recurso.
Procº nº 11251/14 - 2º Juízo-1ª Secção
Autos de Recurso Jurisdicional – CPTA
(Acção com processo especial de Oposição à Aquisição de Nacionalidade Portuguesa)



Recurso de Revista

Alegações do Ministério Publico

Venerandos Juízes Conselheiros do
Supremo Tribunal Administrativo


A Magistrada do MP junto deste TCAS, não se conformando com o Acórdão proferido a fls. 187 e seguintes, por este Tribunal nos autos supra referenciados, vem do mesmo interpor recurso de revista para esse STA, o que faz nos termos do art.º 150.º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I – Introdução:

O Ministério Público veio, em 04-02-2013, interpor no TAC de Lisboa, nos termos do artigos 9º e 10º da Lei 37/81 de 3/10, na redacção dada pela Lei nº 2/2006 de 17/04 e artigos 56º e seguintes do Regulamento da Nacionalidade portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006 de 14-12, uma acção, com processo especial, de Oposição à Nacionalidade Portuguesa contra L…, casado, de nacionalidade venezuelana, peticionando que se ordenasse o arquivamento do processo conducente ao registo de aquisição da nacionalidade portuguesa pelo réu, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, por inexistência de ligação efectiva á comunidade portuguesa.

Concluiu a douta sentença proferida em 31.01.2014 que “ … atendendo a que estamos perante uma acção de simples apreciação negativa competia ao requerido a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa (e não ao Mº Pº fazer prova da inexistência) a qual é feita através de factos pessoais, logo factos de que o próprio requerido tinha e terá conhecimento, mas que não trouxe aos autos nem antes nem agora”, tendo julgada procedente a oposição a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Réu .

Não se conformando com esta sentença, veio o requerido L…, interpor recurso jurisdicional da mesma para este TCA Sul, imputando à douta sentença proferida em 1ª instância erro de julgamento de direito, em relação ao juízo de ligação efetiva à comunidade portuguesa, em violação dos artigos 56º, nº2, alínea a) e 57º, nº1 do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006 e artigo 9º, al. a) da Nacionalidade Portuguesa, defendendo, no essencial, que perante a matéria fáctica dada como provada deveria o tribunal considerar que tinha ligação efetiva à comunidade portuguesa porquanto a prova da inexistência de tal ligação competia ao Mº Pº e, este não logrou fazer tal prova.

O douto Acórdão do TCA Sul, ora recorrido, concordou com a sentença da 1ª instância, no sentido de que o recorrente não lograra provar a “ ligação efetiva à comunidade nacional” e entendeu que, também a factualidade que aditou, nos termos do artigo 662º,1 do CPC, “ ex vi” artº 140º do CPTA, “ … não é suficiente para que se possa afirmar que o recorrente possui já uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa, mas também não se pode afirmar que essa ligação inexiste, já que não se provou nomeadamente que o recorrente não esteja adaptado às regras sociais e aos costumes portugueses…”, concluindo que, face à actual Lei da Nacionalidade é sobre o Ministério Público que recai o ónus da prova do fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade “ inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional” e, não tendo este provado este fundamento, revogou a douta sentença proferida na 1ª instância, julgando improcedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente.


II - Delimitação do objecto do presente recurso de revista:

Pretende-se, com este recurso de revista, impugnar o douto acórdão ora recorrido que, apreciando a sentença, nos termos em que foi impugnada pelo recorrente, decidiu revogá-la, julgando improcedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente.

Assim, impugna o Ministério Público o douto acórdão proferido em 11.09.2014, por entender que:

1-A factualidade dada como provada não evidencia a existência de persistentes elos que possam corporizar um sentimento de pertença perene à comunidade nacional, de modo a poder afirmar-se que o R. é psicológica e sociologicamente português, isto é, dela não resulta a pertença ou ligação efectiva à comunidade nacional;
2-As alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2006 de 17/04 não permitem alterar a qualificação da ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa como ação de simples apreciação negativa pelo que, nos termos do artigo 343.º, n.º 1 do C.C. compete ao Requerido/Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga;
3-A prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais; logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa e ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos.

III - Admissibilidade do recurso de revista e seus fundamentos:

“O art.º 150.º n.º 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamenta” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.

A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador. A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150° nº 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental.

Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado da relevância jurídica fundamental, verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina. E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.

Ora, no caso em apreço, estamos perante o contencioso da nacionalidade, cujo procedimento e acções de oposição à aquisição de nacionalidade são muito frequentes e com implicações de grande relevância na vida comunitária, social e familiar, pelo que tal matéria assume importância fundamental.

Por outro lado, subsistem dúvidas no tratamento da questão processual em apreço, bem patentes na falta de unanimidade dos juízes que intervieram no acórdão recorrido, conforme resulta do voto de vencido lavrado a fls. 204, cujo teor aqui se reproduz.

Assim, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação em apreço, deverá ser admitido o recurso face à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.


IV - Mérito do recurso de revista:

A - Questão de fundo:

O fundamento do douto Acórdão, ora recorrido, para revogar a sentença da 1ª Instância e declarar improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa de L…, consistiu no entendimento de que face à actual Lei da Nacionalidade e ao actual Regulamento da Nacionalidade recai sobre o MºPº o ónus da prova da “ inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade previsto no artigo 9.º, al. a) da actual Lei da Nacionalidade e al a) do n.º 2 do art.º 56.º do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa que o Mº Pº não logrou provar.

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o douto Acórdão recorrido fez errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, não subsumindo corretamente os factos ao direito e errando na conclusão que retirou da factualidade que deu como assente, padecendo até de contradição pois, por um lado, afirma ser insuficiente a factualidade provada para demonstrar uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa e, por outro lado, conclui pela improcedência da presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de L….

Com efeito, face à actual Lei da Nacionalidade e ao actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa estamos perante uma ação de simples apreciação negativa que visa unicamente obter a declaração de inexistência de um direito ou de um facto – art.º 4.º,n.º 2, al. a) do CPC, competindo à parte demandada, nos termos do artigo 343.º, n.º 1do CPC, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito cuja inexistência a parte demandante pretende ver ser declarada. Ou seja, ocorre a inversão do ónus da prova, compreendendo-se que assim seja porque constitui princípio que a parte contra quem é invocada a inexistência de um direito, está em melhores condições de provar que esse direito existe, já que um facto negativo é sempre de prova mais difícil do que um facto negativo.

No que respeita à questão de saber se com as alterações introduzidas pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, o ónus da prova da inexistência da ligação efetiva à comunidade portuguesa independentemente da sua natureza jurídica ser constitutiva ou impeditiva, inverteu o ónus da prova cabendo ao Ministério Público fazer prova de tal requisito já se pronunciou, no sentido negativo, o TCA Sul nos doutos Acórdãos de 2.10.2008, 04125/08 e de 2.4.2014, 10952/14, cujos fundamentos, na parte que nos interessam, passamos a transcrever por serem aplicáveis ao caso em apreço e por perfilharmos o mesmo entendimento.

Assim, como se escreve no douto Ac. do TCA Sul de 02.10.2008:
“ … O art. 56º nº 2 do Dec. – Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro ( actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa) , que corresponde ao revogado art. 22º do Dec. – Lei nº 322/82, de 12 de Agosto, prevê:

“ 2 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela pratica de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”

E o art. 57º nº 1 deste diploma, dispõe que:

“Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas als. b) e c) do nº 2 do artigo anterior”.

Mais estabelece o nº 7 do mesmo preceito que:

“Sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser”.

Da análise dos preceitos citados conclui-se que o legislador deixou de exigir que o interessado comprove a sua ligação efetiva à comunidade nacional, constituindo fundamento da oposição a “ não comprovação” dessa ligação efetiva. Ou seja, na atual lei não se faz menção a essa “ não comprovação”, mas tão só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição. De qualquer modo, continua o interessado a ter necessidade de “ pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional”, depreendendo-se que será a partir dessa pronúncia que o Conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de indícios da inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da competente ação de oposição.

Tais considerações servem para justificar que a ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa pode ser qualificada como uma ação de simples apreciação negativa.

A ação de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto – art. 4º nº 2 al. a) do Cód. Proc. Civil.

Configurando-se a ação de oposição à aquisição da nacionalidade como ação de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas, face ao disposto no art.º 343º nº 1 do Cód. Civil, compete ao Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

De qualquer modo, pelo facto de estarmos perante uma ação que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por parte do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, também lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos da sua pretensão.

Ora, tendo o Ministério Público proposto a competente ação de oposição à aquisição da nacionalidade – ação de simples apreciação negativa -, onde apreciou a pronúncia feita pelo requerido sobre a existência daquela ligação e a respetiva prova documental, apresentada por este no processo que correu termos na Conservatória dos Registos Centrais, e tendo concluído que dessa mesma documentação resultava a inexistência de ligação efetiva, forçosamente teria que propôr a respetiva ação. …”

Como também se escreve no douto Ac. do TCA Sul de 02.04-2014, 10952/14, Ca-2ºJuizo :
…” Quanto ao entendimento de que a nova lei da nacionalidade passou a exigir apenas a declaração de ligação efectiva do Requerente do pedido de nacionalidade à comunidade nacional e que é à Conservatória e ao Ministério Público (MP), ora Recorrido, que compete a prova da inexistência daquela ligação, também não poderá ser aceite.
As alterações introduzidas à LN pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 e o atual texto do RN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14.12, não passaram a estabelecer qualquer presunção legal de que qualquer cidadão estrangeiro que seja filho ou case com um cidadão português passa a deter uma efectiva ligação à comunidade portuguesa.
Isso mesmo já foi decidido por este TCA em diversos arrestos, designadamente nos Acs. n.º 4125/08, de 21.10.2008, n.º 3697/08, de 13.11.2008, n.º 4150/08, de 19.11.2009, n.º 488/09, de 26.05.2011 ou n.º 5367/09, de 19.11.2009, todos em www.dsgi.pt. Concordando-se com tal jurisprudência para ai se remete.
Na senda da jurisprudência indicada, atendendo a que a presente ação é de simples apreciação negativa, competiria ao Requerente do pedido de nacionalidade, a ora Recorrente, fazer a prova da sua ligação efetiva à comunidade portuguesa. Tal deriva dos artigos 342º e 343º, n.º1, do Código Civil (CC). A prova da ligação efetiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais. Logo, a prova tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa. Ao ora Recorrido, ao Estado, caberá depois, apenas, a contraprova daqueles factos.
Mais se diga, que a tese sustentada na sentença “sub judice”, se entendida como a do cometimento à Administração da averiguação dos factos constitutivos do direito – de ligação à comunidade e do direito à nacionalidade portuguesa – tudo factos pessoais do Requerente do pedido de nacionalidade, também sempre deveria ser entendida como uma prova diabólica e como tal inadmissível.
A prova da efetiva ligação à comunidade portuguesa tem de ser feita através da invocação de factos pessoais. Assim, se se entendesse que tal prova não competia apenas àquele a que se arroga o direito, mas antes, pela negativa, à Conservadora dos Registos Centrais ou ao Estado, estar-se-ia a exigir que estes últimos demonstrassem factos que só aquele a que se arroga o direito conhece e pode provar. Trata-se de uma prova impossível ou extremamente difícil de fazer, trata-se de «prova diabólica». Será «prova diabólica» exigir da Conservadora dos Registos Centrais ou do Estado v.g. que provem que um cidadão estrangeiro que pretende a nacionalidade portuguesa sabe (ou não) os usos e costumes portugueses, da história, da geografia ou que convive e se integra na comunidade portuguesa, com quem tem amizades e que detém um sentimento de pretensa a esta comunidade portuguesa. Não pode nunca a Conservadora dos Registos Centrais ou o Estado reunir tal prova, salvo se lançarem mão a uma verdadeira investigação policial, que certamente violaria o direito constitucionalmente protegido à reserva da intimidade da vida privada e familiar (cf. artigo 26º da CRP).
Refira-se, ainda, que se se entendesse que a alteração da Lei da Nacionalidade exige agora que a Conservadora dos Registos Centrais ou o Estado provem a inexistência da efectiva ligação à comunidade portuguesa – e não o inverso, ou seja, que é ao interessado que cabe fazer a prova dessa ligação – estar-se-ia ainda a admitir que através dessa lei se pudesse restringir o direito constitucional à reserva da intimidade da vida privada e familiar; estar-se-ia a tornar legítima e não abusiva a recolha de informações relativas a essas pessoas, suas famílias, amigos, locais que frequenta, associações onde se integra, neles se tendo inscrito etc.
Ora, este entendimento é claramente errado e ofende os mais elementares princípios de um Estado de Direito, em que prima a dignidade da pessoa humana. Não pode o Estado obter informações pessoais sobre as pessoas, sua família e amigos para efeitos da prova da inexistência da efectiva ligação à comunidade portuguesa. Essa prova, de factos pessoais, compete unicamente ao interessado, quando requer o seu direito. Por seu turno, ao Estado incumbe apenas a contraprova desses factos, sempre com respeito pelos princípios constitucionais e pelo princípio da reserva da intimidade da vida privada e familiar. …”

No caso em apreço, resulta da prova documental junta aos autos que o Requerido não fez prova da sua ligação efetiva à comunidade portuguesa e que o MºPº, na sequência da respetiva participação efectuada pela Conservatória instaurou a presente oposição à aquisição de nacionalidade, invocando na PI factos demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional - pontos 10º, 11º, 13º , 14 - base nos elementos documentais juntos aos autos.

Cumpre agora, apurar se da matéria factual e documental carreada para os autos resulta a pertença ou ligação efetiva à comunidade nacional.

Ora, quanto a este aspecto estamos de acordo com o douto Acórdão recorrido quando refere que:

“… No caso vertente, e com relevo, encontra-se provado que o recorrente está casado com cidadã portuguesa há mais de 14 anos, tem dois filhos em comum, os quais têm nacionalidade portuguesa, conhece a língua portuguesa e, aquando da formulação do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, declarou ter ligação efetiva à comunidade portuguesa.
Tal factualidade, no entanto, não é suficiente para que se possa afirmar que o recorrente possui já uma real e convincente ligação á comunidade portuguesa…”.

Tal como resulta dos art.ºs 22.º e 56.º n.º 2 do Regulamento da Nacionalidade, nas suas sucessivas redacções, deve ser comprovada a ligação efectiva à comunidade nacional constituindo jurisprudência assente a de que:

“ Para que o cidadão estrangeiro adquira a nacionalidade portuguesa, não basta a prova do casamento com cidadão português há mais de três anos e a declaração da vontade de aquisição da nacionalidade do cônjuge, sendo conforme o art. 9º al. a) da Lei da Nacionalidade (…) indispensável a existência de uma ligação efectiva do interessado à comunidade nacional, que lhe incumbe provar como estabelecido no art. 22º do RN (…) . A conclusão pela existência ou não de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação de um conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicilio, da estabilidade da fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico- profissionais, culturais e de amizade reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer.” – cfr. Acórdão do STJ de 6 de Julho de 2006, Proc. nº 06 B 1740., in www. Dgsi.pt.”


Esta ideia de pertença ou prova de ligação efectiva à comunidade nacional implica, nos termos do Acórdão do STJ de 15 de Janeiro de 2004, Proc. 03B3941, in www. dgsi.pt “ uma integração na sociedade portuguesa, uma vez que só esta permite conhecê-la, partilhar dos seus valores, inteirar-se dos seus problemas, e deste modo, contribuir para a expressão da cultura e melhoria das condições de vida dos portugueses”.

Em face do exposto, no caso “ sub-judice”, não evidenciando a factualidade provada uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial (como, aliás, reconheceu o douto Acórdão, ora recorrido) pois, não releva, só por si, a prova do casamento com cidadã portuguesa nem a existência de filhos em comum de nacionalidade portuguesa e o conhecimento da língua portuguesa, o douto acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que conclua pela inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa por parte do Réu e julgue procedente a presente ação de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.


V – EM CONCLUSÃO:

1. Pretende-se, com este recurso de revista, impugnar o douto acórdão do TCA Sul proferido em 11-09-2014, a fls. 187 e seguintes, que apreciando a sentença, nos termos em que foi impugnada pelo recorrente, decidiu revogá-la, julgando improcedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do recorrente.

2. No caso “ sub judice”, estamos perante o contencioso da nacionalidade, cujo procedimento e acções de oposição à aquisição de nacionalidade são muito frequentes e com implicações de grande relevância na vida comunitária, social e familiar, pelo que tal matéria assume importância fundamental.

3. Por outro lado, subsistem dúvidas no tratamento da questão processual em apreço, bem patentes na falta de unanimidade dos juízes que intervieram no acórdão recorrido, conforme resulta do voto de vencido lavrado a fls. 204, cujo teor aqui se reproduz.

4. Em consequência, estão verificados os requisitos do art.º 150º nº 1 do CPTA que prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamenta” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

5. Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o douto Acórdão recorrido fez errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis, não subsumindo correctamente os factos ao direito e errando na conclusão que retirou da factualidade que deu como assente, padecendo até de contradição pois, por uma lado, afirma ser insuficiente a factualidade provada para demonstrar uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa e, por outro lado, conclui pela improcedência da presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de L….

6. Com efeito, da conjugação dos artigos 56º, nº2, e 57º, nºs 1 e 7 do RN aprovado pelo DL nº 237-A/2006 de 14/12 resulta que continua o interessado a ter necessidade de “ pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional”, depreendendo-se que será a partir dessa pronúncia que o Conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de indícios da inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da competente acção de oposição.

7. As alterações introduzidas à LN pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 e o atual texto do RN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14.12, não passaram a estabelecer qualquer presunção legal de que qualquer cidadão estrangeiro que seja filho ou case com um cidadão português passa a deter uma efectiva ligação à comunidade portuguesa como foi Isso mesmo já decidido pelo TCA em diversos arrestos, designadamente nos Acs. n.º 4125/08, de 21.10.2008, n.º 3697/08, de 13.11.2008, n.º 4150/08, de 19.11.2009, n.º 488/09, de 26.05.2011 ou n.º 5367/09, de 19.11.2009, todos em www.dsgi.pt.

8.Tais considerações servem para justificar que a acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa pode e deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa, competindo ao Requerente do pedido de nacionalidade, fazer a prova da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa como resulta dos artigos 342º e 343º, n.º1, do Código Civil (cfr., designadamente, doutos Ac.s do TCA Sul de 2.10.2008, 04125/08 e de 02-04.2014, 10952/14 ).

9.Aliás, a prova da ligação efectiva à comunidade nacional é necessariamente feita com base em factos pessoais e, consequentemente, tem de ser feita através de factos próprios do Requerente do pedido de nacionalidade, que foi quem invocou o direito à nacionalidade portuguesa.

10.Como bem se refere no douto Acórdão de do TCA Sul de 2.4.14, 10952/14 “…se se entendesse que tal prova não competia apenas àquele a que se arroga o direito, mas antes, pela negativa, à Conservadora dos Registos Centrais ou ao Estado, estar-se-ia a exigir que estes últimos demonstrassem factos que só aquele a que se arroga o direito conhece e pode provar. Trata-se de uma prova impossível ou extremamente difícil de fazer, trata-se de «prova diabólica»” e, portanto legalmente inadmissível.

11.Como resulta dos art. 22º e 56º nº 2 do Regulamento da Nacionalidade, nas suas sucessivas redacções, deve ser comprovada a ligação efectiva à comunidade nacional.

12.Constitui jurisprudência assente a de que “A conclusão pela existência ou não de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação de um conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicilio, da estabilidade da fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da actividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspectos familiares, sociais, económico- profissionais, culturais e de amizade reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos ou factores susceptíveis de revelar a efectiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer.” ( cfr. Acórdão do STJ de 6 de Julho de 2006, Proc. nº 06 B 1740., in www. Dgsi.pt.).

13.A factualidade apurada e dada por assente no douto Acórdão recorrido, aliás, com neste expressamente se afirma a fls. 193, não é suficiente para que se possa afirmar que o recorrente possui já uma real e convincente ligação á comunidade portuguesa.

14.Ora, não evidenciando a factualidade provada uma ligação especial ou um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em especial pois, não releva, só por si, a prova do casamento com cidadã portuguesa nem a existência de filhos em comum de nacionalidade portuguesa e o conhecimento da língua portuguesa, o douto acórdão recorrido deveria ter concluído pela inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte do Réu e julgar procedente a presente acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

15.Concluindo como concluiu violou o douto Acórdão recorrido o dispostos nos artigos 22º e 56º do RN, o artigo 9º da LN bem como os artigos 342º e 343º do CC.

16.Termos em que deverá ser admitido o presente recurso de revista e revogado o douto acórdão, ora recorrido, julgando-se procedente a presente acção de oposição deduzida à aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de L… .


Assim decidindo farão Vossas Excelências
A costumada,

JUSTIÇA!

A Procuradora – Geral Adjunta

Fernanda Carneiro

Lisboa, 25.09.2014