Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:02/24/2014
Processo:10434/13
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º JUÍZO - 1ª SECÇÃO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:ALEGAÇÕES DE RECURSO DE REVISTA.
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DO ESTADO.
VENDA DE IMÓVEL HABITADO EM PROCESSO EXECUTIVO.
COMPETÊNCIA DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS PARA PROCEDER À DESOCUPAÇÃO COERSIVA.
Observações:P.A nº 65/11-Ac.
Texto Integral:Procº 10434/13
2º Juízo-1ª Secção

Acção contra o Estado

Recurso de Revista

Alegações do MP


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo (TCAS) vem, na acção supra referenciada, em que litiga em representação do Estado, interpor recurso de revista, do douto acórdão de 23-1-2014, o que faz nos termos do artº 150º nº1 do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I – Introdução:

1. H… F… M… R…C… e marido, propuseram contra o Estado, uma acção supostamente para efectivação da responsabilidade civil contratual, com vista à condenação deste no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de €26.000.00, com juros moratórios a partir da citação, ocasionados pela demora, por a mesma estar ocupada por terceiros, que atribuem ao Chefe da Repartição de Finanças de S…, na entrega, em 5-01-2011, da casa que, em 23-10-2008, tinham adquirido em venda judicial, publicitada via internet.

2. Por sentença de 30-4-2013, foi considerada improcedente a acção, com base em que, impendia sobre os autores, ora recorridos, o dever de requerer ao Tribunal Tributário o prosseguimento da execução contra os ocupantes da casa, para obter a sua entrega e para que fosse, se necessário, ordenada a requisição da força pública, nos termos dos artºs 901º, 930º nº1 e 840º nº4 todos do CPC.

3. Desta sentença, recorreram os autores alegando, essencialmente, que a responsabilidade da não entrega da casa cabe ao Chefe de Repartição de Finanças a quem competia, segundo os mesmos, solicitar o auxílio das autoridades e entregar a casa logo após a adjudicação e emissão do título de transmissão, nos termos do artº 900º do CPC e 879º do C. Civil.

4. Contra-alegou o MMP, defendendo a manutenção da sentença, nomeadamente porque a legislação vigente á data dos factos não permitia ao Serviço de Finanças ordenar o arrombamento da porta e proceder a despejo em casos em que o imóvel estivesse ocupado, pelo que não se verifica a prática de conduta ilícita, ou culposa.

II – Da admissibilidade de recurso de revista:

Este recurso deverá, salvo melhor opinião, ser admito essencialmente pelos seguintes motivos (sem prejuízo desse Alto Tribunal considerar a existência de outros):

1. Verifica-se a necessidade de uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão recorrido decidiu contra jurisprudência do STA, dando por verificados, indevidamente, os pressupostos da culpa e acto ilícito, bem como a existência de prejuízos indemnizáveis;

2. Na parte em que se verifica a condenação do Estado ao pagamento de uma indemnização – que consideramos sem fundamento e excessiva – verifica-se uma relevância social da questão, decorrente do gasto de dinheiros públicos indevido;

3. As questões jurídicas suscitadas envolvem a consulta de vários normativos dispersos por três Códigos tornando a sua aplicação aos factos dados como provados de especial complexidade;

Nestes termos, parece-nos de importância fundamental a admissão deste recurso ao abrigo do nº1 do artº 150º do CPTA.

III – Dos fundamentos do recurso de revista:

A – Nulidade por excesso de pronúncia:

1.O douto acórdão recorrido refere sobre o thema decidendum, o seguinte:

“Esta é uma acção de responsabilidade civil contratual, ou obrigacional, como referido no intróito da p.i., pois invoca-se na p.i. a violação de um direito de crédito ou de uma obrigação em sentido técnico do R. para com o A., no âmbito de um contrato de compra e venda (vd. arts. 798º ss e 874º ss do CC e arts. 248º ss do CPPT)”.

E acrescenta:

“O não cumprimento na responsabilidade civil obrigacional tanto pode consistir numa acção como numa omissão. É necessário, porém, que seja ilícito, isto é, que haja desconformidade entre o comportamento devido esperado e necessário para a realização da prestação e o comportamento efectivamente tido. A ilicitude consubstancia-se justamente na violação do direito a uma prestação de uma das partes do contrato”.

E continua:

“Como vimos, o tribunal a quo considerou haver aqui um caso de responsabilidade extracontratual ou delitual, ao contrário da p.i., no que já foi estranhamente seguido na alegação de recurso, e considerou ainda que não houve omissão ilícita por parte da Adm. Fiscal, ao não ter entregue de imediato ao comprador A. o imóvel que este lhe comprou em venda no âmbito do processo tributário, invocando os arts. 253º e 256º do CPPT e 901º do CPC. No entanto, ignorou o texto do art. 900º/1 do CPC/2007 e dos arts. 874º ss do CC”

2. Daqui decorre, bem como dos restantes fundamentos jurídicos do acórdão e da própria decisão no mesmo contida, que o Venerando TCAS considerou que se estava perante um pedido de indemnização decorrente de responsabilidade contratual.

Não podemos concordar com o teor deste acórdão, bem como com a decisão no mesmo tomada.

De facto, muito embora os autores tenham apelidado, na petição, esta acção, de “acção emergente da responsabilidade contratual”, a verdade é que a referida peça processual não refere nenhum contrato de compra e venda de imóvel e muito menos junta documento comprovativo, nomeadamente escritura pública do mesmo.

Pelo contrário, os termos da petição são os referentes a uma acção de responsabilidade civil extra-contratual, pois não invocam incumprimento de qualquer contrato, mas apenas a ilicitude e culpabilidade do Chefe de Repartição de Finanças.

Assim o entendeu, também, o MMP que contestou a acção e que interveio nos demais trâmites do processo na primeira instância.

E assim o entendeu, igualmente, a sentença que decidiu claramente com base nos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual.

3. Ainda que assim não fosse, os autores, nas alegações que apresentaram no recurso que interpuseram da sentença, não impugnaram esta, quanto ao tipo de responsabilidade civil que o Mmo Juiz Desembargador considerou aplicável, conformando-se com a inclusão do seu pedido e da causa de pedir na responsabilidade civil extracontratual ( cfr, vg artº 18º das conclusões).

Portanto, a questão da acção decorrer da responsabilidade civil contratual está ultrapassada e a sentença que considerou estarmos perante um pedido de responsabilidade civil extracontratual transitou em julgado por falta de impugnação nesta parte.

Nestes termos, não poderia, a nosso ver, o Venerando TCAS, apreciar os factos à luz da responsabilidade contratual.

Verifica-se, pois, o excesso de pronúncia, uma vez que o douto acórdão recorrido conheceu de questão que não deveria conhecer.

B – Da errada interpretação da lei e aplicação da mesma aos factos considerados provados:

1.De qualquer forma, quer se considere estarmos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, quer contratual, a presente acção sempre improcederia.

Vejamos porquê:

A questão que aqui importa apreciar, neste âmbito, é se se aplicam à venda judicial, através de anúncio publicado na Internet, em processo de execução fiscal, de um imóvel que se encontra habitado, as normas referenciadas pelos autores, como violadas pelo Chefe de Repartição de Finanças e que são os artºs 900º e nº2 do artº 840º, ambos do CPC.

Quanto aos normativos invocados no douto acórdão recorrido, nomeadamente artºs 777º nº1, 798º, 799, 804 e 805 nº2 alínea a), 806º, 807º, 874º, 879º alínea b) e 882º, todos do CPC, entendemos inaplicáveis ao caso vertente.

2. A venda de um imóvel, por meio de proposta em carta fechada, no âmbito do processo de execução tributário, regulada nos termos dos artºs 248º e segs do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPC) não se pode considerar um contrato de compra e venda de imóveis regulado pelo direito civil, dado que não existe qualquer contrato, e muito menos de natureza civil, mas sim actos de autoridade, nomeadamente, de adjudicação do bem vendido e concessão de título de transmissão de propriedade.

Isto, além do processo de execução fiscal ser, na totalidade, um processo judicial e, como tal, com especificidades muito próprias ( artº 103º nº1 da LGT).

Assim só a título meramente subsidiário, se aplicam as normas de processo civil atinentes ao processo de execução ( artº 801 e segs do CPC).

3. É certo que o artigo 900.º do CPC, na redacção do DL 38/2003, de 8-3, refere que “ …os bens são adjudicados e entregues ao proponente...

Porém, este artigo contém apenas uma regra geral, não dizendo em que data, em que condições e por quem é feita essa entrega.

Assim parece-nos, salvo o devido respeito, uma atitude demasiado simplista, com base no mesmo, considerar, no caso vertente, que o imóvel não foi entregue ( porque o foi), bem como que existe responsabilidade do Estado.

De facto, no caso que analisamos, o imóvel foi entregue aos autores, não sendo culpa do Chefe do Serviço de Finanças de S… que tal não tivesse ocorrido logo após a venda, como decorre das alíneas f), g) j) k), l), m), dd), ee), gg) e ff) conjugada com r), da factualidade assente (FA).

Antes do mais, não é da sua responsabilidade a ocupação da casa; só teve conhecimento dessa ocupação em 10-11-2008, quando determinou, ao executado e fiel depositário, para entregar as chaves da casa em 10 dias, portanto, logo após a venda que ocorreu em 23-10-2008 e antes da entrega aos autores do título de transição, em 19 -12-2008 (alíneas C), a), dd) e ee) da FA).

Por outro lado, não impendia sobre o Chefe do Serviço de Finanças o dever de realizar as diligências necessárias com vista à desocupação do referido imóvel, designadamente o dever de solicitar o auxílio das forças policiais para efeitos de arrombamento do mesmo, o que se mostrava necessário como acabou por acontecer.

4. O dever de entregar o imóvel aos autores cabia ao fiel depositário, que foi notificado da venda em 5-8-2008 podendo, o mesmo, ser penalizado por essa não entrega, para o que foi participado ao MP a eventual prática de crime ( doc fls 127).

Ademais, tinha a ocupante a obrigação de desocupar o imóvel, uma vez que o ocupava sem qualquer título.

Além disso, impendia sobre os autores a função de accionar os mecanismos legais adequados para resolver a situação, quer por via do pedido de anulação da venda nos termos do artº 257, nº1 al a) do CPPT, quer mediante o pedido de execução para entrega de coisa certa, nos termos do artº 901 do CPC, como se acabou por verificar com a instauração, pelos autores, do procº nº 457/10.1 BELLE, em 24-9-2010, o que resolveu de imediato a questão, com a ordem judicial de despejo dos moradores.

5. De referir que, na petição que deu origem ao citado processo, os autores citaram e transcreveram o sumário do acórdão do STA de 20-11-2002, in procº nº 01217/02, publicado in www.dgsi.pt, que é o seguinte:

I - A Administração, em execução fiscal, apenas cumpre a adjudicação dos bens que não a respectiva entrega ao adquirente que a poderá obter requerendo o prosseguimento da execução contra o seu detentor, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa - artº 900º e 901º do C.P.Civil.

II - Pelo que carece de suporte legal o despacho do Chefe da Rep. Finanças que ordena tal entrega com substituição das fechaduras e requisição da GNR.

Nestes termos, os próprios autores vieram a admitir que o Chefe de Finanças não tinha competência legal para proceder ao despejo da casa, pelo que se estranha a propositura desta acção.

6. Mas vale a pena, por se tratar de caso idêntico ao aqui tratado, transcrever também uma parte do próprio texto do douto acórdão do STA citado:

(…)

“Ora, nos termos do artº 900º nº 2 do C.P.Civil, epigrafado "adjudicação dos bens" "proferido despacho de adjudicação dos bens, é passado ao adquirente título de transmissão ...".

Dispondo o artº 901, epigrafado "entrega dos bens", que "o adquirente pode, com base no despacho a que se refere o artigo anterior, requerer o prosseguimento da execução contra o detentor dos bens, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa".

Assim, uma vez adjudicados os bens, é ao adquirente que cumpre diligenciar no sentido da respectiva entrega, nos preditos termos.

O que bem se compreende se se atentar em que a venda executiva produz os mesmos efeitos que a realizada através de negócio jurídico translativo - artº 879º do Cód. Civil -, nomeadamente a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito.

Pelo que não pode a Administração Tributária substituir-se-lhe na defesa dos respectivos direitos.

Adjudicados os bens cumpre, assim, ao adquirente, nos termos do referido artº 901º, providenciar pela respectiva entrega requerendo, com base no despacho de adjudicação, o prosseguimento da execução.

Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 102.

Objecta, todavia, a Fazenda recorrente, no sentido da aplicação, nos autos, dos artºs 930º nº 1 e 840º do Cód. Proc. Civil.

Dispõe, na verdade, aquele primeiro normativo, que "à efectivação da entrega judicial da coisa, são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora... se o executado não fizer voluntariamente a entrega", o que levaria à aplicação daquele artº 840º, respeitante à entrega da coisa penhorada.

Mas a asserção não é correcta.

É que o artº 930º insere-se justamente nas disposições respeitantes à "execução para entrega de coisa certa", que é a referida naquele artº 901º.

Isto é, uma vez requerido pelo adquirente o prosseguimento da execução, nos termos deste normativo, é que pode ter lugar a aplicação do artº 930º e, em consequência, à do art 840º, ambos referidos.

Assim, requerido pelo adquirente dos bens, o prosseguimento da execução, que segue os termos de execução para entrega de coisa certa, proceder-se-á respectiva entrega judicial efectiva, se necessário com o auxílio da força pública, arrombando-se as portas e lavrando-se auto da ocorrência.

Mas isto, como se disse, por iniciativa processual do adquirente dos bens, que não, de motu próprio, pela administração tributária.

Efectuada, pois, por esta, a adjudicação dos bens, ao adquirente cabe processualmente providenciar no sentido da respectiva entrega - artº 900º e 901º do Cód. Proc, Civil”.

Fazendo nossas, com a devida vénia, os fundamentos deste douto acórdão, e tendo em conta que o artº 840º nº3 do CPC que refere que é ao juiz que determina o auxílio das forças policiais em caso de necessidade de arrombamento de imóvel, parece que não restarão dúvidas de que existe culpa dos autores ao não terem accionado o mecanismo contido no artº 901º do CPC, a tempo de evitarem os prejuízos que dizem ter sofrido, tanto mais que a sentença foi proferida no prazo de 4 meses a contar do pedido ( cfr fls 102 e 123).

Existe, assim, culpa do lesado capaz de determinar a isenção total de culpa do Estado ( artºs 570º nº1 e 571º ambos do CPC).

7. As alterações introduzidas pela Lei n.º55-A/2010, de 31 de Dezembro [Orçamento de Estado para 2011], ao artigo 256.º do CPPT, no sentido de possibilitar às autoridades tributárias a entrega coerciva das coisas, são posteriores aos factos ocorridos nos autos e, portanto aos mesmos inaplicáveis .

Deste modo, tal alteração é prova de que não existia, antes da mesma, qualquer normativo que atribuísse competência ao Chefe de Serviço de Finanças de S… para arrobar ou ordenar o arrombamento de casa habitada.

Ora, essa omissão legislativa determina a incompetência daquela entidade para praticar os actos que os autores referem como dever deste praticar, pelo que não estamos perante a omissão de um comportamento devido e, consequentemente, perante qualquer dever de indemnizar ( cfr artº 486º do CCivil e Carlos A.F.Cadilha, in “Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas”, anotação 5. ao artº 9º)

Acresce que mesmo em termos da responsabilidade contratual, o alienante só responde pelos danos sofridos pelo adquirente em caso de culpa ( artºs 796º e 918 b) do CPC).

Nestes termos, inexistindo acto ilícito ou culpa por parte dos agentes do Estado, não se verificam os pressupostos do dever de indemnizar quer estejamos perante uma responsabilidade extracontratual ou contratual.

Tudo o que estava ao seu alcance em termos de permissão legal foi feito pelos Serviços das Finanças para resolver o problema dos autores, a que eram alheios, conforme decorre do supra referido.

Vigora no ordenamento juídico português o princípio da competência, conforme resulta do artº 10º nº1 da Lei nº 67/2007, de 31-12, pelo que os Serviços de Finanças apenas podem agir de acordo com as competências que lhes são legalmente atribuídas.

Bem decidiu, pois a douta sentença de 30-04-2013, que foi revogada pelo douto acórdão agora impugnado, com a qual concordamos na íntegra e fazemos nossa com a devida vénia, nomeadamente quanto ao extracto que passamos a transcrever:

“O Código de Procedimento e Processo Tributário, na redacção em vigor à data a que se reportam os factos, não estabelecia qualquer dever do órgão de execução fiscal proceder à entrega ao adquirente dos bens vendidos na execução, bem como não estabelecia qualquer meio para o órgão de execução fiscal proceder àquela entrega nos casos em que o detentor se recusasse a entregar o bem.

Assim sendo, era de entender que, à data dos factos, apenas impendia sobre o órgão de execução fiscal o dever de adjudicação, concretizado na emissão do título de transmissão, mas já não o dever de proceder à entrega efectiva do bem quando o seu detentor recusasse proceder à entrega voluntária.

Como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/11/2012, “À Administração, em execução fiscal, apenas cumpre a adjudicação dos bens que não a respectiva entrega ao adquirente que a poderá obter requerendo o prosseguimento da execução contra o seu detentor, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa – artº 900º e 901º do C.P. Civil”.

Refira-se que, no Acórdão citado, se concluiu pela ilegalidade, por carecer de suporte legal, do despacho do Chefe de Repartição de Finanças que ordenava a entrega com substituição das fechaduras e requisição da GNR.

Assim sendo, e tendo presente que da factualidade provada nos autos resulta que o imóvel adquirido pelos autores se encontrava ocupado por uma família [alínea e) dos factos provados], impõe-se concluir que não impendia sobre o Chefe do Serviço de Finanças de ……. o dever de realizar qualquer diligência com vista à desocupação do referido imóvel, designadamente o dever de solicitar o auxílio das forças policiais para efeitos de arrombamento do mesmo.

Com efeito, apenas com as alterações introduzidas pela Lei n.1155-A/2010, de 31 de Dezembro [Orçamento de Estado para 2011], o artigo 256.11 do CPPT, passou a dispor, nos seus n.ºs 2 e 3, o seguinte: “2. O adquirente pode, com base no título de transmissão, requerer ao órgão de execução fiscal, contra o detentor e no próprio processo, a entrega dos bens. 3. O órgão de execução fiscal pode solicitar o auxílio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado ao adquirente”.

Atento o disposto na norma legal citada, conclui-se que, a partir de 01/01/2011, data de entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado de 2011, o órgão de execução fiscal passou a poder solicitar, a requerimento do adquirente, o auxilio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado, ou seja, é a norma do n.113 do artigo 256.11 do CPPT, que habilita o referido órgão a solicitar aquele auxílio, designadamente, nos casos em que o detentor do imóvel se recuse entregá-lo.

Contudo, até à entrada em vigor da citada norma legal, e na ausência de qualquer norma idêntica, que habilitasse o órgão de execução fiscal a solicitar o auxílio das autoridades policiais, é de entender, como já referimos, que apenas impendia sobre aquele, efectuada a venda em processo de execução fiscal, o dever de adjudicação, concretizado na emissão do título de transmissão.

De facto, perante a recusa do detentor do imóvel em entregar o mesmo, deveria o adquirente, para obter a entrega, requerer ao Tribunal Tributário o prosseguimento da execução contra aquele e que fosse ordenada a requisição de força pública, nos termos dos artigos 901.11, 930.11, n.111 e 840.11 do CPC.

Assim, concluímos que não se encontra preenchido o primeiro pressuposto da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, qual seja o facto ilícito.”


***

8. Para a hipótese de se manter o acórdão recorrido - o que não se concede –impugna-se, ainda, o seguinte:

Em consequência de ter considerado que estávamos perante acto ilícito, decidiu o douto acórdão recorrido condenar o R. Estado a pagar de imediato aos AA., o seguinte:

a) - os juros moratórios civis como peticionados à taxa legal,

b) - 6.000,00 Euros, a título de indemnização por danos morais,

c) - 900,00 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais já quantificados,

d) - e o que se apurar em liquidação de sentença quanto aos prejuízos referidos nos factos sob Y, Z e AA.

9. Quanto aos alegados prejuízos refere o douto acórdão:

“Quanto à indemnização dos danos morais (provados nos factos T, U, W, BB e FF), releva ainda o disposto nos arts. 496º/1/3 e 494º CC. Nesta sede, é impressionante o facto de os AA terem estado 2 anos sem poderem utilizar a casa para o fim importante pretendido, férias, e o facto suplementar de terem sido incomodados com queixa-crime no âmbito da sua luta por obterem do vendedor ora R. a posse material da coisa comprada.

Os danos patrimoniais constam dos restantes factos, sob X, Y, Z e AA, sendo ainda certo que alguns (sob Y, Z e AA) ainda estão por quantificar (vd. art. 661º/2 do CPC/2007)”.

10. Quanto aos danos morais ( alíneas T, U, W, BB e FF da FA):

T. Não puderam dispor da casa durante mais de 24 meses.

U. E, particularmente, durante os períodos de férias e fins-de-semana prolongados, como tencionavam fazer.

W. Para tentarem resolver tal situação, os autores deslocaram-se ao Algarve pelo menos três vezes e em virtude de uma dessas deslocações chegaram a ser incomodados com processo-crime de inquérito, que correu seus termos pelos Serviços do Ministério Público de ………. sob o número 22/09.6GESLV, mas que veio a ser arquivado.

BB. Toda a situação causou aos autores incómodos, mal-estar, desgosto e até desânimo quanto ao objectivo de conseguir a fruição do que lhes pertence.

FF. A ocupante, A…. …………………., apresentou queixa-

crime contra o funcionário e a compradora.

11. Para além do que foi referido no que respeita à responsabilidade dos autores pela sua ocorrência, bem como à inexistência de qualquer acto ilícito por parte do Estado que os tenha ocasionado, importa sublinhar o seguinte:

Os invocados danos morais são de pouca relevância, pelo que não merecem a tutela do direito ( artº 496º nº1 do C.C.).

De facto, a casa não era de habitação permanente, nem ficou demonstrado que se os autores tivessem a casa, iriam nela passar nesses dois anos, férias ou fins de semana.

Trata-se, pois, de um dano meramente hipotético e, como tal, não indemnizável.

A instauração de um processo-crime deveu-se à insistência da autora em desalojar, ela própria, a moradora do imóvel. Nada teve a ver com o Estado.

Os meros incómodos, mal-estar, desgosto e até desânimo, sem qualquer intensidade e gravidade, não merecem a tutela do direito.

De qualquer maneira, o montante de 6.000 € a título de danos morais é excessivo, devendo ser substancialmente reduzido.

12. Quanto aos danos materiais:

São os seguintes:

X. Nessas deslocações, despenderam, pelo menos, 900,00€.

Y. Quando os autores, pela primeira vez, se deslocaram ao imóvel este encontrava-se intacto.

Z. Quando lhes foi entregue a posse efectiva do mesmo, encontrava-se totalmente danificado, com paredes partidas, azulejos e portas arrancadas, banca da cozinha arrancada, armários danificados e outros danos.

AA. Os autores contrataram um empreiteiro para corrigir os danos.

Também aqui o Estado não tem qualquer responsabilidade, pois os alegados danos materiais não decorrem de qualquer acto ilícito ou culposo praticado pelos seus Serviços.

Os danos referidos em Z. e AA não podem ser imputáveis ao Estado uma vez que actuação deste, ainda culposa – o que não se concede – não seria causa adequada a produzir tais danos.

13. Quanto aos juros moratórios:

Os juros moratórios só serão devidos caso o Estado venha a ser condenado o que não se concede.

Contudo dir-se-á que os juros de mora só são devidos quando o Estado souber qual o montante exacto dos danos (art.º 805 nº3 1ª parte), do C.C.), o que agora não acontece como o comprova a remissão para a liquidação em execução da sentença.


***

Nestes termos, o acórdão recorrido, ao revogar esta sentença proferida de acordo com a doutrina explanada no douto acórdão do STA de 20-11-2002 já citado, fez incorrecta interpretação da lei, mormente dos artºs artºs 777º nº1, 798º, 799, 804 e 805 nº2 alínea a), 806º, 807º, 879º alínea b) e 882º, todos do CPC, bem como dos artºs , 840º nº3e 4, , 874º, 930º e 900º e 901º também do CPC, além dos artºs 486º e 570º e 571º do C.C.

Termos em que deverá ser substituído por outro que considere improcedente a acção e absolva o Estado do pedido.

IV - EM CONCLUSÃO:

1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão deste TCAS que, revogando a sentença da primeira instância, condenou o Estado ao pagamento de uma indemnização por danos morais e patrimoniais.
2. O acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia por ter julgado com base em responsabilidade civil contratual quando a sentença tinha decidido com base em responsabilidade civil extracontratual, decisão que nesta parte transitou em julgado por falta de impugnação dos autores.
3. A admissão deste recurso de revista reveste-se de importância fundamental para uma melhor aplicação do direito e por as questões suscitadas nos autos serem de especial relevância jurídica e social.
4. A necessidade de melhor aplicação do direito advém da desconformidade do acórdão com a jurisprudência desse STA, bem como com diversos dispositivos legais dispersos por três Códigos, cuja apreciação por isso é de especial complexidade e que conduziram ao pagamento pelo Estado de um montante lesivo do seu património, o que se reveste de especial relevância social.
5. Deve, pois, salvo melhor opinião, este recurso ser admitido, por esse Alto Tribunal, nos termos do nº1 do artº 150º do CPTA.
6. A venda de um imóvel, por meio de proposta em carta fechada, no âmbito do processo de execução tributário, regulada nos termos dos artºs 248º e segs do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPC) não se pode considerar um contrato de compra e venda de imóveis regulado pelo direito civil, dado que não existe qualquer contrato, e muito menos de natureza civil, mas sim actos de autoridade, nomeadamente, de adjudicação do bem vendido e concessão de título de transmissão de propriedade, cujas normas subsidiariamente aplicáveis são as relativas ao processo de execução regulado no Código de Processo Civil.
7. A não entrega, logo a seguir à venda judicial, do imóvel aos autores, não se deveu à prática de qualquer acto ilícito e culposo por parte dos Serviços de Finanças de S… ou do Chefe de Serviços.
8. Deveu-se, sim, ao facto do fiel depositário não ter dado conhecimento ao Chefe de Finanças que o imóvel estava habitado, nem o ter entregue quando para isso foi notificado logo a seguir à venda, bem como à sua ocupante que não tinha qualquer título que tal legitimasse, recusando-se a sair quando foi instada pelas Finanças e pelos autores a fazê-lo.
9. Era aos autores que competia requerer o prosseguimento da execução para entrega do imóvel, nos termos prescritos no artº 930º do CPC , conforme determina o artº 901º do CPC e foi considerado pelo acórdão do STA de 20-11-2002 proferido no processo nº 01217/02e pela sentença proferida nos autos.
10. Os próprios autores vieram a reconhecer que o Chefe de Finanças não tinha competência legal para proceder ao despejo da casa, ao citar e transcrever o sumário deste acórdão, no requerimento para prosseguimento da execução.
11. Se os autores tivessem utilizado, logo a seguir à venda do imóvel e quando souberam da sua ocupação, o meio legal adequado para desocupação da casa, conforme determina o artº 901º do CPC, teriam evitados que os prejuízos que dizem ter sofrido se produzissem, uma vez que a sentença proferida no processo para prosseguimento da execução foi emitida passados quatro meses depois da respectiva entrada no TAF de L….
12. Existe, assim, para além de outros eventuais culpados, culpa dos lesados na produção dos danos, suficiente para excluir na totalidade eventual culpa do Estado, nos termos do artº 570º e 572º do C.C.
13. Não existia, á data da venda judicial, nem até às alterações introduzidas pela Leinº1155-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2011), aos n.ºs 2 e 3 do artigo 256º do CPPT, qualquer norma que atribuísse competência ao Chefe de Serviço de Finanças tendo passado, o órgão de execução fiscal, a poder solicitar, a requerimento do adquirente, o auxilio das autoridades policiais para a entrega do bem adjudicado.
14. A omissão do comportamento devido, ao contrário da actuação indevida, só gera dever de indemnizar quando existe norma que atribua competência aos órgãos do Estado para adoptarem determinada conduta, já que vigora no ordenamento jurídico português a princípio da competência, conforme resulta do artº 10º nº1 da Lei nº 67/2007, de 31-12.
15. O Chefe do Serviço de Finanças de S… fez, no âmbito do cargo que exercia, todas as diligências possíveis para entregar o imóvel aos autores, como comprova a factualidade assente, tendo, inclusivamente, participado criminalmente do fiel depositário pela não entrega da casa que estava à guarda deste no processo de execução em que era também executado.
16. Assim, não só não omitiu nenhum comportamento que lhe estava legalmente confiado, como também agiu com toda a diligência devida nos termos do nº1 do artº 10º da Lei nº67/2007.
17. A inexistência de qualquer actuação culposa por parte dos serviços do Estado, isenta-o do dever de indemnizar quer se considere estarmos perante um caso de responsabilidade extracontratual quer se considere, por mera hipótese, que se está perante um caso de responsabilidade contratual.
18. Os artºs 777º nº1, 798º, 799, 804 e 805 nº2 alínea a), 806º, 807º, 879º alínea b) e 882º, todos do CPC, citados no douto acórdão recorrido para justificar a decisão condenatória, são inaplicáveis ao caso vertente.
19. Os danos morais invocados, meros incómodos, mal-estar, desgosto e até desânimo, sem qualquer intensidade e gravidade, não merecem a tutela do direito.
20. A casa vendida não era de habitação permanente, nem ficou demonstrado que se os autores tivessem a casa, iriam nela passar nesses dois anos, férias ou fins de semana, o que constitui um dano meramente hipotético e, como tal, não indemnizável.
21. A instauração de um processo-crime deveu-se à insistência da autora em desalojar, ela própria, a moradora do imóvel, não sendo imputável ao Estado.
22. De qualquer maneira, o montante de 6.000 € a título de danos morais sempre seria excessivo, devendo ser, caso se considerasse ser existente e indemnizável – o que não se concede - substancialmente reduzido.
23. O Estado não tem qualquer responsabilidade pelos alegados danos morais ou materiais pois não decorrem de qualquer acto ilícito culposo praticado pelos seus Serviços.
24. Os danos referidos em Z. e AA não podem ser imputáveis ao Estado uma vez que actuação deste, ainda que culposa – o que não se concede –não seria causa adequada a produzir tais danos.
25. Os juros de mora só seriam devidos quando o Estado soubesse qual o montante exacto dos danos ( artº 805 nº3 do C.C.), o que ainda não acontece, como o comprova a remissão para a liquidação em execução da sentença de alguns dos invocados prejuízos.
26. O acórdão recorrido, ao revogar a sentença, proferida de acordo com a doutrina explanada no douto acórdão do STA de 20-11-2002 já citado, fez incorrecta interpretação da lei, mormente dos artºs artºs 777º nº1, 798º, 799, 804 e 805 nº2 alínea a), 806º, 807º, 879º alínea b) e 882º, todos do CPC, bem como dos artºs , 840º nº3e 4, , 874, 930º nº1900º e 901º também do CPC, além dos artºs 486º e 570º e 571º do C.C.

Termos em que deverá ser substituído por outro que considere improcedente a acção e absolva o Estado do pedido, assim se concedendo provimento ao presente recurso jurisdicional.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada,

JUSTIÇA!


A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares