Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:02/09/2015
Processo:11887/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO -1.ª SECÇÃO
Magistrado:Manuela Galego
Descritores:DOCENTES;
TRANSIÇÃO DE CATEGORIA;
ORÇAMENTO DE ESTADO.
Texto Integral: Processo n.º 11887/15

2.º Juízo-1.ª Secção (Contencioso Administrativo)

Recurso- Ação administrativa comum

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES

JUÍZES DESEMBARGADORES

DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRARTIVO SUL

O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos dos art.ºs 146.º e seguintes do CPTA, vem apresentar o seu PARECER nos seguintes termos:

O presente recurso jurisdicional foi interposto pelo Sindicato ...da sentença proferida em 30-06-2014, no âmbito de ação administrativa comum que corre termos pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Na sentença recorrida a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido reconhecido aos docentes vinculados contratualmente ao Réu, Instituto..., a transitarem para a categoria de professor adjunto pela aquisição do grau de doutor em 2012, desde que verificados os demais requisitos exigidos pelo Regime Transitório introduzido pelo DL n.º 207/2009, de 31-08 (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2010, de 13-05), e operar a transição se a isso houver lugar, tendo a ação sido julgada improcedente no que concerne à perceção da remuneração mensal devida por tais categorias, por considerar aplicáveis os art.ºs 20.º, n.ºs 6, 7 e 8, da Lei do OE para 2012 (Lei n.° 60-A/2011 de 30-11) e 24.º, n.º 12, da Lei do OE para 2011 (na redação do art.° 2.° da Lei n.° 60-A/2011 de 30-11), bem assim quanto à condenação da Ré a operar a transição dos assistentes ou equiparados a assistentes para a categoria de professor adjunto por pressupor um requerimento do interessado e também relativamente à declaração de nulidade e de nenhum efeito dos contratos entretanto celebrados.

Pugnando pela revogação da sentença recorrida, invoca, em suma, a ora recorrente nas suas conclusões:

- A sentença recorrida, ao aplicar o OE de 2012 à situação concreta, impedindo os associados do Recorrente de beneficiarem do direito a auferir a remuneração pela respetiva categoria violou o princípio da igualdade vertido nos art.ºs 13.º e 59.º, n.º 1, al. a) da Lei Fundamental e o regime remuneratório consagrado no DL n.º 408/89, de 18-11, assim como o princípio da legalidade, da justiça, da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados e nos termos dos art.ºs 6.º do CPA, e 2.º e 266.º, da CRP;

- A normas invocadas da Lei do Orçamento para 2012, a serem interpretadas conforme decidido, constituem legislação laboral e são inconstitucionais, face á violação do art.º 56.º, n.º 2, al. a) da Lei Fundamental.

Não foram produzidas contra alegações.

Do mérito do recurso:

Coloca-se a questão de saber se a transição dos associados da Ré para o escalão superior é automático ou se depende de quaisquer formalidades neste caso em concreto e se, uma vez obtida a ascensão ao escalão superior, devem ser remunerados pela nova categoria, face ao art.º 20.º, da Lei n° 64-B/2011, de 30-12 (OE para 2012).

O n.° 8 do art.° 6.° da Lei no 7/2010, de 13-05 estipula:-

Após a obtenção do grau de doutor, dentro do período da vigência dos contratos referidos nas alíneas do número anterior, os docentes transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado, com um período experimental de cinco anos na categoria de professor-adjunto ou, no caso de equiparados a professor-coordenador, de professor-coordenador, findo o qual se seguirá o procedimento previsto no artigo 10. °-B ou no artigo 10.º do Estatuto, conforme se trate de professor-adjunto ou de professor coordenador.

O n.° 9, do art° 7°, do mesmo diploma legal, estabelece:-

Após a obtenção do grau de doutor, dentro do período da vigência dos contratos referidos nas alíneas do número anterior, os docentes transitam, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na categoria de professor-adjunto, com um período experimental de cinco anos findo o qual se seguirá o procedimento previsto no artigo 10. °-B do Estatuto, com as devidas adaptações.

O n.° 1 do art.° 24.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31-12 (OE para 2011) veio proibir valorizações remuneratórias, estatuindo que é vedada a prática de quaisquer actos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos e demais pessoal identificado no n.° 9 do art.° 19.°. Também dispõe que as alterações do posicionamento remuneratório que venham a ocorrer após 31 de Dezembro de 2011 não podem produzir efeitos em data anterior àquela.
O art.° 2.° da Lei n.° 60-A/2011 de 30-11, introduziu nova redação ao n.° 12 do art° 24° da citada Lei n° 55-A/2010 e o n.° 2 do art.° 20.° da Lei n.° 64-A/2011, de 30-11, veio dispor que durante o ano de 2012 se mantinham em vigor os n.°s 1 a 7 e 11 a 16 do art.° 24.° da citada Lei n.° 55-A/2010.

Por sua vez o art.º 20.º, da Lei n.° 64-B/2011, citada (adiante designada por OE para 2012) preceitua:

1-Durante o ano de 2012 mantêm-se em vigor os artigos 19.º e 23º, os nºs 1 a 7 e 11 a 16 do artigo 24.°, os artigos 25.º, 26.°, 28.°, 35.º, 40.°, 43.° e 45.° e os n.°s 2 e 3 do artigo 162.º, todos da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.°s 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, sem prejuízo do disposto nos números seguintes (...).

6 - O disposto no artigo 24.º da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, não é impeditivo da prática dos actos necessários à obtenção de determinados graus ou títulos ou da realização da formação específica que sejam exigidos, durante a vigência do presente artigo, pela regulamentação específica das carreiras.

7 - Quando a prática dos actos e ou a aquisição das habilitações ou da formação referidas no número anterior implicar, nos termos das disposições legais aplicáveis, alteração da remuneração devida ao trabalhador, esta alteração fica suspensa durante a vigência do presente artigo (…).

Do teor dos n.°s 6 e 7 do art.° 20° da Lei n.° 64-A/2011, acima transcritos, conclui-se que inexiste impedimento à prática dos atos necessários à obtenção de graus e títulos, mas quando a prática de actos ou da formação referida no número anterior implicar alteração da remuneração devida ao trabalhador esta alteração fica suspensa durante a vigência do artigo.
Das normas transcritas e das citadas na douta sentença em apreço resulta a possibilidade de os assistentes e equiparados a assistente, vinculados contratualmente ao Réu de transitarem para a categoria de professor adjunto pela aquisição do grau de doutor em 2012. Direito que não constitui uma consequência de reposicionamento decorrente da transição para carreiras revistas, o que implica não se encontrar abrangido pelo estatuído no n.° 12 do art° 24.º da Lei n° 55-A/2010, de 31-12 (o n.º 12 tinha a seguinte redação: O disposto no presente artigo não prejudica a concretização dos reposicionamentos remuneratórios decorrentes da transição para carreiras revistas, nos termos do artigo 101.° da Lei n.° 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, desde que os respectivos processos de revisão se encontrem concluídos até à data da entrada em vigor da presente lei.).
A proibição da valorização remuneratória apenas deixou de ter lugar em 2013 com o art.° 35° n.º 19, da Lei do OE, Lei n.º 66-B/2012, de 31/12.
Do exposto e conjugação das normas citadas, conclui-se que os docentes vinculados contratualmente ao Réu com a categoria de assistentes ou equiparados a assistentes têm direito à transição para a categoria de professor auxiliar pela aquisição do grau de doutor em 2012, desde que verificados os demais requisitos previstos no DL n.° 207/1009, de 31/8 (na redacção dada pela Lei n° 7/2010, de 13-05), retroagindo à data da manifestação de vontade de contratação expressa pelos docentes, mas não têm direito ao reposicionamento remuneratório correspondente à transição para tal categoria, por estarem abrangidos pela proibição da valorização remuneratória consagrada no art° 24° n° 1 da Lei n.° 55-A/2010, de 31-12, em virtude de a Lei n.° 64-B/2011 ter mantido o teor desse artigo.

Apesar de o Autor alegar na PI que tem sido recusado pelo Réu operar a adequada transição dos seus associados/docentes que se encontram abrangidos pelo Regime Transitório, não concretizou as situações em que tal se verificou. Como resulta do exposto e normas aplicáveis, para que um docente possa transitar para a categoria de professor adjunto terá que formular um requerimento manifestando essa vontade. O Autor identificou, no entanto, uma das suas associadas como se encontrando nas circunstâncias devidas, pelo que é a única que a sentença considerou poder ser titular dos requisitos para transitar para professora adjunta (sócia n° 5551 que completou 5 anos de serviço em 15-09-2009, e que tinha à data de 14-05-2010 os respetivos requisitos).

Pelo que, a sentença mostra-se correta, dada a falta de concretização e de carência de alegação dos factos necessários a obter a condenação do Réu, nos precisos termos que foram formulados pelo Autor. Isto é, não concretizou a existência de associados seus que tivessem manifestado a sua vontade individual de transitar para a categoria de professor auxiliar. O que pressupõe uma conduta da administração a recusá-los em concreto, o que também não foi alegado. E o mesmo sucedeu quanto ao pedido de declaração da nulidade dos contratos celebrados, carecendo a PI da sua identificação (cfr. jurisprudência citada).

Por outro lado, e no que respeita às inconstitucionalidades invocadas, conforme decidido pelo Tribunal Constitucional, sendo a proibição de evolução remuneratória em causa temporária, porque operada através das Leis de OE, não se verifica ofensa o princípio da igualdade e o princípio da confiança (cfr. Acs do TC citados na sentença).constantes com a LOE, não contenderá com a Constituição como entendeu o Tribunal Constitucional nos acórdãos n° 396/2011, de 21-09, 613/2011, de 13-12 e 317/2013, de 29-05, para cuja fundamentação se remete, não violando, nomeadamente, o principio da igualdade nos termos expostos no articulado da petição, atendendo a que o Autor apenas alega que existem desigualdades, sem que o concretize e comprove.

As medidas questionadas não põem em causa as especificidades das carreiras em apreço, nem criam divergências em relação a outras carreiras da administração pública ou dentro da própria carreira dos docentes do ensino superior, já que aplicam as mesmas regras a todos os servidores do Estado, na observância dos regimes estatutários que lhes são aplicáveis, não conduzindo a tratamentos discriminatórios injustos ou injustificados.

Decorre de jurisprudência pacífica do TC que o princípio da igualdade impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (Acórdão n.º 409/99 do TC, publicado no Diário da República, IIª Série, de 10-03-2000).

A solução encontrada no OE é uma consequência razoável da margem de conformação do legislador na prossecução do interesse comum, respeitando os princípios da universalidade, da igualdade e da proporcionalidade, considerando sempre o interesse público prosseguido.

As normas em causa também não determinam em definitivo a redução do vencimento dos trabalhadores da administração pública, mas tão-somente diferem para momento posterior a progressão salarial, não afetando as carreiras em apreço. O que elas vieram determinar foi o congelamento ou suspensão temporária das progressões na carreira do referido universo de pessoas, com o consequente congelamento dos vencimentos nos exatos montantes de que esses vencimentos eram compostos.

Assim, o que temporariamente deixou de existir foi o direito à progressão automática na carreira, com a inerente progressão salarial (cfr. Ac. do TC n.º 261/2004, publicado no DR, IIª Série, de 26-05-2004).

Inexistindo desrespeito pela regra da irredutibilidade da remuneração dos profissionais em causa, não se verificam os pressupostos da verificação da violação do princípio da confiança, tal como decorre da jurisprudência do TC (Ac. do TC n.° 141/2002, de 09.04.2002, in www.tribunalconstitucional.pt e Ac. do STA de 16-11-011, rec. n.º 0220/11).

Tendo este entendimento sido imposto por lei expressa, o princípio da legalidade administrativa foi respeitado (vd. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2011, pp. 49ss; MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., D. Adm. Geral, I, §8º), bem como o da prossecução administrativa do bem comum com respeito pelos direitos dos particulares (vd. FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2011, pp. 43ss e 70ss; MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., D. Adm. Geral, I, §10º, nº I e II – cfr. Ac. do TCA Sul citado infra, de 6-12-2012).

O princípio da justiça vincula a Administração a pautar a sua atividade por determinados critérios de valor, designadamente a dignidade da pessoa humana, a efetividade dos direitos fundamentais, e os próprios princípios da igualdade e da proporcionalidade. Aquele princípio traduz a ultima ratio da subordinação da Administração ao Direito, o qual permite invalidar os atos que afrontem valores elementares da ordem jurídica, encontrando tradução prática na obtenção da justiça formal, traduzida no respeito pelo Direito, e da justiça material, esta vertida na chamada justa composição dos interesses à luz dos juízos do tempo e lugar em que Administração atua (a respeito deste princípio veja-se Parecer da PGR, n.º 110/2003, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 3 de Fevereiro de 2004).

Atendendo ao atrás exposto, também não se mostra ofendido este princípio.

De igual modo, e citando os Acórdãos do TC citados e transcritos na douta sentença em apreço, não são inconstitucionais as normas indicadas pelo ora Recorrente, por não ter havido negociação coletiva, nem se verifica ofensa do art.º 59.º, n.º 1, al. a), da CRP, pois que as normas em apreço não visam regular, com carácter de permanência, qualquer aspecto da estrutura vinculativa das relações laborais ou de emprego público, constituindo antes uma providência avulsa, de alcance temporal limitado, ditada por razões de urgente necessidade de diminuição do desequilíbrio orçamental. Tendo isso em conta, foi considerado que tais normas comungam da natureza própria da lei do Orçamento. Em conformidade, é discutível que elas, ainda que consagrando reduções remuneratórias, possam ser qualificadas como “legislação do trabalho “, para efeitos de participação das organizações de trabalhadores na sua elaboração.

De qualquer forma, não é aquela a conclusão a retirar dos trabalhos preparatórios da AR, relativamente às normas das Leis do OE em questão, tal como demonstrado na douta sentença em apreço, deles resultando que existiu comunicação prévia pública “às organizações sindicais e todas as estruturas representativas dos trabalhadores da Administração Pública“, tendo sido concedido um prazo de 20 dias para o efeito “de apreciação pública” desde a data da publicação do projeto. “A declaração por anúncio público é um modo legítimo de comunicação, quando estamos perante um universo plúrimo de destinatários dificilmente determinável. E a eficácia funcional da comunicação está garantida, desde que os interessados cumpram um ónus de diligência perfeitamente comportável. No caso presente, essa garantia foi substancialmente reforçada, ainda, pela publicação, em dois jornais diários de grande circulação (cfr. Ac. do TC citado na douta sentença, do qual resulta que basta a publicação oficial “como meio de alcançar adequadamente todas as entidades visadas”).

No sentido exposto, no que respeita à violação dos princípios constitucionais, vejam-se também os Acórdãos deste TCA Sul, de 7-02-2013, rec. n.º 06366/10, e de 6-12-2012, rec. n.º 08638/12, e doutrina e Acs. do TC aí citados.

Assim, não ocorreu qualquer vício formal de procedimento, por falta de participação das organizações representativas dos trabalhadores na elaboração da lei do Orçamento do Estado de 2011. Ou seja, os docentes em causa contratualmente vinculados ao Réu não têm direito ao reposicionamento correspondente à transição para a categoria de professor auxiliar por estarem abrangidos pela proibição de valorização remuneratória prevista na Lei do OE de 2011, a qual se manteve na Lei do OE para 2012.

Pelo exposto, a douta sentença em apreço não merece reparo, deve ser mantida e ser negado provimento ao recurso.


A Procuradora-Geral Adjunta,

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Manuela Galego