Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/20/2013
Processo:09424/12
Nº Processo/TAF:97/10.5BEALM/T.A.C. DE LISBOA
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:ACÇÃO CONTRA O ESTADO PARA EFECTIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
DEMORA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA.
CONCORRÊNCIA DE CULPAS.
Observações:P.A. n.º 39/10-Ac.-AtJ (M.ºP.º - T.C.A SUL); P.A. nº 185/2011-L-Ac. (M.ºP.º - T.A.C. LISBOA).
Texto Integral:1

Procº nº 09424/12

2º Juízo-1ª secção

Recurso de revista

Alegações do Estado


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, não se conformando com o douto acórdão de 21-11-2013, que condenou o Estado no pagamento de uma indemnização ao autor, por danos morais no montante de 15.000.00 Euros, bem como por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença, vem do mesmo interpor recurso de revista, o que faz nos termos do artº 150º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I - Introdução:

O Autor propôs a presente acção, com vista à reparação dos invocados prejuízos, alegadamente causados pela falta de decisão judicial em prazo razoável, pedindo a condenação do Réu, Estado português, no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos não patrimoniais, no valor de € 30.000,00, acrescida da indemnização pelos danos patrimoniais, decorrentes das despesas com honorários do Advogado e outras que não discrimina nem especifica.

Por sentença do TAC de Lisboa de 29-06-2012, foi a acção considerada parcialmente procedente, tendo sido o Estado condenado ao pagamento de uma indemnização no valor de € 15.000,00, por danos não patrimoniais, acrescido do valor a liquidar em execução de sentença, referente aos danos patrimoniais decorrentes das despesas com os honorários do Advogado, “bem como com as despesas efectivamente suportadas em viagens para comparecer nas diligências processuais e perícias médicas para que foi convocado, por motivo de residir em Londres e já se ter deslocado a Portugal pelo menos quatro vezes”.

Os prejuízos que deram origem à condenação do Estado nesta acção decorrem da delonga verificada com o processo judicial que, em 11/07/1994, o autor instaurou no TAC de Lisboa, destinado a efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Hospital..., emergente de acto médico, praticado no decurso da prestação dos cuidados médicos decorrentes do acidente de viação sofrido pelo Autor, o qual correu termos sob o nº 374/94, da ex-2ª Secção, e actualmente tem o nº 104/2001, da ex-4ª Secção do TAC de Lisboa, pela 5ª Unidade Orgânica do mesmo Tribunal.

Segundo a matéria de facto dada como provada na sentença e confirmada por este TCAS no acórdão recorrido, a referida acção judicial instaurada no TAC de Lisboa, em 11-07-1994, já decorria há mais de dezassete anos quando em 20/03/2012, se verificou o encerramento da discussão da matéria de facto assente em primeira instância, sem que se tivesse realizado o julgamento em primeira instância, sendo que à data da prolação da sentença condenatória, o referido processo ainda se encontrava pendente.

Da sentença condenatória do TAC, recorreu o MMP em representação do Estado, alegando essencialmente o seguinte:

1 – Na presente acção foi o R. – Estado Português condenado a pagar ao A. a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, por alegados danos causados pela violação do direito à decisão em prazo razoável;

2 – Não foi, porém, devidamente tida em conta toda a vastíssima matéria constante dos factos assentes, para desde logo se perceber a inexorável ligação a um interesse bem determinado do A. para que o resultado da perícia médica possa servir de base efectiva ao pedido que exprimiu no processo que antecedeu o presente;

3 – Para que haja responsabilidade civil por atraso no funcionamento da justiça torna-se necessário que os atrasos na prática de actos processuais, sendo injustificados, venham a pesar no tempo de prolação da decisão final, com consequências para as partes;

4 – De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são critérios para determinação do prazo razoável a natureza e complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento dos órgãos do poder judicial, executivo ou legislativo, critérios que, por sua vez, deverão ser aferidos, não em função da demora de um qualquer acto de sequência processual ou de prolação de decisão interlocutória, mas relativamente a todo o conjunto do processo;

5 – O Réu Estado não é susceptível de responsabilização pelas delongas do processo em resultado do eventual ilegítimo aproveitamento pelas partes das faculdades processuais, legalmente estabelecidas, em cumprimento do dever de garantir amplas garantias de defesa dos interesses daquelas, que sobre o primeiro impende designadamente, como é no caso, o interesse do A. em obter um resultado para a perícia médica que seja favorável às suas pretensões indemnizatórias.

6 – Concluindo-se pela ausência de nexo de causalidade, entre o excesso de tempo decorrido e os prejuízos alegadamente sofridos pelo Autor, é, obviamente, desnecessária a averiguação da existência dos restantes pressupostos e forçoso julgar improcedente o pedido;

7 – Não basta a simples ou mera violação dum prazo previsto na lei para a prática de certo acto judicial para concluir logo no sentido de que foi violado o direito à justiça em prazo razoável;

8 – Para aferir da ilicitude por violação do direito à justiça em prazo razoável, é necessário ter em conta as circunstâncias da causa e os critérios consagrados pela jurisprudência, em especial a complexidade do caso, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, bem como aquilo que está em causa no litígio para o interessado;

9 – A obrigação de indemnizar, por parte do Estado, relacionada com os atrasos injustificados na administração da justiça, só o poderá ser no respeitante aos danos que tenham com esse ilícito, consubstanciado na morosidade do processo, uma relação de causalidade adequada;

10 – Não deve deixar de se realçar o esforço do R. na tentativa de resolução dos constrangimentos que afectam o desenvolvimento célere dos processos a correr termos na jurisdição administrativa claramente documentado nos autos;

11 – Tal esforço é, ainda mais, digno de realce numa altura em que se mostra a nu a escassez de meios económicos que afectam gravemente os meios financeiros do estado condicionando gravemente todas as suas áreas de actuação, designadamente, a da justiça;

12 – De qualquer forma, é possível concluir dos autos que os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelo A. resultaram, sobretudo, da amputação sofrida à qual o R. é completamente alheio;

13 – E sendo assim, considerando que, como já se disse, os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, conforme entendimento unânime da jurisprudência, são de verificação cumulativa, a não verificação do facto ilícito e culposo, desde logo afasta o direito à indemnização, ainda que exista o dano;

14 – Acresce que, mesmo que se entenda que o A. deve ser indemnizado, tal como são configurados os alegados danos não patrimoniais, geradores da alegada obrigação de indemnizar, o montante em que o R. – Estado Português foi condenado, mostra-se manifestamente exagerado, face a todos os critérios jurisprudenciais existentes; e,

15 – Por outro lado, em matéria de danos patrimoniais, as alegadas despesas invocadas pelo A. não se mostram devidamente identificadas e quantificadas com o necessário rigor pelo que não são devidas.”.

Estas conclusões foram consideradas improcedentes pelo douto acórdão ora recorrido, que manteve as condenações decididas em primeira instância, essencialmente com os mesmos fundamentos.

É, pois, deste acórdão que vem interposto o presente recurso de revista, com vista à sua impugnação essencialmente em dois pontos que consideramos de importância fundamental (sem prejuízo de, no mais, mantermos o entendimento expresso nas conclusões supra transcritas):

a) Quanto aos pressupostos e montante da indemnização arbitrada por danos morais;
b) Quanto à condenação do Estado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais.
II - Da admissibilidade do recurso de revista:

São dois os requisitos necessários para que seja admitido o recurso de revista, tal como preceitua o artº 150º nº1 do CPTA:

a) Que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental;
b) Que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
No caso vertente estamos perante uma condenação do Estado ao pagamento de um montante consideravelmente elevado por atraso na administração da justiça, situações que desde logo adquirem relevância jurídica e social dado os interesses patrimoniais do Estado, em jogo, bem como o thema decidendum dos atrasos na administração da justiça que tem vindo a ser objecto de condenação do Estado tanto na ordem interna como a nível do direito europeu.

Assume pois, quanto a nós, relevância social e visa uma melhor aplicação do direito, que esse Alto Tribunal afira, mediante os seus elevados critérios de justiça e equidade, da desadequação do montante arbitrado, bem como da condenação por danos patrimoniais.

Nestes termos, tal como tem acontecido em casos semelhantes, parece-nos que se afigura necessário o presente recurso de revista ( cfr acórdão do STA de 9-7-09, in recº nº 0365/09).

III - Do mérito do recurso de revista:

Como se referiu, são dois os pontos que consideramos, pela sua relevância e discordância com a decisão, serem dignos de reapreciação por esse STA:

a) Os pressupostos e montante da indemnização arbitrada por danos morais;
b) A condenação do Estado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais

A- Quanto aos pressupostos e montante da indemnização arbitrada por danos morais;
Não ignorando a vasta jurisprudência dos nosso tribunais da jurisdição administrativa que têm decidido condenar o Estado por atrasos na administração da justiça, cremos que essa condenação tem de obedecer a critérios bem delineados e ponderados, sob pena de, com as altas indemnizações arbitradas, ainda mais serem dificultados os meios a adoptar para que a justiça seja célere para todos.

Assim, estando no campo da indemnização por actos ilícitos, necessário se torna, no âmbito do direito português- mais propriamente do DL nº 48051 de 21-11-67 e da Lei nº 67/07 alterada pela Lei nº 31/08, de 17-7 - que se verifiquem os necessários pressupostos ao dever de indemnizar, os quais, como se sabe são o acto ilícito a culpa o dano e o nexo causal entre o acto e o dano.

Portanto, os atrasos na demora do processo nº104º/01, da responsabilidade do tribunal teriam, para que o Estado fosse constituído no dever de indemnizar, que ser decorrentes da negligência dos serviços, devidamente demonstrada pelo autor, o que não aconteceu.

Na verdade, seria necessário que se provasse que o Estado, os magistrados e o tribunal poderiam ter agido de outro modo no caso concreto, o que não se verificou.

Pelo contrário, antes ficou provado que os serviços agiram com toda a diligência devida para evitarem demoras processuais( cfr factualidade assente nas alíneas IIIIII) a LLLLLL)).

Todas as restantes medidas a tomar para além das tomadas, caem no âmbito da prática política para o sector da justiça que não é possível aos tribunais administrativos sindicar ( cfr alínea g) do nº1 do artº 4º do ETAF).

Para além disto, compulsada a matéria de facto dada como provada e respeitante à tramitação do processo nº 104/2001, verifica-se que a maior demora do processo ocorreu pela tramitação processual anómala a que o mesmo foi sujeito em virtude de vária circunstâncias induzidas pelo Autor como sejam os sucessivos pedidos de realização de perícia médica, bem como os respectivos adiamentos decorrentes do Autor residir fora do País e ainda atrasos com estes relacionados e atrasos na apresentação de documentos traduzidos, mas também pelo hospital ....., com a dedução de intervenção acessória de dez médicos.

Mas o que, na verdade, importa relevar, é que dos factos dados como provados, apenas decorre, quando muito, um atraso no referido processo, por culpa da tramitação do tribunal, em menos de oito anos ( cfr factos constantes das alíneas J), N), Q), SSS), XXX), XXXX), BBBBB), FFFFF), HHHHH) , conjugados com os factos das alíneas que os precedem).

E mesmo em alguns destes casos a demora não se deveu a negligência do tribunal na medida em que a mesma ocorreu por os autos estarem a aguardar o envio de relatório médico, sendo que em diversas ocasiões o tribunal insistiu junto do Hospital pelo seu urgente envio (SSS), BBBBB)).

Ora, tal como refere Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas” anotado, A não prolação de decisão judicial em prazo razoável corresponde a uma situação de morosidade processual, que terá, em todo o caso, de ser analisada, enquanto requisito material do direito à indemnização, em função da complexidade do processo e do comportamento que nele adoptaram as partes ou que possa ser imputado a outras entidades, ainda que não directamente dependentes do serviço de justiça”( cfr anotação 6. Ao artº 12º da Lei nº 67/2007, de 31-12).

Também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que a condenação dos Estados em caso de demora na administração da justiça não é automática, dependendo da verificação, caso a caso, das circunstâncias que levaram a essa demora. Além disso o mesmo Tribunal tem considerado que os danos decorrentes dessa demora para os interessados têm que obedecer a critérios jurisprudenciais específicos não sendo notórios, como pretende o aqui autor ( cfr acórdão de 15-2-2008, proferido no Affaire Arvanitaki-Roboti et autres c. Grèce).

Nestes termos, atendendo às circunstâncias do caso e a não ter sido violado nenhum dispositivo legal concreto, afigura-se-nos que não se verifica a ilicitude de conduta por parte do Estado.

Por outro lado, a jurisprudência dos nossos tribunais, quer na jurisdição administrativa, quer na jurisdição cível, é muito restritiva quanto aos danos morais ressarcíveis, fazendo depender as indemnizações a arbitrar de especial gravidade dos danos, restringindo essa indemnização a casos que mereçam a tutela do direito ( vg as dores físicas e a supressão do direito à vida) e afastando os danos decorrentes de meros incómodos e incertezas ( cfr, entre muitos, o acórdão do STJ de 12-10-73).

Ora, parece-nos que é essa jurisprudência que deverá ser seguida pelos nossos tribunais nos casos em que a causa de pedir é a demora processual.

No caso vertente, terão que ser relevadas as circunstâncias específicas do caso para aferir da responsabilidade do Estado, dos danos causados, bm como do eventual montante a arbitrar caso se entenda que o Estado deverá ser condenado.

Por outro lado, o autor apresentou sucessivos pedidos de prorrogações de prazos para apresentar a tradução de documentos ( cfr alíneas BBB) a FFF) da factualidade assente).

Assim, sabendo perfeitamente que o que estava a demorar o processo eram os exames periciais por si solicitados, parece-nos que os danos morais invocados nas alíneas VVVVV) a AAAAAA) da factualidade assente, não podem assumir a gravidade que lhes foi atribuída pelo douto acórdão recorrido para efeitos indemnizatórios.

Nestes termos afigura-se-nos que a atitude do autor concorreu para a demora processual o que retira responsabilidade ao Estado para efeitos indemnizatórios.

Como decorre do exposto, a indemnização arbitrada de 15.000.00 Euros, mais juros desde a condenação por sentença, mostra-se excessiva, em face da matéria de facto dada como provada.

A ser responsável por alguma demora, será só pela demora que decorre dos factos dados como provados nas alíneas J), N), Q), SSS), XXX), XXXX), BBBBB), FFFFF), HHHHH) , conjugados com os factos das alíneas que os precedem). o que corresponde a menos de metade da demora total do processo.

Importa também ter em vista o que se refere no acórdão recorrido, a propósito do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial, o qual entende que, para tal, devem considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

E remetendo para o Ac. do TCAS, datado de 12/05/2011, proc. nº 07472/11, no que concerne à quantificação do dano não patrimonial, retirou o douto acórdão recorrido que: “(…) grelha estabelecida pelo TEDH no “caso Musci C. Itália” (P. 64699/01) variável entre 1000 e 1500 Euros por cada ano de demora do processo , nunca se poderia esquecer que se estava perante uma mera base de partida, susceptível de ser aumentada ou diminuída, de acordo com os danos concretos, a importância dos interesses em jogo e o comportamento do requerente eventualmente justificativo da demora. “E continua:

“Aliás, se se tomar em consideração os vários exemplos de decisões do TEDH que são apresentados por Isabel Celeste M. Fonseca (in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 72, pág. 41, nota 9), conclui-se que as indemnizações totais atribuídas correspondem a valores inferiores a 1000 Euros por cada ano de demora do processo (assim no “caso Apicella C. Itália” para um processo que demorou 12 anos foi atribuída uma indemnização total de 9.800 Euros; no “caso Giuseppe Mostaccinelo” foi atribuída uma indemnização total de 11.900 Euros decorrentes de 15 anos de demora processual; no “caso Ernesto Zullo” foi arbitrada uma indemnização total de 6.364 Euros por danos resultantes de 9 anos de demora do processo; no “caso Concchiarella” foi atribuída uma indemnização total de 5.600 Euros por danos decorrentes de 8 anos de demora processual). (…)”.

Portanto, tendo em vista este entendimento, no caso vertente a indemnização a arbitrar sempre deveria ser inferior a oito mil.

B- Quanto à condenação do Estado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais
Quanto a esta questão refere o douto acórdão recorrido o seguinte:

“No que se refere à condenação na reparação dos danos patrimoniais, decidiu-se que os mesmos seriam a liquidar, por não serem líquidos.

Tal decorre, quer do facto de o processo judicial ainda se encontrar pendente e, consequentemente, não se poderem determinar inteiramente os prejuízos sofridos com os honorários do mandatário constituído, quer do facto de ainda não se ter realizado a audiência de discussão e julgamento da causa, sendo necessário apurar as despesas suportadas pelo Autor em viagens para comparecer a todas as diligências processuais e perícias médicas para que foi convocando, considerando que reside em Londres.

Além de que a alegação do Réu no presente recurso, de que não se mostram “identificadas e quantificadas com o necessário rigor” as despesas suportadas pelo Autor, não determina que o ressarcimento de tais prejuízos não seja devido, mas apenas que tais danos patrimoniais ainda não estão concretamente apurados, carecendo de ser liquidados.”

Ora, salvo o devido respeito, assistimos, nesta parte do acórdão, a uma má aplicação do direito por duas razões:

a) Por considerar que não ser necessário a identificação e quantificação das despesas aludidas pelo autor, uma vez que são a liquidar em execução de sentença;
b) Por considerar ressarcíveis nesta acção despesas referentes à acção nº 104/09 que nada têm a ver com a demora processual daquela.
Quanto à primeira questão, o douto acórdão recorrido parece confundir, salvo o devido respeito, despesas a indemnizar com a liquidação do montante referente às mesmas.

Ora, a não liquidação desse montante não isenta o autor de especificar que despesas pretende ver liquidadas em execução de sentença, o que de facto, não aconteceu neste processo( cfr acórdão RL de 13-3-1984 in www.dgsi.pt).

Na verdade, “…as despesas efectivamente suportadas em viagens para comparecer nas diligências processuais e perícias médicas para que foi convocado, por motivo de residir em Londres e já se ter deslocado a Portugal pelo menos quatro vezes”, é factualidade que não foi invocada pelo autor, embora conste da sentença e acórdão ora recorrido, quanto a nós indevidamente.

Quanto á segunda questão, é patente que as despesas “quer com os honorários do mandatário constituído, quer do facto de ainda não se ter realizado a audiência de discussão e julgamento da causa, sendo necessário apurar as despesas suportadas pelo Autor em viagens para comparecer a todas as diligências processuais e perícias médicas para que foi convocando, considerando que reside em Londres” não são danos que decorram da demora processual na acção nº 104/01, uma vez que não ficou demonstrado que mesmo que essa demora não se produzisse, os mesmos não ocorreriam.

No sentido de que não são ressarcíveis estes danos/despesas em acções para efectivação de responsabilidade civil pela demora na administração da justiça, decidiu o douto acórdão do STA de 9-7-09, in procº nº 0365/09.

Assim, não pode ser o Estado condenado na presente acção a pagar ao autor tais despesas ou honorários referentes à acção nº 104/01.

IV - EM CONCLUSÃO:

1- Pelo douto acórdão recorrido foi o Estado condenado ao pagamento de um montante consideravelmente elevado por atraso na administração da justiça, situação que desde logo adquire relevância jurídica e social dado os interesses patrimoniais do Estado, em jogo, bem como o thema decidendum dos atrasos na administração da justiça que tem vindo a ser objecto de condenação do Estado tanto na ordem interna como a nível do direito europeu.

2-Assume relevância social e visa uma melhor aplicação do direito, que esse Alto Tribunal afira, mediante os seus elevados critérios de justiça e equidade, da desadequação do montante arbitrado, bem como da condenação por danos patrimoniais.

3-Deverá, assim, salvo melhor opinião, ser admitido o presente recurso de revista.

4-Ao dar como verificados os pressupostos da responsabilidade civil, da culpa, do dano e do nexo de causalidade, para condenar o Estado em indemnização por demora processual, a título de danos morais, merece censura o acórdão recorrido.

5-A condenação do Estado nestes casos tem de obedecer a critérios bem delineados e ponderados, sob pena de, com as altas indemnizações arbitradas, ainda mais serem dificultados os meios económicos e políticos a adoptar para que a justiça seja célere para todos.

6-Os atrasos na demora do processo da responsabilidade do tribunal teriam, para que o Estado fosse constituído no dever de indemnizar, que ser decorrentes da negligência dos serviços, devidamente demonstrada pelo autor, o que não aconteceu.

7-Na verdade, seria necessário que se provasse que o Estado, os juízes e o tribunal poderiam ter agido de outro modo no caso concreto, o que não se verificou.

8-Pelo contrário, antes ficou provado que os serviços agiram com toda a diligência devida para evitarem as demoras processuais( cfr factualidade assente nas alíneas IIIIII) a LLLLLL)).

9-Todas as restantes medidas a tomar para além das tomadas, caem no âmbito da prática política no sector da justiça que não é possível aos tribunais sindicar.

10-A maior demora no processo nº 104/01 ocorreu pela tramitação processual anómala a que o mesmo foi sujeito em virtude de vária circunstâncias induzidas pelo Autor como sejam os sucessivos pedidos de realização de perícia médica, bem como os respectivos adiamentos decorrentes do Autor residir fora do País e ainda atrasos com estes relacionados, mas também pelo hospital ..., com a dedução de intervenção acessória de dez médicos.

11-Dos factos dados como provados, apenas decorre, quando muito, um atraso no referido processo atribuível ao tribunal em menos de oito anos ( cfr factos constantes das alíneas J), N), Q), SSS), XXX), XXXX), BBBBB), FFFFF), HHHHH) , conjugados com os factos das alíneas que os precedem).

12-Em alguns destes casos a demora do tribunal deveu-se aos autos estarem a aguardar o envio de relatório médico, sendo que em diversas ocasiões o tribunal insistiu junto do Hospital pelo seu urgente envio (SSS), BBBBB)).

13-Ora, tal como refere Carlos Alberto Fernandes Cadilha in “Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas” anotado, A não prolação de decisão judicial em prazo razoável corresponde a uma situação de morosidade processual, que terá, em todo o caso, de ser analisada, enquanto requisito material do direito à indemnização, em função da complexidade do processo e do comportamento que nele adoptaram as partes ou que possa ser imputado a outras entidades, ainda que não directamente dependentes do serviço de justiça”( cfr anotação 6. ao artº 12º da Lei nº 67/2007, de 31-12).

14-Assistiu-se por parte do autor a uma insistência inusitada em vários exames e perícias médicas que conduziram a uma anormal demora do processo (cfr alíneas EEEE),SSSS), EEEEE), LLLLL) da factualidade assente).

15-O autor apresentou sucessivos pedidos de prorrogações de prazos para apresentar a tradução de documentos ( cfr alíneas BBB) a FFF) da factualidade assente).

16-Assim, sabendo perfeitamente que o que estava a demorar o processo eram os exames periciais por si solicitados, parece-nos que os danos morais invocados nas alíneas VVVVV) a AAAAAA) da factualidade assente, não podem assumir a gravidade que lhes foi atribuída pelo douto acórdão recorrido para efeitos indemnizatórios.

17-Nestes termos a atitude do autor concorreu para a demora processual o que retira responsabilidade ao Estado para efeitos indemnizatórios.

18- A indemnização arbitrada de 15.000.00 Euros, mais juros desde a condenação por sentença, mostra-se, portanto excessiva, em face da matéria de facto dada como provada.

19-A ser responsável por alguma demora, será só pela demora que decorre dos factos dados como provados nas alíneas J), N), Q), SSS), XXX), XXXX), BBBBB), FFFFF), HHHHH) , conjugados com os factos das alíneas que os precedem). o que corresponde a menos de metade da demora total do processo.

20-Tendo em conta os padrões fixados quer na jurisprudência nacional, quer na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a que faz alusão o douto acórdão recorrido, para o arbitramento de uma indemnização inferior a 1000 euros por cada ano de demora processual imputável aos serviços, conjugados com o grau de culpa dos serviços, do autor e dos outros intervenientes processuais com os danos concretos e com a natureza demorada do processo a condenação do Estado em 15.000.00 euros, será excessiva.

21-Tendo em vista este entendimento, no caso vertente, caso se considere o Estado culpado, a indemnização a arbitrar sempre deveria ser inferior a oito mil euros

22-A condenação do Estado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença pressupõe que fossem alegados e provados os factos integrantes do dano, embora sem os quantificar.

23-Os honorários com o advogado constituído, bem como “as despesas suportadas pelo Autor em viagens para comparecer a todas as diligências processuais e perícias médicas para que foi convocando, considerando que reside em Londres”, aludidas no acórdão recorrido, referentes à acção em que se verificou a demora processual, nada têm a ver com a causa de pedir na presente acção pelo que não são, nesta, ressarcíveis.

24-Termos em que,

- deverá o Estado ser absolvido do pedido por não ter sido alegado nem provado que a demora processual se deveu a conduta negligente por parte dos serviços ( artº 487º do C.Civil) ou, caso assim se não entenda,

- deverá ser reduzida a indemnização arbitrada pelo acórdão recorrido, em função do grau de culpa do Estado bem como das demais circunstâncias do caso nos termos do artº494º e nº3 do artº 496ºdo C.Civil e ainda

- deverá ser absolvido do pedido quanto aos danos patrimoniais.


Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada

JUSTIÇA!



A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares