Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Tributário
Contencioso:TRIBUTÁRIO
Data:06/25/2007
Processo:01882/07
Nº Processo/TAF:451/04.1BEALM
Magistrado:CARLOS BATISTA SILVA
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
Texto Integral:Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores


O Ministério Público vem emitir parecer nos termos seguintes:


1 – O EXCELENTÍSSIMO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença de fls. 164 a 175, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou a impugnação deduzida por J ….. totalmente procedentes, determinando, em consequência, a anulação da liquidação oficiosa de IRS nº 5323804986, respeitante ao ano de 1997 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 1629,54, o pagamento de juros indemnizatórios e a indemnização por prestação de garantia indevida.

Após alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

A AF recolheu indícios suficientes para proceder à alteração do rendimento colectável declarado;
- O impugnante não provou, de forma a contrariar a convicção da AF, que as importâncias recebidas a título de ajudas de custo tinham fim compensatório e não remuneratório;
- A prova documental não foi devidamente apreciada pelo tribunal “a quo”;
- A prova testemunhal não é bastante para levar a decidir pela procedência da pretensão do contribuinte;
-A liquidação adicional de IRS do ano de 1997 e respectivos juros compensatórios deve manter-se na ordem jurídica;
- Não deve ser paga qualquer importância a título de indemnização por prestação de garantia bancária indevida;
- Não deve ser paga qualquer importância a título de juros indemnizatórios.

2 - A recorrente não aponta qualquer vício ou erro à sentença recorrida, apenas manifestando a sua discordância com o sentido da decisão.

Ora, constituindo o objecto do recurso jurisdicional a decisão do tribunal recorrido, o âmbito deste recurso encontra – se delimitado pelo conteúdo da decisão judicial impugnada, salva a matéria do conhecimento oficioso ainda não decidida pelo tribunal inferior, cumprindo apenas conhecer dos vícios e erros de julgamento de que eventualmente padeça a decisão do tribunal "a quo", como é jurisprudência pacífica.

Diz o Ac. deste TCA, de 27/04/00, Proc. nº 1490/98, que passamos a citar:

I – É imperativo processual a apresentação na peça alegatória de recurso jurisdicional das conclusões, isto é, de uma síntese dos fundamentos por que o recorrente pede a alteração ou a anulação da sentença impugnada.
II – Tais conclusões, que funcionam como condição da actividade do tribunal de recurso, servem para o recorrente expor com boa ordem, método, disciplina e de uma forma concisa as razões jurídicas que entende assistirem-lhe para obter o provimento do recurso.
III – (…).
IV – Por isso, se nas conclusões nenhum reparo ou juízo critico for feito à sentença recorrida através da menção das normas jurídicas por ela violadas, esta deve ter-se por transitada em julgado e o tribunal "ad quem" não tem que conhecer do recurso” (negrito nosso).

(Ainda no mesmo sentido cf., entre outros, Ac. STA, de 15/03/01, Recurso 32607; Ac. STA, de 04/06/97, Pleno, Recurso 31245; Ac. TCA, de 20/06/02, Recurso 4583/00; de 15.10.98, Recurso 1400/98).

Assim, não tendo sido invocado qualquer vício ou erro de julgamento nem a violação de qualquer norma jurídica não deve tomar-se conhecimento do recurso.

Ainda que assim não se entenda,

3 – Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade apurada.

As correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária resultaram do entendimento de que as importâncias recebidas pelo impugnante, como trabalhador dependente, da sua entidade patronal consubstanciavam um acréscimo de remuneração sujeito a IRS.

Entre nós o Dr. Monteiro Fernandes dá a seguinte noção de retribuição baseada no artigo 82º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo DL 49 408, de 21/11/1969 (cfr. Direito do Trabalho, 6ª edição, 1989, pág. 345):

“ O conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida)”.

E o artigo 87º do mesmo diploma, sob a epígrafe “ajudas de custo e outros abonos” estabelece:
Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração ao trabalhador”.

Em comentário ao referido normativo, escreve Abílio Neto, in Contrato de Trabalho, 4ª edição, 1977, pág. 245:
As ajudas de custo e outros abonos, referidos na 1ª parte deste artigo, não são considerados como retribuição, porque, e na medida, em que representam o reembolso de despesas já feitas ou a fazer pelo trabalhador no cumprimento ou execução da prestação do trabalho. Daí, que se esteja perante uma simples compensação de uma diminuição patrimonial, real ou presumida, sem que ao trabalhador advenha uma efectiva utilidade ou acréscimo de rendimentos do trabalho”.

De acordo com o artigo 2º do CIRS consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular (nº 1), compreendendo-se no conceito de remuneração, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não (nº 2).
E, por força da alínea e) do nº 3 consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente “as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”.

As ajudas de custo caracterizam-se, assim, pela sua finalidade compensatória – consubstanciam o reembolso ou compensação das despesas que o trabalhador foi obrigado a suportar do deu bolso, na sequência de deslocações ao serviço da entidade patronal.

No âmbito da inspecção à entidade patronal do impugnante – a sociedade E ….. LDA - a AF constatou que esta contabilizou como custos diversas importâncias relativas a dormitórios e refeitórios e ao mesmo tempo atribuiu ajudas de custo aos trabalhadores, sendo que os valores de tais verbas apelidadas de ajudas de custo eram pagas à parte do recibo de remunerações.
Simultaneamente era pago ao impugnante subsídio de refeição e de deslocação, importâncias que eram contabilizadas no recibo de remunerações.
O impugnante recebeu, no decurso do ano de 1997, a título de ajudas de custo, o montante global de Esc. 973 670$00.

Ao contrário do pretendido pelo recorrente, o ónus da prova de que os montantes recebidos pelo trabalhador a título de ajudas de custo não têm uma finalidade compensatória, consubstanciando antes rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva e, portanto, susceptíveis de tributação, compete à Administração Fiscal.
Ora, não tendo esta demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição dessas importâncias a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte – artigo 66º do CIRS) não podem configurar-se aquelas importâncias como um rendimento de trabalho dependente, tributável em sede de IRS.

4 – Em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.