Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00133/11.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/04/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:ASSEMBLEIA DE FREGUESIA; DESTITUIÇÃO DA MESA
Sumário:1. A destituição da Autora do cargo de Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia por deliberação tomada com violação de regras formais/procedimentais aplicáveis não afecta o conteúdo fundamental do seu direito de participação na vida política consagrado no artigo 48º/1 da CRP, visto que não determina o seu impedimento de participar no órgão autárquico para o qual foi eleita por sufrágio popular.
2. Em consequência, a referida deliberação é sancionável pelo regime geral de anulabilidade, justificando-se a sua anulação e não a declaração de nulidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Junta de Freguesia de F...
Recorrido 1:CCMP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Junta de Freguesia de F... veio interpor recurso do acórdão pelo qual o TAF de Aveiro julgou procedente a presente acção administrativa especial intentada por CCMP, e em consequência declarou nulas as deliberações proferidas pela Assembleia de Freguesia de F..., em 20 de Outubro de 2010, nos termos das quais foi a Autora destituída de Presidente da Mesa da referida Assembleia de Freguesia e eleita nova Mesa da mesma Assembleia de Freguesia.
*
Em alegações A RECORRENTE formulou as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1. A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente, por não provada, e a final, declare a legalidade dos actos praticados pela Assembleia de Freguesia de F..., cuja impugnação foi peticionada; porquanto,

2. Em apreço nos autos, e na modesta opinião dos recorrentes, importa aferir da legalidade, em sede de assembleia de freguesia de F..., da destituição ocorrida da Presidente da Mesa da Assembleia e consequente eleição de nova mesa, passível de deliberar. Ora,

3. As deliberações tomadas, e em apreço nos autos, foram-no na assembleia Ordinária de 20 de Outubro de 2010 do referido órgão.

4. Tal Assembleia não foi encerrada pela A., aqui recorrida, à data Presidente da Mesa;

5. Que a abandonou após interpelação e escusando-se à mesma, tal como resulta da acta assente nos autos e junta pelos recorrentes;

6. A falta de composição da mesa da Assembleia de freguesia, por ausência de todos ou de maioria dos seus membros determina a eleição, pela Assembleia de Freguesia, de entre os seus membros presentes, do número necessário de elementos para integrar a mesa que vai presidir à reunião; nos termos previstos na Lei 169/99, de 18/09, com a redacção que lhe foi dada pela lei nº5-A/2002.

7. E não o seu encerramento.

8. Em sede da própria Assembleia de Freguesia de F..., e nos termos do artigo 10º/3 da lei 5-A/2002, de 11 de Janeiro, na redacção que deu à Lei nº169/99, de 18 de Setembro, procedeu-se à eleição do número necessário de elementos para integrar a respectiva Mesa.

9. Deliberação que foi tomada por unanimidade dos presentes tal como resulta da acta junta pelos recorrentes e assente em matéria de facto na sentença recorrida, sem violação do disposto no artigo 83º da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro.

10. Tendo a Assembleia de Freguesia de F... funcionado e deliberado com a maioria dos seus membros presentes e mesa da assembleia validamente constituída, atenta a necessidade e urgência dos assuntos em discussão e tal como consta do documento assente nas alíneas J) e L) da matéria de facto dada como assente nos autos.

11. Não ocorrendo qualquer nulidade de deliberação em apreço. De igual modo,

12. Rege o artigo 4º, n.º 2 do Regimento da Assembleia de Freguesia de F..., de epígrafe Composição da Mesa, que “A mesa é eleita pelo período do mandato, podendo os seus membros ser destituídos, em qualquer altura, por deliberação tomada por maioria do número legal dos membros da assembleia.” – negrito e sublinhado nossos, à semelhança do previsto no artigo 10º/ 2 da Lei 169/99, de 18 de Setembro.

13. Pelo que não se haveria de guardar pelo prazo de antecipação de 5 dias para a sua convocação para votar e deliberar tal destituição.

14. Nem tal é exigido por lei de onde daqui também não decorre, de igual modo, qualquer nulidade da deliberação impugnada por violação do disposto no artigo 87º/1 da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro. Acresce, ainda que,

15. E ao contrário do estabelecido na sentença recorrida não existe qualquer violação de um núcleo essencial de um direito fundamental da recorrida, como previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 133º do C.P.A.

16. O qual estaria sempre restrito no caso previsto na lei para o seu afastamento, pois que tal como se alega as deliberações tomadas obedeceram ao previsto nos artigos 10º/3 e 4 da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro e, bem assim, ao disposto no artigo 4º/2 do Regimento da Assembleia de freguesia de F....

17. Ao contrário do referido na sentença recorrida verificam-se no caso em apreço, nas deliberações tomadas, o respeito pelos artigos 10º/4 e 3 da Lei n.º 169/99 e pelo artigo 4º do Regimento supra referenciado, não havendo ou verificando-se a violação de tais artigos nem, tão pouco a violação do disposto nos artigos 19º, al. b); 83º; 87º e 92º do referido diploma legal.

18. Pelo que a sentença recorrida violou os referidos preceitos legais não podendo subsistir.

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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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A Recorrente respondeu ao parecer do MP (fls. 288).
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QUESTÕES DECIDENDAS
Erros de julgamento de direito assacados à decisão recorrida nos limites racionais das conclusões formuladas pela Recorrente.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Mantém-se a matéria de facto fixada em 1ª instância – Artigo 663º/6 CPC.
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DE DIREITO

A argumentação da Recorrente pode dividir-se em duas partes:

- A parte em que contradiz a afirmação, na decisão recorrida, da ilegalidade das deliberações impugnadas por violação de lei, com referência aos artigos 10ª-A/1/a), 19º/b), 83º e 87º da Lei 169/99, na versão introduzida pela Lei 5-A/2002, de 11 de Janeiro.

- E a parte em que contradiz a determinação pelo TAF da nulidade das mesmas deliberações por ofenderem o núcleo essencial de um direito fundamental da Autora/Recorrida, nos termos do artigo 133º/2/d) do CPA.

Cumpre conhecer destas questões trazidas à liça pela Recorrente.

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Ilegalidade das deliberações impugnadas

Sobre este tema lê-se no acórdão recorrido:
«A leitura dos excertos da referida acta, junta pela Ré e pelos contra-interessados como doc. 1, com a contestação, permite a conclusão de que não estava prevista na ordem de trabalhos que antecedeu a referida sessão, nem a destituição da Presidente de Assembleia de Freguesia nem a eleição de nova mesa da assembleia de freguesia, dado que, se assim não fosse, não teria sido necessário alterar a ordem de trabalhos, tendo em vista a inclusão, no ponto dois, da “apresentação, discussão e votação de proposta de destituição da presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia”.
Assiste, assim, razão à A. quando refere que as deliberações em apreço violaram o disposto na alínea a) do nº1 do art. 10º-A, a alínea b) do nº 1 do art. 19º, o artigo 83º e o artigo 87 nº 1 alínea a) da Lei 169/99, de 18 de Setembro, dado a ordem do dia da sessão – expressa no referido documento – não ter sido elaborada pela mesa da Assembleia de Freguesia; por a sessão de 20 de Outubro, de 2010 não ter sido convocada, com os moldes constantes do documento um junto com a contestação, pela Presidente da Assembleia de Freguesia; pela circunstância de a destituição da Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia e eleição de nova mesa não estarem incluídos na ordem do dia da sessão, bem como por não mostrar respeitado o lapso temporal consagrado na alínea a) do nº 1 do artº 87º.»

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Os argumentos fundamentais da Recorrente contra a decisão do TAF, sintetizados nas suas conclusões 10 e 12, padecem de visão deturpada do alcance das normas invocadas.

É verdade que nos termos do artigo 10º/2 da Lei 169/99 os membros da mesa da Assembleia de Freguesia podem ser destituídos em qualquer altura. Mas nunca com desrespeito das regras procedimentais que regulam o funcionamento do órgão colegial e que servem exactamente para garantir que este delibere serenamente e não perturbado por episódicas paixões, por mais candentes que sejam os assuntos a tratar.

A destituição da Mesa da Assembleia Geral pode suceder realmente em qualquer altura, desde que em reunião devidamente agendada e com inclusão na ordem do dia.

Tratando-se de reunião ou sessão ordinária, a Assembleia pode, no entanto, deliberar sobre assuntos não incluídos na ordem do dia, desde que “pelo menos dois terços do número legal dos seus membros reconhecerem a urgência de deliberação imediata”, nos termos do artigo 83º da citada Lei 169/99, de 18 de Setembro.

A previsão legal refere-se a dois terços do número de membros titulares do órgão e, portanto, não foi satisfeita na situação em causa, ao ser votada por apenas 5 dos seus 9 membros.

Justifica-se plenamente dar notícia da jurisprudência definida no Acórdão da 1ª Subs. do CA do STA de 10-03-2004, Rec. 032/04, em caso similar:

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«Temos, assim, que a questão da destituição da Mesa e da eleição de uma Nova Mesa não poderia ter sido objectivo de discussão e decisão da dita Sessão Ordinária, de 25-4-02, atenta a constatada violação da regra contida no artigo 83º da Lei 166/99, de 18-9.

Na verdade, tratando-se de assuntos não incluídos na ordem do dia e sendo a sessão em causa uma sessão ordinária, não existiu qualquer decisão tomada pelo menos por dois terços do número legal dos membros da Assembleia que tivesse reconhecido a urgência da deliberação imediata de tais assuntos, tanto mais que se não tratava, manifestamente, de temas susceptíveis de se enquadrarem na previsão do artigo 86º da Lei 166/99.

O reconhecimento da urgência da deliberação teria de ser fundamentado, devendo “constar da acta o que se tiver passado a este respeito” – apud Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª edição, a págs.163

Podemos, por isso, concluir que foram violados os direitos estatutários do Recorrente contencioso, ao se ter procedido à discussão e votação de propostas não constantes da Ordem do Dia, sendo que a divulgação prévia e atempada da Ordem do Dia destina-se, precisamente, a que os membros do órgão colegial tenham conhecimento do elenco das matérias que vão ser objecto de análise, para se prepararem e documentarem convenientemente para o debate, habilitando-os a tomar as diligências tidas por adequadas à formação de uma vontade esclarecida.

No fundo, o Legislador pretende criar condições para uma discernida e fundamentada actuação dos diferentes membros do órgão colegial, tudo isto redundando numa mais correcta formação da vontade do órgão.

Este aspecto é particularmente importante tanto mais que o princípio colegial denota da parte do Legislador um especial ênfase na tónica do debate e da discussão esclarecida dos membros do órgão.

Tudo isto não olvidando, contudo, o que já atrás se assinalou, no sentido de as deliberações sobre matéria não incluída na ordem do dia só serem permitidas em casos excepcionais, motivadas por razões de reconhecida urgência assumidas por um número não inferior a dois terços dos membros, só que, no caso em discussão, como atrás se demonstrou, não se verificou um qualquer desvio à apontada regra geral.»

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Nada mais é preciso argumentar para confirmar sem qualquer hesitação a decisão recorrida e desautorizar a tese da Recorrente, nesta questão.
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Questão da nulidade das mesmas deliberações

Refere-se no acórdão recorrido:
«Com a deliberação impugnada, foi a A. impedida de exercer o direito fundamental de participação na vida pública, que vinha legitimamente exercendo por força de eleições para tal realizadas, pelo que se deve concluir pela nulidade da deliberação datada de 20 de Outubro de 2010 que destitui a A. de Presidente de Mesa de Assembleia de Freguesia de F..., sendo igualmente nula, porque temporalmente consequente, a deliberação proferida na mesma data, nos termos da qual se procedeu à eleição de nova Mesa da Assembleia de Freguesia.»

Em abono desta solução o TAF cita o Ac. do STA de 05-03-2009 (por lapso, no acórdão do TAF, indica-se “5 de Março de 2008”), Rec. 0865/08, segundo o qual o direito de participação na vida política consagrado no artigo 48º/1 da CRP deve ser considerado um direito fundamental.

Porém e salvo o devido respeito, a solução do TAF resulta de uma visão demasiado alargada do que deve entender-se como núcleo constitucionalmente protegido ou conteúdo essencial do “direito de participação na vida pública” previsto no artigo 48º/1 da CRP, e que não se harmoniza perfeitamente com a solução do acórdão do STA que toma como paradigmático, visto existirem diferenças relevantes entre os casos tratados e, mormente, entre a natureza e estatuto dos cargos desempenhados na Junta de Freguesia e na Assembleia de Freguesia.

Concorda-se sem qualquer reserva com o pressuposto teórico donde arranca a solução do STA, nestes termos:

«Assente que o direito de participação na vida política – quer na vertente de se poder ser eleito quer na vertente de se ser eleitor - constitui um direito fundamental importa precisar que o acto administrativo violador de um tal direito só é nulo se essa violação ofender seu o conteúdo essencial (art. 133.º/2/d) do CPA).
Daí que só se possa afirmar que um determinado acto é nulo por ofender um direito fundamental se essa ofensa atingir o seu núcleo essencial, isto é, se puser em causa o valor que justificou a criação do direito ou, dito de outro modo, se a
prática de tal acto tiver por consequência desprover o cidadão do conteúdo essencial da protecção que esse direito lhe dá. E, por ser assim, é que “o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito”. Prof. J. Miranda Manual de Direito Constitucional, IV, pg. 309.
Nesta conformidade, a Administração não pode praticar actos que possam pôr em causa ou impedir o exercício de um tal direito nem tão pouco lhe pode colocar restrições ou condicionamentos que não sejam os legalmente admissíveis pois que, ao fazê-lo, está a violar o direito fundamental do interessado.»

Mas o caso concreto é assim caracterizado, ainda no douto acórdão do STA:
«No caso dos autos, está em causa a deliberação da Assembleia de Freguesia de ... que, desrespeitando a vontade expressamente manifestada pelo Autor - vogal eleito para o cargo de Tesoureiro da respectiva Junta, que tinha requerido tão só a suspensão por 90 dias - o afastou definitiva e irreversivelmente do exercício desse cargo e, em sua substituição, elegeu outro autarca.
O que significa que aquela deliberação impediu o Autor de exercer um cargo para que foi democraticamente eleito a qual, pelas razões assinaladas antecedentemente,
é ilegal e ofende o conteúdo essencial do seu direito de participação na vida política.
Trata-se, assim, de uma ilegalidade que determina a
nulidade dessa deliberação.

Ora, a destituição de um cargo na Junta de Freguesia dita necessariamente para o destituído a cessação da participação nesse órgão autárquico executivo, onde não existem membros sem cargo diferenciado (presidente, secretário, tesoureiro).

Diversamente os membros do órgão deliberativo Assembleia de Freguesia não exercem em princípio qualquer cargo interno diferenciado e podem a qualquer momento ser destituídos de qualquer cargo da Mesa para que tenham sido eleitos (presidente, 1.º secretário e 2.º secretário), nos termos do Artigo 10.º da Lei 169/99, sem que com isso percam o estatuto de membro do órgão, que representa, afinal, o seu cargo verdadeiramente permanente e essencial em termos de participação na vida pública da autarquia.

Ora, no caso vertente, a Autora apenas foi destituída do cargo de Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia e nunca afastada ou impedida de participar na vida desse órgão autárquico para o qual foi eleita.

Note-se, de resto, que a Autora foi eleita para a Assembleia por sufrágio popular mas, para exercer funções na Mesa foi apenas eleita num exercício intra-orgânico pelos seus pares, afigurando-se que a destituição da Mesa por razões de debate político é uma situação perfeitamente normal do ponto de vista democrático constitucionalmente consagrado, embora, obviamente, deva ser efectivada segundo as regras legais e procedimentais adequadas.

Ou seja, a destituição da Autora nas condições descritas nestes autos apenas se revela violadora das ditas regras formais/procedimentais, mas não ofensiva do âmago do seu direito a participar na vida política como membro da Assembleia de Freguesia.

Assim procedem as conclusões 15 e 16 da Recorrente e, em consequência, o recurso merece provimento quanto à questão em análise, donde resulta que, estando as deliberações impugnadas afectadas de mera anulabilidade, se justifica a sua anulação e não a declaração de nulidade.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em conceder parcial provimento ao recurso, confirmar o julgamento de procedência da presente acção administrativa especial, revogar a decisão recorrida na parte em que declara nulas as deliberações impugnadas e determinar a anulação das mesmas.

Custas pela Recorrente, considerando que não houve oposição da Recorrida.

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Porto, 4 de Dezembro de 2015
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Frederico Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro