Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01215/07.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Mário Rebelo
Descritores:PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E COMPRA E VENDA
REGIME SIMPLIFICADO
Sumário:1. Dispõe o n.º1 do art.º1210.º do Código Civil que no contrato de empreitada os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção em contrário.
2. Diferentemente do contrato de compra e venda, o contrato de empreitada tem como elemento essencial a realização de uma obra, mesmo com fornecimento de bens, mediante um preço.
3. Se alguém contrata uma empreitada para instalação de aquecimento ou canalização, não é pelo facto de facturar separadamente os materiais/bens aplicados na execução do serviço de instalação que praticou duas operações: uma de venda de bens ao cliente e outra de prestação de serviços de instalação de canalização/aquecimento.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:António... e Albertina...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

António… e Albertina…, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso da sentença proferida no TAF de Viseu que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios relativas aos exercícios de 2003, 2004 e 2005 em resultado de uma ação de fiscalização que efetuou correções aritméticas à matéria tributável declarada.
Terminaram as alegações com as seguintes conclusões:

1) Devem os autos baixar à 1ª Instância para ser ouvida a prova testemunhal, cf. Art.° 392° do C.Civil e Art.° 115° e 118°, do CPPT.
2) Deve ser dado como facto provado que o recorrente presta serviços com incorporação de materiais, cf. discriminação efetuada nos documentos de venda, facto verificado pela AT e constante do relatório da inspeção.
3) Em consequência, deve ser aplicado o coeficiente de 20% à venda de materiais e de 70% à prestação de serviços, conforme determinava o Art.° 31°, n.° 2, do CIRS.
4) A aplicação do coeficiente mais elevado a atividades com aplicação de material, por parte do legislador ordinário no caso concreto viola o Art.° 104°, n.° 2, da CRP, e no mesmo sentido o reconhecimento do legislador ordinário quando alterou os coeficientes para menos de metade, em 2014 e 2015 (Lei n.° 83- C/2013, de 31.12. - OE para 2014 e Lei n.° 82-E/2014, de 31.12. - OE para 2015).
5) De igual modo, viola o Art.° 104°, n.° 2, da CRP, a aplicação no caso.
NESTES TERMOS,
Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações recorridas e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao considerar que o sujeito passivo no desenvolvimento da sua atividade efetuava prestação de serviços em vez de operações autónomas de venda de bens e prestação de serviços (mão de obra).

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos e respetiva motivação
1. Em cumprimento das Ordens de Serviço nº OI200700209, teve lugar inspeção à contabilidade do Impugnante respeitante aos anos de 2003 a 2005, IRS - cfr. doc. de fls. 3 e ss do PA anexo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para os demais elementos infra referidos.
2. Com data de 19/03/2007, a Administração Tributária dirigiu ao Impugnante o ofício n.º 05592, pelo qual lhe concedeu o prazo de dez dias para exercer o direito de audição, por escrito, sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção – cfr. fls. 2 do PA anexo.
3. Da ação de inspeção resultou o Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta com interesse para a decisão, porquanto nos presentes autos vêm impugnadas liquidações adicionais de IRS respeitantes aos anos de 2003 a 2005, o seguinte:
(…)




cfr. doc. de fls. 3/8 do PA anexo aos autos.
4. Nos anos de 2003 a 2005, os impugnantes procederam a compras diversas – cfr. fls.
33/44 dos autos.
5. A Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações de IRS:
TRIBUTON.º LIQUIDAÇÃON.º COMPENSAÇÃOPERIODO VALOR €DATA EMISSÃODATA LIMITE PAGAMENTO
IRS E JC 20075002271910 200700003389375 2003 1.846,11 26/07/2007 03/09/2007
IRS E JC 20075000054030 200700000350113 2004 5.993,00 03/05/2007 11/06/2007
IRS E JC 20075000054790 200700000364423 2005 3.455,96 08/05/2007 14/06/2007
cfr. fls. 13/21 dos autos.
6. Em 03 de setembro de 2007, os impugnantes apresentaram a petição de impugnação dos presentes autos – cfr. fls. 2 dos autos.
*
b) Factos não provados:
Não resulta provado que no âmbito das transações que deram origem às correções aritméticas o impugnante haja contratado a prestação e serviços excluída do fornecimento de materiais.
*
c) Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e segundo as regras de experiência de vida, conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos, (artigo 76.º, da Lei geral Tributária e artigo 362.º e sgs. do Código Civil).
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O RECORRENTE presta serviços de canalização e de montagem de sistemas de aquecimento.
No decurso de uma ação inspetiva foram analisados os elementos de escrita e verificou-se que o mesmo faz distinção entre os materiais aplicados nas suas prestações de serviços e a mão de obra propriamente dita. Esta distinção verifica-se quer na emissão dos documentos de venda, quer nos registos contabilísticos.
Por sua vez, na declaração de rendimentos modelo 3, anexo B, o sujeito passivo declara o valor dos materiais aplicados como vendas e da mão de obra como prestações de serviços.
A AT considerou que o sujeito passivo desenvolve uma actividade de prestação de serviços enquadrada na alínea b) do n.º 1 do art.º 3º do CIRS, pelo que a totalidade do volume de negócios deveria ter sido declarado como outras prestações de serviços.
Assim, procedeu à correção da matéria tributável de que resultaram liquidações adicionais nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, com as quais o ora RECORRENTE não concordou.
Deduziu, por isso, impugnação judicial alegando em síntese que no desenvolvimento da sua actividade aplica materiais e mão de obra, pelo que corretamente declarou nos exercícios em causa vendas de mercadorias e produtos e prestação de serviços.
Quando efetua uma determinada obra de canalização e montagem de aquecimento, aplica materiais previamente adquiridos e fatura-os ao cliente com discriminação de acordo com os orçamentos e contratos de empreitada.
Os materiais aplicados são faturados separadamente pelo que não se considera a totalidade dos rendimentos obtidos como prestação de serviços para efeitos de aplicação do regime simplificado de tributação.
Os materiais adquiridos para aplicação nas obras são autonomizáveis e autonomizados da prestação de serviços, e portanto são sempre facturados ao cliente, não havendo, por isso, razão para se proceder à aplicação do indicador de 65% à totalidade das receitas auferidas.
Os materiais aplicados representam mais de 50% do volume de negócios do impugnante pelo que é desproporcional e manifestamente excessiva a aplicação do indicador de 65% ao Impugnante à totalidade do volume de negócios de 2003, 2004 e 2005.

O MMº juiz proferiu sentença julgando improcedente a impugnação, com a seguinte ponderação:
«…o regime simplificado de determinação dos rendimentos das atividades empresariais e profissionais é um método que se aplica supletivamente aos sujeitos passivos que cumpram determinados requisitos e que não optem pela tributação com base em contabilidade organizada.
Aos impugnante era garantida a opção pelo regime de contabilidade organizada, sendo os seus rendimentos tributados por avaliação direta, nos termos do n.º 2 do Art.º 81.º da LGT como se analisou, opção que devia ter sido exercida na declaração de início de atividade ou na declaração de alterações a apresentar até ao fim do mês de Março do ano para o qual se pretende a determinação do rendimento líquido com base na contabilidade, a qual devera ser organizada de acordo com o disposto no Art.º 115.º do CIRC.
E dos autos não resulta que o impugnante tenha exercido a opção pela contabilidade organizada, podendo-o fazer até ao fim do mês de Junho de 2001, através da apresentação de uma declaração de alterações, afastando, assim, de livre vontade, a hipótese dos seus rendimentos serem tributados segundo o rendimento real - n.º 4 do Art.º 28.º do CIRS.
Porque não foi exercida até ao final de Junho de 2001 a opção pela aplicação do regime geral, e dada a verificação dos requisitos de enquadramento no regime simplificado, o mesmo era aplicável automaticamente por um período de cinco exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos.
Apesar disso, poderia o sujeito passivo transitar para o regime geral para o que deveria comunicar a necessária opção mediante declaração de alterações, a apresentar até ao fim do 3° mês do período de tributação de início de aplicação deste regime, o que os recorrentes não fizeram.
Donde que, de todo em todo, lhes era aplicável o regime simplificado de tributação, resultando o rendimento da aplicação de indicadores de base técnico – científica determinados para os diferentes sectores da atividade económica, nos termos do n.º l do Art.º 31.º do CIRS os quais devem ser anualmente definidos pelo Ministro das Finanças após audição das associações empresariais e profissionais, nos termos referidos no Art.º 89.° da LGT. Como tais indicadores não tinham sido aprovados, o rendimento coletável a englobar na declaração anual de rendimentos dos sujeitos passivos abrangidos por este regime, será o resultante da aplicação dos já referidos coeficientes estabelecidos no n.º 2 do Art.º 31 do CIRS.
Estando em causa nos autos rendimento dos anos de 2003 a 2005 e porque o regime simplificado iniciou a sua vigência em l de Janeiro de 2001, era por demais previsível que em tal exercício fossem os coeficientes estabelecidos no n.º 2 do Art.º 31 do CIRS os aplicáveis para a determinação do rendimento coletável, não se podendo afirmar que se goraram as expectativas dos contribuintes com a não aprovação da citada portaria prevista no n.° 4 do Art.° 31° do CIRS.
Ademais, o facto da não aprovação da falada Portaria não era impeditivo de exercício do direito de opção pelo regime de contabilidade organizada que a lei facultava aos recorrentes para evitarem a avaliação indireta com as inerentes consequências em termos de quantificação próprias do regime simplificado de tributação, e, o certo é que, pura e simplesmente não o exerceu.
Sendo assim, como é, não poderá ser assacada ao ato tributário impugnado qualquer tipo de ilegalidade (o art.º 81.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária estatui que «Em caso de regime simplificado de tributação, o sujeito passivo pode optar pela avaliação direta, nas condições que a lei definir.») ou inconstitucionalidade pois a própria Constituição da República Portuguesa legitima a aplicabilidade do regime simplificado de tributação ao não obrigar a exclusividade da tributação segundo o rendimento real (Art.º 104.º n.º 2 da CRP): «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.».
E quanto à alegação dos impugnantes de que os serviços que prestam pressupõem a aplicação de materiais, a verdade é que, como resulta do relatório de inspeção, o impugnante encontra-se coletado na atividade de prestação de serviços de canalização e de montagem de sistemas de aquecimentos e não resulta dos autos que o âmbito da sua atividade compreenda a comercialização de materiais.
Por outro lado, as correções técnicas adotadas no relatório de inspeção, prende-se com os trabalhos de prestação de serviços nele identificados, incluindo a prestação de serviços em atividades hoteleiras no ano de 2004, pressupondo, como bem é referido no relatório, que tais trabalhos (excluindo os respeitantes à atividade hoteleira) pressupõem aplicação de materiais, sem os quais a prestação e serviços não se poderia concluir, tão pouco resulta dos autos que tais trabalhos respeitem exclusivamente a mão de obra, pelo que forçoso é concluir que no âmbito e pelo preço estabelecido para a execução de tais trabalhos, estavam também abrangidos os fornecimentos necessários e o impugnante não demonstra que a fornecimento de bens haja sido contratado autonomamente, como lhe competia, artigo 342.º do C. Civil e 74.º da LGT.
Como assim, não seria razoável admitir a tributação de modo diferente do apurado pela inspeção tributária, porquanto, embora o impugnante haja junto aos autos mapas com o propósito de identificar compras, não demonstra que nos casos de que emergem as correções técnicas, o fornecimento de materiais a que houvesse lugar não estivessem incluídos no preço estipulado.
Nesta conformidade, não logrou o impugnante demonstrar o contrário do que vem afirmado no relatório de inspeção.
Assim sendo, não resulta dos autos que fosse outra a sua capacidade contributiva, não relevando a alegação dos impugnantes no sentido de achar que as percentagens aplicadas são excessivas, porquanto também não demonstra que outra fosse a correta em face da situação contributiva evidenciada.
De resto, a tributação real, justificada por razões de justiça e eficiência económica, representa um sistema mais justo, que permite a personalização do imposto e uma mais correta distribuição da carga fiscal.
Essa forma de tributação é admitida pelo nosso sistema legal embora restritivamente porque pressupõe a existência de uma economia desenvolvida: um elevado grau de precisão e desenvolvimento da máquina administrativa, uma estrutura económica com empresas de razoável dimensão, dispondo de processos de contabilidade normalizados e rigorosos, com sujeitos económicos racionais e uma economia altamente monetarizada e baseada na troca.
Nesse sentido, o legislador constitucional consagra como regime regra o da tributação do rendimento real salvaguardando a possibilidade de o não ser ao aplicar no texto constitucional o advérbio “fundamentalmente‟, tendo certamente em vista que, atento o estado da nossa economia, existe um número imenso de empresários que não dispõe de contabilidade ou se dela dispõe, ela não oferece as condições de confiança para o apuramento do verdadeiro rendimento que tornaria inviável a tributação sempre segundo o rendimento real.
É sabido que no domínio do Direito Fiscal interessa a substância das operações económicas a tributar e que este interesse se manifesta na disposição constitucional que visa a tributação do rendimento real das empresas (art.104ºnº2 CRP/RC 97).
Não sofre de qualquer inconstitucionalidade, mormente por violação do disposto no artº 107° da Constituição da República, pois a aplicação do regime de tributação simplificado tem exatamente por finalidade determinar o rendimento real auferido quando não há elementos contabilísticos fiáveis para tal porque o contribuinte não optou por um regime normal de tributação baseado na sua contabilidade legitimando assim o recurso a índices ou indicadores de atividade.
Pelo exposto, improcede, nesta parte a impugnação das liquidações de IRS, respeitantes aos anos de 2003 a 2005.»

O RECORRENTE discorda da sentença. Das suas conclusões retiram-se quatro linhas de argumentação contra o decidido:
a) Os autos devem baixar à primeira instância para ser ouvida a prova testemunhal;
b) Deve ser dado como provado que o recorrente presta serviços com incorporação de materiais;
c) Deve ser aplicado o coeficiente de 20% à venda de materiais e de 70% à prestação de serviços,
d) Sob pena de violação do disposto no art. 104º/2 da Constituição.

Como decorre dos autos e do probatório, o impugnante presta serviços de canalização e de montagem de sistemas de aquecimento, encontrando-se colectado desde 1987 e desde 2001 enquadrado no regime simplificado de tributação de IRS.

Com relação aos exercícios analisados (2003, 2004 e 2005) o ora RECORRENTE apresentou declaração de rendimentos modelo 3 de IRS no qual distingue entre materiais aplicados e mão de obra propriamente dita, qualificando esta como prestação de serviços.

As correções levadas a cabo pela AT resultam da consideração de que, consistindo a atividade desenvolvida pelo impugnante na prestação de serviços de canalização e montagem de sistemas de aquecimento os rendimentos auferidos nos exercícios em causa constituem, na sua globalidade, rendimentos de prestação de serviços, a que se aplica o coeficiente de 0,65.

A tese do IMPUGNANTE/RECORRENTE é a de que exerce, se assim podemos dizer, duas atividades: venda de materiais e outra de prestação de serviços, que orçamenta e fatura separadamente.

Como tal, por se tratar de um sujeito passivo enquadrado no regime simplificado de determinação do rendimento tributável, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor faturado e declarado das vendas de mercadorias e do coeficiente de 0,65 ao valor faturado e declarado da prestação de serviços nos períodos em causa.

A sentença sufragou o entendimento da AT e concluiu que as liquidações não enfermam de qualquer ilegalidade.

A nosso ver a sentença decidiu bem. Vejamos porquê.

Com referência ao regime legal vigente na data dos facto tributários, a lei previa dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B (art.º 3.º do CIRS): com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, ou com base na contabilidade (art.º28.º/1-a), b) do CIRS).

Por sua vez, o n.º2 do art.º28.º do CIRS dispunha que “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: €149.739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: €99.759,58”.

Do exposto resulta que a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais segundo o regime simplificado constitui a regra para os sujeitos passivos relativamente aos quais se verifiquem os pressupostos previstos naquele preceito, desde que não façam a opção pela tributação com base na contabilidade (cfr n.º 4 do art. 28º CIRS, na redação e numeração vigente ao tempo dos factos tributários).


Dispunha o n.º 1 do art.º 31.º do CIRS que no regime simplificado de tributação “a determinação do rendimento tributável resulta da aplicação de indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica”.

E o n.º2 do mesmo artigo (antes da redação que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) dispunha: “Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua ausência, o rendimento tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,65 aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção, com o montante mínimo igual a €3.125”.

Os rendimentos provenientes da categoria B – “Rendimentos empresariais e profissionais” – estão previstos no art.º3.º, nºs 1 e 2, do CIRS.

A Lei Geral Tributária prevê que sejam anualmente definidos indicadores objectivos de base técnico-científica da rentabilidade ou margens de lucro da actividade económica (Art. 89º/2 LGT).

Mas tais indicadores objectivos não foram ainda aprovados. Na sua falta, são aplicáveis os coeficientes indicados naquele n.º2 do art.º31.º do CIRS (ou 53.º, n.º4, do CIRC) à determinação dos rendimentos tributáveis no regime simplificado.

Pretende o impugnante que ao valor facturado das vendas de mercadorias e produtos (ou venda de materiais), deve ser aplicado o coeficiente de 0,20 e ao valor facturado separadamente das prestações de serviço (restantes rendimentos da categoria), o coeficiente de 0,65, nos termos daquele n.º2 do art.º 31.º do CIRS.

Desde logo afigura-se-nos que a circunstância de o impugnante se encontrar coletado por uma atividade económica de prestação de serviços, não implica necessariamente que não pratique também, ou até principal ou exclusivamente, actividade de venda de materiais, bens e produtos.
E se fosse esse o caso, ao valor dessa actividade empresarial deveria ser aplicado o coeficiente de 0,20 na determinação do rendimento tributável.

Mas a questão está em saber se do ponto de vista jurídico, ou da substância económica, se podem caracterizar as operações que o impugnante realiza, e fatura separadamente, como “materiais aplicados” como se verdadeira venda de mercadorias e de produtos se tratasse, implicando assim a aplicação ao respetivo valor o coeficiente de 0,20 na determinação do rendimento tributável em IRS.

Entendemos que não O ac. deste TCAN n.º 01505/04.0BEVIS de 14-07-2016 Relator: Vital Lopes, incidiu sobre uma questão que aparenta algumas semelhanças com a dos autos, reflectidas no seguinte sumário: 1. A lei prevê dois métodos de determinação do rendimento colectável da categoria B (art.º3.º do CIRS): com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, ou com base na contabilidade (art.º28.º, n.º1, do CIRS).
2. No regime simplificado de tributação, o rendimento líquido é determinado pela aplicação do coeficiente de 0,20 à venda de bens materiais e de 0,65 aos restantes rendimentos da categoria B [rendimentos empresariais e profissionais] (art.º31,º., n.º2, do CIRS);
3. Sendo de qualificar como prestação de serviços com fornecimento de materiais (art.º1207.º e 1210.º, n.º1, do Cód. Civil) as operações económicas praticadas pelo sujeito passivo, o rendimento líquido resultante da actividade assente nessas operações determina-se pela aplicação do coeficiente de 0,65 ao valor global das operações, ainda quando o sujeito passivo orçamente e facture separadamente ao cliente o fornecimento dos materiais e da mão-de-obra;
4. Os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (art.º104.º da CRP) não saem violados perante a constatação de que a aplicação dos coeficientes previstos na lei introduz, em concreto, distorções muito significativas nos resultados, pois o regime simplificado pode ser afastado por opção expressa dos contribuintes pelo regime de contabilidade organizada (art.º28.º, n.º4, do CIRS)..

Em defesa da sua tese, o impugnante alega que quando efetua uma determinada obra aplica materiais previamente adquiridos e factura-os ao cliente com discriminação de acordo com orçamentos e contratos de empreitada. O POC prevê o registo na conta 72 – Prestações de Serviços dos materiais aplicados, no caso de estes não serem facturados separadamente.

Acrescenta que sendo facturados separadamente, não se considera a totalidade dos rendimentos obtidos como prestação de serviços para efeitos de aplicação do regime simplificado de tributação.

Mas nem a contabilidade nem a faturação separada concretizam uma operação típica de compra e venda. Esta tem como objeto essencial a transmissão de bens, ou seja, a transferência da propriedade das mercadorias e produtos para o comprador cujo principal, se não único interesse, é o da sua aquisição, embora podendo implicar por parte do fornecedor uma qualquer actividade acessória com relação ao bem fornecido, nomeadamente de instalação ou montagem (cfr. art.º874.º, do Código Civil).

De acordo com o disposto no art.º1154.º do Código Civil, «Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

O contrato de prestação de serviços pode apresentar diferentes modalidades, sendo uma delas o contrato de empreitada «…pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço» – art.º1207.º do Código Civil.

Dispõe o n.º1 do art.º1210.º do Código Civil que no contrato de empreitada «os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção em contrário».

Como refere P. Romano Martinez, in Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos …, Almedina, maio de 2000, pp. 310 e 311 “… no Direito português, o contrato pelo qual alguém se obriga a realizar certa obra é, em princípio, uma empreitada, e o fornecimento pelo empreiteiro das matérias necessárias à sua execução não vai, por via de regra, alterar a natureza do contrato. Deve, então, qualificar-se como de empreitada o contrato em que o subministro de material constitui um meio para a realização da obra. Em contrapartida, enquadra-se na noção de compra e venda o contrato mediante o qual alguém se obriga a fornecer um bem fabricado em série ou por encomenda com base em amostra ou catálogo, desde que não haja que proceder a adaptações consideráveis”.

Diferentemente do contrato de compra e venda, o contrato de empreitada tem como elemento essencial a realização de uma obra, mesmo com fornecimento de bens, mediante um preço - como parece ser o caso do RECORRENTE.

Assim, se alguém contrata uma empreitada para instalação de aquecimento ou canalização, não é pelo facto de facturar separadamente os materiais/bens aplicados na execução do serviço de instalação que praticou duas operações: uma de venda de bens ao cliente e outra de prestação de serviços de instalação de canalização/aquecimento.

Em situações como essa, a que se reconduz o caso dos autos, está-se perante uma típica prestação de serviços com fornecimento dos materiais necessários à sua execução.

Como, de resto, o IMPUGNANTE assinala na petição inicial: quando o impugnante efectua uma determinada obra de canalização e montagem de aquecimento, aplica os materiais previamente adquiridos e factura-os ao cliente com discriminação de acordo com orçamentos e contratos de empreitada (artigo 15º).

Ora estas operações são de qualificar como típicas prestações de serviços, na modalidade de empreitada. O impugnante no desenvolvimento da sua atividade de serviços de canalização e de montagem de sistemas de aquecimento ajusta com o cliente os termos da obra a executar, aceitando realizá-los com aplicação de materiais e mão-de-obra por si fornecidos, que fatura separadamente.

Já referimos que a facturação separada não é suficiente para, por si só, caraterizar uma operação de compra e venda; acrescentamos que também não a descaracteriza juridicamente como prestação de serviços. Pelo contrário, a substância económica da actividade assente em tais operações, configura juridicamente verdadeiras prestações de serviços e não venda de bens materiais Cfr. para uma situação paralela o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 636/06.6TBPMS.C1de 06-03-2012 Relator: ARLINDO OLIVEIRA Sumário: 1. É de empreitada o contrato que visa o fornecimento de peças e mão de obra com vista a reparação de máquinas..

É certo que a presunção implícita de que os custos da actividade de prestação de serviços representam apenas 35% (e não 80% como no caso da venda de mercadorias e de produtos) dos proveitos ou da receita, pode não ter aderência à realidade, nem reflectir a capacidade contributiva do sujeito passivo.

Com efeito, o coeficiente aplicável à atividade de prestação de serviços pode conduzir, em concreto, a distorções muito significativas nos resultados, a recomendar a opção pelo regime de contabilidade organizada (como alegadamente será o caso do impugnante em que o valor relativo dos materiais fornecidos para a execução das obras é muito significativo), embora com perda das vantagens associadas ao regime simplificado ao nível das obrigações acessórias (cf. artigos 31.º, n.º2 da LGT, 32.º do CIRS e 115.º e 116.º do CIRC)

No entanto, devemos notar que esta é uma opção do sujeito passivo que tem a possibilidade de escolher ser tributado com base na contabilidade e não pelo regime simplificado de tributação, o qual se focaliza nas operações ativas (geradoras dos proveitos da atividade – cf. art.º20.º do CIRC e 3.º e 32.º do CIRS), já que os custos imputáveis a tais operações são presumidos nas percentagens de 80% para a atividade de venda de mercadorias e de produtos e de 35% para a atividade de prestação de serviços.

Por ser uma opção de tributação do sujeito passivo, as razões de ordem constitucional invocadas pelo RECORRENTE que apontam para a violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real (art.º104.º da CRP) não têm, a nosso ver, razão de ser.

E em face do exposto, também não é de acolher o pedido para que os autos baixem à primeira instância para ser ouvida a prova testemunhal. Tal prova não revela qualquer interesse para a decisão da causa uma vez que da matéria alegada não se retira que a atividade económica do RECORRENTE se desdobre em duas atividades, uma de compra e venda de bens e outra de prestação de serviços. Antes pelo contrário.

Concluímos, portanto, que a sentença não merece qualquer censura.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Porto, 10 de novembro de 2016.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira