Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00390/16.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR, VERIFICAÇÃO INFRACÇÃO, NOTIFICAÇÃO EDITAL:
- DR., SUSPENSÃO PREVENTIVA VERSUS PENA DISCIPLINAR SUSPENSÃO
Sumário:1 - Desconhecendo-se o paradeiro do arguido, em processo disciplinar, tendo-se tentado a sua notificação pessoal e por carta registada com aviso de recepção, mas impossibilitada pelo facto de estar em gozo de período de férias anuais e depois de baixa médica, e, local desconhecido pelo serviço, nada impedia a notificação da pena disciplinar por publicação em Diário da República.

2 - A suspensão preventiva de funções não é uma pena disciplinar preventiva de suspensão nem os fins daquela se confundem com os fins desta; são institutos completamente diferentes e com finalidades também elas muito diversas.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . OM., médico e residente na Estrada (…), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 7 de Junho de 2018, que julgou improcedente a acção administrativa especial instaurada contra a UNIDADE LOCAL de SAÚDE do NORDESTE, EPE, com sede na Praça (…), onde impugnava a decisão proferida pelo Conselho de Administração, de 20 de Agosto de 2016, que lhe aplicou a pena disciplinar de 30 dias de suspensão e ainda solicitava que a Ré fosse condenada a eliminar do seu registo biográfico qualquer referência ao dito processo disciplinar, abstendo-se de descontar-lhe na antiguidade o período da suspensão aludida, bem como condenada a pagar-lhe o salário integral correspondente a este período de suspensão e a indemnizá-lo dos demais danos causados, num total de 14.410,38 euros, acrescido de juros de mora vincendos contados á taxa legal.
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Nas suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
" A R. apenas deu como provado, na decisão final proferida no Processo Disciplinar que moveu ao A., que este empurrou o colega Dr. LP..., embora sem dolo nem premeditação e sem pretensão de causar o resultado que efectivamente ocorreu;
Empurrar alguém agindo sem dolo nem premeditação e sem pretender causar o resultado que efectivamente causou, não pode constituir infracção disciplinar, ainda para mais violadora dos deveres de "prossecução do interesse público, de isenção e de correcção", pelo que não poderia ter sido aplicada qualquer sanção;
A notificação da decisão da aplicação de pena disciplinar ao aqui A. através de publicação de aviso na 2ª Serie do Diário da República foi ilegal, por não ser desconhecido o paradeiro do trabalhador visado, que se encontrava apenas de férias, com conhecimento da entidade patronal;
Essa notificação, para além de espezinhar os direitos do ali arguido, ora A., impedindo-o de recorrer tutelarmente da decisão em questão, deu a punição (injusta) uma publicidade inusitada, levando-a, sem necessidade, ao conhecimento de inúmeras pessoas, humilhando, sem razão, o visado;
Foi imposta ao A. uma suspensão preventiva de 128 dias, o que é ilegal por exceder o período máximo de 90 dias previsto na lei;
E, porque a dita suspensão preventiva foi largamente superior a pena de 30 dias de suspensão a final aplicada ao arguido autor, sempre seria ilegal o cumprimento desta, que também lhe foi imposto;
Dado que o A. não cometeu qualquer infracção disciplinar, foi ilegitimamente suspenso preventivamente e ilegitimamente punido;
Foram violadas, por errada interpretação, as disposições dos art°s. 213°, 73°, 222° e 211° da LTFP.”.
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Notificadas as alegações, apresentadas pelo recorrente, supra referidas, veio a entidade recorrida, apresentar contra alegações, sem que, no entanto, formule conclusões.
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O Digno Magistrado do M.º P.º, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º1 do CPTA, não emitiu Parecer.
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Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Juízes Desembargadores adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e completude não são questionados:
1. O A. é médico ao serviço do R., exercendo funções no Centro de Saúde de (...).
2. No âmbito dessas relações laborais, foi instaurado pelo R. contra o A. um processo disciplinar, que se iniciou em 02 de Setembro de 2015 (Processo Disciplinar nº 6/DIS/2015/ULSNE) – cfr. fls. 2 e ss. do P.A. apenso que aqui se dá, nessa parte, por integralmente reproduzido.
3. O Autor/arguido foi notificado pessoalmente, no próprio dia, da Deliberação do Conselho de Administração referida em 2. - cfr. fls 11 do P.A. apenso que aqui se dá, nessa parte, por integralmente reproduzido;
4. Na própria deliberação de 2/9/2015, foi nomeada a respectiva instrutora que, nesse mesmo dia, e após comunicação telefónica de tal nomeação, decidiu ouvir, de imediato, os intervenientes.
5. O arguido requereu a reinquirição das testemunhas já inquiridas, o que foi levado a cabo – cfr. fls. 30 e ss. do P.A. apenso que aqui se dá, nessa parte, por integralmente reproduzido.
6. No âmbito desse processo disciplinar, o Autor foi suspenso preventivamente pelo período de 90 dias úteis, entre 21/09/2015 e 29/01/2016.
7. Em 10 de Dezembro de 2015, foi proferida acusação.
8. O A. apresentou defesa escrita, na qual alegou que o processo disciplinar e a acusação enfermavam de nulidades que comprometiam a sua sustentação e validade;
9. O despacho que ordenou a instauração do processo disciplinar foi comunicado à respectiva instrutora por e-mail de 03/09/2015, remetido pelas 16:58 horas (fls. 4 dos autos do processo disciplinar);
10. Em 02/09/2015, a instrutora procedeu à inquirição de testemunhas e à constituição do Autor como arguido (cfr. fls. 5 a 11 do P.A. apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte)
11. O Autor/arguido contestou e impugnou todos os factos da Acusação, sobre os mesmos requereu inquirição de testemunhas e a realização de peritagem a levar a cabo por “(…)perito em física, a solicitar ao Laboratório de Policia Científica (Lisboa), a fim de determinar o ponto de queda no chão do café derramado e da consequente veracidade do depoimento da Enfermeira LL...…”
12. Do relatório final consta no seu item IV a apreciação da prova produzida e dos factos provados (cfr. fls. 106/107 do P.A. apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte).
13. Do mesmo resulta, igualmente, quais os deveres violados com o comportamento do Autor/arguido e nele se referem as anteriores condenações disciplinares do Autor/arguido e que constam do seu Registo Biográfico Disciplinar (cfr. fls. 107 e 280 do PA apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte).
14. Em 28/07/2016, o requerente estava de baixa médica desde o início dessa semana e ausente, na cidade do Porto, para consulta médica, e permaneceu de baixa até final da semana.
15. Na segunda-feira seguinte, dia 01/08/2016, iniciou um período de férias que terminaram em 15/08/2016, estando ausente da sua morada durante todo o tempo da baixa e das férias, tendo reiniciado funções em 16/08/2016.


2 . MATÉRIA de DIREITO

Tendo em consideração, por um lado, a sentença recorrida e, por outro, as alegações apresentadas pelo recorrente, sintetizadas nas supra transcritas conclusões, verificamos que, se algumas das invalidades suscitadas na petição inicial e analisadas/decididas na sentença recorrida não vêem reiteradas nesta sede recursiva V.g., incompetência da instrutora, incumprimento de prazos procedimentais do processo disciplinar, omissão de notificação do início da instrução e do relatório final e violação do direito de audiência e de defesa e ainda da escolha e medida concreta da pena., outras, pelo contrário, continuam a merecer a crítica do recorrente, concretamente, como se depreende das conclusões alegatórias, a saber:
(i) - inexistência de infracção disciplinar;
(ii) - a notificação indevida da sanção disciplinar por via da publicação em DR; e ainda,
(iii) - a pena de suspensão preventiva, em 128 dias, ultrapassou o período legal máximo de 90 dias, além de que foi largamente superior à pena disciplinar de 30 dias de suspensão.
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Importa, desde já, referir que carece de total razão o recorrente, sendo mesmo que, nas questões abordadas e decididas na sentença recorrida, pelo TAF de Mirandela, o mesmo, em bom rigor, não sindica/questiona a bondade da decisão, contra argumentando-a, além de que também questiona determinadas invalidades que, afinal, não foram analisadas e assim decididas na sentença questionada, sem que lhe impute - como deveria - nulidade por omissão de pronúncia, sendo, deste modo, questões novas cujo conhecimento não compete ao tribunal de recurso.
Vejamos, assim, cada uma das situações.
(i) - quanto à inexistência de infracção disciplinar, na medida em que, empurrar alguém sem dolo, nem premeditação e sem causar o resultado que efectivamente se veio a verificar, não implicando qualquer infracção, não teria de ser aplicada qualquer sanção.
Contrariamente ao defendido pelo recorrente - médico do Centro de Saúde que, num gabinete de enfermagem (para onde o seguiu) e onde empurrou um outro colega médico -- participante (Dr. LP...) --, pelas costas, importando que este tenha entornado o café que segurava nas mãos, tenha caído na sua camisa e a chávena caído ao chão - o que se mostra provado é que o Dr. LP... foi "seguido pelo arguido que, em acto intempestivo, o empurrou pelas costas, fazendo com que vertesse o café na sua camisa e a chávena caísse no chão ... não agindo com dolo ou premeditação, ou seja, não pretendeu causar o resultado que efectivamente ocorreu", o que significa que o empurrão pelas costas foi causado com dolo, ainda que não o resultado, isto é, entornar o café na camisa e que a chávena caísse ao chão, como se refere nas contra alegações.
Ora, empurrar, voluntariamente, alguém pelas costas, como aconteceu, entre colegas médicos, perante outras pessoas, não deixa de ser um comportamento indevido, desagradável, disciplinarmente censurável; não se tratou de um simples e ocasional empurrão, encosto, mas um empurrão propositado e assim naturalmente censurável, em termos disciplinares, que é o que se analisa neste processo Cfr. Reconstituição fáctica realizada em sede de procedimento disciplinar - fls. 57 a 63 do PA..
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(ii) Quanto à notificação indevida da sanção disciplinar por via da publicação em DR, pois que, além de não verificados os requisitos, ou seja, ao desconhecimento do paradeiro do trabalhador visado, o A./recorrente, visou espezinhar os seus direitos, além de o ter impedido de recorrer tutelarmente da decisão sancionatória questionada.
Também, nesta parte, carece de razão o recorrente, como clara e fundamentadamente se disse na decisão recorrida, onde se exarou:
"Não lhe assiste razão Não lhe assiste razão, claramente. Independentemente da sua perspectiva subjectiva acerca do seu paradeiro e da etiologia da respectiva ausência do seu domicílio habitual (onde, em vão, foi tentada a respectiva notificação nos termos do nº 1 do artº 214º da LGTFP), o que é certo é que o seu paradeiro era desconhecido da sua entidade patronal, tanto mais que não comunicou à mesma onde estaria no período que mediou a prolação de acusação e o regresso ao desempenho das respectivas funções. A notificação foi tentada e não conseguida, conforme resulta de fls. 108 do P.A. apenso. Tal legitimou a opção pelo previsto no nº 2 do artº 214º da LGTFP.
Pelo acima exposto também não faz sentido a menção de que tenham sido ultrapassadas as 48 horas referidas no nº 1..".
Na verdade, foi "tentada" a sua notificação pessoal na sua residência, por meio da instrutora e carta registada com aviso de recepção, mas impossibilitada pelo facto de estar em gozo de período de férias anuais e depois de baixa médica, de 25/7/2016 até 29/7/2016 (5 dias) - como alega -, desconhecendo assim a entidade empregadora o seu paradeiro nesse período.
Deste modo, carecendo formalmente de razão o recorrente - tentou-se a sua notificação e que se veio a mostrar impossível, por desconhecimento do seu paradeiro - art.º 214.º, n.º2 da LGTFP - nenhum prejuízo relevante foi causado ao recorrente sendo certo que essa notificação por meio de DR não o impossibilitou - como pretende fazer crer - de apresentar recurso tutelar.
(iii) - Quanto ao facto de a pena de suspensão preventiva, em 128 dias, ter ultrapassado o período legal máximo de 90 dias, além de que foi largamente superior à pena de 30 dias de suspensão, se estas questões não foram analisadas/decididas na sentença recorrida, sem que se lhe impute nulidade por omissão de pronúncia - o que importaria que não tivesse este TCA de sobre ela se pronunciar, mesmo assim, brevitatis causa, importa apenas dizer que o prazo de suspensão preventiva disciplinar - art.º 211, n.º1 da LGTFP - se reporta a dias úteis e não seguidos, como decorre do art.º 3.º da Lei 35/2004, de 20/6 e art.º 87.º, als. c) e d) do CPA, o que significa que o prazo de 90 dias nem sequer foi ultrapassado.
Quanto ao facto da pena de suspensão preventiva de 90 dias úteis ter sido superior à pena de 30 dias de suspensão - a sanção disciplinar aplicada, em concreto - importa apenas referir que são institutos completamente diferentes e com finalidades também elas muito diversas, pelo que se mostra improcedente qualquer argumentação como a que o recorrente vem agora sustentar.
Remete-se, nesta parte, para a contra argumentação apresentada em sede de contra alegações, onde se refere:
"O Recorrente considera também, que o cumprimento da pena disciplinar de 30 dias de suspensão é ilegal porque a suspensão preventiva que cumpriu foi superior à pena aplicada.
Não se vislumbra que disposição legal possa ter sido violada, nem o Recorrente se preocupa com tal indicação.
A suspensão preventiva de funções não é uma pena disciplinar preventiva de suspensão nem os fins daquela se confundem com os fins desta (cfr. artigos 211º, nº 1 e 186º da LGTFP).
Por isso, mesmo que a pena de disciplinar de suspensão fosse superior aos 90 dias de suspensão preventiva, este período não poderia ser descontado no cumprimento daquela pena, pelo que o Arguido sempre teria de cumprir por inteiro o período da pena disciplinar de suspensão em que fosse condenado.
Por outro lado, a aceitação da argumentação do Recorrente levaria em último termo à necessidade de aplicação a qualquer arguido de uma pena disciplinar de suspensão sempre que o mesmo fosse preventivamente suspenso nas suas funções e pelo mesmo período da suspensão preventiva!
Ou seja, exigir-se-ia um juízo de prognose logo no início do procedimento disciplinar quanto à própria pena disciplinar de que o Arguido seria, a final do procedimento disciplinar, merecedor, sem que, portanto, se tivesse produzido qualquer prova, sem Acusação e sem Defesa!
A aberração jurídica de tal construção é insuportável e inadmissível!
No caso sub judice, o Recorrente cumpriu e bem, portanto, a pena disciplinar de 30 dias de suspensão que lhe foi aplicada na decisão disciplinar".
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Nada mais que concluir pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença do TAF de Mirandela.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente.
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Notifique-se.
DN.

Porto, 8 de Abril de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho