Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00938/20.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Cristina da Nova
Descritores:DAÇÃO EM PAGAMENTO, VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO E IGUALDADE.
Sumário:1-Não há paralelismo entre a dação em pagamento e a penhora, que é um ato coativo de cobrança da dívida, que não raras vezes, em face das próprias vicissitudes da venda, não permite pagar a totalidade da dívida exequenda, tendo o processo de execução fiscal o seu meio para a processar.
A dação em pagamento, sendo a realização de uma prestação diferente da que é devida (dinheiro), com o fim de extinguir imediatamente a obrigação, implica naturalmente que o credor receba algo diferente e requer a assentimento do credor

2- O Estado, dono de um vasto património imobiliário, atendendo às necessidades financeiras para satisfazer o seus objetivos económico-sociais necessita em primeira linha de liquidez para fazer face às suas obrigações decorrentes da Constituição e da Lei.
Claramente resulta do art. 201.º do CPPT que tem de haver interesse público na aceitação da dação em pagamento.

3-A sindicância de violação do princípio da igualdade importa, por parte de quem o invoque que materialize a situação concreta, melhor dizendo, evidencie no processo as concretas condições em que foram assentidas pelo Estado as dações em pagamento.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:L., Lda
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO

L., Lda. NIPC (…), recorre da sentença proferida pelo TAF do Porto de 18-01-2021, que decidiu pela improcedência da reclamação da decisão que indeferiu o pedido dação em pagamento para extinção das dividas das execuções fiscais.
*

Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 214 do processo digital) as seguintes conclusões que se reproduzem:

«I.
A douta sentença em mérito, julgou improcedente a reclamação apresentada pela Reclamante contra o ato que lhe indeferiu o pedido de dação em pagamento com o fundamento “- O pedido é intempestivo encontrando-se esgotado o prazo de oposição. – o estado não dispõe de qualquer estrutura que, em concorrência com o sector privado, se dedique com carácter geral à comercialização de bens imóveis, não sendo, pois suficiente a mera eventualidade daquele obter rendimentos com a posterior revenda dos bens imóveis dado em pagamento, - o facto de estar tipificada na lei a dação em pagamento, não obriga a autoridade Tributária a aceitar os bens que os devedores entendem dar em pagamento para extinguir as dívidas”
II.
Para tanto, considerou o Tribunal a quo que:
“Independentemente da questão atinente à intempestividade do pedido de dação em pagamento, analisando o teor do despacho e os fundamentos aí invocados verifica-se por um lado que a Administração Tributária demonstrou as razões do seu indeferimento com argumentos válidos, nomeadamente a falta de interesse nos bens em causa e a falta de estrutura que, em concorrência com o sector privado se dedique com carácter geral à comercialização de bens imóveis, não sendo, pois, suficiente a mera eventualidade daquele obter rendimentos com a posterior revenda dos bens imóveis dados em pagamento. Acresce que o facto da lei prever a dação em pagamento “não obriga” a Administração Tributária a aceitar aqueles bens em concreto, que os devedores entendem dar em pagamento. Por outro lado, nem na fase procedimento, nem na fase judicial, a Reclamante demonstra e prova cabalmente a total falta de meios financeiros, nada vindo invocado e/ou provado quanto aos seus concretos rendimentos.”
(...)
“Com efeito, a dação em pagamento de um imóvel não concretiza desde logo e “a se” qualquer interesse da Administração. Esta, nesta matéria, goza, necessariamente, de uma margem de livre apreciação quanto ao interesse em receber o imóvel (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, processo n.º 0842/07, publicado em www.dgsi.pt).
Acresce que não se verifica a violação do princípio da prossecução do interesse público, na medida em que a dívida ainda existe e poderá ainda ser cobrada coercivamente.
Quanto à violação do princípio da igualdade, a Reclamante articulou meras conclusões, extremamente vagas, das quais não emergem factos que possam fundamentar o por si alegado nessa parte (v.g. artigo 32.º e 33.º da petição inicial).”
III.
Sem quebra do elevadíssimo respeito que nutrimos por este Tribunal, parece-nos que a decisão em mérito é manifestamente infundada e, por conseguinte, deve ser expurgada do ordenamento jurídico.
IV.
A Recorrente não se poderá conformar com a, aliás douta, decisão em mérito, porquanto, a mesma faz uma errada interpretação/aplicação dos princípios e normativos que regulam a atividade da administração fiscal, especificadamente naquilo que diz respeito ao instituto da dação em pagamento.
Assim,
V.
O Reclamante, em sede de reação contra o ato de indeferimento do pedido de dação em pagamento, suscitou questões que se prendiam com a violação da discricionariedade na apreciação do pedido, violação da prossecução do interesse público e, violação do princípio da igualdade.
VI.
Estando em causa a entrega de prestação diversa daquela que é devida para que com ela se proceda à extinção da obrigação tributária e, para que se almeje tal desiderato, imprescindível se torna o assentimento por banda do credor da obrigação.
VII.
Pois bem, no âmbito tributário a questão passa-se da mesma forma, não se pode, contudo, ignorar, o amplo poder discricionário ao dispor da administração fiscal apenas balizado pelo princípio da legalidade e pelo princípio da prossecução do interesse público – arrecadação de receita.
VIII.
Nesta parte, a douta sentença limita-se a referir que “Com efeito, a dação em pagamento de um imóvel não concretiza desde logo e “a se” qualquer interesse da Administração. Esta, nesta matéria, goza, necessariamente, de uma margem de livre apreciação quanto ao interesse em receber o imóvel (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, processo n.º 0842/07, publicado em www.dgsi.pt).
IX.
É certo que, a margem de livre apreciação ao dispor da administração fiscal, não será pois, uma margem absolutamente discricionária, porquanto, ela encontra-se balizada pela obediência ao princípio da legalidade e pelo princípio da prossecução do interesse público.
X.
Ora, no caso em apreço, essa discricionariedade é ainda mais patente da medida em que, o que fundamenta a decisão não é uma análise pormenorizada e casuística, antes sim, a aplicação do chavão utilizado pela administração fiscal em situações de idêntica natureza, não podendo, tal comportamento merecer o respaldo que lhe é dado pela decisão em mérito.
XI.
Não será, pois, despiciendo referir, ainda quanto à matéria da amplitude da apreciação do bem dado em dação, que não raras vezes, o imóvel que a administração repudia em sede de dação em pagamento é o mesmíssimo que penhora em sede de execução fiscal.
XII.
É o mesmíssimo imóvel que, uma vez penhorado e realizada a venda, o valor do mesmo é mais do que suficiente para fazer extinguir a obrigação tributária.
XIII.
Daí que, mal se compreenda a resistência a este instituto por parte da administração fiscal e, muito menos se compreenda a amplitude dada na apreciação deste instituto.
XIV.
É manifesto que a sentença em mérito, concedendo nesta parte razão à Fazenda Pública enferma a douta decisão de erro de julgamento – mostrando-se violada o princípio a discricionariedade por violação dos limites que impõe tal atuação.

De igual modo, a douta decisão em mérito viola o princípio da prossecução do interesse público.
XV.
Na verdade, toda a atuação da administração deverá ser voltada para a prossecução do interesse público que, neste caso concreto, passa pela arrecadação de receita fiscal.
XVI.
Nos autos de execução fiscal, objeto da presente lide, constatamos que os mesmos foram instaurados no ano de 2017.
XVII.
É certo que, o prazo de prescrição geral (8 anos) ainda se encontra longe.
XVIII.
No entanto, é manifesto que as dívidas que os integram continuam por saldar e, assim, certamente irão permanecer, fruto das contingências da pandemia COVID 19 e, subsequente, crise económica que a mesma trouxe consigo.
XIX.
Estamos a falar de uma dívida de uma ordem de grandeza superior a 200.000,00 €.
XX.
Os imóveis dados, só por si, atenta a sua valia, eram bens de enorme interesse que permitiriam à administração fiscal almejar com maior celeridade e eficácia o interesse público.
XXI.
O princípio da prossecução do interesse público é um princípio que não apenas deverá servir de farol da atuação da administração fiscal como, igualmente, deverá servir de estribo a essa mesma ação.
XXII.
Pois bem, no caso dos autos é patente que a atuação da administração se encontra totalmente alheada da prossecução do interesse público, violando tal princípio de atuação.
XXIII.
De igual modo, o Tribunal a quo, a julgar da decisão em mérito não se ter por verificada a violação do referido princípio, incorreu igualmente em erro de julgamento, impondo-se nesta parte, a revogação da douta sentença a qual, deve ser substituída por outra que, pelo menos nesta parte, reconheça a existência da violação do princípio de prossecução do interesse público.
XXIV.
Na interposição da reclamação dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal, a qual esteve na génese da decisão sob escrutínio, foram suscitadas pela aqui Recorrente questões que se prendem com o princípio da igualdade e a sua violação.
XXV.
Para tanto, foram invocados casos concretos, de conhecimento generalizado de situação em que o comportamento da administração fiscal é no sentido de aceitação dos pedidos de dação formulados, onde, é caso paradigmático, o famigerado totonegócio.
XXVI.
A este respeito, a douta decisão postula que “Quanto à violação do princípio da igualdade, a Reclamante articulou meras conclusões, extremamente vagas, das quais não emergem factos que possam fundamentar o por si alegado nessa parte (v.g. artigo 32.º e 33.º da petição inicial).”
XXVII.
Com tal entendimento não se pode conformar a Recorrente, porquanto, pela mesma são apontados casos concretos, do conhecimento geral.
XXVIII.
Daí que, mal se compreende a afirmação de aqui Recorrente, em sede de reclamação – deixou articuladas conclusões extremamente vagas.
XXIX.
Pois relativamente a essa matéria, é manifesto que se encontram concretamente indicadas todas as situações em que se escora a alegação da Recorrente, enquanto situações de potencial violação do princípio da igualdade.
XXX.
Situações que, devidamente apreciadas deveriam conduzir o Tribunal a quo no sentido de julgar por verificada a existência de uma ostensiva violação de tal princípio.
XXXI.
Limitando-se a douta decisão a referir não ter sido concretizada a sua alegação, é notório que a mesma se coibiu de apreciar aquilo que havia sido suscitado pela Recorrente, mostrando-se nesta parte nula a sentença decorrente do vício de omissão de pronúncia nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC.
XXXII.
Em suma, decidindo como decidiu o Tribunal a quo, violou o disposto no arts. 40.º, n.º 4 da LGT, 87.º, 201.º do CPPT, o direito á liberdade e igualdade entre todos os cidadãos, previsto na al. h) do art.9.º, art.13.º e art. 27.º da CRP, e ainda o artigo 20.º da CRP.
XXXIII.
A decisão em mérito é ainda nula por não ter conhecido matéria suscitada pela Recorrente na reclamação dos atos do órgão de execução fiscal por si apresentado, em violação do artigo 615.º, nº 1, alínea d) do CPC.
TERMOS EM QUE,
Concedendo provimento ao recurso e revogando a douta sentença impugnada, farão Vossas Excelências a habitual,
JUSTIÇA!!!»
*
A recorrida, Fazenda Pública (ATA), não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se do seguinte modo: «(…) O artigo 40.º, n.º 2 da LGT, prevê que “2 – A dação em cumprimento e a compensação são admitidas nos casos expressamente previstos na lei”
Por sua vez, o artigo 201.º do CPPT, que tem por título – Dação em pagamento, requisitos – estipula que “1 – Nos processos de execução fiscal o executado ou terceiro podem, no prazo da oposição, requerer ao ministro ou órgão executivo de quem dependa a administração tributária legalmente competente para a liquidação e cobrança da dívida a extinção da dívida exequenda e acrescido, com a dação em pagamento de bens móveis ou imóveis, nas seguintes condições.” (nosso sublinhado)
Por outro lado, o artigo 203.º, n.º 1 do CPPT, estipula que “1 – A oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias:
a) Da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora;
b) Da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado.”
O artigo 837.º do Código Civil, referente à dação em cumprimento, prescreve que, “A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento.”
Ora, de acordo com o que consta dos autos e é aceite por todos, o pedido de dação em cumprimento apresentado pela reclamante/Recorrente foi apresentado no órgão de execução fiscal posteriormente ao decurso daquele prazo de 30 dias e, por isso, foi considerado intempestivo.
Pretende a Reclamante/Recorrente que, a dação em cumprimento deve poder ser apresentada até à marcação da data da venda, como acontece com o pagamento em prestações – artigo 196.º, n.º 1 do CPPT, ou mesmo, a todo o tempo, como acontece com o pagamento voluntário, nos termos dos artigos 264.º e segs, do CPPT, pois o que está em causa é a extinção da obrigação fiscal.
Só que estes institutos são diferentes da dação em pagamento, e daí, que, não possam nem devam ser tratados da mesma forma.
Na verdade, tanto na situação do pagamento em prestações, como na situação do pagamento voluntário, a administração tributária dá cumprimento ao princípio da prossecução do interesse público na arrecadação de receita fiscal, pois em ambos os casos o que é dado em pagamento, é a prestação normal e usual, ou seja, a prestação pecuniária.
Já no caso da dação em pagamento, pela sua própria natureza, é uma prestação de coisa diversa e, daí que, se preveja, como acontece no artigo 837.º do Código Civil, que o credor dê o seu assentimento.
A dação em cumprimento (ou em pagamento) consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação, o que aconteceria, no caso dos autos, se a administração fiscal desse o seu assentimento à entrega dos quatro imóveis por parte da Reclamante, como dação em pagamento, ou seja, a dívida fiscal da reclamante extinguir-se-ia de imediato, e levaria ao arquivamento dos processos de execução fiscal que corriam contra a reclamante.
No entanto, a entrega dos quatro imóveis por parte da reclamante, não pressuporia a entrada imediata nos cofres do Estado, do correspondente valor em dinheiro, equivalente à obrigação fiscal, ou dito de outa maneira, à prestação pecuniária em dívida para com o Estado, já que tal só se conseguiria com a sua venda.
Diz a reclamante que o Estado, ou a AT, quando penhora bens imóveis também procede à sua venda, e seria até o que poderia acontecer no caso dos autos se não for, ou fosse aceite a sua entrega como dação em pagamento.
Só que não é a mesma coisa. É que, na dação em pagamento, atento o valor patrimonial dos imóveis apresentados, a sua entrega, como dação em pagamento, extinguiria imediatamente a obrigação – art.º 837.º do CC – enquanto que a penhora e consequente venda desses mesmos bens imóveis, pode não extinguir a obrigação, se o valor conseguido com a venda não for suficiente para pagar a dívida fiscal e acrescido.
Ora, tal poderia vir a acontecer, pois não será por acaso que a AT, não aceitou a entrega desses quatro imóveis identificados, como dação em pagamento.
Veja-se que, um dos fundamentos invocados pela AT para não aceitar os bens imóveis como dação em pagamento, foi de que “- o estado não dispõe de qualquer estrutura que, em concorrência com o sector privado, se dedique com carácter geral à comercialização de bens imóveis, não sendo, pois suficiente a mera eventualidade daquele obter rendimentos com a posterior revenda dos bens imóveis dado em pagamento.”
Tal invocação tem, a nosso ver, fundamentos válidos, não constituindo um mero chavão, como pretende a Reclamante, principalmente neste período concreto, já que a sua aceitação como dação em cumprimento, e consequente extinção da dívida fiscal, e a sua posterior venda, não garantiria o pagamento integral dessa dívida que, como resulta dos autos, é bastante grande.
E, não se diga que tal afirmação, não passa duma mera alegação sem correspondência com a realidade.
Na verdade, a proposta de entrega dos imóveis, por parte da Reclamante, para em dação em pagamento, levar, como consequência imediata à extinção da dívida fiscal, pressupõe, a nosso ver e com o devido respeito, que a própria reclamante estará convencida que a venda desses bens imóveis não garantirá o encaixe equivalente à sua dívida e acrescido, que tem para com a AT, pois, de contrário, ela própria - empresa especializada na venda de bens imóveis – procederia à sua venda e pagaria de seguida, a sua dívida fiscal.
Veja-se que, a reclamante, que tem como escopo comercial, a compra e venda de bens imóveis, ou seja, empresa especializada no ramo e com estrutura e preparação para efetivar esse e outros negócios idênticos, declinou tal hipótese e propôs a sua entrega como dação em pagamento.
E ainda que se diga, que poderia não ser fácil vender quatro imóveis de uma só vez, nada impedia a reclamante de lançar mão do pedido de pagamento da dívida fiscal em prestações como previsto no artigo 196.º do CPPT.
Ora, se não o fez, sendo ela uma empresa especializada do ramo, para além de não poder dizer que a alegação invocada pela AT para não aceitar a dação em pagamento por ela proposta, é um mero chavão, é a aceitação de que não é liquido que a venda desses bens imóveis seja conseguida pelo seu valor patrimonial e, sendo assim, a aceitação da sua entrega como dação em pagamento, não corresponderia, ou daria cumprimento ao princípio da prossecução do interesse público, e, dessa forma, a não aceitação dos quatro imóveis como dação em pagamento por parte da AT, não só não viola os princípios da igualdade e da prossecução do interesse público, como ao invés, assegura a realização de tais princípios, pois trata diferente o que é diferente e assegura a arrecadação fiscal.
Nem se diga, que a mera invocação de uma situação passada e que ficou conhecida como o “Totonegócio”, poderá levar a dizer-se que a AT tem dois pesos e duas medidas, tratando os contribuintes de forma diferente, violando, nessa medida, o princípio da igualdade e mesmo o princípio da prossecução do interesse público.
Na verdade, para quem se lembra do que esteve em causa nessa situação, que ficou conhecida dessa forma, foi nem mais nem menos, que a aceitação, como dação em pagamento de dívidas fiscais, que vários clubes de Futebol tinham para com o Estado, dos direitos (receitas do totobola) que esses mesmos clubes teriam a receber no futuro da Santa Casa da Misericórdia, em virtude das apostas desportivas.
Nesse caso, a AT, terá analisado a proposta e situação concretas e, a nosso ver bem, concluiu que, a melhor forma de receber os montantes em dívida por parte desses clubes de futebol, era aceitar essa proposta de dação em pagamento, já que os clubes, apenas tinham como ativos os passes dos jogadores, alguns, e outros, para além desses, os estádios de futebol onde jogavam.
Ora, é por demais evidente, que o Estado não saberia gerir passes de jogadores e muito menos lhe interessaria penhorar para venda, os estádios de futebol, pois a sua compra não teria interessados senão os clubes que lá jogavam e, esses não tinham capacidade económico-financeira para a sua compra.
Assim, o princípio da igualdade, pressupõe um tratamento igual para aquilo que é igual e um tratamento desigual para aquilo que é diferente, teve aplicação concreta nesse caso.
Desse modo, não só não se verifica a violação do princípio da igualdade por parte da AT, como, a aceitar-se a proposta da Reclamante, de dação em pagamento, nos termos por ela defendidos, é que se estaria a promover a desigualdade, já que pretendia um tratamento igual a institutos de diferente natureza, como são o pagamento em prestações ou o pagamento voluntário.
Ora, como se viu, a invocação na sentença de que a recorrente articulara meras conclusões, quanto à violação do princípio da igualdade, tem fundamento válido, já que nada adiantara de concreto e, nessa medida não houve omissão de pronúncia.
Não se mostrando que a sentença tenha violado qualquer princípio, nem tenha incorrido em qualquer erro de julgamento ou nulidade, deve a mesma ser mantida, indeferindo-se o recurso apresentado pela reclamante.»
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Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, [art. 36º, nº2 do CPTA e 657º, n.º4 do CPC] foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que as questões suscitadas se prendem, sobretudo, em saber se a sentença fez um errado julgamento, por errada interpretação e aplicação da prossecução do interesse público, legalidade e violação do princípio da igualdade e, se incorreu a sentença em nulidade por omissão de pronúncia.
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3. FUNDAMENTOS
3.1. FACTOS

Consta da decisão recorrida os seguintes factos provados:

«1) Contra “L., Lda.”, com o NIPC (…), ora Reclamante, foram instaurados, pelo Serviço de Finanças do Porto – 3, os seguintes processos de execução fiscal:

(Tabela na sentença original)

– cf. documento registado no SITAF com o n.º 007390578, especificamente págs. 9 a 23, do PDF.
2) A citação foi efectuada no PEF n.º 3182201701035983, em 02/04/2017; no PEF n.º 3182201701105868, em 30/06/2017, no PEF n.º 3182201701147650, em 29/09/2017, e no PEF n.º 3182201701213415, em 16/12/201718 – cf. documentos n.ºs 13 a 19 juntos com a resposta e documentos n.ºs 1 a 4 junto com o requerimento registado no SITAF com o n.º 007599239.
3) Em 26.06.2019, a Reclamante apresentou, um requerimento junto do Serviço de Finanças (SF) do Porto 2, mediante o qual requereu, através da dação em pagamento de quatro imóveis, sitos nos concelhos de Oliveira do Bairro, Porto, Viana do Castelo e Sintra, a extinção dos processos de execução fiscal (PEF) n.ºs 31201701035983, 3182201701105868, 3182201701147650 e 3182201701213415 – cf. documento registado no SITAF com o n.º 007390578, especificamente páginas 6 a 8, do PDF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) No que respeita aos imóveis em causa no requerimento referido no ponto anterior do sistema informático da Administração Tributária constam as seguintes informações:
(Tabelas na sentença original)

– cf. documentos n.ºs 5 a 8 juntos com a resposta da Administração Tributária.
5) Em 20.09.2019, foi proferido um despacho, pela Exma. Sra. Subdirectora-geral da Área da Justiça Tributária, no uso de subdelegação de poderes (despacho n.º 801/2018, de 7 de Dezembro de 2017, publicado no D.R., 2.ª série, de 12 Janeiro de 2018), que indeferiu o pedido de dação em pagamento apresentado para extinção da dívida executiva pela Reclamante, com os seguintes fundamentos:
“- O pedido é intempestivo encontrando-se esgotado o prazo de oposição.
- o estado não dispõe de qualquer estrutura que, em concorrência com o sector privado, se dedique com carácter geral à comercialização de bens imóveis, não sendo, pois suficiente a mera eventualidade daquele obter rendimentos com a posterior revenda dos bens imóveis dado em pagamento,
- o facto de estar tipificada na lei a dação em pagamento, não obriga a autoridade Tributária a aceitar os bens que os devedores entendem dar em pagamento para extinguir as dívidas” – cf. fls. documento registado no SITAF com o n.º 007390578, especificamente págs. 1 a 5, do PDF.
6) Em 23.12.2019, a decisão referida no ponto anterior foi notificada à Reclamante, pelo ofício n.º 2019S000294225, datado de 20/12/2019, do Serviço de Finanças do Porto 2 – cf. fls. documento registado no SITAF com o n.º 007390578, especificamente págs. 1 a 5 do PDF.
7) Em 06.01.2020, a Reclamante deduziu a presente reclamação – cf. fls. Documento registado no SITAF com o n.º 007390579, especificamente pág. 3 do PDF.
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IV. 2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
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IV. 3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais, dada a sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.»
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4. Apreciação jurídica do Recurso.

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise do recurso, saber se a sentença fez um errado julgamento, antes, porém, indagar se a sentença incorreu em vicío de omissão de pronúncia, pois, ao contrário do que se sentenciou a Recorrente apontou casos concretos de conhecimento generalizado, em que a AT aceitou os pedidos de dação em cumprimento, no caso do totonegócio, concretizando, assim, a violação do princípio da igualdade.

Apreciando a nulidade por omissão de pronúncia
4.1.A sentença pronunciou-se sobre a reclamação que se estruturou em dois vetores, por um lado, a análise do regime jurídico da dação em pagamento; por outro lado, em face da conclusão a que chega de confirmação do ato reclamado, sanciona quanto à violação do princípio da igualdade a Reclamante articulou meras conclusões, extremamente vagas, das quais não emergem factos que possam fundamentar o por si alegado nessa parte.

Não há claramente qualquer nulidade de omissão de pronúncia, como se intui do excerto da sentença.

É consabido que a falta de pronúncia dá-se quando, incumbindo ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio [tendo em consideração o pedido e causa de pedir e eventuais exceções invocadas], não o faz.
Ora, a sentença pronunciou-se sobre a questão de violação do princípio da igualdade. A questão que se impõe é saber se há erro de julgamento dada a fundamentação acionada para afastar este argumento da reclamante, o que se fará, de seguida, na apreciação do erro de julgamento imputado à sentença.

4.2. Vejamos o erro de julgamento no que concerne à violação da discricionariedade na apreciação do pedido, violação da prossecução do interesse público e, violação do princípio da igualdade.

A recorrente reitera nas suas conclusões que: É manifesto que a sentença violou o princípio da discricionariedade por violação dos limites que impõe tal atuação.
De igual modo, a douta decisão em mérito viola o princípio da prossecução do interesse público.
Estamos a falar de uma dívida de uma ordem de grandeza superior a 200.000,00 €.
Os imóveis dados, só por si, atenta a sua valia, eram bens de enorme interesse que permitiriam à administração fiscal almejar com maior celeridade e eficácia o interesse público; no caso dos autos é patente que a atuação da administração se encontra totalmente alheada da prossecução do interesse público, violando tal princípio de atuação.
Referir, ainda quanto à matéria da amplitude da apreciação do bem dado em dação, que não raras vezes, o imóvel que a administração repudia em sede de dação em pagamento é o mesmíssimo que penhora em sede de execução fiscal.
A sentença, incorreu igualmente em erro de julgamento, impondo-se nesta parte, a revogação da douta sentença a qual, deve ser substituída por outra que, pelo menos nesta parte, reconheça a existência da violação do princípio de prossecução do interesse público.
O que fundamenta a decisão reclamada não é uma análise pormenorizada e casuística, antes sim, a aplicação do chavão utilizado pela administração fiscal em situações de idêntica natureza, não podendo, tal comportamento merecer o respaldo que lhe é dado pela decisão em mérito.

Na interposição da reclamação dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal, a qual esteve na génese da decisão sob escrutínio, foram suscitadas, pela aqui Recorrente, questões que se prendem com o princípio da igualdade e a sua violação:
foram invocados casos concretos, de conhecimento generalizado de situação em que o comportamento da administração fiscal é no sentido de aceitação dos pedidos de dação formulados, onde, é caso paradigmático, o famigerado totonegócio.

Se bem entendemos a recorrente, esta discorda da sentença porque, por um lado, ao ter sancionado o entendimento de, não obstante a lei prever esta forma de extinção da dívida, a AT não estar obrigada a aceitar a dação em pagamento, não mostrando interesse em receber imóveis para pagar dívidas em face da falta de apetência para negociar no âmbito imobiliário, gozando de alguma discricionariedade na avaliação da situação.
Ora,
No que respeita a este fundamento preconiza a recorrente que estando a AT balizada pela obediência ao princípio da legalidade e pelo princípio da prossecução do interesse público, olvidou o tribunal que os imóveis que se dão em pagamento são aqueles que serão penhorados na execução fiscal com vista ao pagamento da dívida, não se compreendendo assim a resistência da AT a este instituto.

No que respeita a esta questão não há paralelismo entre a dação em pagamento e a penhora, que é um ato coativo de cobrança da dívida, que não raras vezes, em face das próprias vicissitudes da venda, não permite pagar a totalidade da dívida exequenda, tendo o processo de execução fiscal o seu meio para a processar.
A dação em pagamento, sendo a realização de uma prestação diferente da que é devida (dinheiro), com o fim de extinguir imediatamente a obrigação, implica naturalmente que o credor receba algo diferente, neste caso, imóveis que ficarão na sua propriedade, em substituição do valor pecuniário em dívida.
A lei determina que o credor aceite a dação, ou seja, o devedor só fica exonerado da dívida com o assentimento do credor.
Ficando o credor com um bem diferente, imóveis, é natural que não esteja interessado, posto que o Estado, dono de um vasto património imobiliário, atendendo às necessidades financeiras para satisfazer o seus objetivos económico-sociais necessita em primeira linha de liquidez para fazer face às suas obrigações decorrentes da Constituição e da Lei.
Claramente resulta do art. 201.º do CPPT que tem de haver interesse público na aceitação da dação em pagamento.
A AT, embora de forma pouco densificada, afasta a dação em pagamento com imóveis, ainda que de valor superior à dívida, porque não está vocacionada para administrar imóveis, não tem estruturas funcionais para atuar no mercado livre imobiliário.
Ora, não se pode dizer que esta não é uma razão atendível e plausível, conhecendo, como conhecemos, a dificuldade de atuação do Estado no mercado livre, bastando esta razão para não aceitar a dação em pagamento. Não se mostra violado o princípio da prossecução do interesse público, pois, que no caso concreto, seria a Recorrente que teria de demonstrar que tais imóveis permitiriam, com facilidade, satisfazer a arrecadação de receita ou então estariam aptos, de forma imediata, à satisfação das obrigações do Estado de cariz económico-social.
Por outro lado, entende a recorrente que a sentença errou no campo da consideração da violação do princípio da igualdade na medida em que concretizou com situações do conhecimento público, como é o caso do totonegócio em que a AT aceitou dação em pagamento com o recebimento de imóveis.
Contudo, entendemos que a recorrente não tem razão. Não basta alegar de forma genérica uma situação que foi amplamente divulgada na imprensa, nesse sentido do domínio público, quanto à dação em pagamento, pois que se desconhece em concreto os contornos desse negócio ou, melhor dizendo, as concretas condições em que foram assentidas pelo Estado as dações em pagamento.
Neste contexto, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento pelo que terá de manter-se.
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5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Notifique-se.
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Porto, 29 de Abril de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis