Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01200/22.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS;
FALTA DE INTERESSE EM AGIR;
AUTO TUTELA DECLARATIVA E EXECUTIVA;
Sumário:
1 - Os Tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas já não em matéria de despejo e/ou cobrança de rendas não pagas, por estar essa competência atribuída aos órgãos administrativos.

2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no artigo 2.º, n.º 1.

3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um orgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob auto tutela declarativa e executiva.

4 - O regime legal estabelecido pelo legislador não se reveste de uma mera faculdade a que o Autor ora Recorrente pode ou não recorrer, pois que atento o princípio da juridicidade, está vinculado por um especial dever de prosseguir na estrita observância da legalidade procedimental disposta pelo legislador, em ordem ao cabal exercício das suas competências, para o que não podem relevar razões de oportunidade ou meramente discricionárias.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA, IP, [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra «AA» [também devidamente identificado nos autos], na qual foi requerido, a título principal, o decretamento da cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas no valor de €2.079,82 e vincendas, acrescida dos respetivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e entrega efetiva do bem imóvel, e subsidiariamente, caso o Réu até ao fim do prazo para a contestação venha a pagar o depósito liberatório nos termos do artigo 1041º do Cód. Civil acrescido da indemnização de 30%, mas só relativamente às últimas 12 rendas, fazendo assim caducar o direito de resolução por falta de pagamento das rendas nos termos do artigo 1048º do Cód. Civil, deve ainda ser o Réu não só condenado no pagamento das rendas em atraso, mas também em 30% do valor em dívida, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada procedente a excepção dilatória atinente à falta de interesse em agir, e o Réu absolvido da instância, veio interpor recurso de Apelação.



*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
A) Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja actual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo;
B) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do art.2º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Directivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa;
C) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma
entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da
ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as
entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).
D) Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 d e19 de dezembro foram
revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.
E) A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.
F) O artigo 17º nº 3 daquela Lei atribui competência exclusiva aos Tribunais Administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, sendo peticionado pelo Autor que seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado com a Ré.
G) O próprio Código Civil, aplicável pela remissão do artigo 17º nº 1 daquela Lei, no nº 1 do artigo 1048º do Código Civil expressamente prevê o direito ao recurso à acção judicial para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, sem prejuízo do artigo 1084º nº 2 do Código Civil, permitir que a resolução pelo senhorio do contrato de arrendamento quando fundada na falta de pagamento de rendas se efectue por comunicação à contraparte.
H) Mas é jurisprudência pacífica no domínio dos Tribunais Judiciais, que a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento por comunicação por parte do senhorio não inviabiliza o recurso a acção judicial com o mesmo fim, sendo legítima a opção por qualquer uma das vias.
I) A relevância do Direito à Habitação não se coaduna com um despejo administrativo, carece de apreciação judicial, sendo ainda mais premente a sua necessidade quando se trata de habitação dos agregados familiares mais desfavorecidos.
J) Sem prejuízo do que se expôs, os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa;
K) Na verdade, a Lei nº 81/2014 de 19/12, salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.
L) Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.
M) Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de acção do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.
N) A interpretação das normas previstas nos artigos 25º a 28º do referido diploma, no
sentido de impedir o acesso o recurso aos Tribunais, permitindo-o apenas nos casos em que o arrendatário impugne a cessação do contrato de arrendamento terá que ser
entendida como inconstitucional.
O) Em face do supra exposto, impõe-se concluir pela verificação do pressuposto processual de interesse em agir por parte do aqui Autor, porquanto se mostra necessária a tutela jurisdicional solicitada nos presentes autos, sob pena de violação do disposto nos artigos 17º, 28º, 28ºA da Lei nº 81/2014 de 19/12 na redação dada pela Lei nº 32/2016 de 24/08, do artigo 1048º nº 1 do Código Civil.
P) Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido nos artigos 20º e 268º nº 4 da C.R.P.
Q) Por último refere-se que a douta Jurisprudência citada na sentença recorrida, com o devido respeito que é muitíssimo não tem aqui aplicação, quer porque o Autor/recorrente tem natureza jurídica diferente do ora Autor, quer porque ali é aplicável regulamento que aqui também não tem aplicação quer ainda porque apenas se discutia a autotutela quanto ao pagamento de rendas em dívida e já não o recurso a Tribunal para decretar a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo.
Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ordenando-se o prosseguimento da ação instaurada para apreciação do pedido de cessação do contrato de arrendamento, decretando a resolução do contrato de arrendamento e pagamento da dívida.
[…].”

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O Recorrido não apresentou Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência, do que foi notificado o Recorrente, quanto ao que o mesmo nada alegou e/ou requereu.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece erro de julgamento em matéria de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade ponderada pelo Tribunal recorrido foi considerada a seguinte alegação:

“[…]
De forma resumida, o IHRU-Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, com sede em Lisboa, doravante Autor (A.), na qualidade de instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, e proprietário do imóvel que arrendou a «AA», doravante Réu (R.), arrendamento agora sujeito ao Novo Regime do Arrendamento Apoiado, previsto na Lei n.º 81/2014, de 19/12, vem alegar a falta de pagamento de rendas e, com base em tal fundamento, pede ao Tribunal a condenação do Impetrado no pagamento da quantia global de €2.079,82, a título da dívida por rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, pedindo também a condenação no pagamento pelas rendas vincendas.
O A. pede ainda que o Tribunal decrete a cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens.
[…]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que tendo apreciado a pretensão deduzida pelo Autor contra o Réu «AA», no sentido do decretamento da cessação do contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas no valor de €2.079,82 e vincendas, acrescida dos respetivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e entrega efetiva do bem imóvel, veio a julgar procedente a excepção dilatória atinente à falta de interesse em agir, tendo o Réu sido absolvido da instância.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.


Aqui chegados.

Conforme deflui da Sentença recorrida, e com reporte à causa de pedir imanente à Petição inicial, o Tribunal a quo julgou que por dispor o Autor de meios de autotutela, que carecia de interesse em agir para efeitos do pedido formulado nos autos, tendo absolvido o Réu da instância.

Nesse conspecto, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, que “… o A. não tem interesse em agir, ou seja, não tem necessidade de recorrer aos Tribunais para satisfazer o conjunto das suas pretensões materiais condenatórias nesta concreta matéria do arrendamento apoiado, pois que, tem ao seu dispor os meios próprios de autotutela declarativa e executiva, que são inerentes ao seu estatuto legal e aos poderes-deveres (competências legais), sendo evidente que não os pode renunciar e os deve exercer por si próprio.[…]”

Ora, foi com apoio nos normativos por si convocados, que o Tribunal a quo julgou de início pela desnecessidade em ouvir o Autor tendo em vista a apreciação e decisão da ocorrência da excepção dilatória por si identificada [que caracterizou como sendo atinente à irrenunciabilidade das competências do Autor e a desjudicialização dos litígios e cobranças inerentes a assuntos de arrendamento], tendo vindo depois a conexionar essa questão com recente jurisprudência tirada pelo STA.

Efectivamente, o Tribunal a quo referiu que o STA tinha tomado um recente posicionamento em acção em que era visada idêntica matéria à que estava sob sindicância, e que em seu entender esclarecia cabalmente a matéria integrativa de excepção em apreço, e que tinha sido proferida sob o Processo n.º 01243/21.8BEPRT, o Acórdão datado de 19 de outubro de 2023, tendo motivado no sentido de que acompanhava a fundamentação nela vertida.

Vejamos então.

A questão em apreço nos autos não é nova, tendo já sido debatida em vários Acórdãos e recentes, designadamente por parte deste TCA Norte [Cfr., entre outros, o datado de 08 de abril de 2022, proferido no Processo n.º 2504/19.2BEPRT, o datado de 15 de julho de 2022, proferido no Processo n.º 02836/18.7BEPRT, o datado de 14 de outubro 2022, proferido no Processo n.º 01216/19.1BEPRT, o datado de 11 de novembro de 2022, proferido no Processo n.º 00906/19.3BEPRT, o datado de 25 de novembro de 2022, proferido no Processo n.º 02505/19.0BEPRT, o datado de 10 de março de 2023, proferido no Processo n.º 886/22.8BEBRG, e o datado de 30 de novembro de 2023, proferido no Processo n.º 402/22.1BEPRT].

Aquele referido Acórdão do STA em que se amparou o Tribunal a quo, teve na sua génese o Acórdão deste TCA Norte, datado de 23 de junho de 2022, pelo qual havia sido confirmada a Sentença aí recorrida, do que foi interposto recurso de Revista [para o STA], que em formação constituída para efeitos de apreciação preliminar sumária, decidiu por seu Acórdão datado de 15 de dezembro de 2022, pela admissão desse recurso.

Nesse Processo, a 1.ª instância tinha decidido e esta 2.ª instância de recurso tinha confirmado a decisão de indeferimento liminar da Petição inicial apresentada pela aí Autora [que sendo uma Empresa Municipal, em nada altera o que se aprecia nos autos, em que é demandante um Instituto Público], com a consequente absolvição do aí Réu da instância, com fundamento na falta do pressuposto processual atinente ao interesse em agir, e tanto em suma, assente no julgamento de que a demandante não tinha necessidade de intentar uma acção nos Tribunais administrativos, em busca de tutela jurisdicional efectiva, por dispor de um mecanismo de auto tutela declarativa e executiva, previsto na Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro e no artigo 179.º do CPA, por lhe ser permitido declarar o seu direito a receber rendas, e na falta de cumprimento voluntário, o direito de proceder à sua cobrança coerciva, cuja linha jurisprudencial mantemos, e aqui renovamos sem reservas [com as adaptações que mostrem necessárias, designadamente em sede da matéria de facto], e cuja fundamentação também ora aqui se dá por enunciada tendo em vista alcançar uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil].



Encerrando o âmbito da pretensão recursiva do ora Recorrente IHRU, IP, uma base que é comum aqueles referidos Acórdãos deste TCA Norte, e sendo de salientar ainda aquele recente Acórdão proferido pelo STA no Processo n.º 02143/21.8BEPRT, não pode proceder a pretensão recursiva do Recorrente, pois que o regime legal estabelecido pelo legislador não se reveste de uma mera faculdade a que o Autor ora Recorrente pode ou não recorrer, pois que atento o princípio da juridicidade, está vinculado por um especial dever de prosseguir na estrita observância da legalidade procedimental disposta pelo legislador, em ordem ao cabal exercício das suas competências, para o que não podem relevar razões de oportunidade ou meramente discricionárias.

Com efeito, com a entrada em vigor da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, foi aprovado o novo regime do arrendamento apoiado para habitação social, e revogado o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de maio [Cfr. o seu artigo 38.º, n.º 1, alínea a)], tendo passado a prever-se que o mesmo se aplica aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor [Cfr. artigo 39.º n.º 1], mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor [Cfr. artigo 39.º n.º 2 alínea a)], e bem assim, à ocupação de fogos a título precário efectuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei [Cfr. artigo 39.º n.º 2 alínea b)].

Na situação a que se reportam os autos, estando em apreço uma relação jurídica de arrendamento social, sujeita ao regime do arrendamento apoiado para habitação, constante da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que revogou o Decreto-Lei n.º 166/93, de 07 de Maio, e prevendo-se no seu artigo 28.º, n.ºs 1 e 3 daquele diploma legal, que quando não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe à entidade levar a cabo os procedimentos subsequentes, e bem assim que quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, tal é determinante do nosso julgamento de que bem decidiu o Tribunal a quo pela Sentença recorrida.


Cabendo às entidades que detêm habitações em regime de arrendamento apoiado, o que é o caso do Autor, o direito de proceder ao despejo, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação [Cfr. n.º 1]; e promover a execução das rendas, encargos ou despesas em dívida [Cfr. n.º 2], não há como obliterar, e assim desconsiderar que as mesmas dispõem de poderes de autotutela declarativa e executiva para prosseguir na execução tanto do despejo do arrendatário como do valor devido pelo mesmo a título de rendas, encargos ou despesas não pagas, e desta feita, que não carecem de tutela judicial para esse efeito.

Aqui renovando a linha jurisprudencial acima enunciada, julgando que por dispor o Autor de meios legais de autotutela [declarativa e executiva] para a necessária e devida actuação visando os contratos de arrendamento por si outorgados [Cfr. artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto], e deles [meios] não tendo deitado mão, ocorre assim a sua falta de interesse em agir, por não ser indispensável o recurso à acção judicial para a salvaguarda dos seus direitos e interesses [do Autor], ou seja, por não carecer o Autor de tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigo 2.º do CPTA].

Termos em que, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de improceder na sua totalidade, por ter o Tribunal a quo julgado com acerto em torno da constatada falta de interesse em agir do Autor ora Recorrente, não padecendo a Sentença recorrente dos erros de julgamento que lhe vêm por si apontados, designadamente a preterição do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça a que se reporta o artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, tendo a solução jurídica a que chegou o Tribunal a quo que manter-se, por não ser merecedora da censura jurídica que lhe dirige o Recorrente.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:


Descritores: Falta de pagamento de rendas; Falta de interesse em agir; Auto tutela declarativa e executiva.

1 - Os Tribunais administrativos são competentes para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento de renda apoiada, mas já não em matéria de despejo e/ou cobrança de rendas não pagas, por estar essa competência atribuída aos órgãos administrativos.

2 – No que é atinente ao despejo dos inquilinos, dispõe o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao senhorio levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no artigo 2.º, n.º 1.

3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que significa que é conferida competência legal a um orgão administrativo para determinar, não apenas o despejo, mas a sua execução, e neste conspecto, o poder de decidir o despejo e de o executar, sob auto tutela declarativa e executiva.

4 - O regime legal estabelecido pelo legislador não se reveste de uma mera faculdade a que o Autor ora Recorrente pode ou não recorrer, pois que atento o princípio da juridicidade, está vinculado por um especial dever de prosseguir na estrita observância da legalidade procedimental disposta pelo legislador, em ordem ao cabal exercício das suas competências, para o que não podem relevar razões de oportunidade ou meramente discricionárias.




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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, confirmando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 16 de fevereiro de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Celestina Caeiro Castanheira, em substituição
Luís Migueis Garcia