Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02043/20.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC; PAGAMENTO; PRESCRIÇÃO;
PRESSUPOSTOS PARA DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
PREJUÍZO DECORRENTE DA NÃO DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
Sumário:
I – A decisão de dispensa de prestação de garantia apenas tem que ser antecedida de um requerimento do interessado, embora o OEF deva tomar em conta a situação do requerente à data da decisão.

II - O dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no nº 2 do artigo 56º da Lei Geral Tributária.

III - Se a citação do responsável subsidiário pela dívida exequenda ocorrer para além do 5º ano posterior ao ano da liquidação, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto a ele, nos termos do nº 3 do artigo 48º da LGT.

IV - No entanto, se a citação do responsável subsidiário pela dívida exequenda tiver ocorrido para além do 5º ano posterior ao da liquidação, mas antes de transcorrido o prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele.

V - A prescrição das obrigações tributárias é uma das garantias do contribuinte e não um facto tributário ou um imposto, pelo que, desde logo, não cabe na previsão do artigo 103º, nº 3, da nossa Lei Fundamental

VI - A prova do pagamento de contribuições ou impostos apenas se pode efetuar através da exibição do documento comprovativo ou por um título de anulação, não sendo admissível prova testemunhal para demonstração do pagamento da dívida tributária exequenda.

VII - Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.

VIII - O benefício da isenção de prestação de garantia depende de dois pressupostos, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar. Cumulativamente com um destes pressupostos, o Requerente tem ainda que provar que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade.

IX - O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT).

X - A dispensa de prestação da garantia assente quer na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, faz impender sobre o Requerente o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.

XI - O legislador apenas pretendeu proteger o devedor da oneração do seu património nas situações em que a prestação de garantia lhe cause prejuízos de difícil ou impossível reparação, ou a falta de meios económicos para a sua subsistência e, já não, os prejuízos que possam decorrer da “não dispensa de prestação de garantia”.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 04-09-2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada improcedente a reclamação que deduziu contra ato praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças ... em 7/2/2020, pelo qual foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, no Processo de Execução Fiscal nº ...59.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões sintetizadas:
«1. A Sentença erra no julgamento de factos relevantes para a decisão da causa (desconsideração de prova credível: por testemunha, documentos e acordo) e na interpretação e aplicação do direito.
2. O depoimento de «BB» é credível: o tribunal a quo, em erro, confundiu a [SCom01...] (sociedade relacionada com os presentes autos) com uma outra sociedade onde a testemunha declarou que conheceu o recorrente (nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPC).
3. No contexto da sua atividade profissional, esta testemunha conhece os factos relevantes e as sociedades implicadas neste processo ([SCom01...] e [SCom02...]) – e depôs com rigor e isenção: o seu depoimento devia ter sido considerado pelo Tribunal recorrido e deve sê-lo na revisão da matéria de facto.
Ato reclamando emitido em 2020 com base nos factos relativos a 2018
4. Sendo o segundo ato sobre dispensa de garantia (na sequência de anulação do anterior), em 2020, antes de o emitir, a AT tinha, pelo menos, de conceder prazo (mas não concedeu) para o recorrente apresentar novo pedido (ou atualização do anterior) para atualizar a informação relevante, dado o longo intervalo face ao pedido originário (3/2018).
5. Donde, a Sentença erra, por não ter anulado o ato reclamado, por violação de lei (art. 52.º, n.º 5 e 6, da LGT), por vício de procedimento (art. 170.º do CPPT) e por violação do princípio da Participação do administrado (art. 267.º, n.º 5, da CRP, art. 12.º do CPA, ex vi, art. 2.º al. c), da LGT).
6. A verificação dos pressupostos materiais da dispensa de garantia afere-se perante a realidade factual vigente aquando da emissão do ato reclamado, ou seja, em 2020 e não em 2018 – art. 52.º, n.º 5 e 6, da LGT; e o procedimento (pedido) efetua-se nos 15 dias após a cessação da suspensão da execução fiscal (em 2020, na sequência da anulação do anterior ato) (art. 170.º, n.º 1, do CPPT).
7. In casu, não foi concedida a participação antes da emissão do ato; não se verificam exceções (ou contemporizações) do Princípio da participação do Administrado e o mesmo não foi sanado no decurso do processo.
Omissão do ato reclamado sobre o tema da prescrição
8. A Sentença efetua errada interpretação e aplicação do art. 56.º, n.º 1, da LGT: teria de anular o ato reclamado por violação do princípio da decisão, pois a AT não se pronunciou sobre um dos argumentos com que o recorrente sustentou o pedido de dispensa de garantia (prescrição) – e a AT tem de decidir todos os temas (e argumentos) que lhe são colocados pelos cidadãos.
9. Não está provado que a AT tenha glosado sobre a prescrição na oposição à execução (cfr. factos provados) e o disposto no art. 208.º, n.º 2, do CPPT é diverso do indicado na Sentença recorrida.
Prescrição
10. A sentença procedeu a errada interpretação e aplicação do art. 48.º, n.º 1 e 3, da LGT e dos artigos 89.º, al. a), b) e 90.º, n.º 1, al. b) do CIRC.
11. A obrigação tributária (IRC de 2009 da [SCom02...]) está prescrita em relação ao recorrente (responsável subsidiário): o prazo de 8 anos terminou em 31/12/2017; e o recorrente apenas foi citado, por reversão, em 9/2/2018 [facto provado 3] (art. 48.º, n.º 1, da LGT);
12. Não há causas de suspensão do prazo de prescrição; e as causas de interrupção contra o devedor originário não se aplicam ao recorrente (responsável subsidiário) porque, nos termos do art. 48.º, n.º 3, da LGT, foi citado em 9/2/2018 ou seja após o quinto ano posterior ao da liquidação (art. 89.º, al. a), e 90.º. n.º 1, al. b) e 120.º, do CIRC).
13. A Sentença procede a ilegal interpretação do art. 48.º, n.º 3, da LGT: por argumento literal, teleológico, sistemático e racional, o prazo de 5 anos começa-se a contar da liquidação, voluntária (31/5/2010) ou oficiosa (30/11/2010) (referida no art. 89.º, al. a), e 90.º, n.º 1, al. b) do CIRC) e não, como assume a Sentença, da liquidação adicional (1/2014) indicada no art. 89.º, al. b), do CIRC,.
14. A Sentença efetua a ilegal interpretação e aplicação do art. 45.º, n.º 7, al. a), da LGT: a génese do facto tributário e informação sobre os lucros do IRC de 2009 não se conexiona com o Panamá; e este preceito refere-se à caducidade e, no caso, aborda-se a prescrição da obrigação tributária.
15. O regime da prescrição, incluindo o prazo, cristaliza-se com o facto tributário (8 anos, segundo a lei em vigor a 31/12/2009), sem aplicação de ulteriores regras de aumento de prazo (aos prazos pendentes) [12 anos segundo o art. 45.º, n.º 7, da LGT, que entrou em vigor em 2012 [art. 149.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 e sem disposição transitória]], sob pena de ilegal e inconstitucional retroatividade em termos fiscais do art. 45.º, n.º 7, al. a), da LGT, como concretização do princípio da segurança jurídica e proteção da confiança (art. 103.º, n.º 3, da CRP) em matéria de garantias, como a prescrição, um dos elementos essenciais do imposto (art. 103.º, n.º 2, da CRP).
Pagamento, via RERT III
16. Porque provado e relevante para a decisão da causa (depoimento de «BB») deve-se aditar aos factos provados: “A [SCom01...], SA, empresa da esfera do Reclamante, é um agente de navegação que, através de armadores/transportadores marítimos que agencia, faz transportes marítimos numa linha marítima do norte da Galiza, Leixões, Lisboa e Angola”.
17. Porque provado e relevante para a decisão da causa (depoimento de «BB»), deve-se aditar aos factos provados: “A [SCom01...] era agente de navegação da [SCom02...]: estava encarregue de arrecadar as receitas da [SCom02...] e, deduzidos os custos incorridos por conta desta e a sua própria comissão de agência, em 2009 e 2010, transferiu o (lucro) proveito líquido das viagens marítimas para a [SCom02...], por transferência para conta bancária que a [SCom02...] tinha na Suíça”.
18. Porque provado e relevante para a decisão da causa (facto alegado e documentado [doc. 6 e 7 da PI e aceite pela AT]), deve-se aditar aos factos provados: “A [SCom02...] Inc, sociedade do Panamá, era detida integralmente pelo Reclamante, que era o seu beneficiário efetivo”.
19. Porque provado e relevante para a decisão da causa (doc. 5 a 7 da PI e não contestado pela AT), deve-se aditar aos factos provados: “O Reclamante detinha integralmente, a [SCom03...] Inc, sociedade com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, e era o seu beneficiário efetivo”.
20. Porque provado e relevante para a decisão da causa (doc. 5 e 8, identificadas na declaração do RERT III), deve-se aditar aos factos provados: “Até 2010, o Reclamante transferiu os lucros da [SCom02...] recebidos numa conta bancária na Suíça (Banco 1... (antes Banco 1...)) para contas bancárias da [SCom03...] Inc junto do Banco 2... e do Banco 1..., identificadas na declaração do RERT III”.
21. A Sentença efetuou errada interpretação e aplicação do art. 4.º, n.º 1, al. a), do Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT III) – art. 166º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12: ao aderir ao RERT III, o recorrente (beneficiário efetivo da [SCom03...] e [SCom02...]) pagou o imposto em relação aos elementos patrimoniais no exterior em 31/12/2010, valores detidos nas contas bancárias do Banco 1... e Banco 2... provenientes da [SCom02...], o que determina a extinção de todas as obrigações tributárias relativas àqueles rendimentos e elementos, até 2010 – logo, está pago o IRC de 2009 da [SCom02...] (dívida deste processo) o que leva à extinção do decorrente processo executivo (e extinção/ inutilidade da presente ação).
22. Os lucros da [SCom02...] (IRC de 2009) foram transferidos para uma conta bancária da [SCom02...] na Suíça, sendo depois transferidos para as duas contas da [SCom03...] no exterior (no Banco 2... e Banco 1...), que corporizam a adesão ao RERT III.
23. A Sentença efetua ilegal interpretação dos artigos. 2.º, n.º 1 do RERT III: o RERT III produz efeitos na [SCom02...], em exceção ao princípio da separação de patrimónios: um terceiro, o beneficiário efetivo, paga os impostos da [SCom02...] (IRC de 2009) e os seus, via esse instituto.
24. Se o beneficiário efetivo (sócio único) pagar o imposto previsto no RERT III, consideram-se pagos todos os impostos associados aos valores das contas bancárias no exterior (incluindo o IRC de 2009 da [SCom02...]); o imposto é liquidado e pago por referência aos elementos patrimoniais no exterior, ligados aos rendimentos que geraram esses elementos (art. 6º da Lei do RERT III).
25. A Sentença erra na análise da prova e é ilegal, por violação do art. 75.º, n.º 1, da LGT, em relação ao ónus da prova, quando refere que das declarações do RERT III e seus anexos não resultaria que os montantes regularizados fossem provenientes da atividade da [SCom02...].
26. Se o recorrente cumprir (como cumpriu) os requisitos legais (materiais e formais) na adesão ao RERT III, presumem-se preenchidos todos os requisitos do RERT III (art. 75º, n.º, 1 da LGT), passando o ónus da prova a competir à AT: que teria de provar (e nada provou) que os valores localizados no estrangeiro em 2010 não se relacionam com os lucros da atividade da [SCom02...].
27. Esta repartição do ónus da prova vai ao encontro da situação factual típica; e não se pode chegar a resultado interpretativo que faça impender sobre o recorrente o ónus da prova de facto negativo como erradamente fez a Sentença recorrida.
28. À cautela, na análise da prova, por ilegal contradição da Sentença: afirma que o ato reclamado não é ilegal, por não ter ouvido a testemunha; mas advoga que o recorrente não provou que os fundos da [SCom02...] constam do RERT III, quando faria essa prova também com tal depoimento.
Dispensa de garantia e prejuízo irreparável
29. Porque provado e relevante para a decisão da causa (depoimento de «BB»), deve-se aditar aos factos provados: "A não dispensa da prestação de garantia e a consequente penhora ao Recorrente criará prejuízos ao Recorrente e à [SCom01...] porquanto esta última vive da reputação do primeiro e os respetivos clientes deixarão de fazer negócios com aquela”.
30. A Sentença tinha de anular o ato reclamado, por ilegalidade (violação do art. 56.º, n.º 1, da LGT), pois a AT, no procedimento, não se pronunciou sobre a essência do pedido formulado pelo Recorrente: dispensa de garantia por prejuízo irreparável, via dano reputacional, nos termos do art. 52.º, n.º 4, da LGT.
31. A distinção entre prejuízo irreparável com a não prestação de garantia versus com a prestação da garantia não consta da lei (art. 52.º, n.º 4, da LGT) e não tem qualquer racional lógico.
32. A Sentença erra na interpretação do art. 52.º, n.º 4, da LGT: se a AT não dispensar a prestação da garantia, o Recorrente sofre prejuízo irreparável, por enorme dano reputacional – asfixia económica e financeira, por repulsa dos clientes sobre a sua vida e atividade da [SCom01...] (sociedade na sua esfera e cujos clientes a associam ao Recorrente).
33. Ao ancorar-se a dispensa de garantia em prejuízo irreparável, não é necessária análise sobre a atuação dolosa (ou não) do contribuinte (cfr. art. 52.º, n.º 4, da LGT, redação à data dos factos).
34. A Sentença erra, ao debruçar-se sobre tema que não consta do pedido (e objeto do processo judicial), em violação do art. 99.º, n.º 1, da LGT: o Recorrente não solicitou a dispensa de garantia à AT com base na insuficiência do património ou de bens penhoráveis; nem, se essa insuficiência se deveu ou não a culpa sua; solicitou-a com base a não dispensa lhe causar prejuízo irreparável que concretizou.
35. Não houve qualquer atuação dolosa do recorrente – e a AT não a prova; não há nexo de causalidade entre essa putativa intenção e as atuações do arguido: partilha em vida (com propósito sucessório); doação de 2 bens a familiares (valor irrisório face à dívida exequenda e de acordo com os costumes); e na venda de bem, o preço entrou na esfera do recorrente pelo que não dissipou qualquer património – e tudo numa desproporção entre os atos e a putativa intenção.
36. Os rendimentos do ano foram gerados no devir normal da atividade – e houve dinheiro de contrapartidas (são rendimentos e mera substituição de património).
37. Impõe-se dispensa total do remanescente da taxa de justiça, em primeira instância (via reforma de Sentença e/ou recurso) e no presente recurso (alegação), nos termos do art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP): não há situações de complexidade técnica (mas temas usuais, de contornos clássicos: dispensa de garantia, pagamento, prescrição e questões processuais simples); verifica-se a correta (e não prolixa) conduta processual das partes, em primeira instância e em sede de recurso.
38. A não dispensa total do remanescente de custas, em primeira instância e recurso, viola o art. 6.º, n.º 7, do RCP e introduz injustiça no sistema: flagrante disparidade entre o trabalho do tribunal e o valor das custas pagas pela parte – em violação dos princípios constitucionais da adequação e proporcionalidade e livre acesso à justiça, plasmados nos artigos 18.º e 20.º da CRP.
Nestes termos e nos que Vªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por Acórdão que julgue procedente a reclamação judicial, em consonância com o Direito e Justiça.
Mais se requer, face ao valor do processo ser superior a € 275.000,00, a dispensa total do pagamento do acréscimo de taxa de justiça devida por cada € 25.000,000 ou fração acima dos € 275.000,00, nos termos do n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, em sede da primeira instância e em sede de recurso.».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.


1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, remetendo para o teor do Parecer do MP emitido em 1ª instância e concluindo que o recurso não merece provimento.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto (por não considerar adequadamente os depoimentos de 2 testemunhas, bem como de documentos juntos aos autos) e de direito, quanto à verificação dos pressupostos para a dispensa de prestação de garantia, à prescrição da dívida exequenda e ao pagamento da dívida exequenda.
Mais cumpre apreciar o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«FACTOS PROVADOS
1. A Autoridade Tributária, em 9/4/2014, instaurou contra “[SCom02...]”, Contribuinte Fiscal ............, o Processo de Execução Fiscal nº ...59, que corre termos no Serviço de Finanças ..., com vista à cobrança de créditos de IRC, referentes a 2009, cujo prazo de pagamento terminou em 19/2/2014, no montante global de € 4.820.219,64.
2. Os créditos tributários identificados em 1 emergiram de acção inspectiva que culminou na liquidação remetida sob registo postal nº R..........80PT, de 21/1/2014, com data limite de pagamento em 19/2/2014.
3. O Reclamante, «AA», foi citado no Processo de Execução Fiscal nº ...59, na qualidade de responsável subsidiário, em 9/2/2018, nos termos exarados na documentação de fls. 44/46 do processo físico que se dá por reproduzida.
4. Dá-se por reproduzido o documento que consta a fls. 47 do processo físico que determinou o prosseguimento da execução fiscal nº ...59 (resolução fundamentada – artigo 128º, nº 1, CPTA).
5. O Reclamante, em 26/9/2017, intentou uma providência cautelar que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o Processo nº 2233/17.1BEPRT, que foi julgada improcedente por sentença de 30/11/2017, nos termos e com os fundamentos exarados no documento de fls. 49/55 que se dá por reproduzido.
6. O Reclamante, em 5/3/2018, apresentou oposição à execução fiscal, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o Processo nº 1028/18.0BEPRT, na qual invocou a prescrição dos créditos em execução e o seu integral pagamento.
7. O Reclamante, em 13/3/2018, apresentou pedido de dispensa de prestação de garantia dirigido ao Processo de Execução Fiscal nº ...59, nos termos do disposto no artigo 52º, nº 4, da Lei Geral Tributária, e artigo 170º, nº 1 e 3, e artigo 199º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no qual referiu que os créditos em causa prescreveram e foram integralmente pagos, e ocorre duplicação da colecta, sustentou que não contribuiu para a insuficiência/inexistência de bens, e que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável, nos termos exarados no documento de fls. 237/238 do processo físico que se dá por reproduzido.
8. Na Direcção de Finanças ..., em 28/12/2018, foi elaborada a informação nº ...31, sancionada por despacho de 2/1/2019, da Directora de Finanças Adjunta, no sentido do deferimento parcial do pedido de dispensa de garantia referido em 7, “apenas na parte em que os bens do executado se possam vir a revelar insuficientes para garantir na totalidade a dívida exigida nos autos”, nos termos exarados no documento de fls. 240/243 do processo físico que se dá por reproduzido.
9. O despacho e informação mencionados em 8 foram notificados ao mandatário do Reclamante, pelo ofício nº ...8 de 4/1/2019, que consta a fls. 244 do processo físico e se dá por reproduzido.
10. O Reclamante, em 28/12/2018, apresentou reclamação judicial com vista à revogação do despacho de indeferimento mencionado em 8.
11. A Directora de Finanças ..., por despacho de 7/2/2020, lavrado com base na informação que consta a fls. 40/43 do processo físico (fls. 271/276) e se dá por reproduzida, revogou o despacho de 2/1/2019, mencionado em 8, por falta de fundamentação.
12. Em 7/2/2020, foi proferido despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia referido em 7, com a fundamentação constante da informação nº ...29, elaborada pela Direcção de Finanças ..., documento que consta a fls. 271/276 do processo físico (sitaf 244) e se dá por reproduzido e do qual se extracta, “(…) Relativamente à questão do pagamento que afirma ter feito nos termos do RERT III, referiu o que de seguida de transcreve: “Se a AT desejar mais informações para a sua decisão – nomeadamente no que se reporta ao pagamento pelo RERT, solicita-se que ouçam como depoimento, a Dra. «CC», funcionária do Banco 3..., sito na Rua ..., ..., que diligenciou esse pagamento.
Alega ainda que o prejuízo irreparável é ainda mais ostensivo (por assim dizer), por criação de um enorme dano reputacional do contribuinte junto do sistema financeiro (…), não só pelo valor elevado da garantia que teria de prestar (+ - 6 Milhões de euros), como sobretudo por figurar como incumpridor fiscal (com todos os danos reputacionais associados, impossíveis de reparar (…)” E que “O mal irreversível ficará consumado com diligência de penhora (e o ato anterior da AT em recusar a dispensa de garantia) que tornarão impossível que o contribuinte retorne alguma vez ao status quo ante (…)”.
“(…) Relativamente à questão do pagamento que afirma ter feito nos termos do RERT III, veio o contribuinte acrescentar no seu requerimento que: “Se a AT desejar mais informações para a sua decisão – nomeadamente no que se reporta ao pagamento pelo RERT, solicita-se que ouçam como depoimento, a Dra. «CC», funcionária do Banco 3..., sito na Rua ..., ..., que diligenciou esse pagamento.”.
Ora, não estando aqui em apreciação o eventual pagamento em duplicado do imposto que o contribuinte afirma, não se mostra relevante ou necessário ouvir a testemunha para a tomada de decisão no que respeita à prestação de garantia ou à sua dispensa diz respeito. A audição da testemunha constituiria a prática de ato inútil, proibido por lei, conforme artigo 130º do Código de Processo Civil, motivo pelo qual se propõe a sua não audição.
Aliás, o órgão de execução fiscal já se pronunciou da forma que entendeu adequada sobre a matéria objecto da oposição, em cumprimento do disposto do n.º 2 do artigo 208.º do CPPT, antes da remessa do processo ao tribunal, não sendo agora legalmente exigida nova pronúncia sobre a matéria objecto daquele contencioso.
O Executado alegou, ainda, que “o prejuízo irreparável é ainda mais ostensivo (por assim dizer), por criação de um enorme dano reputacional do contribuinte junto do sistema financeiro (…), não só pelo valor elevado da garantia que teria de prestar (+ - 6 Milhões de euros), como sobretudo por figurar como incumpridor fiscal (com todos os danos reputacionais associados, impossíveis de reparar (…)” E que “O mal irreversível ficará consumado com diligência de penhora (e o ato anterior da AT em recusar a dispensa de garantia) que tornarão impossível que o contribuinte retorne alguma vez ao status quo ante (…)”.
Contudo, estes argumentos não são atendíveis, por não constarem da previsão legal.
Constata-se que o prejuízo irreparável a que o contribuinte executado alude, é o que poderá advir da não prestação da garantia e do prosseguimento da execução, o que é bem distinto do conceito de prejuízo irreparável a que o legislador se refere no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
(…)
Por outro lado, através da consulta às bases de dados da AT, verificamos a existência de vasto património em nome do executado, designadamente vários imóveis e viaturas bem como rendimentos obtidos, considerando-se não existir a manifesta falta de bens económicos a que se refere o legislador no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Imóveis que constam registados em nome do contribuinte executado:
Artigo Urbano Freguesia Concelho Distrito
6378 fração “EW” União freg. De ... e ...
7162 fração “C” União freg. De ... e ...
7162 fração “D” União freg. De ... e ...
7162 fração “E” União freg. De ... e ...
7162 fração “M” União freg. De ... e ...
7162 fração “R” União freg. De ... e ...

Artigo Urbano Freguesia Concelho Distrito
2332 fração ... ...
2332 fração ... ...
1565 fração ...

Artigo Urbano Freguesia Concelho Distrito
342 União freg. de ..., ... e ... ...
345 União freg. de ..., ... e ... ...

Artigo Rústico Freguesia Concelho Distrito
2934 ... ... ...
2936 ... ... ...
2937 ... ... ...
2938 ... ... ...
2939 ... ... ...
2940 ... ... ...
2941 ... ... ...
2942 ... ... ...
2945 ... ... ...
2946 ... ... ...
2954 ... ... ...
3071 ... ... ...
3072 ... ... ...
3073 ... ... ...
6230 ... ... ...

Artigo Urbano Freguesia Concelho Distrito
1347 ... ... ...
1491 ... ... ...

Artigo Urbano Freguesia Concelho Distrito
1080 fração “E3” ... ...
1675 ... ... ...

À data da informação nº...5/2018-GADE verificamos que os veículos automóveis registados em nome do contribuinte executado eram os seguintes:
Matrícula Marca Modelo Data de registo Categoria Tipo
..-TG-.. Mazda DJ1 09-08-2017 Ligeiro Passageiros
..-RM-.. Honda NF04 25-07-2016 Motociclo Passageiros
..-PG-.. Mercedes Benz 221 10-12-2014 Ligeiro Passageiros
..-NG-.. Rolls Royce Phanton 23-10-2012 Ligeiro Passageiros

..-DQ-.. Suzuki CD 12-10-2007 Motociclo Passageiros
..-AH-.. Nissan K12(Micra) 31-08-2005 Ligeiro Passageiros

Actualmente encontram-se registadas em nome do contribuinte executado os seguintes veículos automóveis:
Matrícula Marca Modelo Data de registo Categoria Tipo
..-RM-.. Honda NF04 25-07-2016 Motociclo Passageiros
..-PG-.. Mercedes Benz 221 10-12-2014 Ligeiro Passageiros
..-DQ-.. Suzuki CD 12-10-2007 Motociclo Passageiros
Através da consulta ao TMenu verificamos que:
O veículo automóvel da marca Mazda, modelo DJ1, com a matrícula ..- TG-.. mudou de proprietário, encontrando-se registado em nome duma filha do contribuinte executado, desde 21-01-2019.
O veículo automóvel da marca Nissan, modelo K1 (Micra), com a matrícula ..-AH-.. mudou de proprietário, encontrando-se registado em nome dum irmão do contribuinte executado, desde 02-04-2019.
O veículo automóvel da marca Rolls Royce, modelo Phanton, com a matrícula ..-NG-.. mudou de proprietário em 02-04-2019.

Rendimentos obtidos pelo contribuinte durante o ano 2018:
Rendimentos prediais (valor ilíquido) = 112 255,44€
Rendimentos provenientes de alienação de partes sociais e do resgate/ reembolso de outros valores mobiliários (valores ilíquidos) = 157.452,22€

Quanto aos pontos 9 e 10 do requerimento apresentado pode ler-se: “Que o executado (o contribuinte) não contribuiu para a inexistência ou insuficiência de bens (…)” e “Não houve dissipação de bens com a intenção de diminuir a garantia dos credores (…), procurando demonstrar a observância da condição que consta na parte final do n.º 4 do artigo 52.º da LGT e que aqui se transcreve: (…) desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”. Contudo, contrariamente ao referido, o que se verificou foi que o contribuinte/executado doou a raiz de vários imóveis, dos quais detinha a propriedade plena, a familiares diretos, em 20/12/2013, logo após a notificação do projecto de relatório de inspeção tributária, ou seja, logo após ter tomado conhecimento das correções que se iriam seguir.
Mais recentemente, já após a nossa informação nº...5/2018-GADE, elaborada na sequência do pedido de dispensa de prestação de garantia que aqui se encontra em reapreciação, verificamos que o mesmo contribuinte/executado procedeu à alienação de veículos automóveis, alguns de elevado valor.
Estes factos (saída de património da esfera jurídica do executado sem se verificarem entradas correspondentes) podem ser considerados indícios de redução do património por forma a que se mostre insuficiente para solver a dívida.
De todo o modo, e tal como já se evidenciou acima, a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado” só releva se um dos pressupostos alternativos (a prestação de garantia ser causa de um prejuízo irreparável para o contribuinte executado, ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido) se tivesse verificado, o que, no presente caso, não sucede como acima referido.
Embora a AT não tenha conhecimento da totalidade dos bens penhoráveis existentes na esfera jurídica do executado, consultando as bases de dados, o património conhecido é incompatível com a manifesta falta de meios económicos estabelecido pelo legislador.
Devem ainda relevar-se o facto de o contribuinte não ter colocado a tónica no fundamento da manifesta falta de meios económicos, fazendo-o sobretudo quanto ao prejuízo irreparável, nos termos acima referidos.”.
13. O despacho de revogação e indeferimento mencionados em 11 e 12 foram notificados ao Reclamante através do ofício nº ..................260, de 3/7/2020, remetido sob registo postal ....
14. A presente reclamação foi apresentada em 20/7/2020.
15. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 58/60 do processo físico, denominado “Declaração de Regularização Tributária”, no qual figura como titular «AA», Contribuinte Fiscal nº ............., relativo ao montante global de € 5.012.922,60, no Banco 2... na Suíça, documento entregue no Banco 3... em 7/3/2012, que menciona o montante de € 375.969,19 a título de imposto.
16. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 63/65 do processo físico, denominado “Declaração de Regularização Tributária”, no qual figura como titular «AA», Contribuinte Fiscal nº ............., relativo ao montante global de € 5.003.997,33, no Banco 1... na Suíça, documento entregue no Banco 3... em 29/2/2012, que menciona o montante de € 375.299,80 a título de imposto.
17. Dá-se por reproduzida a documentação bancária de fls. 357/439 do processo físico, referente às contas bancárias detidas pelo Reclamante, «AA», nos bancos “Banco 2...” e “Banco 1...”, e autorização concedida pela sociedade “[SCom03...] INC” ao Reclamante, na qualidade de procurador daquela sociedade, para abrir e movimentar uma conta bancária em seu benefício.
18. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 455/458 do processo físico constituído por cópia de uma informação prestada no Processo de Execução Fiscal nº ...59 que indeferiu o pedido de extinção daquele processo de execução com fundamento em duplicação da colecta e regularização extemporânea dos valores da conta bancária da “[SCom02...]” na Suíça.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.
*
A convicção do tribunal resultou da análise crítica da prova documental junta aos autos, referida no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil, bem como da análise crítica dos depoimentos prestados.
A testemunha «BB», contabilista de uma sociedade do Reclamante, que não soube identificar, declarou que “os lucros líquidos da “[SCom02...]” iam para uma conta na Suíça”, mas curiosamente referiu que não sabe quem era o dono da “[SCom02...]”, mas que “o pedido de conciliação bancária era enviado por administradores de uma sociedade no Panamá”.
Aludiu à [SCom01...], propriedade do Dr. «AA», e salientou que uma eventual penhora, mesmo depois de retirada, mantém o “ferrete”, e as pessoas terão relutância de fazer negócios com o Dr. «AA».
A instância da Fazenda Pública salientou que quem está a operar no mercado é a “[SCom02...]”, e que no final de cada viagem, na “[SCom02...]”, apuravam os gastos e rendimentos e, após dedução de uma percentagem, os lucros iam para contas bancárias na Suíça.
Este depoimento não mereceu crédito tendo em conta que até declarou desconhecer a designação da sociedade para a qual presta serviço, e declarou conhecer factos de que normalmente não teria conhecimento. Note-se que nem sequer identificou a sociedade para a qual disse prestar serviço. De todo o modo este depoimento foi irrelevante tendo em conta a decisão a proferir nestes autos pois o eventual prejuízo reputacional de uma penhora fiscal não releva para efeito de dispensa de prestação de garantia, que constitui o objecto dos presentes autos. Na verdade, o prejuízo irreparável exigido pela lei prende-se com o decorrente da prestação de garantia e não com o prejuízo decorrente da concretização da penhora fiscal ou com a prática de qualquer acto de execução.
A testemunha «CC», bancária no Banco 3..., declarou que o Dr. «AA» entregou a documentação necessária no Banco 3... para regularização do património, suportada por uma declaração do banco estrangeiro e respectivo extracto do “Banco 2...” e “Banco 1...”.
A instância do tribunal esclareceu que não sabe de quem eram os 5 milhões de euros declarados, mas “deduziu que eram da actividade do Dr. «AA»”.
Este depoimento é irrelevante para a decisão a proferir pois o que está em causa é uma dívida fiscal da responsabilidade da “[SCom02...]”, sendo o Reclamante mero responsável subsidiário.
Assim sendo, a eventual regularização de património ou capitais que o Reclamante assumiu serem sua propriedade não releva em relação aos créditos tributários a pagar pela “[SCom02...]” na presente execução.».


3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da falta de notificação do Recorrente para apresentar novo pedido de dispensa de prestação de garantia e de audição antes da prolação do despacho reclamado
Nas conclusões 4 a 7, o Recorrente sustenta que a sentença erra por não ter anulado o ato reclamado, em violação dos artigos 52º, nº 5 e 6, da LGT), 170º do CPPT) e 267º, nº 5, da CRP e 12º do CPA, ex vi, artigo 2º, al. c), da LGT).
Mas não lhe assiste qualquer razão.
Em primeiro lugar, porque a decisão de dispensa de prestação de garantia apenas tem que ser antecedida de um requerimento do interessado que, na situação vertente, foi apresentado em 13.03.2018 [ponto 7 do probatório]. É certo que, no caso, o OEF revogou o despacho de 2.01.2019, pelo qual fora deferido parcialmente o pedido em causa [pontos 8 e 11 do probatório], vindo depois a indeferi-lo, através do despacho objeto da presente reclamação. Contudo, o OEF não deixou de atender à situação do Requerente à data da nova decisão, sendo certo que este não invoca qualquer facto relevante que devesse ter sido atendido, sem que o tenha sido.
Em segundo lugar, porque a questão da falta de audiência prévia não foi alegada na p.i., nem sobre ela foi emitida pronúncia na sentença recorrida, pelo que, tratando-se de questão nova que não nos cumpre apreciar ex officio, não pode ser agora suscitada nem apreciada.
Improcede, portanto, o recurso quanto às conclusões 4 a 7.

3.2.2. Da omissão de pronúncia do OEF quanto à prescrição
Nas conclusões 8 e 9, entende o Recorrente que, relativamente a esta questão, a sentença recorrida efetua errada interpretação e aplicação do artigo 56º, nº 1, da LGT: teria de anular o ato reclamado por violação do princípio da decisão, pois a AT não se pronunciou sobre um dos argumentos com que o recorrente sustentou o pedido de dispensa de garantia (prescrição) – e a AT tem de decidir todos os temas (e argumentos) que lhe são colocados pelos cidadãos e não está provado que a AT tenha glosado sobre a prescrição na oposição à execução.
O Tribunal a quo apreciou a questão da alegada omissão de pronúncia nos seguintes termos:
«(…) na informação que sustentou o despacho reclamado refere-se que o Reclamante deduziu oposição na qual invocou a prescrição, e na parte em que se afastou a necessidade de inquirição da testemunha indicada, consta: “Aliás, o órgão de execução fiscal já se pronunciou da forma que entendeu adequada sobre a matéria objeto da oposição, em cumprimento do disposto no n-2 do artigo 208.º do CPPT, antes da remessa do processo ao tribunal, não sendo agora legalmente exigida nova pronúncia sobre a matéria objeto daquele contencioso”.(facto provado em 12)».
O Recorrente nunca colocou em causa o invocado pelo OEF no transcrito excerto do despacho reclamado, isto é, que «(…) já se pronunciou da forma que entendeu adequada sobre a matéria objeto da oposição, em cumprimento do disposto no n-2 do artigo 208.º do CPPT, antes da remessa do processo ao tribunal (…)», pelo que é inócua a alegação de que tal facto não consta dos factos que, na sentença, foram julgados como provados.
Sem embargo, o dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no nº 2 do artigo 56º da Lei Geral Tributária.
No caso, afigura-se estar verificada a situação prevista na alínea a) deste normativo [A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre pedido do mesmo autor com idênticos objecto e fundamentos;], pois, em 2018, em cumprimento do disposto no artigo 208º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o OEF já havia tomado posição sobre a prescrição dos créditos tributários exequendos invocada na p.i. de oposição apresentada em 5.03.2018, pelo que não estava obrigado a emitir nova pronúncia sobre a mesma questão, suscitada no requerimento apresentado 13.03.2018 [cfr. pontos 6 e 7 do probatório].
Improcede, por isso, o recurso também nesta parte.

3.2.3. Da prescrição
Na ótica do Recorrente, a sentença procede a ilegal interpretação dos artigos 48º, nº 3, e 45º, nº 7, ambos da LGT pois, por um lado, o prazo de 5 anos começa-se a contar da liquidação, voluntária (31/5/2010) ou oficiosa (30/11/2010) (referida no artigo 89º, al. a), e 90º, nº 1, al. b) do CIRC) e não da liquidação adicional (1/2014) indicada no artigo 89º, al. b), do CIRC e, por outro lado, a génese do facto tributário e informação sobre os lucros do IRC de 2009 não se conexiona com o Panamá; sendo que o último preceito refere-se à caducidade e, no caso, aborda-se a prescrição da obrigação tributária.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica em que assentou a sentença, nesta parte:
«(…) apesar de estarem em causa créditos de IRC referentes a 2009, a verdade é que a liquidação foi remetida sob registo postal RY..........80PT em 21/1/2014, com data de vencimento de 19/2/2014, e portanto não decorreram 5 anos desde a emissão da liquidação até à citação do revertido que teve lugar em Fevereiro de 2018. (facto provado em 3)
Acresce que, como acertadamente refere a Fazenda Pública, a liquidação em execução respeita a factos tributários conexos com o Panamá, país sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, conforme decorre da Portaria nº 150/2004, de 13 de Fevereiro (portaria repristinada pela Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro - Lei do Orçamento do Estado para 2018 - que revogou a Portaria nº 345-A/2016, de 30 de Dezembro, que tinha retirado a Ilha de Man, Jersey e o Uruguai dessa lista).
Assim sendo, o direito à liquidação está abrangido pelo disposto no artigo 45º, nº 7, (“quando respeite a factos tributários conexos com país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, que devendo ser declarados à administração tributária o não sejam], o prazo referido no n.º 1 é alargado para 12 anos”).
Consequentemente, é manifesto que a prescrição não ocorreu, sendo que a resolução fundamentada levada ao probatório em 4 não vincula o tribunal, designadamente quanto à data em que ocorre a prescrição. Aliás, a alegação do integral pagamento da quantia exequenda é incompatível com a verificação da prescrição, pois uma dívida que já se encontra paga (alegadamente) não pode prescrever.».
Não vislumbramos como o assim decidido viole o disposto no artigo 48, nº 3 da LGT, segundo o qual «3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.», nem se compreende a alegação de que a liquidação exequenda seja adicional, porquanto tal não resulta do probatório, nem a Recorrente impugnou a decisão quanto ao julgamento de facto a este respeito, nomeadamente, requerendo a sua ampliação.
Quanto à ilegal interpretação do artigo 45º, nº 7 da LGT, por se referir à caducidade e não à prescrição, cabe esclarecer que pese embora, de facto, esta norma respeite à caducidade do direito à liquidação, com ela conexiona-se o nº 4 do artigo 48º da mesma Lei, segundo o qual «No caso de dívidas tributárias em que o respectivo direito à liquidação esteja abrangido pelo disposto no n.º 7 do artigo 45.º, o prazo referido no n.º 1 é alargado para 15 anos.».
Ora, está por demonstrar nestes autos (quiçá por esta não ser a sede própria para o efeito) que os factos tributários que originaram a liquidação exequenda não se conexionam País, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, designadamente com o Panamá.
Nesta medida, o prazo prescricional aplicável é de 15 anos, iniciou-se em 31.12.2009, foi interrompido com a citação do Recorrente em 09.02.2018 – quando apenas haviam decorrido oito anos, 2 meses e nove dias - e, tanto quanto os autos permitem perceber, ainda se mantém o efeito duradouro que deriva desta citação, não se tendo ainda reiniciado a sua contagem. Deste modo, é irrelevante que o Recorrente tenha (ou não) sido citado até ao 5º ano posterior ao da liquidação, pois «II. Se a citação do responsável subsidiário pela dívida exequenda ocorrer para além do 5º ano posterior ao ano da liquidação, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto a ele, nos termos do n.º 3 do art.º 48.º da LGT.
III. No entanto, se a citação do responsável subsidiário pela dívida exequenda tiver ocorrido para além do 5º ano posterior ao ano da liquidação mas antes do 8.º ano a contar do início da prescrição os efeitos da interrupção derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele» - cfr. acórdão deste TCAN de 11.02.2016, proferido no processo 00309/10.5BEPRT, disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/4748ABEB931ADBD080257F6200543F70. Aplicando esta jurisprudência à situação vertente, mutatis mutandis, temos que, ocorrendo a citação do revertido/Recorrente antes de completado o prazo de prescrição, para efeito de contagem do prazo de prescrição das dívidas exequendas, não assume qualquer relevo a citação da devedora originária ou se a citação do responsável subsidiário ocorreu 5 anos após a data da liquidação.
Por outro lado, não colhe a alegação do Recorrente de que o regime da prescrição, incluindo o prazo, se cristaliza com o facto tributário (8 anos, segundo a lei em vigor a 31/12/2009), sem aplicação de ulteriores regras de aumento de prazo (aos prazos pendentes) [12 anos segundo o artigo 45º, nº 7, da LGT, que entrou em vigor em 2012 [artigo 149º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 e sem disposição transitória]], sob pena de ilegal e inconstitucional retroatividade em termos fiscais do artigo 45º, nº 7, al. a), da LGT, como concretização do princípio da segurança jurídica e proteção da confiança (artigo 103º, nº 3, da CRP) em matéria de garantias, como a prescrição, um dos elementos essenciais do imposto (artigo 103º, nº 2, da CRP).
É incontroverso que o artigo 12º, nº 1, da Lei Geral Tributária estatui que “[a]s normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos”, pelo que importa definir o conceito de “norma tributária” para efeito de aplicação deste normativo, tendo presente que visa sagrar na legislação ordinária o princípio que ficou plasmado no artigo 103º, nº 3, da CRP, na redação decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro.
Para tanto, trazemos à colação a interpretação que o Tribunal Constitucional faz desta última norma, para o que, desde logo, releva a distinção entre retroatividade própria ou autêntica e retroatividade inautêntica. A primeira traduz-se na aplicação da lei nova a factos tributários verificados antes do início da sua vigência; a segunda consiste na aplicação da lei nova a factos tributários duradouros, em curso quando a lei nova inicia a sua vigência.
Em jurisprudência consolidada, o Tribunal Constitucional tem interpretado este princípio com o sentido de que:
- a proibição constitucional apenas abrange a retroatividade autêntica, sendo os casos de retroatividade inautêntica tutelados à luz do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático — artigo 2° CRP;
- o princípio constitucional aplica-se apenas aos impostos, com exclusão das outras figuras tributárias (taxas e contribuições financeiras); para estas, mesmo perante uma situação de retroatividade autêntica, a apreciação da conformidade constitucional das normas deverá ter como parâmetro o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica (acórdãos Tribunal Constitucional nºs 287/90, 30 outubro 1990; 128/2009, 12 março 2009; 399/10, 27 outubro 2010 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, não sofre dúvida que a prescrição das obrigações tributárias é uma das garantias do contribuinte e não um facto tributário ou um imposto, pelo que, desde logo, não cabe na previsão do artigo 103º, nº 3, da nossa Lei Fundamental.
Nesta senda, cai por terra a tese do Recorrente, porquanto, desde logo, a norma cuja conformidade à nossa Lei Fundamental aqui se discute não está abrangida pelo princípio consagrado nos artigos 103º, nº 3 da CRP e 12º, nº 1, da LGT.
Assim, pese embora a sentença não seja inteiramente correta na identificação da norma aplicável para efeito de prescrição, é de a manter nesta parte, com a presente fundamentação, improcedendo também o recurso no que tange às conclusões 10 a 15.

3.2.4. Do alegado pagamento via RERT III
Segundo alega o Recorrente nas conclusões 16 a 28:
- A Sentença efetuou errada interpretação e aplicação do art. 4.º, n.º 1, al. a), do Regime Excecional de Regularização Tributária (RERT III) – art. 166º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12: ao aderir ao RERT III, o recorrente (beneficiário efetivo da [SCom03...] e [SCom02...]) pagou o imposto em relação aos elementos patrimoniais no exterior em 31/12/2010, valores detidos nas contas bancárias do Banco 1... e Banco 2... provenientes da [SCom02...], o que determina a extinção de todas as obrigações tributárias relativas àqueles rendimentos e elementos, até 2010 – logo, está pago o IRC de 2009 da [SCom02...] (dívida deste processo) o que leva à extinção do decorrente processo executivo (e extinção/ inutilidade da presente ação);
- A Sentença efetua ilegal interpretação dos artigos 2.º, n.º 1 do RERT III: o RERT III produz efeitos na [SCom02...], em exceção ao princípio da separação de patrimónios: um terceiro, o beneficiário efetivo, paga os impostos da [SCom02...] (IRC de 2009) e os seus, via esse instituto, e
- A Sentença erra na análise da prova e é ilegal, por violação do art. 75.º, n.º 1, da LGT, em relação ao ónus da prova, quando refere que das declarações do RERT III e seus anexos não resultaria que os montantes regularizados fossem provenientes da atividade da [SCom02...].

Sobre esta questão, ponderou o Meritíssimo Juiz a quo o seguinte:
«(…) da documentação constante dos autos, apresentada pelo Reclamante, não resulta que os montantes alegadamente regularizados fossem provenientes da actividade da “[SCom02...]”, tanto mais que a primeira testemunha aludiu a uma outra sociedade.
Efectivamente, a devedora principal, no Processo de Execução Fiscal nº ...59, é a “[SCom02...]” (facto provado em 1), sendo irrelevante a adesão do Reclamante ao Regime Excepcional de Regularização Tributária posto que os efeitos desta regularização só se produzem na esfera do Reclamante e não afectam a dívida fiscal da responsável originária.
Na verdade, a detenção integral de uma sociedade comercial não afasta o regime legal de separação de patrimónios entre a sociedade e o seu titular. Outrossim, os proveitos e as dívidas da sociedade repercutem-se apenas na esfera patrimonial da sociedade, sendo que a responsabilidade do Reclamante é meramente subsidiária, decorrente da reversão operada. Deste modo, a adesão ao Regime Excepcional de Regularização Tributária (artigo 166º da Lei nº 66-B/2012, de 30/12) não extingue as dívidas fiscais da “[SCom02...]”, pelo que se mantém a dívida exequenda. De resto, a Autoridade Tributária recusou a extinção do processo de execução com fundamento na duplicação da colecta e regularização extemporânea dos valores da conta bancária da “[SCom02...]” na Suíça (facto provado em 18).
Por outro lado, a duplicação da colecta pressupõe que se trate do mesmo tributo em relação à mesma entidade, e que o mesmo se encontra pago, o que não sucede neste caso.».
A prova do pagamento de contribuições ou impostos apenas se pode efetuar através da exibição do documento comprovativo ou por um título de anulação, conforme tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência, como se pode ler, designadamente, no Acórdão do STA de 19/12/79, in AD nº 221º, pág.603 e nos Acs. do TCA de 6/07/99, no Proc. nº 904/98, de 19/11/02, Proc. nº 6651/02, de 1/07/03, Proc. nº 321/03 e de 31/05/05, Proc. nº 590/05, bem como do TCAN de 07.07.2005, Proc. nº 00023/03 – PORTO, de 23.04.2020, Proc. nº 00818/09.9BEBRG e do TCA Sul, de 19.11.2002, Proc nº 6651/02 e de 20.04.2010, Proc. nº 03913/10.
Não é, portanto, admissível prova testemunhal para demonstração do pagamento da dívida tributária exequenda; com efeito, só a prova documental é viável, até porque a exigência da dívida é feita através do documento que a incorpora. Nesse sentido, o Ac. do STA de 19/12/79, in ADs 221º-603.
O ora Recorrente tinha, nos sobreditos termos, o ónus da alegação e prova dos factos materiais e concretos que integram o facto jurídico. E a prova do pagamento não foi feita nos autos pois; como bem considerou o Meritíssimo Juiz a quo, não foram juntos documentos que provem o pagamento das dívidas constantes do título executivo.
Ademais, esta questão deve ser apreciada no âmbito do processo de oposição, já pendente e onde foi também suscitada, não sendo este o meio próprio para conhecer deste fundamento de extinção da dívida exequenda.
Improcede, assim, o recurso também nesta parte.

3.2.5. Do prejuízo irreparável
Pretende o Recorrente que se dê como provado, com base no depoimento da testemunha «BB» que "A não dispensa da prestação de garantia e a consequente penhora ao Recorrente criará prejuízos ao Recorrente e à [SCom01...] porquanto esta última vive da reputação do primeiro e os respetivos clientes deixarão de fazer negócios com aquela”. Defende também que a Sentença tinha de anular o ato reclamado, por ilegalidade (violação do art. 56.º, n.º 1, da LGT), pois a AT, no procedimento, não se pronunciou sobre a essência do pedido formulado pelo Recorrente: dispensa de garantia por prejuízo irreparável, via dano reputacional, nos termos do artigo 52º, nº 4, da LGT.
Sobre esta questão, ponderou o Tribunal a quo o seguinte:
«Como referido na informação que sustentou o despacho reclamado levado ao probatório em 12, “O Executado alegou, ainda, que “o prejuízo irreparável é ainda mais ostensivo (por assim dizer), por criação de um enorme dano reputacional do contribuinte junto do sistema financeiro (…), não só pelo valor elevado da garantia que teria de prestar (+ - 6 Milhões de euros), como sobretudo por figurar como incumpridor fiscal (com todos os danos reputacionais associados, impossíveis de reparar (…)” E que “O mal irreversível ficará consumado com diligência de penhora (e o ato anterior da AT em recusar a dispensa de garantia) que tornarão impossível que o contribuinte retorne alguma vez ao status quo ante (…)”.
Contudo, estes argumentos não são atendíveis, por não constarem da previsão legal. Constata-se que o prejuízo irreparável a que o contribuinte executado alude, é o que poderá advir da não prestação da garantia e do prosseguimento da execução, o que é bem distinto do conceito de prejuízo irreparável a que o legislador se refere no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.”.
Assim sendo, é manifesto que não ocorre a alegada omissão de pronúncia pois a Autoridade Tributária emitiu pronúncia em relação à questão do alegado prejuízo irreparável, no sentido que merece a concordância do tribunal, nos termos explanados infra.».
Dispõe o nº 4 do artigo 52º da LGT que «4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.» - o sublinhado é da nossa autoria.
Assim, o benefício da isenção de prestação de garantia dependente de a prestação causar (i) prejuízo irreparável ou (ii) manifesta insuficiência de meios económicos, ao que acresce um outro requisito que é a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Ora, o que o Recorrente invoca é o prejuízo irreparável que decorre da «não dispensa da prestação de garantia» que, como se extrai da letra da lei, não constitui fundamento legal para a dispensa de prestação de garantia. É que, contrariamente ao que o Recorrente alega, a distinção entre prejuízo irreparável “com a não dispensa de garantia” versus “com a prestação da garantia” é pertinente e devida, pois diferentes serão as consequências para o executado num e noutro caso.
Assim, a “não dispensa de prestação” de garantia terá como consequência (i) a necessidade de a mesma ser prestada ou (ii) a realização de penhora que garanta a dívida exequenda. Já a “prestação de garantia” tem como consequência a oneração, direta ou indireta, do património do devedor. Afigura-se-nos seguro dizer que o legislador apenas pretendeu proteger o devedor desta oneração do seu património, nas situações em que lhe cause prejuízos de difícil ou impossível reparação, ou em que fique sem meios económicos para a sua subsistência.
Uma vez que o prejuízo invocado pelo Recorrente não tem correspondência ao que o legislador pretende evitar, é de concluir pelo acerto da decisão reclamada, bem como da sentença que a confirmou, sendo manifestamente desnecessária a alteração à matéria de facto pretendida pelo Recorrente, por ser insuscetível de alterar o decidido nesta parte.

3.2.6. Da prova da atuação dolosa
Finalmente, entende o Recorrente que, ao ancorar-se a dispensa de garantia em prejuízo irreparável, não é necessária análise sobre a atuação dolosa (ou não) do contribuinte (cfr. artigo 52º, nº 4, da LGT, redação à data dos factos), sendo que a sentença erra, ao debruçar-se sobre tema que não consta do pedido (e objeto do processo judicial), em violação do artigo 99º, nº 1, da LGT: o Recorrente não solicitou a dispensa de garantia à AT com base na insuficiência do património ou de bens penhoráveis; nem, se essa insuficiência se deveu ou não a culpa sua; solicitou-a com base a não dispensa lhe causar prejuízo irreparável que concretizou.
Sucede que, como resulta do que já ficou exposto e constitui jurisprudência uniforme e constante dos nossos Tribunais superiores, «(…) nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar.
Cumulativamente com um destes pressupostos, o Requerente tem ainda que provar que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade.
O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia, deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária – cfr. artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT.
Tal é o que resulta do regime geral de repartição do ónus da prova [artigo 342.º do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1 da LGT] e, bem assim, do referido artigo 170.º, n.º 3 do CPPT, de onde podemos concluir que a prova dos pressupostos para a dispensa de prestação da garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido.
Em suma, quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre este que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e de que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores - cfr., entre outros, Acórdão do STA, de 20/02/2011, proferido no âmbito do Processo n.º 016/11.» - cfr. acórdão deste TCAN de 28.04.2016, proferido no processo nº 02303/15.0BEPRT, relatado pela Exmª Juíza Desembargadora que aqui intervém como 1ª Adjunta, disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/DA3C35F07B53AD0180257FCA00375713.
Constituindo a «prova que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade» um dos requisitos da dispensa de prestação de garantia, incumbia ao Juiz a quo apreciar a sua verificação uma vez que, nos artigos 168º a 180º, o Recorrente procurou evidenciar a falta de dolo na dissipação do seu património, ao alegar que não corresponde à verdade a ocorrência de tal dissipação, ensaiando demonstrar que os imóveis cuja raiz foi doada em 2013 não tinham valor significativo e que a alienação de 3 automóveis em janeiro de 2019 correspondeu à gestão normal do seu património, por terem sido vendidos pelo valor de mercado.
Não merece, portanto, censura o conhecimento desta questão pelo Tribunal a quo, sendo certo, porém, que a mesma resulta prejudicada pelo facto de não estar alegado e demonstrado um dos dois requisitos alternativos que, cumulativamente com o pressuposto ora em análise, há de verificar-se para a almejada dispensa de prestação de garantia - que esta causa prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos.

Na improcedência de todos os fundamentos do presente recurso, deve ser-lhe negado provimento, confirmando-se a sentença recorrida.

3.2.7. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça
Nos termos do nº 7 do artigo 6º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Como os nossos Tribunais superiores têm vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso, o valor do processo ascende a € 4.820.219,64, a petição inicial é composta por 235 artigos e nela são sucitadas diversas questões para além da verificação dos pressupostos legais de que depende a dispensa de prestação de garantia. Por outro lado, o processo teve uma longa instrução em 1ª instância, que incluiu a inquirição de testemunhas. Acresce que as questões suscitadas na p.i. não podem considerar-se simples, nem, tão pouco, que o presente processo não reveste dificuldade. Já o presente recurso foi finalizado com 51 conclusões, o que motivou um convite ao seu aperfeiçoamento, que foi aceite.
Ora, atento o que vem ser considerado, impera concluir que a decisão deste processo não foi simples, tanto em 1ª como em 2ª instância.
Não obstante, o valor a pagar a título de remanescente afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, suscetível até de ofender os princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade decorrentes do estatuído nos artigos 20º, nº 2, e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. Como tem vindo a ser referido pelo Supremo Tribunal Administrativo, não se pode perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspetiva (cf. artigos 3º, nº 2, e 4º, nº 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo – cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, proferido no processo 0249/14.9BESNT.
Tudo ponderado, considerando o que fica dito quanta à complexidade da causa e à desproporção entre o serviço efetivamente prestado e o valor da taxa de justiça, justifica-se a dispensa de apenas 75% do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias.

*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A decisão de dispensa de prestação de garantia apenas tem que ser antecedida de um requerimento do interessado, embora o OEF deva tomar em conta a situação do requerente à data da decisão.
II - O dever de pronúncia traduz-se numa vinculação da Administração a tomar posição em resposta a qualquer petição apresentada pelo sujeito passivo no procedimento tributário, e bem assim num verdadeiro dever de decisão procedimental nas situações em que o assunto apresentado se torna uma questão a resolver através de um ato administrativo, desde que, não se verifique nenhuma das situações contempladas no nº 2 do artigo 56º da Lei Geral Tributária.
III - Se a citação do responsável subsidiário pela dívida exequenda ocorrer para além do 5º ano posterior ao ano da liquidação, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto a ele, nos termos do nº 3 do artigo 48º da LGT.
IV - No entanto, se a citação do responsável subsidiário pela dívida exequenda tiver ocorrido para além do 5º ano posterior ao da liquidação, mas antes de transcorrido o prazo de prescrição, os efeitos da interrupção que derivam da sua própria citação produzem-se em relação a ele.
V - A prescrição das obrigações tributárias é uma das garantias do contribuinte e não um facto tributário ou um imposto, pelo que, desde logo, não cabe na previsão do artigo 103º, nº 3, da nossa Lei Fundamental
VI - A prova do pagamento de contribuições ou impostos apenas se pode efetuar através da exibição do documento comprovativo ou por um título de anulação, não sendo admissível prova testemunhal para demonstração do pagamento da dívida tributária exequenda.
VII - Nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.
VIII - O benefício da isenção de prestação de garantia depende de dois pressupostos, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar. Cumulativamente com um destes pressupostos, o Requerente tem ainda que provar que a insuficiência ou inexistência dos bens não é da sua responsabilidade.
IX - O executado que pretenda ser dispensado de prestar garantia deve dirigir o pedido ao órgão da execução fiscal, devidamente fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (artigo 170.º, n.ºs 1 e 3 do CPPT).
X - A dispensa de prestação da garantia assente quer na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, faz impender sobre o Requerente o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa: o prejuízo irreparável ou a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido e que não houve dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
XI - O legislador apenas pretendeu proteger o devedor da oneração do seu património nas situações em que a prestação de garantia lhe cause prejuízos de difícil ou impossível reparação, ou a falta de meios económicos para a sua subsistência e, já não, os prejuízos que possam decorrer da “não dispensa de prestação de garantia”.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, dispensando-se as partes do pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça, em ambas as instâncias.

Porto, 22 de fevereiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta
Cláudia Almeida – 2ª Adjunta