Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00134/11.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/15/2022
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rosário Pais
Descritores:IRS; MAIS VALIAS;
PERMUTA; COISAS FUTURAS;
COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA DO TCAN;
Sumário:I– No contrato de permuta de bens presentes por bens futuros, a transmissão do direito de propriedade das coisas permutadas tem como causa o próprio contrato mas, se nada for convencionado pelas partes, os efeitos ocorrem em momento diferente: quanto aos bens presentes, no momento da celebração do contrato e quanto aos bens futuros, no momento em que se tornam presentes (n°s. 1 e 2 do art. 408° do CCivil).
II – Também relativamente ao adquirente de bens futuros o aumento do poder aquisitivo (que é o que releva para efeitos da tributação em IRS) apenas se materializa no momento da celebração do contrato que lhe permita dispor do direito sobre aqueles bens (que então já não serão futuros) ou, então, se ocorrer tradição ou posse dos mesmos (al. a) do n° 3 do art. 10º do CIRS) antes da celebração daquele contrato, no momento em que tais bens lhe sejam entregues: é um destes momentos – o da escritura ou o da tradição dos bens futuros – conforme o que primeiro se verificar, o momento relevante a considerar para efeitos de tributação.*
* Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. O Exm.º Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 13.09.2017 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada procedente a impugnação deduzida por AA contra a dívida proveniente de IRS do ano de 2007, no valor de 213.545,77€, sob cobrança coerciva na execução fiscal nº ...17.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«
1. No douto aresto sob recurso, o Mmo. Juiz a quo decidiu anular a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2007 (acto impugnado) por considerar a inexistência do facto tributário, estribada na circunstância de não ter ocorrido a tradição, a favor dos Impugnantes, das fracções identificadas nos autos;
2. O facto tributário, subjacente ao acto impugnado, constitui-se em 7 de Fevereiro de 2007, data em que o aqui Impugnante, e sua esposa, e a sociedade ‘T..., LDA.’ outorgaram, em escritura pública de compra e venda, a permuta de um terreno rústico, de que os primeiros eram proprietários, por quatro fracções em regime de propriedade horizontal, à data em fase de construção;
3. A liquidação impugnada foi efectuada com base na declaração de IRS, apresentada pelo Impugnante (cf. fls. 5 a 13 do Processo Administrativo) e na sequência da entrega da declaração modelo 1 de Imposto Municipal sobre Imóveis (cf. fls. 4, do PA) para efeitos da liquidação do correspectivo imposto;
4. Na decorrência da outorga do referido contrato produziram-se na esfera jurídica do Impugnante, os pressupostos de que a lei faz depender a tributação em sede de IRS, a título de mais-valias (categoria G) , vertidos (à data) na alínea a) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 3, ambos do artigo 10.º e também no n.º 3 do artigo 42.º, todos do Código do IRS;
5. Tal como vem referido no douto parecer do Ministério Público, junto aos presentes autos, os efeitos económicos resultantes da estipulação negocial (permuta) ocorreram e mantiveram-se válidos na ordem jurídica, legitimando, deste modo, a tributação em sede de IRS (vide, também, artigo 38.º da Lei Geral Tributária);
6. Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, os julgados vertidos na sentença do Tribunal Judicial de ...X (Processo n.º ..../11.6TBVRL) e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (proferido em instância de recurso interposto daquela outra decisão) não se mostram invalidantes – antes os confirmam – dos fundamentos que subjazeram à prática do acto impugnado;
7. Assim é porquanto não apenas ali ficou confirmada a inexistência de quaisquer causas de nulidade do referido negócio (permuta), atestando, assim, a sua validade;
8. Como também se extrai que a sociedade ‘T..., LDA’, em resultado do incumprimento da obrigação contratual de entregar as referidas fracções ao Impugnante, foi condenada a pagar a este, e sua mulher, a quantia de € 500.000,00, montante correspondente ao valor global atribuído às fracções no referido contrato de permuta;
9. Contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz a quo, e como se comprova nos presentes autos, a alienação das referidas fracções a terceiros não impediu a produção do efeito económico pretendido pelas partes aquando da outorga da escritura pública de compra e venda;
10. Tal foi dado como provado na referida acção de arresto (Processo ..../11.6TBVRL), o contrato de permuta, não apenas foi validamente celebrado (mediante outorga de escritura pública) como os seus efeitos se mantiveram indemnes na ordem jurídica, sem o que não teria a sociedade ‘T..., LDA’ sido condenada no pagamento, aos aqui Impugnantes, do valor equivalente à prestação a que contratualmente se havia obrigado (entrega das quatro fracções);
11. No sentido vindo de expor, violou a douta sentença recorrida as disposições conjugadas da alínea a) do n.º 1 e alínea a) do n.º 3, ambos do artigo 10.º, e o n.º 3 do artigo 42.º, todos do Código do IRS, bem assim o disposto artigo 38.º da Lei Geral Tributária;
12. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogando-se a douta sentença recorrida, e a sua substituição por outra que julgue a presente impugnação totalmente improcedente, assim se fazendo a já acostumada Justiça.».

1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, considerando que:
«(…) analisadas as Conclusões e ainda o próprio texto das alegações, constata-se que a Recorrente não se insurge contra a factualidade apurada na decisão judicial em crise.
Destarte, o thema decidendum, tal como foi delimitado pela Recorrente, não implica ou exige o ulterior conhecimento e/ou alteração da matéria fáctica dada como assente pelo tribunal a quo que, assim, se mostra definitivamente fixada.
É, pois esta, a questão verdadeiramente fulcral do recurso em causa, pretendendo apenas a Recorrente, com a sua argumentação, demonstrar que que os ganhos sujeitos a tributação em IRS, nos termos do art. 10°, n° 1 al. a) e n° 3 do Código do IRS, consideram-se obtidos na data da celebração do contrato de permuta de bens presentes por bens futuros,
Uma vez que foi na sequência da outorgado referido contrato de permuta que se produziram na esfera do Impugnante, ora Recorrido os pressupostos de que a lei faz depender a tributação em sede de IRS, a título de mais-valias vertidos nas acima citadas disposições legais.
Assim sendo, desde já avançamos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, o presente recurso, versando exclusivamente sobre matéria de direito, deverá ser conhecido e decidido pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo (STA) por ser o competente em razão da hierarquia, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 280°, n° 1, 2° segmento, do CPPT e 26°, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)
É, de resto, esta a doutrina vertida, nomeadamente, no douto Acórdão do TCAN-2a Secção-Contencioso Tributário, de 9/12/2004, no processo n° 00127/04, disponível, tais como os que infra se citarão, em www.dgsi.pt, onde se consagrou que "Se no recurso interposto da sentença proferida pelo T. Tributário de la instância para o TCAN inexiste controvérsia factual a dirimir e a matéria controvertida se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação das normas jurídicas invocadas pela recorrente, é de concluir que o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito, sendo, por isso, competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com o disposto no artigo 26°, n°1, al. b, 38°, n° 1, al. a) do ETAF e art.° 280, n° 1 do CPPT."
No mesmo sentido, o douto Acórdão do TCAS-CT, 2° Juízo, de 27/04/2010, tirado do processo n° 03957/10, nos termos do qual "A identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar censura da decisão recorrida"
E ainda que "O recurso tem exclusivo fundamento em matéria de direito se, perante o circunstancialismo dos autos, se concluir que para solucionar a matéria alegada e controvertida pelas partes não se torna necessário fazer qualquer juízo sobre questões probatórias ou averiguar da materialidade alegada como eventualmente interessando a outras plausíveis soluções de direito".
Ora, dispõe o artigo 16° do CPPT, no seu n° 1 que "A infracção das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal".
Por sua vez, a norma do seu n° 2 estabelece que "a incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e pode ser arguida pelos interessados ou suscitada pelo Ministério Público ou pelo representante da Fazenda Pública até ao trânsito em julgado da decisão final".
Por sua vez o artigo 18° do mesmo diploma, sob a epígrafe "Efeitos da declaração judicial de incompetência" estabelece que:
"1-A decisão judicial de incompetência territorial implica a remessa oficiosa do processo ao tribunal competente no prazo de 48 horas;
2- Nos restantes casos de incompetência pode o interessado, no prazo de 14 dias a contar da notificação que a declare, requerer a remessa do processo ao tribunal competente;
3- A decisão que declare a incompetência indicará o tribunal considerado competente;
4- Em qualquer dos casos, a petição considera-se apresentada na data do primeiro registo do processo.
Prescreve ainda, o artigo 280°, n° 1 do mesmo diploma que "Das decisões dos tribunais tributários de 1" instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo".
Por seu turno, consagra o artigo 26 do ETAF:
"Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:
a)- Dos recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos, proferidos eml° grau de jurisdição;
b)- Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito;
Sucede, ainda, que o artigo 281° do CPPT determina que "os recursos serão interpostos, processados e julgados, como os agravos em processo civil".
E que é ao juiz relator que cumpre aferir a verificação, em cada caso, dos pressupostos ou requisitos legais da regularidade e legalidade da instância de recurso jurisdicional (cf. artigo 288°, n° 2 do CPPT).
Acresce que o despacho do juiz que incida sobre o requerimento de interposição de recurso não vincula o tribunal superior, de harmonia com o disposto no artigo 652°, n° 1, alínea a), do CPC, aqui aplicável ex. vi do artigo 2°, alínea e) do CPPT.
Nesta conformidade, nada obsta e antes de tudo impõe-se que se profira decisão liminar que declare que o Venerando Supremo Tribunal Administrativo é o hierarquicamente competente para o conhecimento dos presentes autos, para o qual a Recorrente poderá requerer a remessa do processo no prazo previsto no n° 2 do citado artigo 18° do CPPT.
Se assim não se entender:

B-DO MÉRITO DO RECURSO
Para efeitos de tributação em IRS, em caso de contrato de permuta e ainda que se trate de permuta por bens futuros, o aumento do poder aquisitivo do adquirente dos bens futuros apenas se materializa no momento da celebração do contrato que lhe permita dispor do direito sobre aqueles bens (que então já não serão futuros),
Ou, então, se ocorrer tradição ou posse dos mesmos (al. a) do dito n° 3 do art. 10° do CIRS) antes da celebração daquele contrato, no momento em que tais bens lhe sejam entregues: é um destes momentos — o da escritura ou o da tradição dos bens futuros — conforme o que primeiro se verificar, o momento relevante a considerar para efeitos de tributação.
E porque a tributação das mais-valias "surge na medida em que a alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, em relação ao qual o principio da capacidade contributiva reclama a existência de normas de incidência objectiva" (André Salgado Matos - Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Anotado, 1999, Nota 1 ao art. 10°, p. 163.),
Deverá a tributação reportar-se ao momento em que na realidade o titular dos rendimentos adquira efectivamente o aumento do poder aquisitivo resultante do negócio que o origina.
Ora, in casu, as fracções em causa nunca foram entregues ao Impugnante, ora Recorrido, sendo vendidas a terceiros.
Consequentemente, no ano de 2007, o Impugnante, ora Recorrido, não auferiu rendimentos susceptíveis de serem tributados em sede de IRS (mais-valias)
Destarte, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.

CONCLUSÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos:
a)- Não deverá tomar-se conhecimento do recurso e, em consequência:
b)- Deverá ser declarado que o Supremo Tribunal Administrativo (STA) é o competente em razão da hierarquia para o seu conhecimento para o qual a Recorrente poderá requerer a remessa no prazo previsto no n° 2 do artigo 18° do CPPT.

Se assim não se entender:
c)- Deverá ser negado provimento ao recurso e, consequente, manter-se integralmente a
douta sentença recorrida.».

1.5. As partes foram ouvidas sobre a exceção de incompetência hierárquica suscitada pelo Ministério Público.
*
Dispensados os vistos prévios, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se ocorre, ou não, a arguida exceção de incompetência hierárquica deste TCAN para conhecimento do presente recurso e, na negativa, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que, no caso, inexistia facto tributário justificante da liquidação impugnada.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«MOTIVAÇÃO
Factos provados:
1. O Impugnante [AA] e sua esposa BB celebraram em 7 de Fevereiro de 2007 com a sociedade comercial "T..., LDA.", Pessoa Colectiva n° ..., com capital social de 5 000,00 €, matriculada na C.R.Comercial ... sob o n.º ...60 e sede na Rua ..., um contrato de permuta;
2. Este contrato foi titulado por escritura pública extraída no Cartório Notarial ..., de CC, Notária com Cartório sito na Quinta..., cidade de ...X, exarada a fls. 90 a fls. 91 v, do livro de notas para escrituras diversas n° 71;
3. Nesta escritura o Impugnante e sua esposa outorgaram como Primeiros Outorgantes e a dita sociedade outorgou como Segunda Outorgante, representada pelos seus gerentes com poderes para o acto DD, casado, portador do bilhete de identidade n° ..., emitido em 30/03/2000, pelo S.I.C. de ...X e EE, viúva, portadora do bilhete de identidade n" ..., emitido em 11/03/2003, pelo S.I.C. de ...X;
4. O Impugnante declarou ser dono do prédio rústico, composto de pomar, macieiras, vinha e videiras em cordão, sito em ..., Freguesia ..., Concelho ...X, inscrito na matriz sob o artigo ...9°, com o valor patrimonial IMT de 2 188,25 €, descrito na C.R.Predial ...X sob o nº ...57, da dita Freguesia ..., inscrito a seu favor pela inscrição G - um, a que atribuiu o valor de um milhão de euros;
5. Pela dita escritura, o Impugnante, com a devida autorização conjugal, deu o referido prédio rústico à sociedade "T..., LDA.";
6. Declarou receber em troca quatro fracções autónomas, destinadas a habitação, no valor de quinhentos mil euros;
7. Atribuíram, a cada uma delas, o valor, à data, de cento e vinte e cinco mil euros e que correspondem;
- Apartamento T - três no primeiro andar esquerdo, Entrada A;
- Apartamento T - três no segundo andar esquerdo, Entrada A;
- Apartamento T - três no primeiro andar direito, Entrada B;
- Apartamento T - Três no segundo andar direito, Entrada B.
8. Todas as fracções do prédio urbano estavam em construção no lote de terreno para construção, designado por lote trinta e um, sito no Lugar ..., Freguesia ..., Concelho ...X, inscrito na matriz sob o artigo ...76°, descrito na C.R.P. ... X sob o n° ...59°, da dita Freguesia ..., inscrito a favor da requerida pela inscrição G-um;
9. Para igualação de valores a “T..., LDA” repôs ao Impugnante a importância de quinhentos mil euros, que ele declarou ter recebido;
10. Os outorgantes mais declararam, nas qualidades em que respectivamente outorgaram, que reciprocamente aceitaram a permuta;
11. Os outorgantes declararam que houve intervenção de mediador imobiliário, com a denominação N..., Lda., com sede na Praceta ..., ..., loja dois, em ...X, com a licença AMl ...;
12. A T..., LDA." registou e inscreveu a aquisição do imóvel por permuta a seu favor na C.R.P. ... X pela AP. ...7 de 200S/05/21, assim como se inscreveu como titular do mesmo na matriz predial dos Serviços de Finanças de ...X por referência ao artigo matricial ...90;
13. A T..., LDA." concluiu a construção do edifício no lote de terreno para construção, designado por lote n.º 31, sito no Lugar ..., Freguesia ..., Concelho ...X;
14. Após constituiu a propriedade horizontal do respectivo prédio urbano;
15. O apartamento T - três no primeiro andar esquerdo, Entrada A, integrante da permuta passou a corresponder na realidade à Fracção Autónoma designada pela Letra M, composta por Habitação - 1 ° andar Esq.º - Bloco A - T -3 - lugar de garagem nº 1 na 2ª cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n.º ...59/20...-M;
16. A constituição da Propriedade Horizontal foi registada na C.R.P. ... X pela AP. ... de 2008/05121;
17. O apartamento T - três no segundo andar esquerdo, Entrada A, integrante da permuta passou a corresponder na realidade à Fracção Autónoma designada pela Letra O, composta por Habitação - T-3 - 2° andar Esq" - Bloco A-I lugar de garagem N° 9 na 2a cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n°..59/20.... – O;
18. A constituição da Propriedade Horizontal foi registada na C.R.P. ... X pela AP. ... de 2008/05/21;
19. O apartamento T - três no primeiro andar direito, Entrada B, integrante da permuta passou a corresponder na realidade à Fracção Autónoma designada pela Letra V, composta por Habitação - T -3 - 1 ° andar direito - Bloco B - 1 lugar de garagem n° 8 na 23 cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n° ...59/20... - V ;
20. A constituição da Propriedade Horizontal foi registada na C.R.P. ... X pela AP. ... de 2008/05/21;
21. O apartamento T - três no segundo andar direito, Entrada B, integrante da permuta passou na realidade a corresponder à Fracção Autónoma designada pela Letra X, composta por Habitação - T-3 – 2º andar direito - Bloco B - 1 lugar de garagem n.º 7 na 23 cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n.º ...59/20..-L;
22. A constituição da Propriedade Horizontal foi registada na C.R.P. ... X pela AP. ... de 2008/05121;
23. A "T..., LDA.", ao contrário do que havia contratado com o executado e sua esposa, após conclusão do edifício e depois de constituída a propriedade horizontal, não entregou àqueles as fracções autónomas supra descritas e identificadas em troca do prédio rústico que deles recebeu inscrito na matriz sob o artigo ...59;
24. Nunca quis, antes se recusou, a celebrar com o executado e sua esposa a competente escritura pública de determinação de prestação para prestação estipulada no contrato de permuta;
25. A "T..., LDA." também não compôs com o valor unitário do total das quatro fracções mais os 500 000,00 € que pagou ao Impugnante e esposa para a igualação do valores da troca que estes fizeram com ela do prédio rústico com o artigo ...90 a que para efeito de igualação atribuíram à data o valor de I 000 000,00 €;
26. A 'T..., LDA." vendeu a FF, divorciada, residente na Rua ..., ... ...X, que por sua vez lhe comprou, a Fracção Autónoma designada pela Letra M, composta por Habitação - T -3 _ 10 andar Esq" - Bloco A-I lugar de garagem n° 1 na 2ª cave, descrita na C.RPredial ...X sob o nº ...59/20...-M;
27. Corresponde ao apartamento T - três no primeiro andar esquerdo, Entrada A, integrante da permuta;
28. A aquisição a favor do comprador foi registada na C.RP. ...X pela C.RP. ...Y, pela AP. ...83 de ...03;
29. Tendo a compradora constituído sobre a fracção autónoma Hipoteca Voluntária a favor do Banco 1..., S.A. para garantia do bom e integral pagamento do crédito concedido para a aquisição do imóvel, no capital de 132 880,00 € e montante máximo assegurado de 182 045,00 €;
30. A qual ficou registada na C.R.P. ... X pela C.R.P. ...Y pela AP. ...84 de 2010105/03;
31. A "T..., LDA." vendeu a GG e HH, casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Av. ..., ... ...X, que por sua vez lhe compraram, a Fracção Autónoma designada pela Letra O, composta por Habitação - T -3 - ... andar - Bloco A-I lugar de garagem n° 9 na 23 cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n" 59/20..-O.;
32. Correspondente ao apartamento T - três no segundo andar esquerdo, Entrada A, integrante da permuta;
33. Cuja aquisição a favor do comprador foi registada na C.R.P. ... X pela CRP...V, AP. ...58 de 2010/02/26;
34. O comprador constituiu sobre a fracção autónoma Hipoteca Voluntária a favor do B..., S.A. para garantia do bom e integral pagamento do crédito concedido para a aquisição do imóvel, no capital de 140000,00 € e montante máximo assegurado de 198 100,00 €;
35. Ficaram registadas na C.R.P. ... X pela C.R.P. de V pela AP. ...59 de 2010/02/26;
36. A a "T..., LDA." vendeu a II, solteira, maior, residente na Rua ..., ..., ...X, e a JJ, solteiro, maior, residente na Quinta ..., ..., ...X, que por sua vez lhes compraram, a Fracção Autónoma designada pela Letra V, composta por Habitação - T -3 - 10 andar direito - Bloco B - lugar de garagem n° 8 na 2a cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n.º ...59/20..-L;
37. Corresponde ao apartamento T - três no primeiro andar direito, Entrada B, integrante da permuta;
38. A aquisição a favor dos compradores foi registada na C. R. P. ... pela C.R.P. ...A pela AP. ...99 de 2009/10/30;
39. Os compradores constituíram sobre a fracção autónoma Hipoteca Voluntária a favor do Banco 1..., S.A. para garantia do bom e integral pagamento do crédito concedido para a aquisição do imóvel, no capital de 126000,00 € e montante máximo assegurado de 172 620,00 €;
40. Ficaram registadas na C.R.P. ... X pela C.R.P. ...A pela AP. ...00 de 2009/10/30;
41. A "T..., LDA." vendeu a KK, solteiro, maior, residente em ..., ... e a LL, solteira, maior, residente em ..., ..., que por sua vez lhe compraram, Fracção Autónoma designada pela Letra X, composta por Habitação _ T -3 - 20 andar direito - Bloco B - 1 lugar de garagem n° 7 na 2ª cave, descrita na C.R.Predial ...X sob o n° ...59/20....... - X;
42. Corresponde ao apartamento T - três no segundo andar direito, Entrada B, integrante da permuta;
43. A aquisição a favor da compradora foi registada na Conservatória do Registo Predial ... pela AP. ...97 de 2010/03122;
44. Os compradores constituíram sobre a fracção autónoma Hipoteca Voluntária a favor da Banco 2..., S.A. para garantia do bom e integral pagamento do crédito concedido para a aquisição do imóvel, no capital de 123 500,00 € e montante máximo assegurado de 173 811,43 €;
45. Ficou registada na C.R.P. ... X pela AP. ...98 de 2010/03122;
46. A "T..., LDA.", ao contrário do que havia contratado com o Impugnante e esposa, após conclusão do edifício e depois de constituída a propriedade horizontal, não entregou àqueles as fracções autónomas supra descritas e identificadas em troca do prédio rústico que deles recebeu inscrito na matriz sob o artigo ...90;
47. Só em finais de Dezembro de 2010 é que os Impugnantes tiveram conhecimento da venda das referidas fracções autónomas, por parte da “T..., LDA” aos supra identificados compradores;
48. O Impugnante e a esposa, após conclusão do edifício e depois de constituída a propriedade horizontal pela "T..., LDA.", não receberam desta as fracções autónomas supra descritas e identificadas em troca do prédio rústico que eles lhe deram inscrito na matriz sob o artigo ...9°;
49. O Impugnante e esposa propuseram contra a dita "T..., LDA" Procedimento Cautelar de Arresto que correu termos no Tribunal Judicial de ...X sob o n° ..../11.3TBVRL do ... Juízo - o qual foi julgado provado e procedente foi ordenado o arresto de bens descritos no art.º 92.º da PI;
50. No âmbito de execução fiscal ...27 que correrá termos no SF de ...X o Impugnante foi citado para pagar a quantia de 213.545,77 € e juros de mora de 2.108,52 € - cfr. fls. 4 do acórdão do TCAN, de fls. 299 e ss;
51. Em data não alegada, nem comprovada, a AT notificou os Impugnantes de uma liquidação que tem na origem uma fonte de rendimentos dos Impugnantes – cfr. acórdão do TCAN, que também remete para parecer do MP junto a esse tribunal;
52. A fonte de rendimentos no qual a AT fundou a liquidação do imposto ( IRS de 2007 – cfr. fls. 2 do PA) tem a ver com o contrato de permuta supra aludido e com a efectivação desse contrato, como seja a aquisição das fracções autónomas descritas em 6 e 7 no valor global de quinhentos mil euros – cfr. PI, contestação e acórdão do TCAN

Para a prova dos factos 1 a 50 cfr. doc 1 e 2 da PI; sentença proferida no processo ..../11.6TBVRL e acórdão da Relação de Guimarães que sobre ela se pronunciou( Fls. 366 a 431 dos autos).
Em princípio o caso julgado só produz efeitos entre as partes, na medida em que a excepção do caso julgado pressupõe a repetição da causa e a causa só se repete quando haja identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir – art.º 498.º do CPC.
Ora, desde logo os sujeitos que neste processo e no processo ..../11.6TBVRL estão identificados ( cfr. fls. 366), são diferente.
Contudo, a ideia de que o caso julgado não produz efeitos em relação a terceiros não pode significar que todos aqueles que não figuram no processo inicial como partes possam ignorar as sentenças proferidas e transitadas nesses processos como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas.
Estamos a referir-nos à eficácia reflexa do caso julgado relativamente àqueles que arrogam a titularidade de uma relação ou posição incompatível com a reconhecida em sentença transitada em julgado – Neste sentido, Cfr. Antunes Varela e Outros in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 724 e ss, em posição que se acompanha
O que está em causa nestes autos é a existência de facto tributário que pressupõe um direito de propriedade, por parte dos Impugnantes, e consequente rendimento, sobre as fracções autónomas supra descriminadas. Contudo, não se pode olvidar que, de forma clara, a sentença proferida no processo ..../11.6TBVRL considerou que a “T..., LDA” vendeu esses mesmos imóveis a terceiros supra identificados.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da incompetência hierárquica deste TCAN
Dispunha o artigo 280º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação anterior à atual e aqui aplicável, que «1 - Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.».
Como decorre da jurisprudência já pacífica dos nossos Tribunais superiores, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Ora, analisando as alegações de recurso, é possível constatar que na conclusão 8ª a Recorrente Fazenda Pública invoca um facto que não consta do probatório - «Como também se extrai que a sociedade ‘T..., LDA’, em resultado do incumprimento da obrigação contratual de entregar as referidas fracções ao Impugnante, foi condenada a pagar a este, e sua mulher, a quantia de € 500.000,00, montante correspondente ao valor global atribuído às fracções no referido contrato de permuta;» -, pretendendo extrair do mesmo consequências jurídicas relevantes, uma vez que desse facto conclui que « (…) a alienação das referidas fracções a terceiros não impediu a produção do efeito económico pretendido pelas partes aquando da outorga da escritura pública de compra e venda;».
Temos, então, que nas conclusões das alegações é suscitada uma questão de facto, donde que o presente recurso não pode ser resºolvido pela mera interpretação e aplicação de normas jurídicas, importando, também, a apreciação da questão factual aludida.
Nesta medida, forçoso é concluir que o presente recurso versa sobre questões de facto e de direito pelo que a competência para a respetiva apreciação cabe a este TCAN.

3.2.2. Do erro de julgamento
3.2.2.1. Em matéria de facto
Pese embora a conclusão 8ª das alegações de recurso vise evidenciar o erro de julgamento de direito que a Recorrente imputa à sentença, o certo é que, como já avançámos, não resulta de qualquer ponto do probatório que a sociedade “T..., LDA” tivesse sido condenada a pagar ao Recorrido e sua esposa qualquer importância.
Com efeito, o probatório apenas dá notícia de que o Recorrido e sua esposa propuseram contra a dita sociedade "T..., LDA" Procedimento Cautelar de Arresto que correu termos sob o nº o n° ..../11.3TBVRL do ... Juízo, o qual foi julgado provado e procedente, tendo sido ordenado o arresto de bens descritos no art.º 92.º da PI – cfr. ponto 49º dos factos provados.
Admitindo, porém, que a Recorrente pretende contrariar a decisão de facto, a lei impõe-lhe a observância de formalidades que não podem ser dispensadas.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 640º, nº 1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Como refere Abrantes Geraldes a propósito desta norma (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ª edição, a págs.165) sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); e) O recorrente deixará expressa a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)».
Esclarece ainda o mesmo autor (cfr. obra citada, pág. 168 e 169) que a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º nº 2, a. b);
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escritos, etc);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.».
No caso que nos ocupa, constata-se que nas conclusões de recurso nada é expresso sobre a impugnação da matéria de facto; aliás, a Recorrente parece dar como certo que o facto por si alegado – a condenação da sociedade a pagar o referido montante ao Recorrido e sua esposa – consta do probatório. Por outro lado, na motivação do recurso nada se lê sobre o resultado pretendido relativamente ao segmento factual que, afinal, consubstancia impugnação da matéria de facto.
Assim, nesta parte, que respeita à decisão quanto à matéria de facto, o recurso da Fazenda Pública não pode ser atendido, devendo, antes, ser rejeitado, de acordo com o disposto no artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil. Consequentemente, o presente recurso terá que ser analisado à luz da factualidade fixada em 1.ª instância.

3.2.2.2. De direito
Em face da factualidade provada, a sentença recorrida acolheu a seguinte fundamentação de direito:
«O momento da aquisição do direito de propriedade é, no caso do contrato, o designado no art.º 408.º e 409.º do CC – art.º 1317, al.a) do CC.
Dispõe o art.º 408.º do CC o seguinte “ 1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.// 2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada (…)”
Por outro lado, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Previa o n.º 3, al. a) daquele preceito na redacção à data dos factos que os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, a não ser nos casos de “troca”, em que se presume que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objectos do contrato.
Ora, no caso dos autos inexistiu tradição ou posse das fracções autónomas enquanto coisas futuras (porque que à data do contrato estavam em construção), e, como tal, para além das coisas não terem sido adquiridas para efeitos do n.º 2 do art.º 408.º do CC, inexiste facto tributário porque a sua posse nunca foi cedida aos Impugnantes.».
Analisemos, então, o mérito do presente recurso, à luz da jurisprudência já firme do Supremo Tribunal Administrativo, à qual aderimos sem qualquer reserva, pelo que vamos aqui acompanhar o acórdão daquele Venerando Tribunal de 26.03.2014, proferido no recurso 0594/13, onde se refere que o «contrato de permuta é hoje um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na lei civil, devendo a sua regulação de referência buscar-se no contrato de compra e venda, por força do disposto no art. 939° do CCivil.
Mas, além disso, trata-se de permuta por bens futuros.
E na definição legal, tanto será permuta a troca imediata da propriedade e da posse material de bens imóveis entre ambas as partes e nos dois sentidos, como a situação em que a prestação de uma das partes envolve um bem futuro, ou seja, um bem que ainda está em construção ou que o permutante ainda vai adquirir a terceiro.
Na verdade, no art. 211° do CCivil definem-se as coisas futuras como sendo «... as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial». Ora, sabido que os bens futuros podem ser absolutamente futuros (os que não existem na ordem jurídica, que estão em projecto ou em fase de construção, mas ainda não são bens com identidade própria) ou relativamente futuros (os que já existem e são reais mas não estão ainda no património do disponente) importa distinguir entre o momento da celebração do contrato e o momento em que nas leis tributárias (CIRS, CIRC, CIMT, CIMI, entre outras) se considera consumada essa mesma permuta.
Até porque no contrato de permuta de bens presentes por bens futuros, a transmissão do direito de propriedade das coisas permutadas tem como causa o próprio contrato mas, nada sendo estipulado pelas partes, os efeitos ocorrem em momento diferente: quanto aos bens presentes, no momento da celebração do contrato e quanto aos bens futuros, no momento em que se tornam presentes (n°s. 1 e 2 do art. 408° do CCivil).
Como salienta Fernandes Pires (embora reportando não ao IRS, mas apenas ao IMT) «Em condições normais as permutas ocorrem de forma instantânea, produzindo-se as transmissões em simultâneo com a celebração do contrato. Essa consumação ocorrerá por mero efeito da celebração do contrato, seguindo-se a regra geral, constante do n° 1 do artigo 408° do Código Civil, segundo a qual os efeitos reais dos contratos se produzem imediatamente, com a sua celebração.
Mas é o próprio artigo 408° do Código Civil que no seu n° 2 abre a excepção para a transferência da propriedade dos bens futuros, estabelecendo que a transmissão da propriedade só se produz quando os bens se tornarem presentes no património do transmitente.
Aplicando esta regra da Lei civil às permutas de bens presentes por bens futuros, teríamos que ter em conta que a transmissão da propriedade destes últimos só ocorre quando eles se tornarem presentes no património do permutante que no contrato fica com a obrigação de os entregar. (...)

Em respeito a este princípio o Código do IMT estabelece que a consumação da permuta de bens presentes por bens futuros não ocorre necessariamente, de forma imediata, na data da celebração do contrato. (...)
Daqui resulta que nestes casos a permuta não se consuma num só momento, mas em dois momentos distintos, sendo um facto tributário composto por outros dois que se produzem em momentos diferentes no tempo. Assim, quando é celebrado o contrato e se transmite a propriedade de um dos bens, ocorre uma transmissão e quando se transfere a propriedade do bem futuro, ocorre a segunda transmissão. Com esta segunda transmissão consuma-se em simultâneo e de forma automática a permuta.» (José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pp. 334/349.)
Aliás, para efeitos de incidência de IMT, na parte final do n° 3 do art. 5° do CIMT também se ressalvam os casos em que a transmissão dos bens futuros venha a ocorrer em data anterior àquela em que eles se tornam presentes, ou seja, os casos em que a transmissão para efeitos do IMT ocorre antes de se verificar a sua transmissão nos termos do Código Civil [por exemplo os imóveis urbanos ainda não construídos, mas já com projecto de construção aprovado, os quais, por força da excepção constante do n° 3 do art. 14° do CIMT, são considerados, para efeitos de permuta e desse imposto, como bens presentes (Também João Ricardo Catarino, Aspectos Relevantes do Novo Regime de Avaliação da Propriedade Urbana para Fins Fiscais, in Fisco n° 119-121, p. 95, considera que «em bom rigor, não é materialmente possível a posse ou tradição de bens futuros sobre os quais se concebem meros direitos de crédito, os quais, quando integrados no objecto de uma relação jurídica configuram como um direito à prestação de um bem futuro».)].
Em conclusão, para efeitos de tributação em IRS, em caso de contrato de permuta e ainda que se trate de permuta por bens futuros, o aumento do poder aquisitivo do adquirente dos bens futuros apenas se materializa no momento da celebração do contrato que lhe permita dispor do direito sobre aqueles bens (que então já não serão futuros) ou, então, se ocorrer tradição ou posse dos mesmos (al. a) do dito n° 3 do art. 10º do CIRS) antes da celebração daquele contrato, no momento em que tais bens lhe sejam entregues: é um destes momentos — o da escritura ou o da tradição dos bens futuros — conforme o que primeiro se verificar, o momento relevante a considerar para efeitos de tributação.
E porque a tributação das mais-valias «surge na medida em que a alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, em relação ao qual o principio da capacidade contributiva reclama a existência de normas de incidência objectiva»(André Salgado Matos - Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Anotado, 1999, Nota 1 ao art. 10º, p. 163.) deverá a tributação reportar-se ao momento em que na realidade o titular dos rendimentos adquira efectivamente o aumento do poder aquisitivo resultante do negócio que o origina.
3.3. Diz a sentença, referenciando o acórdão proferido no TCA Sul em 11/5/2004, no proc. n° 1088/03, que a mais valia obtida consistiu no direito adquirido na escritura de permuta, tanto mais que, que, para efeito de determinação da matéria tributável do contribuinte, terá de atender-se ao rendimento que efectivamente recebeu no ano em causa, sendo que o valor de realização, ou de alienação, de todas as mais valias sujeitas a IRS no caso de troca, será o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, e, tratando-se de troca por bens futuros, o valor reporta-se à data da celebração do contrato — cf. art. 44º, n°1, al. a) e n° 3 do CIRS, sendo que também o n° 3 do art. 10º do CIRS deve ser interpretado não como determinando, no ano da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do acto.
Ora, não pode deixar de se referir que o dito acórdão, além de considerar (i) que o n° 3 do art° 10º do CIRS deverá ser interpretado não como determinando, no ano da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do acto, também considera (ii) que, tratando-se de bens futuros, o valor se reporta à data da celebração do contrato (o que não quer dizer que também se esteja a afirmar que a esse momento se deva reportar a exigibilidade do imposto). Isto é, a questão ali em causa respeitava ao quantum do valor de realização a considerar e não à data em que devem ser imputados os ganhos sujeitos a IRS.
Acresce, como aponta o MP, que em tal aresto também se admitiu ainda a tributação com base no valor que semelhantemente foi dado a fracções em nova liquidação de sisa, e tendo sido considerada a tributação pela alienação do prédio rústico destinado a construção, conforme consta da escritura de venda, apesar de tal requisito constar apenas de anterior legislação.
De todo o modo, e independentemente do decidido nesse acórdão, não é de aceitar, pelas razões que já supra se deixaram expostas, o entendimento vertido na sentença recorrida e igualmente sustentado pelo recorrido.
Na verdade, como supra se acentuou, a opção legislativa, em sede de IRS, de tributação das mais-valias apenas no momento da realização, não sendo tributáveis as mais-valias meramente potenciais ou latentes, mais não concretiza do que a subordinação ao princípio da realização, sendo a regra geral a de fazer coincidir a realização (e, consequentemente, o momento da tributação) com a própria alienação de bens.
Há, pois, num certo tipo de situações, onde a presente também se pode incluir, uma distinção entre o momento da sujeição (que corresponde ao da celebração da permuta) e o momento da exigibilidade do imposto (que só ocorre com a posterior alienação onerosa do bem ou com facto equivalente).
E como acima se deixou dito, relativamente ao adquirente de bens futuros, o aumento do poder aquisitivo (que é o que releva para efeitos da tributação em IRS) apenas se materializa no momento da celebração do contrato que lhe permita dispor do direito sobre aqueles bens (que então já não serão futuros) ou, então, se ocorrer tradição ou posse dos mesmos (al. a) do dito n° 3 do art. 10º do CIRS) antes da celebração daquele contrato, no momento em que tais bens lhe sejam entregues: é um destes momentos — o da escritura ou o da tradição dos bens futuros — conforme o que primeiro se verificar, o momento relevante a considerar para efeitos de tributação.
E a tanto não obsta o disposto no n° 3 do art. 44° do CIRS, pois que ali apenas se estabelece qual é o valor de realização a considerar, nada se estabelecendo no que respeita à data da tributação em IRS.
Não é a prática do acto jurídico em si (escritura de permuta) que determina a tributação dos rendimentos, mas, antes, a efectiva entrada desses rendimentos no património do sujeito passivo em cada ano civil (e que no caso ocorreu apenas em 4/4/2003) quando foi outorgada escritura pública de determinação da prestação do contrato de permuta.
Neste sentido parece apontar, também, o acórdão desta Secção do STA, de 28/11/2012, proc. n° 0536/12, quando afirma que «na prática no nosso sistema fiscal só há lugar a tributação quando a mais valia é realizada, ou seja quando o activo é transaccionado», tendo-se ali admitido, aliás, o afastamento da tributação em sede de IRS, face a posterior não concretização dos bens e a consequente inexistência de efeito económico do contrato de permuta e ao disposto no n° 1 do art. 38° da LGT).
Em suma, no caso, tendo a permuta de bem presente por bens futuros ocorrido em 26/5/2000, e tendo a concretização desses bens futuros ocorrido em 4/4/2003, é nesta data que o imposto se torna exigível, a tal não obstando o disposto no n° 3 do art. 44° (anterior art. 42°) do CIRS, ao estabelecer que os valores apurados relativamente aos bens futuros (no caso as ditas fracções autónomas que vieram a ser construídas no terreno permutado) devem reportar-se à data da celebração do contrato.
(…)».

Uma vez que a sentença recorrida seguiu esta interpretação da norma do artigo 10º, nº 3 do CIRS, atenta a factualidade dada como provada e não impugnada eficazmente neste recurso, nenhuma censura lhe pode ser assacada, devendo ser confirmada.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida neste recurso, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Porto, 15 de setembro de 2022

Maria do Rosário Pais
José Coelho
Irene Isabel das Neves