Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00811/19.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SUBSÍDIO POR CESSAÇÃO DA ACTIVIDADE PROFISSIONAL; DÍVIDA À SEGURANÇA SOCIAL; ARTIGOS 2º, 6º E 7º DO DECRETO-LEI N.º 12/2013, DE 25.01.
Sumário:Se quando o requerente cessou a sua actividade profissional e a respectiva empresa encerrou não havia qualquer dívida à segurança social por parte do requerente ou da sua empresa, estão verificados os requisitos constantes dos artigos 2º, 6º e 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25.01, para a atribuição do subsídio por cessação da actividade profissional, sendo irrelevante para este efeito a dívida à segurança social posteriormente liquidada.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Instituto da Segurança Social, I.P.
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Instituto da Segurança Social, I.P. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença (saneador) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada procedente a acção administrativa de impugnação de acto administrativo intentada por A. contra o Recorrente para anulação do acto que indeferiu ao Recorrido o requerimento de atribuição do subsídio por cessação da actividade profissional.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida é nula por não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processos Civil, em concreto, por não se ter pronunciado sobre o apuramento oficioso de contribuições realizado pelos serviços da Recorrente e que demonstra que no dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária, o Recorrido possuía divida perante os serviços do Recorrente, à data do encerramento da empresa, acrescenta ainda que, em todo o caso, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 6.º, n.º 1, alínea f), na alínea c), do artigo 7.º e do artigo 8.º, 22.º e 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio; artigos 3.º, n.º 1 e n.º 2, 6.º, n.º 1 e n.º 2, 8.º, 10.º, todos do Código do Procedimento Administrativo e artigos 13.º, 266.º e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, padecendo de erro de julgamento e ilegalidade.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público emitiu parecer, igualmente no sentido da improcedência do recurso.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1 – O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que, em 12/03/2020, considerou procedente por provada a impugnação apresentada pelo recorrido e, em consequência, anulou o ato impugnado, expurgando o mesmo da ordem jurídica, com todas as legais consequências.

2 – A referida sentença é nula nos termos da alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil porque deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria pronunciar-se, concretamente sobre o apuramento oficioso de contribuições realizado pelos serviços da recorrente e que demonstra que no dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária, o recorrido possuía divida perante os serviços do recorrente, à data do encerramento da empresa.

3 - Salvo o devido respeito por melhor entendimento tal decisão está ferida de ilegalidade por violação do disposto artigos 6.º, n.º 1, alínea f), na alínea c), do artigo 7.º e do artigo 8.º, 22.º e 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio; artigos 3.º, n.º 1 e n.º 2, 6.º, n.º 1 e n.º 2, 8.º, 10.º, todos do Código do Procedimento Administrativo e artigos. 13.º, 266.º e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Isto porque:

4 – A Meritíssima Juíza “a quo”, considerou que que não é a data da assembleia de credores (21 de agosto de 2017) que deve ser tida em conta para aferir da situação contributiva regularizada do próprio e da empresa, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 7º e do artigo 8º do Decreto – Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, mas antes a data de 14 de julho de 2017, data em que foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial A. Lda., determinante da cessação da actividade do autor e do encerramento total e definitivo da empresa.

5 - As condições de atribuição da prestação de desempego devem estar preenchidas, não à data da declaração de insolvência (14/07/2017), como sentenciou a Meritíssima Juiz “a quo”, mas sim na data da cessação da atividade, que se verifica no dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária,

6 – Neste sentido decidiu o Ac. TCAN de 28/06/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 00509/16.4BEVIS, ao referir que: “A eventualidade que dá origem à proteção social de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração nos termos do DL. nº 12/2013, de 25 de janeiro, é o encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária (cfr. artigos 2º, 6º e 7º); razão pela qual o prazo de 90 dias a partir do qual deve ser apresentado o requerimento para atribuição das respetivas prestações por desemprego se conta a partir da data do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional (cfr. artigo 12º nº1)…. Das disposições conjugadas dos artigos 5º e 8º do DL. nº 12/2013, resulta que a aferição sobre a verificação das condições de atribuição das prestações por desemprego, de natureza cumulativa, haverá de fazer-se por referência à data da cessação da atividade, correspondendo esta ao dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária. Entre as condições exigidas para a atribuição das prestações por desemprego constantes no nº 1 do artigo 7º do DL. nº 12/2013 é enunciada sob a alínea c) a “situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa”.

7 – Só a data de 21/08/2017 pode ser considerada, ou seja a data da assembleia de credores em que foi deliberada a liquidação do ativo da sociedade e determinado pelo Tribunal a comunicação à AT e ao ISS, I.P., aqui recorrente, para efeitos da cessação da atividade da insolvente para efeitos de IVA e Contribuições da segurança social.

Com efeito,

8 – Do entendimento do recorrido, bem como da Meritíssima Juiz do processo resulta que com a declaração de insolvência se daria a imediata passagem de todos os poderes de gerência para a esfera do administrador de insolvência.

9 - Esta interpretação não é compatível com as atribuições do Administrador de Insolvência no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei 53/2004, de 18 de Março e alterado pelo Decreto-Lei 200/2004, de 18 de Agosto, pois que, desde logo, os Administradores de Insolvência não estão numa posição especial e privilegiada que lhes permita influenciar ou determinar o cumprimento das obrigações tributárias, porquanto, o património da massa insolvente destina‐se apenas a ser liquidado e atribuído aos credores graduados, a massa insolvente deixa de ter agregado Contabilista Certificado (C.C) ou contabilidade organizada, porque apenas se destina a ser rateada pelos credores, sendo que a finalidade do Administrador de Insolvência é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa insolvente, não podendo assumir os deveres funcionais do C.C.

A Meritíssima Juíza a quo não considerou a existência de dois atos administrativos de indeferimento diversos, proferidos em momentos diversos e cujos fundamentos de indeferimento são diversos mas vinculados ao princípio da legalidade e, como tal, aos requisitos e pressupostos consignados na legislação aplicável à situação a cuja observância a recorrente está adstrita.

Acresce que,

10 - Acresce que, nos termos do n.º 4 do art.º 81.º do CIRE, o administrador da insolvência apenas “assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”, pois que os órgãos sociais do devedor se mantêm em funcionamento após a declaração de insolvência – n.º 1 do art.º 82.º do CIRE.

11 - Por outro lado, após a declaração de insolvência, as entidades habilitadas para darem cumprimentos às declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, os T.O.C. (responsabilidade declarativa) e os gerentes (responsabilidade contributiva) que, deixam de existir, na prática, na massa insolvente, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional.

12 - De resto, tal entendimento passou a ter previsão legal expressa com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/12, de 20 de Abril ao CIRE ao dispor-se na atual redacção dos n.ºs 2 e 3 do art.º 65.º que as obrigações declarativas, nomeadamente de elaborar e depositar contas anuais, “subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento”, e que “com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156.º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade”.

13 - A dissolução da sociedade não implica a sua concomitante extinção (a qual só se verificará quando do registo do encerramento da liquidação, de acordo com o disposto no artigo 160.º do CSC), verificando-se de igual modo, a necessidade de exercer os direitos e de cumprir as obrigações que, nos vários domínios, subsistem durante a fase de liquidação.

14 - A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.

15 - Quer isto dizer, que não obstante a sociedade se encontrar insolvente subsistirão as obrigações que lhe são inerentes, nomeadamente, por esta ainda ter personalidade jurídica.

16 - Deste modo, são aplicáveis às sociedades insolventes em fase de liquidação, as mesmas regras de liquidação das sociedades comerciais.

17 - Assim, embora o artigo 65.º n.º 3 do CIRE preveja que a deliberação de encerramento faz extinguir todas as obrigações declarativas e fiscais e consequentemente exija uma comunicação do tribunal à Administração Tributária, e Segurança Social, como se verificou no presente caso o encerramento da atividade não significa que o estabelecimento esteja extinto.

18 - Efetivamente, poderá dar-se o caso do estabelecimento se encerrar mas não se extinguir a sociedade, pois esta apenas ocorrerá no momento do encerramento da liquidação.

19 - Assim sendo, a sentença ora em crise confunde para efeito do cumprimento das obrigações fiscais a declaração de insolvência com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento.

20 - Em 04/05/2015 entrou em vigor o novo regime jurídico do FGS, inserto no DL 59/2015, de 21/04 que prevê a reapreciação oficiosa dos requerimentos enquadrados nos termos da alínea a) ou b), do n.º 3, do art.º 3º do preâmbulo do mesmo diploma legal. Sucede, porém, que o requerimento apresentado em 20/06/2012 não pode ser alvo de reapreciação porquanto o mesmo não foi apresentado em data posterior a 01/09/2012 (cf alínea b) do n.º 3 do art.º 3º).

21- Sendo que apenas a data de 21/08/2017 deve ser considerada para aferir da situação contributiva regularizada “do próprio e da empresa”, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 7º e 8º do Decreto – Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro.

22 - Verificando-se que, nessa data, o recorrido não reunia, nos termos do artigo 7º do diploma supra citado, o requisito constante da 2ª parte da alínea c), sendo certo que o legislador exige a cumulação de todos os requisitos constantes do preceito.

23 - No que concerne ao valor que o recorrido pagou à recorrente em abril de 2016 (€ 268,68), tal não significa que à data da cessação da actividade, 21/08/2017, aquele tivesse a sua situação regularizada perante a segurança social.

24 - Através dos ofícios n.º 585498 e 58550, de 6/10/2017, notificou-se quer a empresa quer a administradora de insolvência de que tinha sido efectuado um apuramento oficioso de remunerações do período de 7/2013 a 2/2014, relativamente ao gerente J. e do mês 8/2017 relativamente ao gerente A. e M., aqui recorrido, com base no valor do IAS, cujo montante de contribuições, resultante da liquidação oficiosa, ascendeu ao valor de € 1.458,24. O outro gerente da empresa, J., muito embora tenha passado a ser pensionista desde 22/06/2013 apenas renunciou às funções de gerência em 11/02/2014.

25 - Na data da cessação da actividade processual, dia imediatamente subsequente ao encerramento da empresa (em 21/08/2017), esta apresenta divida contributiva, tendo sido regularizada em data posterior à data da cessação da actividade (11/09/2017).

26 – Os factos supra referidos em 24 e 25 foram levados pelo recorrente ao processo em sede de contestação, todavia o aresto ora em crise não logrou emitir qualquer pronúncia sobre os mesmos o que, salvo melhor entendimento, constitui facto gerador de nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

27 – A sentença recorrida violou, assim, por o disposto artigos 6.º, n.º 1, alínea f), na alínea c), do artigo 7.º e do artigo 8.º, 22.º e 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio; artigos 3.º, n.º 1 e n.º 2, 6.º, n.º 1 e n.º 2, 8.º, 10.º, todos do Código do Procedimento Administrativo e artigos. 13.º, 266.º e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, padecendo de erro de julgamento e ilegalidade, sendo além do mais nula por deixar de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado, de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processos Civil, nulidade que expressamente se invoca.

28 – Assim, deverá o aresto produzido ser revogado e substituído por outro que julgue totalmente improcedente a presente acção administrativa por nada haver a apontar ao acto de indeferimento praticado pelo recorrente.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, proferindo-se acórdão que esteja em conformidade com as conclusões formuladas e, a final, ser a sentença revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente acção administrativa, por o ato praticado pelo recorrente estar conforme aos preceitos legais que regulam a matéria.
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II –Matéria de facto.

O Recorrente não especifica factos que tivessem sido incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; nem, finalmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tal como exigido pelos normativos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil.

Nem se vislumbra qualquer erro evidente, ou lacuna, neste julgamento da matéria de facto.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

A) A. era gerente de facto da sociedade comercial “A., LDA.”, desde a data da sua constituição (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial).

B) Em Abril de 1994, a sociedade comercial “A., LDA.” tinha como sócios, J., J., A., M., A., R. e A. (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e folhas 31/36 do processo administrativo).

C) Em Abril de 2015, a sociedade comercial “A., LDA.” tinha como sócios, M. (na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de J.), J., A., M., A., R. e A. (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e folhas 31/36 do processo administrativo).

D) No período compreendido entre 01 de Dezembro de 1985 e 11 de Fevereiro de 2014, R. era sócia gerente da sociedade comercial “A., LDA.” (cf. documento de folhas 25 do processo administrativo).

E) No período compreendido entre 01 de Janeiro de 1994 e 11 de Fevereiro de 2014, J. era sócio gerente da sociedade comercial “A., LDA.” (cf. documento de folhas 25 do processo administrativo).

F) No período compreendido entre 01 de Janeiro de 1994 e Julho de 2017, A. era sócio gerente da sociedade comercial “A., LDA.” (cf. documento de folhas 25 do processo administrativo.

G) Até Julho de 2017, o Autor era gerente de facto da sociedade comercial “A., LDA.” (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e documento de folhas 25 do processo administrativo).

H) Em 18 de Abril de 2016 e em 28 de Abril de 2016, a sociedade comercial “A., LDA.” procedeu ao pagamento das contribuições, cotizações e respectivos juros de mora, respeitantes ao período de Maio de 2015 a Dezembro de 2015, no montante total de € 268,58 (valor, esse, correspondente aos processos executivos n.º 1601201600043044 e n.º 1601201600043060 que haviam sido instaurados em 15 de Abril de 2016, sem que, na data de 18 de Abril de 2016, a sociedade comercial “A., LDA.” tivesse sido citada - tendo a quantia exequenda, no valor total de € 268,58, sido anulada, em 28 de Abril de 2016) (cf. documentos constantes de folhas 96 e verso, de folhas 97 e verso, e de folhas 134 do processo administrativo - “Contribuições” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

I) Em 14 de Julho de 2017, a sociedade comercial “A., LDA.” foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 2406/17.7T8VCT, a correr termos no 1.º Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

J) Em 14 de Julho de 2017, ocorreu o encerramento do estabelecimento comercial da insolvente “A., LDA.”, bem como a cessação dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores (incluindo o contrato de trabalho do Autor) (cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

K) Em 14 de Julho de 2017, a situação contributiva do Autor e da sociedade insolvente “A., LDA.” encontrava-se regularizada (cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento constante de folhas 11 do processo administrativo - “Desemprego” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

L). Desde 14 de Julho de 2017, que o Autor não exerce qualquer actividade profissional (seja por conta própria, seja como trabalhador independente, seja como gerente ou administrador de sociedade comercial ou por conta de outrem, como trabalhador subordinado), nem recebe nenhuma pensão, subsídio, complemento nem prestação atribuída pela Segurança Social (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

M) Em 21 de Agosto de 2017, no âmbito do processo de insolvência identificado em i), realizou-se a Assembleia de Credores da insolvente “A., LDA.”, na qual, foi deliberada a liquidação do activo da referida sociedade insolvente; mais tendo sido determinado, judicialmente, a comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Instituto da Segurança Social, I.P., a cessação da actividade da insolvente para efeitos de IVA e Contribuições Sociais (cf. artigo 65.º, n.º 3, do CIRE) (cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

N) Em Agosto de 2017, no âmbito do processo de insolvência acima identificado, o Instituto da Segurança Social, I.P., ora Réu, reclamou o montante de € 268,68, a título de custas processuais em dívida (cf. documento n.º 8 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

O) Em 04 de Agosto de 2017, o Autor tomou conhecimento da existência da alegada dívida reclamada pelo Réu e acima, através da notificação para pagamento da mesma; tendo, em 10 de Agosto de 2017, apresentado, junto do Réu, reclamação quanto à referida dívida (cf. documento n.º 9 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

P) Em 11 de Setembro de 2017, foi pago ao Réu o montante por este reclamado e acima referido, no valor de € 268,68 (cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos constantes de 33 do processo administrativo - “Identificação e Qualificação” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos constantes de folhas 96 e verso, de folhas 97 e verso, e de folhas 134 do processo administrativo - “Contribuições” - e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido).

Q) O montante de € 268,68 reclamado pelo Réu corresponde ao valor que a sociedade comercial “A., LDA.” havia pago em Abril de 2016 respeitante a contribuições, cotizações e respectivos juros de mora referidos em 8) (cf. documentos constantes de folhas 96 e verso, de folhas 97 e verso, e de folhas 134 do processo administrativo - “Contribuições” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

R) Em 13 de Outubro de 2017, o Autor deu entrada, no Instituto do Emprego e Formação Profissional de Viana do Castelo, de um requerimento de desemprego por cessação de actividade profissional de Membro de Órgão Estatutário (MOE) - gerente -, por encerramento da empresa “A., LDA.” (cf. documento constante de folhas 1 do processo administrativo instrutor - “Desemprego” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

S) Mediante o Ofício n.º 72131, datado de 07 de Dezembro de 2017, o Autor foi notificado pelo Réu, da proposta de indeferimento da prestação de desemprego requerida fundada no seguinte, a saber: “Não apresentar a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º). Por não apresentar a situação contributiva regularizada na entidade empregadora A. LD, perante a segurança social à data da cessação de atividade, de 2017-08- 21, (alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º)…” (cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial e constante de folhas 49 do processo administrativo - “Desemprego”- e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

T) Em 12 de Fevereiro de 2019, o Autor foi notificado pelo Réu da decisão final de indeferimento do requerimento de subsídio por cessação da actividade profissional de membro de órgão estatutário, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial e constante de folhas 71 e verso do processo administrativo - “Desemprego - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido) - acto ora impugnado.

U) Em 10 de Abril de 2019, a insolvente “A., LDA.” não tinha sido declarada dissolvida, liquidada, encerrada e extinta, encontrando- -se a decorrer, à data, a liquidação do activo da mesma no âmbito do processo de insolvência (cf. documento n.º 11 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).
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III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da sentença.

Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo Civil.

Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).

Refere o Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade porque não se pronunciou “sobre o apuramento oficioso de contribuições realizado pelos serviços da recorrente e que demonstra que no dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária, o recorrido possuía divida perante os serviços do recorrente, à data do encerramento da empresa”.

Sucede que esta não era uma “questão”, com autonomia como tal, a apreciar pelo Tribunal. Ou ainda que assim se entendesse, estaria prejudicada pela solução jurídica escolhida pelo Tribunal a quo.

Na verdade, a única questão essencial que se colocava ao Tribunal recorrido era a de saber se o Autor tinha ou não direito ao peticionado subsídio por cessação da actividade profissional, o que implicava responder a duas sub questões: a) se e quando se verificou o encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional do requerente e b) se nessa data estava regularizada a situação contributiva perante a segurança social, do próprio e da empresa.

Ora a decisão recorrida entendeu que o encerramento da empresa se verificou em 14.07.2017.

Pelo que não se pronunciou nem tinha de pronunciar sobre uma liquidação de contribuições efectuada posteriormente a esta data.

Apenas teria de se pronunciar sobre esta liquidação se considerasse como relevante para efeitos de atribuição do subsídio em causa a data que o Recorrente entende ser relevante, a data da assembleia de credores em que foi deliberada a liquidação do activo da sociedade, 21.08.2017.

Na lógica da sentença este facto era irrelevante porque posterior ao momento a considerar.

Ou, numa outra perspectiva, entendo este facto como uma “questão” a apreciar, então o respectivo conhecimento estaria prejudicado pelo conhecimento dado à anterior questão, saber qual a data em que a empresa cessou actividade.

Pelo que não se verifica a apontada nulidade.

2. O acerto da decisão.

O quadro jurídico aqui a considerar é o que resulta do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25.01, que veio estabelecer o regime jurídico de protecção social na eventualidade de desemprego dos trabalhadores independentes com atividade empresarial e dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas.

Em concreto para a decisão da acção e do recurso, são relevantes as seguintes normas deste diploma:

Artigo 2º:

“É considerado desemprego toda a situação de perda de rendimentos decorrente de encerramento de empresa ou de cessação de atividade profissional de forma involuntária do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho e inscrito para emprego no centro de emprego”.

Artigo 6º:

“1 - O encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional considera-se involuntária sempre que decorra de:

a) Redução significativa do volume de negócios que determine o encerramento da empresa ou a cessação da atividade para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado;

b) Sentença de declaração da insolvência nas situações em que seja determinada a cessação da atividade dos gerentes ou administradores ou em que o processo de insolvência culmine com o encerramento total e definitivo da empresa;

c) Ocorrência de motivos económicos, técnicos, produtivos e organizativos que inviabilizem a continuação da atividade económica ou profissional;

d) Motivos de força maior determinante da cessação da atividade económica ou profissional;

e) Perda de licença administrativa sempre que esta seja exigida para o exercício da atividade e desde que essa perda não seja motivada por incumprimentos contratuais ou pela prática de infração administrativa ou delito imputável ao próprio.

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior entende-se que existe redução significativa do volume de negócios quando se verifique:

a) Redução do volume de faturação da atividade igual ou superior a 60% no ano relevante e nos dois anos imediatamente anteriores;

b) Apresentação de resultados negativos contabilísticos e fiscais no ano relevante e no ano imediatamente anterior.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, considera-se involuntária a cessação da atividade dos gerentes ou administradores ou a cessação da atividade da empresa desde que a insolvência não tenha sido qualificada como culposa em consequência de atuação dolosa ou com culpa grave dos gerentes ou administradores.

4 - Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1, considera-se existir ocorrência de motivos económicos, técnicos, produtivos e organizativos que inviabilizem a continuação da atividade económica ou profissional, nas situações de impossibilidade superveniente, prática ou legal, de continuação da atividade, que não sejam subsumíveis nas restantes alíneas do n.º 1.

5 - Para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1, exige-se o encerramento do estabelecimento aberto ao público enquanto os beneficiários se encontrem a receber a prestação.”

Artigo 7º:

“1 - O reconhecimento do direito aos subsídios por cessação de atividade profissional depende do preenchimento cumulativo das seguintes condições:

a) Encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária;

b) Cumprimento do prazo de garantia;

c) Situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa;

d) Perda de rendimentos que determine a cessação de atividade;

e) Inscrição no centro de emprego da área de residência, para efeitos de emprego.

2 - Na situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, os membros dos órgãos estatutários devem ainda comprovar a cessação do respetivo enquadramento, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Regimes Contributivos.

3 - Não é reconhecido o direito aos subsídios aos beneficiários que à data do encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária tenham idade legal de acesso à pensão de velhice, desde que se encontre cumprido o respetivo prazo de garantia.”

A discordância do Recorrente em relação ao decidido acaba por se fundar apenas naquilo que entende ser uma questão de direito, mas que é apenas no caso, uma questão de facto: saber que a data relevante para efeitos de atribuição do subsidio em causa, a data em que se deve considerar encerrada a empresa e cessada a actividade profissional do Requerente.

A decisão recorrida entendeu, como já se referiu, que o encerramento da empresa e a cessação da actividade profissional se verificou em 14.07.2017.

E bem, face aos factos provados que o Recorrente não pôs em causa, como exigido por lei.

I) Em 14 de Julho de 2017, a sociedade comercial “A., LDA.” foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 2406/17.7T8VCT, a correr termos no 1.º Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

K) Em 14 de Julho de 2017, a situação contributiva do Autor e da sociedade insolvente “A., LDA.” encontrava-se regularizada (cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento constante de folhas 11 do processo administrativo - “Desemprego” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

L). Desde 14 de Julho de 2017, que o Autor não exerce qualquer actividade profissional (seja por conta própria, seja como trabalhador independente, seja como gerente ou administrador de sociedade comercial ou por conta de outrem, como trabalhador subordinado), nem recebe nenhuma pensão, subsídio, complemento nem prestação atribuída pela Segurança Social (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

Assim como ficou provado que:

K) Em 14 de Julho de 2017, a situação contributiva do Autor e da sociedade insolvente “A., LDA.” encontrava-se regularizada (cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento constante de folhas 11 do processo administrativo - “Desemprego” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).

Em bom rigor o Recorrente nem põe em causa que nesta data a situação contributiva do Autor e da sociedade insolvente estava regularizada.

O que vem dizer é que se apurou não estar regularizada na data da assembleia de credores em que foi deliberada a liquidação do activo da sociedade, 21.08.2017.

Facto que é irrelevante dado que a empresa encerrou e o Requerente cessou a sua actividade profissional em data anterior, em 14.07.2017, data esta em que não estava liquidada e em dívida qualquer contribuição à segurança social, por parte da empresa ou do Requerente.

Pelo que o Autor reunia os requisitos necessários para lhe ser atribuído o subsídio por cessação da actividade profissional, ao contrário do decidido no acto impugnado.

Termos em que se mostra acertada a decisão recorrida, de julgar procedente a acção.

Improcedendo o recurso.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Porto, 23.04.2021


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco