Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00495/23.4BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROPOSTA; MAPA DE TRABALHOS E QUANTIDADES;
LIMITES MÁXIMOS;
MÉTODO DE VERIFICAÇÃO;
Sumário:
I – Nos termos do artigo 10º, nº.5 do Programa do Procedimento Concursal:“(…) Na elaboração da sua proposta, os concorrentes devem ter em consideração os limites máximos admitidos para cada Capítulo do Mapa de Trabalhos e Quantidades, face ao preço global a propor, nos seguintes termos: Capitulo A – Arquitetura, 86%; Capítulo B – Fundações e Estrutura, 1%; Capítulo C – Rede de Abastecimento de Água, 1%; Capítulo D – Rede de Drenagem de Águas Residuais, 1%; Capítulo E – Instalações e Equipamentos Elétricos, 5%; Capítulo F – Instalações de Telecomunicações, 1%; Capitulo G – Segurança Contra Incêndios, 1%; Capítulo H – AVAC, 6% (…)”.

II - Não se detetando nas demais normas regulamentares contidas nas peças concursais em apreço a necessidade de filtragem do valor percentual apurado com recurso à operação de arredondamento para baixo do valor percentual apurado, e apresentando-se distintivo que proposta apresentada pela Contra-interessada Adjudicatária, com excepção dos capítulos relativos à arquitetura e à rede de drenagem de águas residuais, não respeita os limites máximos fixados pelo Programa de Procedimento no tocante ao Mapa de Trabalhos e Quantidades, deve concluir-se no sentido da existência um fundamento de exclusão da sua proposta, nos termos dos artigos 132º, nº.4 e 146º, nº.2, alínea n), ambos do CCP.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade [SCom01...], LDA., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Ré a UNIÃO DAS MISERICÓRDIAS PORTUGUESAS e Contrainteressada a sociedade [SCom02...], LDA, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou improcedente a presente ação.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

(1) O presente recurso é interposto do douto despacho saneador-sentença de fls., datado de 3 de novembro de 2023, que julga improcedente a acção e, além do mais, mantém o acto de adjudicação da proposta apresentada pela contrainteressada [SCom02...], Lda., praticado pela Recorrida no âmbito do concurso público dos autos.

(2) Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo não fez boa interpretação e aplicação dos factos e do direito.

(3) Cingido ao essencial, a douta decisão recorrida tem por fundamento a interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida no artigo 10°/5 do programa do procedimento que regula a tramitação do concurso público dos autos, nesse contexto, afirmando-se «que o sentido jurídico a se extrair do termo “percentagem” [utilizado naquela norma é] o que atenda aos valores das propostas dos concorrentes em termos do número inteiro da percentagem que foi definido, sem atender a qualquer casa decimal».

(4) Crê-se que esta decisão é errada, porquanto: (a) O sentido jurídico da regra interpretada parece ser objetivo, na medida em que resulta de um expresso valor aritmético, fixado em números inteiros; (b) De acordo com a simples lógica matemática, as décimas excedem necessariamente ao número inteiro; (c) E a proposta adjudicada pela R. no concurso viola essa regra objetiva - pelo que devia ser excluída.

(5) Em face do exposto, não se ignoram ou discutem os ensinamentos da doutrina autorizada, utilizada em suposto abono da decisão sindicada; o que se critica é o nexo estabelecido pelo Tribunal a quo entre tais ensinamentos e o sentido decisório extraído; é que, com base nesses exatos ensinamentos, no entender da recorrente, a decisão teria de ser exactamente a oposta: a de que, sendo a linguagem normativa uma «textura aberta», no caso, longe de qualquer “carácter puramente formal” ou “uso jurídico arbitrário”, o sentido jurídico a extrair da norma expressa no artigo 10°/5 do programa do concurso não pode deixar de ser o do estabelecimento de determinados limites matemáticos, portanto, objetivos e objetivamente apreensíveis pelos destinatários interessados.

(6) No entender da recorrente, não existe assim qualquer substrato fáctico ou jurídico que suporte a interpretação propugnada pelo Tribunal a quo - a qual, aliás, viola clamorosamente o princípio da estabilidade das peças procedimentais, na medida em que pretende reescrevê-las, passe o termo, juntando umas décimas acrescidas ao limite matemático fixado no programa do concurso.

(7) A aceitar-se a tese da decisão recorrida, e tomando por exemplo o limite procedimental de 1%, que excesso poderia afinal ser permitido aos concorrentes? Atingir o valor de 1,9%... quase o dobro?

(8) E, a vingar essa tese, que certeza e segurança jurídica passa a conformar a prática da contratação pública, supostamente, consubstanciado num procedimento administrativo de natureza formal? Sendo o “sentido jurídico”, afinal, uma “textura aberta”, têm as entidades adjudicantes a faculdade de “interpretar” limites assentes em valores matemáticos?

(9) A ser assim:

a. Um procedimento cujo preço base seja fixado em um milhão, afinal, pode admitir propostas no valor de um milhão e noventa e nove cêntimos, porque o sentido jurídico era o de o regulamento do concurso se pretender reportar apenas ao número inteiro? E até onde vai a “textura aberta”? Até um milhão novecentos e noventa e nove mil?

b. Um procedimento que fixe o prazo para apresentação das propostas até às 17 horas, afinal, pode admitir propostas submetidas às 17 horas e um segundo? Ou até às 17h59?...

(10) Pensa-se que a leitura feita pelo Tribunal a quo é infundada - e, numa perspetiva extraprocessual, suscetível de provocar o caos na prática jurídica da contratação pública (…)”.


*


3. Notificadas que foram para o efeito, a Recorrida e a Contrainteressada produziram alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação, tendo ainda a Contrainteressada peticionado o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo formulado no decurso do pleito e cujo conhecimento resultou prejudicado na sentença recorrida.
*
4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*

5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

*

6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *

II – QUESTÃO PRÉVIA

7. Existe uma questão prévia ao julgamento recursivo que se prende com a pretensão de deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo formulado pela Contrainteressada [SCom02...], Lda., aqui co-Recorrida, nas suas contra-alegações de recurso.

8. Assim, e entrando no conhecimento desta questão, dir-se-á que é nosso entendimento que a pretensão em análise demonstra uma certa incompreensão do real objetivo das contra-alegações de recurso.

9. Realmente, destinando-se as “contra-alegações” a veicular os fundamentos contrários aos formulados pela Recorrente com vista à alteração ou revogação da decisão judicial sindicada, não pode a co-Recorrida [SCom02...], Lda., vir agora tentar convencer este Tribunal de Recurso da necessidade de deferimento do incidente de levantamento do efeito suspensivo formulado em sede de 1ª instância.

10. Se porventura, a co-Recorrida [SCom02...], Lda., discordava da declaração de prejudicialidade do conhecimento de tal incidente atravessado na sentença recorrida, então o meio processual adequado para o efeito passaria pela interposição do respetivo recurso jurisdicional no domínio em apreço.

11. Certo é que não pode aproveitar a “boleia” do recurso interposto pela Recorrente para lograr obter este seu intento, por manifesta falta de suporte processual.

12. Donde resulta inequívoca a insubsistência da constelação argumentativa aduzida pela Contrainteressada [SCom02...], Lda., aqui Co-Recorrida, como suscetível de relevar em termos de redefinição do juízo decisório firmado pelo Tribunal a quo quanto ao incidente de incidente de levantamento do efeito suspensivo formulado em sede de 1ª instância.

13. Desatende-se, portanto, a pretensão em análise.


* *

III– DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

14. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

15. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, por errada interpretação da normação contida no artigo 10º, nº. 5 do Programa de Procedimento Concursal.

16. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

17. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


* *

V- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

18. A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual “(…) visando a impugnação do acto de adjudicação praticado no âmbito do concurso público objeto de publicação no Diário de República, 2ª Série, sob o anúncio de procedimento n° 5602/2023, de 06 de abril de 2023, adotado para a formação do contrato de “Empreitada de Requalificação do Lar Residencial e do Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) do Centro de Apoio a Deficientes, localizado em ..., ...” (doravante, “Concurso”) (…)”.

19. Substanciou a pretensão impugnatória formulada nos autos no entendimento, no mais essencial, de que “(…) O programa do procedimento estabeleceu limites percentuais máximos admitidos para os mapas de trabalhos e quantidades relativamente ao preço global a propor, não tendo a Contrainteressada respeitado esses limites dado que os valores constantes da sua proposta ultrapassam em números decimais os números inteiros das percentagens (…). Daí que, não havendo lugar a quaisquer arredondamentos, tal violação constitui motivo de exclusão dessa proposta nos termos previstos no programa do procedimento, o que a Ré deveria ter feito e não fez (…)”.

20. O T.A.F. do Porto, porém, não validou este entendimento, tendo julgado improcedente a presente ação.

21. Fê-lo, sobretudo, por entender que a forma de verificar se as propostas apresentadas cumpriam [ou não] os limites percentuais preconizados no artigo 10º, nº. 5 do Programa de Procedimentos passa[va] por dividir os valores apresentados pelos concorrentes para cada uma das rubricas do Mapa de Trabalhos e Quantidades pelo valor total do orçamento sem atender às casas decimais, na esteira do que atravessou juízo decisório que a proposta da Contrainteressada não violava os apontados limites, não existindo, por isso, fundamento para excluir a proposta da mesma do concurso público em apreço e, consequentemente, anular-se a adjudicação que foi efetuada pela Ré.

22. Patenteiam as conclusões alegatórias que a Recorrente insurge-se quanto ao juízo decisório assim firmado quanto à desconsideração das casas decimais nos resultados percentuais emergentes das operações aritméticas relativas à verificação dos limites contidos no nº. 5 do artigo 10º do PP.

23. Realmente, a Recorrente clama que “(…) não existe assim qualquer substracto fáctico ou jurídico que suporte a interpretação propugnada pelo Tribunal a quo a qual, aliás, viola clamorosamente o princípio da estabilidade das peças procedimentais, na medida em que pretende reescrevê-las, passe o termo, juntando umas décimas acrescidas ao limite matemático fixado no programa do concurso (…)”.

24. Realizada a resenha processual relevante, adiante-se, desde, que o presente recurso é de vingar.

25. Na verdade, ressuma do nº. 5 do artigo 10º do Programa do Procedimento (PP) a seguinte regra [de entre outras]: “(…) Na elaboração da sua proposta, os concorrentes devem ter em consideração os limites máximos admitidos para cada Capítulo do Mapa de Trabalhos e Quantidades, face ao preço global a propor, nos seguintes termos: Capitulo A – Arquitetura, 86%; Capítulo B – Fundações e Estrutura, 1%; Capítulo C – Rede de Abastecimento de Água, 1%; Capítulo D – Rede de Drenagem de Águas Residuais, 1%; Capítulo E – Instalações e Equipamentos Elétricos, 5%; Capítulo F – Instalações de Telecomunicações, 1%; Capitulo G – Segurança Contra Incêndios, 1%; Capítulo H – AVAC, 6% (…)”.

26. Desta regra resulta, no que ao Mapa de Trabalhos e Quantidades importa, que os valores dos capítulos relativos à (i) Arquitetura; (ii) Fundações e Estrutura; (iii) Rede de Abastecimento de Água; (iv) Rede de Drenagem de Águas Residuais; (v) Instalações e Equipamentos Elétricos; (vi) Instalações de Telecomunicações; (vii) Segurança Contra Incêndios; e (viii) AVAC não poderiam exceder os seguintes limites percentuais máximos de 86%, 1%, 1%, 1%, 5%, 1%, 1% e 6%, respetivamente, face ao preço global a propor.

27. Ora, através de simples operações aritméticas de multiplicação encontram-se os valores monetários máximos para cada um dos capítulos do Mapa de Trabalhos e Quantidades do seguinte modo:

(i) Arquitetura - 2.768.836,00 € x 0,86 = 2.381.198,96 €;

(ii) Fundações e Estrutura - 2.768.836,00 € x 0,01 = 27.668,36 €;

(iii) Rede de Abastecimento de Agua - 2.768.836,00 € x 0,01 = 27.668,36 €;

(iv) Rede de Drenagem de Águas Residuais - 2.768.836,00 € x 0,01 = 27.668,36 €;

(v) Instalações e Equipamentos Elétricos - 2.768.836,00 € x 0,05 = 138.441,80 €

(vi) Instalações de Telecomunicações - 2.768.836,00 € x 0,01 = 27.668,36 €;

(vii) Segurança Contra Incêndios – 2.768.836,00 € x 0,01 = 27.668,36 €;

(viii) AVAC - 2.768.836,00 € x 0,06 = 166.130,26 €.

28. Ora, a proposta da Contra-interessada adjudicatária, relativamente aos capítulos do Mapa de Trabalhos supra indicados, indicou os seguintes montantes:

(i) Arquitetura2.320.125,56 €, o que representa o valor percentual de 83,79% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária – portanto, abaixo dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(ii) Fundações e Estrutura28.707,77 €, o que representa o valor percentual de 1,04% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária, portanto, acima dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(iii) Rede de Abastecimento de Água28.735,94 €, o que representa o valor percentual de 1,04% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária, portanto, acima dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(iv) Rede de Drenagem de Águas Residuais24.731,59 €, o que representa o valor percentual de 0,89% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária, portanto, abaixo dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(v) Instalações e Equipamentos Elétricos142.031,70 €, o que representa o valor percentual de 5,13% o montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária portanto, acima dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(vi) Instalações de Telecomunicações28.507,79 €, o que representa o valor percentual de 1,03% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária, portanto, acima dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(vii) Segurança Contra Incêndios – 28.326,98 €, o que representa o valor percentual de 1,02% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária, portanto, acima dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;

(viii) AVAC – 167.668,66 €, o que representa o valor percentual de 6,06% do montante global da proposta da contrainteressada adjudicatária portanto, acima dos limites percentuais máximos fixados para este capítulo;.

29. Refira-se que a lógica interpretativa desenvolvida pelo Júri Concursal e acolhida pelo Tribunal quo no sentido da desconsideração das casas decimais quanto à percentagem apurada [p.ex., 86,03% para 86%] é absolutamente imprestável, por manifesta falta de adesão com regime regulamentar previsto, não sendo, por isso, de aceitar.

30. Realmente, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].

31. Isto para dizer que, tendo a Entidade Demandada previsto que “(…) Na elaboração da sua proposta, os concorrentes devem ter em consideração os limites máximos admitidos para cada Capítulo do Mapa de Trabalhos e Quantidades, face ao preço global a propor, nos seguintes termos: Capitulo A – Arquitetura, 86%; Capítulo B – Fundações e Estrutura, 1%; Capítulo C – Rede de Abastecimento de Água, 1%; Capítulo D – Rede de Drenagem de Águas Residuais, 1%; Capítulo E – Instalações e Equipamentos Elétricos, 5%; Capítulo F – Instalações de Telecomunicações, 1%; Capitulo G – Segurança Contra Incêndios, 1%; Capítulo H – AVAC, 6% (…)”, não há como concluir que o valor percentual é o valor desconsiderado das casas decimais apuradas, por falta do respetivo comando regulamentar.

32. Outrossim é referir que não se deteta nas demais normas regulamentares contidas nas peças concursais em apreço a necessidade de filtragem do valor percentual apurado com recurso à operação de arredondamento para baixo do valor percentual apurado, o que também contribuiu para a posição ora assumida por este Tribunal no que diz respeito a esta matéria.

33. Pelo que não colhe aqui a tese interpretativa perfilhada pelo Tribunal a quo “ (…) que o sentido jurídico a se extrair do termo “percentagem” seja o que atenda aos valores das propostas dos concorrentes em termos do número inteiro da percentagem que foi definido, sem atender a qualquer casa decimal (…)”

34. O que basta para assentar que a proposta apresentada pela Contra-interessada Adjudicatária, com excepção dos capítulos relativos à arquitetura e à rede de drenagem de águas residuais, não respeita os limites máximos fixados pelo Programa de Procedimento no tocante ao Mapa de Trabalhos e Quantidades.

35. Nos termos do nº. 6 do artigo 10º do Programa de Procedimento, a violação dos limites máximos preconizados no nº.5 do mesmo preceito regulamentar “(…) constitui motivo de exclusão da proposta, nos termos da alínea e) do artigo 18º do presente Programa do Procedimento (…)”.

36. Por sua vez, é o seguinte o teor da alínea e) do nº. 1 do artigo 18º do Programa de Procedimento: “(…) São excluídas as Propostas (…) Que violem o disposto no nº 5 do artigo 10º do presente Programa (…)”.

37. Perante este quadro legal, é de manifesta evidência que a proposta apresentada pela Contra-interessada adjudicatária deveria ter sido excluída do procedimento concursal visado nos autos, nos termos da normação regulamentar supra espraiada e do preceituado nos artigos 132º, nº.4 e 146º, nº.2, alínea n), ambos do CCP.

38. A sentença recorrida, ao assim não o entender, interpretou mal e violou o regime jurídico aplicável, não podendo, por isso, manter-se em juízo.

39. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a presente ação.

40. Ao que se provirá no dispositivo.

* *

VI – DISPOSITIVO



Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar a presente ação totalmente procedente.

Custas em ambas instâncias pela Recorrida.

Registe e Notifique-se.


* *

Porto, 16 de fevereiro de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia em substituição
Helena Maria Mesquita Ribeiro – com voto de vencido

* *

Voto de vencido


Conforme consta do ponto 2 do elenco dos factos assentes do saneador-sentença recorrido, o Programa do Procedimento (PP) do concurso público em causa nos presentes autos estabeleceu, quanto ao preço, que : “Na elaboração da sua proposta, os concorrentes devem ter em consideração os limites máximos admitidos para cada Capítulo do Mapa de Trabalhos e Quantidades, face ao preço global a propor, nos seguintes termos: Capítulo A – Arquitetura, 86%; Capítulo B – Fundações e Estrutura, 1%; Capítulo C – Rede de Abastecimento de Água, 1%; Capítulo D – Rede de Drenagem de Águas Residuais, 1%; Capítulo E – Instalações e Equipamentos Elétricos, 5%; Capítulo F – Instalações de Telecomunicações, 1%; Capítulo G –Segurança Contra Incêndios, 1%; Capítulo H – AVAC, 6%” e que “A violação do disposto no n.º 5 constitui motivo de exclusão da proposta, nos termos da alínea e) do artigo 18.º do presente Programa do Procedimento” (conforme artigo 10º, n.º 5 e n.º 6 do Programa do Procedimento constante no processo administrativo 03.PP / Programa Procedimento)”

Nesse mesmo PP estabeleceu-se, ainda, conforme pontos 3, 4 e 5 do elenco dos factos assentes, o seguinte:

“3) …que um dos documentos da proposta seria a “Lista de Preços Unitários, acompanhada do respetivo ficheiro informático com extensão “.xls” devidamente preenchido e permitindo a sua utilização sem restrições de cálculo, elaborada em conformidade com os limites definidos nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do presente Programa” (conforme artigo 14º, n.º 1, alínea c) do programa do procedimento referido no ponto anterior);

4) Igualmente estabeleceu que “São excluídas as Propostas que: Que violem o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do presente Programa” (conforme artigo 18º, n.º 1, alínea e) do programa do procedimento referido no ponto 3);

5) Assim como que “Os cálculos matemáticos implicados nas operações de avaliação das propostas serão efetuados sempre considerando três casas decimais” (conforme anexo IV do “Modelo de Apreciação das Propostas para Adjudicação” do programa do procedimento referido no ponto 3);”

Deu-se ainda como provado, no ponto 8 dos factos assentes o mapa resumo do orçamento, apresentado pela Contrainteressada na sua proposta, e onde se apresentam os preços parciais relativos aos trabalhos incluídos no mapa de trabalhos.

No saneador -sentença recorrido, o Tribunal a quo, referindo-se à proposta da CI afirma que «se calcularmos essas percentagens com duas casas decimais (como consta na coluna “% com 2 casas decimais” do quadro apresentado), constata-se que as percentagens dos capítulos B, C, E, F, G e H têm uma parte decimal que acresce ao número inteiro da percentagem em causa. E daí que a Autora, com base nestes dados e na consideração que não há lugar a quaisquer arredondamentos, entenda que a proposta da Contrainteressada ultrapassou os limites quantitativos definidos no artigo 10º, n.º 5 do Programa do Procedimento e defenda a exclusão da respetiva proposta de acordo com o que igualmente ficou estabelecido nos artigos 10º, n.º 6 e 18º, n.º 1, alínea e) do Programa do Procedimento».

O Tribunal a quo, Depois de apelar ao caráter normativo do PP, e às regras a aplicar em sede interpretativa concluiu que “ o sentido jurídico a se extrair do termo “percentagem” seja o que atenda aos valores das propostas dos concorrentes em termos do número inteiro da percentagem que foi definido, sem atender a qualquer casa decimal. Daí que, face a esta compreensão da norma em causa, afigura-se ao Tribunal que não se coloca nestes autos qualquer questão relativa a um eventual arredondamento das percentagens em causa, dado que não é essa a intencionalidade que se retira dessa norma”.

Concordamos com o decidido.

Note-se que no PP, não se prevê que as referidas percentagens seriam consideradas até à segunda casa decimal. Caso a Entidade adjudicante o pretendesse, tê-lo-ia feito, tal como fez relativamente ao “Modelo de Avaliação de Propostas Para Adjudicação” ( Anexo IV) do PP, onde expressamente se prevê, no tocante à fórmula/expressão de cálculo/modelo de avaliação das propostas, que “ os cálculos matemáticos implicados serão efetuados sempre considerando 3 casas decimais”. O PP não definiu que para certa percentagem do preço total por capítulo, que essa aferição seria feita à décima, à centésima, ou à milésima.

Ademais, não é despiciendo ter presente que essa regra não foi estabelecida como um parâmetro base do contrato, não constituindo um fator de avaliação definido pelo PP, conforme se pode constatar pela consulta do Anexo IV , que contém o respetivo modelo de avaliação. Não se trata de um atributo levado á concorrência mas de uma regra quanto ao modo de apresentação das propostas.

Como se sabe, «São atributos da proposta as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características ) que, em relação aos aspetos de execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos ( artigo 56.º/2) e aí valorizados como fatores de avaliação das propostas ( artigo 75.º/1), os concorrentes se propõem fazer à entidade adjudicante e/ou obter dela em troca da celebração do contrato.

Os atributos configuram por isso, na expressão mais elementar ou simples do conceito, a proposta propriamente dita apresentada pelo concorrente, aquilo que a singulariza das demais e que traduz o modo concreto como determinado concorrente respondeu ao apelo da entidade adjudicante: só há portanto atributo aí onde haja um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos»- cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concurso e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2011, pág.584

A existir alguma irregularidade com a proposta da CI, tendo em conta que, os preços parciais, por referência às percentagens relativas a cada capítulo do mapa de trabalhos, ultrapassam o limite percentual definido no PP em algumas décimas, essa irregularidade não tem qualquer repercussão no conteúdo da proposta, não podendo configurar mais do que uma mera irregularidade sem relevo.

Note-se que, com a alteração operada ao CCP em 2022, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 78/2022, de 07/11, o legislador ampliou «o âmbito do dever de regularização até fronteiras antes não conhecidas, certificando-se de que o leque de exemplos não taxativos incluídos no n.º3 do artigo 72.º fosse tão alargado que impossibilitasse o mesmo tipo de interpretações propostas pela jurisprudência e pela doutrina mais restritivas». Ou seja, com a nova redação do n.º3 do art.72.º do CCP o interprete fica a saber que « o âmbito do regime de regularização de candidaturas e propostas pode abranger qualquer tipo de formalidade violada no momento da respetiva entrega, independentemente de qualquer avaliação da sua essencialidade, desde que o candidato ou concorrente não precise, para proceder ao suprimento, de afetar o conteúdo da proposta.

[…]

Mas a leitura do restante teor do n.º3 do artigo 72.º do CCP com as respetivas alíneas que enumeram um leque ( aliás não taxativo) de situações que a lei já considera a priori como suscetíveis de suprimento, esclarece o intérprete de que aqueles princípios materiais da contratação pública não exercem agora a mesma função restritiva do âmbito do regime de regularização das candidaturas e propostas que exerciam com o regime aprovado em 2017» - Cfr. Pedro Fernández Sánchez, in “ A Revisão de 2022 do Regime de Formação e Execução de Contratos Públicos” AAFDL Editora, págs. 26 e 27.

Por todas estas razões, confirmaria a decisão recorrida.

(Helena Ribeiro).