Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01220/09.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA, ÓNUS DE RECORRENTE EM MATÉRIA DE APRECIAÇÃO DA PROVA, ÓNUS DA PROVA,
ERRO QUANTO AO FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:I – O artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC tem de ser interpretada adequadamente, no sentido de o objecto do ónus nela enunciados não ir além do que for possível ou exigível em concreto, sob pena de ofensa do direito fundamental ao acesso à justiça (artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP), e do princípio do duplo grau de jurisdição. Designadamente, podem ficar prejudicadas as especificações previstas na alínea b) do nº 1 e da alínea a) do nº 2 e pode acontecer ser logicamente impossível, ou pelo menos inexigível, indicar depoimentos e respectivas passagens concretas de que decorra a conclusão negativa sobre a prova de determinados factos.

II – Não padece de insuficiência de fundamentação e cumpre com os requisitos do artigo 35º nº 9 da LGT a liquidação de juros compensatórios em que, por lapso, figura como valor do capital o mesmo valor dos juros, mas é possível encontrar explicação clara do cálculo destes, por o contribuinte ter sido concomitantemente notificado da liquidação do imposto em falta (capital) e, na liquidação dos juros, constar o período a que se reportam e a taxa aplicada (ainda que por mera indicação da legislação aplicável).

III – O artigo 89º do CIVA, ao dispor, ao tempo da emissão das liquidações (Maio de 2009) que “sem prejuízo do disposto no artigo 88º o chefe do serviço de finanças pode proceder também à liquidação oficiosa do imposto que se mostrar devido, quando o sujeito passivo não tiver enviado a declaração”, deixa claro que se trata de uma competência que não exclui nem restringe o âmbito das normas constantes dos respectivos artigos 87º e 88º, que, sem distinguirem entre métodos indirectos e directos, conferem, entre o mais, semelhante competência aos serviços centrais.

IV - O artigo 76º nº 1 da LGT não confere qualquer presunção de veracidade a factos não percepcionados pela AT, muito menos da legalidade de interpretações ou qualificações jurídicas feitas pela AT. O que faz fé em juízo por força do invocado artigo 76º são informações, isto é, o reporte de factos, não a formulação de qualificações jurídicas. O disposto no artigo 75º nº 2 a) da LGT não é aplicável quando não está em causa o teor de qualquer declaração do contribuinte, ou a sua contabilidade, por de todo inexistirem. Assim, pretendendo a AT tributar em IVA, como de prestações de serviços (empreitada), alegados contratos ditos de promessa de compra e venda de imóveis ou de compra e venda de imóveis a título meramente verbal, a regra quanto a ónus da prova é a do artigo 74º nº 1 da LGT, pelo que era da AT o ónus de provar os elementos materiais, objectivos e subjectivos, dos contratos de empreitada
Recorrente:A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - Relatório

A., NIF (…), como domicílio na Rua (…), interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 31 de Maio de 2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial movida contra as liquidações oficiosas de IVA relativas aos anos de 2005 a 2007 e respectivos juros compensatórios, no valor total de 171 590,01 €.

As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
1) O presente recurso é deduzido contra a douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga onde julgou improcedente o pedido do Recorrente.
2) O Recorrente fundamentou o seu pedido invocando como vícios do acto tributário, a incompetência do decisor, na fixação da matéria colectável sujeita a IVA, na errónea qualificação e quantificação dos rendimentos sujeitos a IVA e na ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida na liquidação do imposto e juros compensatórios e o erro no calculo dos mesmos.
3) No que concerne à incompetência do decisor, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, embora considerando não ser descabida a invocação feita pelo Requerente, uma vez que o chefe de Divisão apenas tinha competência para efeitos do Art. 84º do CIVA, porém atendendo ao despacho, com efeito de 27/09/2007, publicado no DR II Série entendeu que foram delegadas competências no referido Chefe de Divisão para determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do Art. 39º do Código do IRS, dos artigos 52º e 54º do Código de IRC e Art. 90º (anterior 84º) do Código de IVA, bem como dos Artigos 87º a 90º da LGT.
4) Considerando nesta matéria improcedente o vício invocado.
5) Como se pode verificar do documento nº 4, o IVA em causa foi fixado pelo Chefe de Divisão, nos termos do Art. 89º do CIVA, não aplicável ao caso concreto que conforme se pode verificar pelo documento nº 7, o IVA foi apurado com recurso ao Art. 87º do CIVA.
6) Ocorreu não só a incompetência do decisor, bem como a errada aplicação da lei.
7) No que diz respeito à liquidação dos juros compensatórios, a Meritíssima Juíza do Tribunal o quo entendeu que a fundamentação é suficiente e que ocorreu manifesto lapso, quando no local onde se indica os juros compensatórios a pagar está uma importância igual ao imposto, e que bastaria ao Recorrente confrontar as liquidações de juros com as liquidações do imposto.
8) E exemplifica o seu raciocínio, com o exemplo da liquidação do imposto do período de 0503T de €3.991,60, sendo os juros compensatório de €611,97 aplicando-o às restantes liquidações.
9) Porém para chegar a essa conclusão teria que referir que a taxa de juros aplicada teria sido de 4% e só assim aquele exemplo estaria devidamente fundamentado.
10) É evidente que o lapso e o dever de fundamentação dos actos tributários não se esgota no facto do Recorrente exercer uma actividade comercial, lidar com os bancos e com as taxas e juros praticadas, que são em regra bem superiores à taxa legal (o que só confirma o vício invocado pelo Recorrente), e nessa sequência ter percebido a razão de ser da conta de juros.
11) A fundamentação tem que ser clara e expressa.
12) Sendo de referir que o Acórdão do TCA Norte de 12/10/2006, invocado na douta sentença recorrida parece dar razão ao Recorrente quando refere que "nesse conteúdo mínimo da declaração fundamentadora deverá conter-se a referência ao montante do imposto sobe que foram liquidados os juros compensatórios, à taxa ou taxas aplicáveis e ao período de tempo em que tais juros são exigíveis."
13) As liquidações dos juros compensatórios postas em causa nem contêm o imposto, nem a taxa de juros aplicável.
14) Devendo, assim, por este facto serem anuladas.
15) A liquidação de imposto de 0612T e dos juros compensatórios do mesmo período não encontrou fundamentação do relatório de inspecção, nem na fixação do Chefe de Divisão, factos invocados na petição inicial, que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo não entendeu (existem duas liquidações do mesmo período).
16) Tais liquidações por não estarem fundamentadas deverão ser anuladas.
17) Ocorreu errónea qualificação da actividade desenvolvida pelo Recorrente.
18) A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo concluiu que atento o teor do relatório de inspecção, a mesma carreou para o processo os elementos suficientes para abalar grandemente a argumentação expendida pelo Recorrente.
19) 0 Recorrente invocou designadamente a compra por contrato-promessa de compra e venda celebrado com J. em 03/12/2002 pelo valor de € 225.000,00 os lotes – B1 a B12 - da urbanização sita no lugar do (...) (doc. n. 23).
20) Contrariando assim a decisão do Meritíssima Juíza do Tribunal a quo que concluiu que "em momento algum demonstra a existência desse negócio, nem sequer de forma aparente".
21) J., na qualidade de testemunha, depôs de forma concreta e peremptória confirmando a venda ao Recorrente dos referidos lotes e o recebimento do valor em causa.
22) O Recorrente celebrou como todos os adquirentes um contrato-promessa de compra e venda de moradias, situadas na Urbanização da 2ª fase do Lugar (…), que se encontram juntos aos autos.
23) A inspecção Tributária, no RIT, erradamente concluiu que teria ocorrido erro de terminologia nos referidos contratos, porque seriam contratos de empreitada pelo facto dos pagamentos terem sido faseados.
24) O pagamento faseado não caracteriza a designação do contrato de empreitada.
25) O modo de pagamento; faseado ou total, é característico de qualquer contrato, mas que não o define.
26) As testemunhas inquiridas e os contratos celebrados com os adquirentes confirmam que o Recorrente constrói para vender e não constrói em regime de empreitada.
27) E que construiu as moradias dos lotes BI a B12 e que foi vendendo conforme estavam prontas.
28) Como os terrenos juridicamente pertenciam a J., quando as moradias estavam prontas era por este celebrado uma escritura de compra e venda do terreno e partir dai os adquirentes das moradias substituíam-se na Câmara Municipal de Braga a J., onde os projectos e licenças de construção estavam registados em seu nome.
29) De seguida, os adquirentes das moradias inscreviam os imóveis nos Serviços de Finanças de Braga 1 em seu nome.
30) A fazenda Pública, na fase de contestação e na audiência de inquirição de testemunhas, valorizou essencialmente a falta de celebração de escrituras públicas dos imóveis.
31) Alheando-se da verdade material dos factos.
32) Facto que também ocorreu na douta sentença recorrida.
33) A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo privilegiou na inquirição das testemunhas arroladas, designadamente, na inquirição de J. saber se este tinha recebido o valor do contrato-promessa e se tinha emitido os recibos de quitação.
34) Facto que este confirmou.
35) Alheando-se também da procura da verdade material dos factos e arrimando-se às declarações prestadas pelo recorrente, que conforme se referiu não devem ser valoradas porque não foram presididas perante um magistrado judicial, sem a presença de advogado e foram dactilografadas com as normas violadas, como se o Recorrente soubesse quais as normas violadas.
36) Verdade essa que assenta nos seguintes factos provados pelos documentos junto dos autos e da prova testemunhal:
- Os lotes BI a B12 eram pertença de J.;
- Que os vendeu por contrato-promessa de compra e venda ao recorrente em Dezembro de 2002,
- O recorrente foi construindo as moradias e foi vendendo as mesmas;
- Para os adquirentes legalizarem a sua situação na Câmara Municipal de Braga celebraram com o titular jurídico dos terrenos J. as escrituras de compra e venda dos terrenos;
- Averbaram o projecto e a licença de construção que entretanto tinham sido requeridas e apresentadas por J.;
- Posteriormente os adquirentes inscreviam as moradias no Serviço de Finanças de Braga 1.
37) Na totalidade dos casos, entre a celebração das escrituras dos terrenos e a inscrição dos imóveis nos Serviços de Finanças de Braga 1, não mediaram 12 meses (na maioria varia entre 4 meses e 9 meses).
38) A testemunha J. afirmou que uma moradia demora entre 1 a 2 anos para ser construída.
39) Na douta sentença recorrida deveria dar-se por assente que o Recorrente não celebrou qualquer contrato de empreitada com os adquirentes (existe apenas um, mas entre o contrato-promessa de compra e venda e o contrato de empreitada mediava um ano).
40) E que o Recorrente exercia a sua actividade de construção de edifícios para venda.
41) Tal actividade está isenta de IVA por haver sujeição a IMT (nº 31 (30) do artigo 9º do CIVA).
42) No que concerne à errónea quantificação dos rendimentos sujeitos a imposto, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo concluiu que dos documentos invocados pelo Recorrente os mesmos se encontravam ligados entre si ocorrendo correspondência de valores entre os documentos bancários e os contratos-promessa celebrados.
43) E perante tal correspondência, e uma vez que estava afastada a presunção de veracidade da documentação teria o Recorrente que demonstrar que os pagamentos não se referiam às transacções.
44) Porém não tem qualquer razão no doutamente decidido.
45) O que a Inspecção Tributária refere é que os contratos contêm erro de terminologia que não se vislumbra.
46) Os contratos são verdadeiros só que a inspecção diz designarem-se contratos de empreitada. 
47) Ainda que todas tenham a cláusula de execução específica prevista no artigo 830º do Código Civil.
48) Não ocorre coincidência entre os documentos e os valores referenciados, porque nos documentos juntos pela Inspecção Tributária, designadamente extractos bancários, nem se percebe quem é o titular da conta, nem a quem foram feitos os pagamentos.
49) E contrariamente ao doutamente decidido, o ónus da prova nesta matéria pertencia à Administração Tributária.
50) O Recorrente não podia efectuar a prova pela negativa, isto é, não existindo cheques, apenas extractos bancários sem qualquer referência a nomes a prova de não ter recebido os valores é impensável.
51) O Recorrente fez prova de que adquiriu os lotes B1 a B12 por contrato-promessa a J., construiu e vendeu as moradias, tipo chave na mão, aos adquirentes pelo que nunca exerceu uma catividade de construção, em regime de empreitada.
52) Assim sendo, a douta sentença recorrida deve ser anulada porque o Tribunal a quo violou: 0 nº 31 (actual 30) do art. 9º do CIVA, Art. 87º e 89º do CIVA; o nº 1, alínea a) do nº 2 e alínea a) do nº 3 do Art. 2 do CIMT; o nº 9 do Art. 35º e Art. 77° nº 1 da LGT; nº 3 do art. 268º do CRP e nº2 do art. 125º do CPA.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível ao seguinte excerto:
«Conforme se diz expressamente na douta sentença, em sede de motivação da matéria de facto assente, o depoimento das testemunhas oferecidas pela recorrente, pelas razões aí explicitadas, não contribuíram para que decisão diferente fosse tomada nesta vertente factual.
E apesar de o recorrente não o dizer expressamente, parece resultar das suas conclusões que o depoimento das testemunhas que arrolou impunham julgamento diferente da matéria de facto.
Mas, apesar de os depoimentos das testemunhas terem sido registados, as suas declarações não podem ser apreciadas, no sentido de averiguar se as mesmas impunham julgamento diverso da matéria de facto, por não ter sido observado o ónus estabelecido no art° 685-B do CPC, que dispõe:
(…)
E com base na matéria que foi dada como provada, que em nosso entender não pode ser alterada, bem andou o Tribunal a quo ao decidir no sentido da improcedência da impugnação apresentada pela recorrente
Em conclusão, deve a douta sentença ser mantida na integra, assim se fazendo Justiça.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir

Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.

Assim, as questões que, em princípio, cumpre resolver, são as seguintes:

1ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento em matéria de direito, porque deu por suficientemente fundamentadas as liquidações, quer do imposto, quer dos juros compensatórios, apesar de a liquidação do IVA relativo ao período do 4º trimestre de 2006 não ter base alguma no RIT, existindo, mesmo, duas liquidações para o mesmo período; e de as liquidações dos juros não indicarem, sequer, o capital, figurando no lugar deste o mesmo valor dos juros, nem a taxa de juro aplicada?

2ª Questão
Errou, a Mª Juiz a qua, em matéria de direito, ao julgar improcedente a alegação de anulabilidade das liquidações por incompetência do órgão emissor, já que aquelas relevaram de correcções técnicas e não de fixação da matéria tributável como recurso a métodos indirectos, pelo que não estavam abrangidas pelo despacho de delegação de competências e ratificação, publicado nº DR nº 204, II série, de 21/10/2009, antes eram da competência própria, ex vi legis, do Chefe de Finanças?

3ª Questão
Errou, a Mª Juiz recorrida, no julgamento em matéria de facto, quando julgou que o Impugnante não fez prova da celebração, sequer aparente, dos contratos de compra e venda das moradias nos lotes B1 a B12, já que as testemunhas se assumiram como compradoras e, a 1ª, vendedora dos terrenos dos lotes ao Impugnante e explicaram como se processavam os negócios dissimulados de compra e venda?

4ª Questão
Errou em matéria de direito, a sentença recorrida, ao ter considerado os contratos promessa de compra e venda e ou de compra e venda verbal das casas como, verdadeiramente, de empreitada, logo, tributados em IVA, quando na verdade se tratava de contratos de compra e venda, portanto, tributados em IMT?


III – Apreciação do Recurso

A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte:

«Com relevância para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:
1. O Impugnante encontra-se enquadrado para efeitos de I.R. no regime simplificado e para efeitos de I.V.A., no regime normal de periodicidade trimestral, colectado pela actividade de estucagem - CAE 45410;
2. Pelo Despacho n.° DI200804816, posteriormente substituído pelas Ordens de Serviço internas n.ºs 01200900082 e 01200900083, datadas de 28/01/2009 foi iniciada acção inspectiva de recolha de elementos na base de dados da DGCI - Património e procedeu-se à análise da situação tributária do contribuinte, acção que decorreu de 25 de Setembro a 10 de Fevereiro de 2009 - cf. fls. 1 do Relatório final de inspecção constante do Processo administrativo;
3. Em 29.09.2009, o Impugnante, em sede de declarações, prestou o seguinte depoimento:
“[...] Como empresário em nome individual, efectuou a construção dos lotes acima referidos, em regime de empreitada, sem que tivesse emitido documentos de prestação de serviços, como obriga a alínea b) do artigo 28° e artigo 35° do CIVA, tendo recebido dos titulares das respectivas obras os seguintes montantes:
Lote BI - de M. - 124.699,48€
Lote B3 - de V. - 104.248,76€
Lote B6 - de A. - 104.747,566
Lote B8 - de A. - 59.855,756 [...]” - cfr. fls. 51 dos autos;
4. Por ofício datado de 12.03.2009, foi o Impugnante notificado do projecto de relatório - cf. fls. 30 e 31 dos autos;
5. Não tendo sido exercido direito de audição, foi elaborado relatório final em 30.03.2009, do que o Impugnante foi notificado - cf. fls. 30 e 31 dos autos;
6. Do relatório referido no ponto antecedente resulta, com relevo, que:
Encontra-se colectado pela actividade de estucagem CAE 45410, mas na prática dedica-se à construção de edifícios (CAE 41200).
Quando do início da acção inspectiva o s.p. apresentou uma declaração de cessação de actividade reportada a 31/12/2001 (Anexo I).
No entanto, dos elementos constantes do cadastro da DGCI, verifica-se que ocorreu um reinicio provisório despoletado pela apresentação da declaração periódica do período 0203T, pelo que formalmente se encontra em actividade.
(Anexo I).
Quanto ao enquadramento para efeitos de IR, ainda se encontre enquadrada no regime simplificado, não obstante as correcções efectuadas inerentes ao processo inspectivo efectuado ao exercício de 2004, ao abrigo da ordem de serviço n° 01200801021, a colocassem no regime de contabilidade organizada, atendendo ao volume de negócios encontrado.
Em consequência, as correcções resultantes do presente processo inspectivo, em sede de IR, vão ser efectuadas pelo regime da contabilidade organizada de acordo com o n.° 6 e 7 do artigo 28°do CIRS.
D. Factos verificados
As evidências recolhidas no presente procedimento demonstram o exercício, por parte do sujeito passivo, de serviços de empreitada de construção civil, muito embora haja alguma divergência em termos de terminologia dos contratos celebrados, que referem contrato de promessa de compra e venda.
Efectivamente a existência desses contratos, corroborado com os meios de pagamento que se lhes seguiram e com as declarações dos destinatários das obras, que fizeram os pagamentos sem que tivessem na sua posse qualquer documento de quitação, que corroboram a omissão de proveitos facturados e declarados, são factos bem demonstrativos do exercício da actividade de construção de imóveis em regime de empreitada.
Nos casos em apreço, existe somente, titulada por escritura pública, a transmissão de um terreno para construção, seguida da edificação de um imóvel no terreno do particular, que vem a declarar, ele próprio e no âmbito da sua esfera patrimonial, um imóvel afecto a habitação. Quando, no caso de aquisição do direito de propriedade dum imóvel por contrato (art.° 1317.° do Código Civil), este deve-se corporizar numa escritura pública, nos termos dos artigos 874. ° e 875. ° do Código Civil, o que neste caso não aconteceu.
Nestes termos, em sede de IVA, os serviços de empreitada acima caracterizados caem na incidência real em sede de IVA por via do conceito residual de prestação de serviços estatuído no n.° 1 do art.° 4.° do Código do IVA, de acordo com o qual são consideradas prestações de serviços "(...) as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões de bens, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.".
Outro facto, de grande importância para se cimentar a tese da empreitada, consiste nos pagamentos parcelares e não no pagamento total do imóvel.
Quase a totalidade dos donos das obras, recorreram a empréstimo bancário e segundo declarações destes, os pagamentos eram disponibilizados à medida em que se atingia cada fase de construção, sujeita a validação de perito do próprio banco, cujas deslocações às obras eram debitadas em conta.
Assim, reunidos 05 documentos, através da colaboração dos destinatários finais de prédios urbanos e também do próprio contribuinte, como se pode verificar pelo auto de declarações, (Anexo 11) concluímos que o sujeito passivo agora fiscalizado, prestou serviços de empreitada de construção civil, sem que tivesse declarado o proveito para efeitos fiscais.
Saliente-se que nesse Termo de Declarações, o s.p. admite ter construído em regime de empreitada os lotes 81, 83, 86 e 88, pelos preços de 124.699,488, 104.248,768, 104.747,568 e 59.855,758.
No entanto, no decorrer das averiguações, constatou-se que para além desses lotes auto-denunciados, efectuou a construção de outros, bem como ficou claro que os preços constantes do termo de declarações não correspondem à realidade, pelo que estamos perante a prestação de falsas declarações.
Concluímos assim, que o s.p. agora fiscalizado, no decorrer dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, construiu em regime de empreitada os seguintes prédios:
[...]
III Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
Através dos documentos apresentados, nomeadamente contratos de empreitada e documentos de pagamento representados por cheques e/ou extractos bancários e ainda declarações prestadas pelos detentores dos imóveis, concluímos que se encontravam por contabilizar os valores respeitantes à construção dos imóveis, que a seguir se identificam:
Lote BI
Artigo 3624 de M. Valor do terreno - 25.000,00
[-]
Os documentos relacionados com esta obra, constituem anexo III, que é composto pelos seguintes documentos: Escritura de venda do terreno, onde J., vende a M., terreno para construção pelo preço de 25.000,00€; contrato de promessa de compra e venda; caderno de encargos, declaração modelo 1 do IMI, transferência bancária a favor de A., termo de declarações de M..
[-]
Lote B4
Artigo 3325 C. Valor do terreno -10.000,00€ Valores recebidos
l-l
Esta obra vai ser tributada para efeitos de IR e IVA em 2005
Anexo IV- Cópia do cheque de 125.000,00€ (105.042,02€) depois de excluído o IVA), cópia da caderneta CGD, onde consta o pagamento de 10.000,00€ e declarações do proprietário do prédio.
Lote B5
Artigo 3363 de E.
Valor do terreno - 25.000,008
Valor do contrato de empreitada 160.862,328
[-]
Os pagamentos de 40.000,00€, 50.000,00€ e 65.862,32€ foram tributados em sede de IVA em 2004. O pagamento de 5.000,00€ vai ser tributado em Março de 2005.
[-]
Anexo V - Declaração do proprietário com indicação dos pagamentos, contrato, comprovante da base de dados da DGCI - actos por outorgante do valor de venda do terreno, declaração modelo 1 do IMI.
Lote B6
Artigo 3351 de A. Valor do terreno - 30.000,00€ Valor do contrato 175.000,00€
l-l
Tributação em sede de IVA sabre 70.000,00€ (20.000,008+50.000,00 €)
l-l
Anexo VI - Contrato, declaração do proprietário, documentos de pagamento, comprovantes da base de dados da DGCI - actos por outorgante, do valor de venda do terreno e do valor de venda do imóvel entregue para permuta, declaração modelo 1 do IMI.
Lote B7
Artigo 3506 de J. Valor do terreno - 25.000,00€
Valores contrato -180.000,006
[...]
Tributação em sede de IVA sobre 103.500,00€ (98.000,00€ - 25.000,00€+20.500,00€+10.000,00€)
(...)
Anexo VII - Contrato, termo de declarações, cópias de documentos de pagamento, escritura de compra do terreno, identificação do imóvel entregue para permuta, declaração modelo 1 do IMI.
Lote B8
Artigo 3523 de A.
Valor do terreno - 35.000,00€
Valor do contrato -180.000,006 [...]
IVA sobre 25.000,00€
(...)
Anexo VIII - contrato, cópias de extractos bancários e cheques, escritura de compra do terreno, termo de declarações, escritura de venda do imóvel entregue para permuta, declaração modelo l do IMI.
Lote B9
Artigo 3619 de S.
Valor do terreno - 35.000,00€
Valor do contrato -180.000,00€
(...)
Para efeitos de IVA 65.000,00€ (100.000,00€ - 35.000,00€)
[...]
Anexo IX - Contrato, cópias de cheques e extractos bancários, cópia de escritura de compra do terreno, comprovante da base de dados da DGCI - actos por outorgante onde se pode comprovar o preço de venda do imóvel entregue para permuta, declaração modelo 1 do IMI.
Lote B10
Artigo 3657 de A.
Valor do terreno - 35.000,00€ Valor do contrato -195.000,00€ (...)
Para efeitos de IVA 150.788,70€
(...)
Anexo X - Contrato, cópias de cheques, cópia de escritura de compra de terreno, declaração modelo 1 do IMI
Lote B 11
Artigo 3522 de A. Valor do terreno - 35.000,00€ Valor do contrato -187.500,006 (...)
IVA sobre 75.000,000
(...)
Anexo XI - Contrato de promessa de compra e venda e permuta de 24/08/2005, no valor de 187.500,00€, contrato de empreitada datado de 29/04/2006 no montante de 200.000,00€, sobre o mesmo imóvel, caderno de encargos, escritura de compra do terreno, comprovante da base de dados da DGCI - actos por outorgante, onde se pode confirmar o valor de venda do imóvel entregue para permuta, declaração modelo 1 do IMI.
Lote B12
Artigo 3656 de A. Valor do terreno 35.000,00€ Valores recebidos 205.000,00€
IVA sobre 170.000,000
(...)
Anexo XII - Escritura do terreno, cópias dos cheques, declaração modelo 1 do IMI
III. l Imposto s/o valor acrescentado
Aos montantes dos cheques emitidos durante o exercício de 2005, vai retirado o valor do IVA à taxa de 19% até Junho e 21%a partir dessa data.
[...]”-cfr.fls. 163 a 181 dos autos;
7. Por documento datado de 31.03.2009, foi fixado pelo Chefe de Divisão J., ao abrigo da delegação de competências publicada no Diário da República n.° 128, II Série, de 05.07.2006, o montante do imposto a corrigir, nos termos do artigo 89° do C.I.V.A., quanto ao período de 01.01.2005 a 31.12.2005 - cfr. fls. 183 dos autos;
8. Por documento datado de 31.03.2009, foi fixado pelo Chefe de Divisão J., ao abrigo da delegação de competências publicada no Diário da República n.° 128, II Série, de 05.07.2006, o montante do imposto a corrigir, nos termos do artigo 89° do C.I.V.A., quanto ao período de 01.01.2006 a 31.12.2008 - cfr. fls. 184 dos autos;
9. Por documento datado de 31.03.2009, foi fixado pelo Chefe de Divisão J., ao abrigo da delegação de competências publicada no Diário da República n.° 128, II Série, de 05.07.2006, o montante do imposto a corrigir, nos termos do artigo 89° do C.I.V.A., quanto ao período de 01.01.2007 a 31.12.2007 - cfr. fls. 185 dos autos;
10. No Diário da República n.° 128, II Série, de 05.07.2006, consta o seguinte:
“[-]
I — Competências delegadas/subdelegados — nos termos do n.ºs 1.9, 8.5 e 11 da parte II e dos n.ºs 1 e 4 da parte III do despacho n.° 22 852/2005 (2.ª série), do Director-Geral dos Impostos, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 213, de 7 de Novembro de 2005, da alínea b) do despacho n.° 23 754/2005 (2.ª série), do Subdirector-geral da Cobrança, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 224, de 22 de Novembro de 2005, e da parte II do despacho n.° 24 073/2005 (2.ª série), do subdirector-geral da Justiça Tributária, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 226, de 24 de Novembro de 2005, subdelego as seguintes competências:
[-]
7—No Director de finanças-adjunto licenciado J. e nos chefes das DITI, II e III licenciados M., J. e L.:
[-]
7.12 Proceder à fixação do IVA em falta, nos termos do artigo 84.° do Código do IVA e dos artigos 87.° a 90.° da lei geral tributária; [...]”
11. Em 21.10.2009, foi publicado anúncio no Diário da República, II Série, n.° 204, constando desta publicação, quanto ao referido Chefe de Divisão que:
“[...] Determinar o recurso â aplicação de métodos indirectos nos termos do artigo 39° do Código do IRS, dos artigos 52° e 54° do Código do IRC e do artigo 90° (anterior artigo 84°) do Código do IVA, bem como dos artigos 87° a 90° da lei Geral Tributária”.
/.../
“Este despacho produz efeitos a partir de 27 de Setembro de 2007, ficando, por este meio, ratificados todos os despachos entretanto proferidos no âmbito desta subdelegação e delegação de competências [...}”.
12. Na sequência daquela acção inspectiva foram efectuadas as seguintes liquidações de I.V.A. e juros compensatórios - cf. fls. 186 a 207 dos autos:
N° da liquidaçãoPeríodoValor (€)Imposto
090609300503T3.991,60I.V.A.
090609320506T27.941,17I.V.A.
090609340509T21.694,21l.V.A.
090609360512T12.669,42I.V.A.
090609380606T3.557,85I.V.A.
090609400609T18.223,15I.V.A.
090609420612T17.466,22I.V.A.
090730370612T6.074,38I.V.A.
090609440703T11.281,00I.V.A.
090609460706T5.206,61I.V.A.
090609480712T21.794,63I.V.A.
090609310503T611,97J. Compensatórios
090609330506T4.048,02J. Compensatórios
090609350509T2.919,51J. Compensatórios
090609370512T1.574,48J. Compensatórios
090609390606T373,14J. Compensatórios
090609410609T1.729,45J. Compensatórios
090609430612T1.481,52J. Compensatórios
090730380612T521,23J. Compensatórios
090609450703T846,85J. Compensatórios
090609470706T337,79J. Compensatórios
090609490712T1.245,81J. Compensatórios
13. A presente impugnação judicial foi entregue, presencialmente, neste Tribunal, em 01.09.2009 – cf. fls. comprovativo de entrega do documento constante dos autos.
Factos não provados: Com interesse para a decisão inexistem.
Motivação:
Os factos dados como assentes supra tiveram por base o Processo administrativo bem como os documentos juntos aos autos pelas partes e/ou não resultaram controvertidos, e o facto elencado sob o número 13 decorreu da tramitação dos autos.
Da inquirição de testemunhas nada resultou provado, com relevo, para o que se discute nos presentes autos, pois que as testemunhas arroladas pelo Impugnante ou não conheciam a tramitação legal devida ou se limitavam a afirmar que adquiriram os lotes a J., não conseguindo explicar as formalidades da aquisição dos imóveis lá construídos.
A testemunha J. afirmou peremptoriamente que vendeu os lotes ao Impugnante, mas quando confrontado com a inexistência de documentos de quitação, disse que deviam ter existido mas que não sabia se os tinha guardado ou não. Assumiu, ainda, que foi ele quem tratou das licenças junto da Câmara Municipal, tendo os seus escritórios elaborado os projectos devidos.
Por outro lado, a testemunha A., nada sabia em concreto sobre a transacção dos lotes e construção das casas, pelo que não merece valoração o seu depoimento.
A testemunha A. declarou que era o Impugnante quem estava a vender os lotes com as casas construídas, mas nunca assistiu a qualquer venda, pelo que o seu depoimento não se reveste de qualquer importância.
A testemunha A. nada declarou no processo com relevo, tanto mais que o seu depoimento foi interrompido ainda sem que tivesse sido possível a sua cabal inquirição.
Por fim, a testemunha M. afirmou que comprou o lote ao Impugnante, mas que o comprou com a casa já acabada, tipo “chave na mão”. No entanto, quando confrontado sobre o modo como tratou da formalização da aquisição da casa - uma vez que na escritura constava apenas o lote - o mesmo não pode precisar em que termos é que tal compra se efectuou.»

Atentos os objectos da decisão recorrida e do recurso, já enunciados, importa, em densificação do sobredito artigo 6º da matéria de facto julgada provada, transcrever mais o seguinte excerto do RIT – parte III.1 (não porque não se deva ter já por provado, mas por facilitar a compreensão deste acórdão).
“(…)
Exercício de 2006
DataTipo documentoLoteValorIVA
19/05/2006Transferência bancáriaB720.500,00€3.557,85€
17/08/2006Cheque n° 3821393831B1150.000,00€8.677,69€
01/09/2006Transferência bancáriaB710.500,00€1.735,54€
01/09/2006Cheque n°8414900188B935.000,00€6.074,38€
25/09/2006Cheque n° 484025B8» 10.000,00€1,735,54€
12/10/2006Cheque n° 6981221012B1235.000,00€6.074,38€
14/11/2006Cheque n° 3100000002B10100.638,70€17.466.22C
Total45.321,60€

Exercício de 2007
DataTipo documentoLoteValorIVA
09/03/2007Cheque n° 608522B8, 15.000.00C2.603.31C
30/03/2007Cheque n° 698222467B1250.000,008.677,69C
03/05/2007Cheque n° 114900162B930.000,00C5.206,61C
12/11/2007Transferência bancáriaB10* 50.150,00€8.703,72€
18/12/2007Cheque n0, 6981222564B1285.000,00C14.752,07C
31/12/2007Cheque n° 9021393836B1125.000,00C4.338,84C
Total44.282,24C

Convém, ainda, ao mesmo escopo da facilidade de compreensão deste acórdão densificar o artigo 12º da descrição dos factos julgados provados, nos seguintes termos.
As liquidações dos juros compensatórios foram emitidas e notificadas mediante as notas integrantes dos docs. 8 a 10 da PI, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais, por lapso, mencionavam, como valor em falta, sobre que incidiram os juros, precisamente o mesmo valor dos juros, tundo conforme se reproduz no seguinte exemplo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Tendo em conta o sentido em que vão ser resolvidas, mostra-se necessário, de um ponto de vista lógico, abordar todas as questões suscitadas, pelo que seguiremos a ordem da sua enunciação.

1ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento em matéria de direito, porque deu por suficientemente fundamentadas as liquidações, quer do imposto, quer dos juros compensatórios, apesar de a liquidação do IVA relativo ao período do 4º trimestre de 2006 não ter base alguma no RIT, existindo, mesmo, duas liquidações para o mesmo período; e de as liquidações dos juros não indicarem, sequer, o capital, figurando no lugar deste o mesmo valor dos juros, nem a taxa de juro aplicada?


De que normas e princípios constitucionais e ordinários e ratio legis releva e em que consiste o dever de fundamentação dos actos (administrativos) tributários em geral, é assunto que não está posto em discussão e já vem doutamente exposto na sentença recorrida, pelo que nos dispensamos da redundância de o expor de novo.

Devassado o RIT, verifica-se que no Capítulo “III – Imposto s/ o valor acrescentado” se explica satisfatoriamente o objecto sobre que e o modo por que se vai liquidar o imposto. Designadamente, diz-se que aos montantes dos cheques vai ser deduzido o valor do IVA, sendo que quanto ao 2005 será considerada a uma taxa de 19% até Junho e a uma taxa de 21% daí em diante. Depois discrimina-se, cheque por cheque, transferência bancária por transferência bancária, pagamento em numerário por pagamento em numerário, o valor de IVA a liquidar relativamente a cada meio de pagamento.

Do confronto desta parte do RIT com as liquidações do IVA, propriamente ditas, que constituem os docs. 5 a 7 da PI, conclui-se, sem margem para qualquer dúvida, que nestas foram agrupados por trimestre, num só acto administrativo “final” de liquidação, os valores de IVA que no RIT haviam sido liquidados por cada meio pagamento, excepto quanto ao último trimestre de 2006, em que se emite uma liquidação relativa ao cheque nº 6981221012 e outra relativa ao cheque nº 3100000002.

Essa discriminação, porém, em nada obnubila o iter cognoscitivo e valorativo da AT que resulta nos valores a pagar de IVA, pelo contrário, até facilita a sua compreensão.

Por outro lado, releva-se manifesta a relação das duas liquidações relativas a IVA do 4º trimestre de 2006 com o teor do RIT.

Assim, quanto à liquidação do imposto em falta, designadamente do 4º trimestre de 2006, não há insuficiência de fundamentação.

No que respeita às liquidações de juros compensatórios:
Compulsadas as notas de liquidação dos juros compensatórios, que constituem os docs. 8 a 10 da PI, é inelutável que há lapso na menção do capital. Evidentemente, o imposto considerado em dívida e liquidado tardiamente por motivo imputável ao sujeito passivo é o que consta como tal nas liquidações do IVA, só por lapso de atenção ou falha informática se explica que figure como capital o mesmo valor indicado como sendo o dos juros. Também é um facto que a taxa de juro não é quantitativamente expressa e que o RIT, em matéria de juros compensatórios, nada refere expressamente.

Mas implicará tal constelação de factos e circunstâncias a conclusão pela insuficiência da fundamentação das liquidações compensatórios?

Julgamos que não.
O artigo 35º nº 9 da LGT dispõe especificamente sobre a fundamentação da liquidação de juros compensatórios, determinando que “a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas”.

Conforme se pode ver na reprodução da fundamentação de uma das liquidações de juro compensatórios, inserta na densificação que acima fizemos do facto provado 12º, o período a que se reportam os juros vem expressamente referido nas liquidações sub judicibus.

O valor dos juros também está expressamente quantificado.

O capital, esse, atento o óbvio lapso, extrai-se da respectiva liquidação, enquanto IVA em falta, de que o Impugnante foi concomitantemente notificado, sendo certo que a relação entre cada obrigação principal e cada obrigação de juros se deduz da menção do período a que se reportam os juros e, quanto as duas liquidações de 4º trimestre de 2016, do seu valor, no sentido de que, evidentemente, a mais elevada será relativa ao capital maior e a menos elevada ao menor.

A taxa de juro, essa, além de se conseguir obter por cálculo aritmético a partir daqueles outros dados concretos, está indicada por remissão para a lei aplicável à sua determinação.

Sendo assim, não se vê que, apesar do lapso, não esteja cumprido o único elemento da fundamentação, veiculado pelo citado nº 9 do artigo 35º da LGT, que aqui se pode considerar posto verdadeiramente em causa, ou seja, a explicação clara do cálculo dos juros.

No sentido da suficiência da indicação do regime normativo aplicável à taxa, para o cumprimento do artigo 35º nº 9 da LGT pode ver-se, por exemplo o ac. do TCA Sul de 25/6/2020, no processo 1080/07.3BELRA, de que citamos o segmento final da fundamentação:
“Relativamente aos juros compensatórios, entendemos que as exigências de fundamentação podem ser reduzidas ao mínimo, mas que esse mínimo de fundamentação deve conter a referência ao imposto sobre que são liquidados os juros bem como a indicação da taxa aplicada e o período de tempo em que são devidos esses juros sem necessidade, no entanto, de referência à norma que possibilita a liquidação dos mesmos, pois só assim o sujeito passivo saberá como foi feita essa liquidação para se poder conformar ou não com a mesma. A simples referência, nas notas de liquidação, à norma constante do CIVA, sem indicação dos elementos acabados de referir, não satisfaz as exigências legais de fundamentação.
Acontece, porém, que a fundamentação da liquidação dos juros compensatórios aqui questionada, é constante da nota de liquidação de fls. 18, nas quais consta o período de tempo (2003/05/15 a 2006/08/18) em que os juros são exigíveis, a taxa aplicável ( a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º1 do artigo 559.º Código Civil), o montante do imposto sobre que incidem os juros (35.001,08 €) e que foram «liquidados nos termos dos artigos 89.º do CIVA e 35,º da LGT, por ter sido retratada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto por facto imputável ao sujeito passivo.» Perante este quadro, concluímos, que no presente caso está cumprido o dever legal de fundamentação”.

Por tudo o exposto, improcede a alegação de insuficiência de fundamentação, quer das liquidações referidas ao IVA do período 0612T, quer das referidas aos juros compensatórios.

2ª Questão
Errou, a Mª Juiz a qua, em matéria de direito, ao julgar improcedente a alegação de anulabilidade das liquidações por incompetência do órgão emissor, já que aquelas relevaram de correcções técnicas e não de fixação da matéria tributável como recurso a métodos indirectos, pelo que não estavam abrangidas pelo despacho de delegação de competências e ratificação, publicado no DR nº 204 II série de 21/10/2009, antes eram da competência própria, ex vi legis, do Chefe de Finanças?

Efectivamente a sentença labora num pressuposto errado quando invoca o despacho de 2009, que é o de as liquidações de IVA relevarem, in casu, de determinação da matéria colectável por métodos indirectos.
Na verdade, em face do RIT é certo que a fixação da matéria tributável de IVA foi feita apenas com recurso a documentos – se mal ou bem interpretados, logo veremos – e à aplicação de cálculo aritmético aos dados desses documentos, não com base em estimativas, probabilidades ou médias.

Porém o Recorrente também parte de dois pressupostos que julgamos errados, a saber, que os actos de liquidação impugnados consistem nas três folhas do doc 4 da PI; e que a competência do Chefe do Serviço de Finanças, conferida pelo artigo 89º do CIVA é exclusiva.


Ora, por um lado, as liquidações, enquanto acto administrativo tributário final do procedimento e dotado de eficácia externa imediata estão outrossim incorporadas nas notas de liquidação que integraram os docs. 5 a 10 da PI e mostram-se subscritas pelo, isto é, são da autoria, do subdirector geral dos impostos. Deste modo, a alegada irregularidade da invocação da delegação de competências nos despachos do delegado do director de Finanças de Braga, de fixação do imposto a corrigir, acaba por ser irrelevante para a legalidade, quanto à competência do emissor, das liquidações impugnadas.

Por outro lado, o artigo 89º do CIVA, ao dispor, ao tempo da emissão das liquidações (Maio de 2009) que “sem prejuízo do disposto no artigo 88º o chefe do serviço de finanças pode proceder também à liquidação oficiosa do imposto que se mostrar devido, quando o sujeito passivo não tiver enviado a declaração”, deixa claro que se trata de uma competência que não exclui nem restringe o âmbito das normas constantes dos respectivos artigos 87º e 88º, que, note-se, sem distinguir entre métodos indirectos e directos, conferem competência semelhante aos serviços centrais.

Assim sendo, ainda que por esta diversa fundamentação, improcede, também, a alegação de violação de lei por incompetência do emissor dos actos tributários impugnados.

3ª Questão:
Errou, a Mª Juiz recorrida, no julgamento em matéria de facto, quando julgou que o Impugnante não fez prova da celebração, sequer aparente, dos contratos de compra e venda das moradias nos lotes B1 a B12, já que as testemunhas se assumiram como compradoras e, a 1ª, vendedora dos terrenos dos lotes ao Impugnante e explicaram como se processavam os negócios dissimulados de compra e venda?

Pretende-se que este Tribunal aprecie se a Juiz a qua errou no julgamento em matéria de facto ao julgar que o impugnante não logrou prova dos factos integrantes da sua compra dos Lotes B1 a B12 ao V. nem de que foi ele, impugnante, quem construiu, nesses lotes, para venda, e vendeu as moradias; e em ter julgado outrossim provada a materialidade de outros tantos contratos de empreitada para construção de outras tantas moradias nos sobreditos lotes.

Deve-se começar por notar que é na motivação da decisão em matéria de facto que a sentença recorrida acaba por se pronunciar sobre a não prova dos contratos de promessa de compra e venda dos imóveis, nos quais o Impugnante funda a impugnação das liquidações de IVA. Deste modo, a sentença contradiz a afirmação anterior, de que não haveria factos não provados considerados relevantes para a decisão. Contudo, esta contradição considera-se suprida, atenta a motivação da não prova desses factos, tidos por essenciais à posição defendida pelo Impugnante.

O Digno Magistrado do MP opinou estar vedado ao Tribunal de recurso apreciar a alegação de erro na apreciação da prova, por isso que o Recorrente não cumpre formalmente com os requisitos decorrentes do artigo 640º, nºs 1 e 2 do CPC. Mas esta norma tem de ser interpretada adequadamente, no sentido de o objecto dos ónus nela enunciados não ir além do que for possível em concreto satisfazer e dos limites decorrentes de direitos fundamentais, como o do acesso à justiça (artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP), e legais, como o do duplo grau de jurisdição Entre a doutrina mais recente, veja-se Código de processo civil anotado, de Abrantes Geraldes e outros, Almedina, 2020, vol. I, anotações 6 e 7 ao artigo 640º.
Designadamente, pode acontecer que sejam evidentes, embora não expressa e formalmente enunciados, o facto ou os factos sobre que há discórdia do recorrente quanto ao julgado. Depois, consistindo a crítica à decisão da matéria de facto na alegação de violação de uma regra de ónus da prova, ou na sustentação de que se provou certo facto dado como não provado, não por via de um concreto e determinado segmento das produção da prova verbal, mas pela convergência da totalidade dos depoimentos de todas ou vários declarantes e ou testemunhas, pode ser impraticável ou inútil, por a matéria a especificar ser sobreponível à totalidade do depoimento, formalizar a especificação previstas na alínea a) do nº 2. Mesmo quando a alegação da não prova de certo facto se funda em que os depoimentos colhidos, embora admissíveis e em abstracto susceptíveis, não a produziram, pode acontecer ser logicamente impossível, impraticável, ou pelo menos inexigível indicar depoimentos e respectivas passagens concretas de que decorra essa conclusão negativa.

No nosso caso o recorrente não enunciou, nas conclusões, como devia, os factos concretos que entende estarem provados e não foram julgados como tal pela Mª Juiz a qua. Porém, na alegação enunciou e enumerou esses factos sob os nºs 14 a 24, a saber:
Facto Nº14 - O Impugnante adquiriu os lotes BI a B12 a J., pelo valor de € 225.000,00 por contrato-promessa de compra e venda celebrado em 3 de Dezembro de 2003.
(…)
Facto Nº15 - M. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia, que estava a ser construída no lote B1, datado de 15/5/2005, adquiriu por escritura celebrada em 04/08/2005 o terreno para construção, designado por Lote B1, e inscreveu no Serviço de Finanças de Braga 1 em seu nome em 29/06/2007;
Facto Nº 16 - C. inscreveu o imóvel na matriz predial urbana, da freguesia de (...), artigo 2528, em 06/07/2005, pagou ao Impugnante a quantia de € 10.000,00 e € 125.000,00, em 29/06/2005, afirmando na correspondência trocada com a Direcção de Finanças de Braga "não existiu qualquer contrato de empreitada", tendo ainda ocorrido uma permuta com a casa de Chaves;
Facto nº -17 - E. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda da moradia do lote B5, em 8 de Maio de 2004, inscreveu o imóvel no Serviço de Finanças de Braga 1, em 28/12/2005;
Facto Nº 18 - A. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia na Urbanização Quinta (…), no lugar do (...) em 08/01/2005 e inscreveu o imóvel no serviço de Finanças de Braga 1, em 21/11/2005;
Facto Nº 19 - J. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia do Lote B7 da 2- Fase do Lugar (…), freguesia (…), Concelho de Braga, em 05/05/2005, confirmou, de acordo com o termo de declarações prestado em 25/11/2008, aquisição do imóvel pelo preço de € 180.000,00, tendo por escritura pública celebrada em 28/10/2005, adquirido o terreno a J. e inscrito o imóvel no serviço de Finanças de Braga 1 em 10/10/2006;
Facto Nº 20 - A. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda em 06/05/2006, de uma moradia do lote B8 da Urbanização da 2ª Fase do Lugar do (...), freguesia de (...), concelho de Braga, adquiriu o terreno para construção a J. por escritura pública em 21 de Julho de 2006 e inscreveu o imóvel no serviço de Finanças de Braga 1 em 25/01/2007.
Facto nº 21 - S. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa em 15/01/2006 de uma moradia que o Impugnante estava a construir no Lote B9 da urbanização 2ª fase, do Lugar do (...), Quinta (…), concelho de Braga, tendo adquirido o terreno a J., por escritura pública em 14 de Julho de 2006 e inscrito o referido imóvel no Serviço de Finanças de Braga 1, em 20/04/2007.
Facto Nº 22 - A. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia do lote B10, na Rua (…), freguesia de (...), concelho de Braga, em 16/11/2006, adquiriu o terreno para construção a J. por escritura pública celebrada em 14/11/2006 e inscreveu o imóvel no Serviço de Finanças de Braga 1 em 05/11/2007;
Facto N2 23 - A. celebrou com o Impugnante um contrato-promessa de compra e venda em 24/08/2005, um contrato de empreitada em 29/04/2006, em primeiro prometeu adquiriu a moradia na urbanização Quinta de (…) no Lugar do (...), freguesia de (...), concelho de Braga, no segundo obrigando-se a pagar a quantia de €200.000,00 pelas obras efectuadas. O primeiro pagamento de € 35.000,00 foi efectuado em 24.08.2005. Adquiriu o terreno por escritura pública a J. em 27/01/2006.
Facto Nº 24 - A. adquiriu por escritura pública celebrada em 11/10/2006, o terreno a J. e inscreveu o imóvel no Serviço de Finanças de Braga 1, em 05/01/2007.

Também se conclui com segurança da alegação, quando se refere à não prova do facto 6 (teor do relatório da Inspecção, na parte transcrita, designadamente a alínea “D factos verificados”) que, no entender do Recorrente, não devia ter sido dado como provado que o Impugnante celebrou com os adquirentes dos lotes contratos de empreitada para a construção das moradias objecto dos contrato de promessa de compra e venda constantes do PA.

Deste modo, embora admita ter assinado, no procedimento, as declarações constantes do artigo 3º dos factos provados, o Recorrente insurge-se contra a decisão de se dar como provado o facto de ter feito a construções de quaisquer das moradias em regime de empreitada para fictos promitentes compradores e contra a decisão de não se dar como provado que ele efectivamente prometeu vender e entregou, construídas, as moradias.

Como assim, não se lhe imputa o incumprimento do ónus que, para o recorrente em matéria de facto, decorre do nº 1 a) e c) do artigo 640º do CPC.

Vejamos se cumpriu com as als. b) do nº 1 e a) do nº 2 – indicação dos concretos meios probatórios.

Quanto aos factos que deviam ter sido dados com provados, o Impugnante invocou, como meios de prova, os instrumentos escritos dos contratos promessa e da inscrição das moradias na matriz, os depoimentos ou declarações escritas dos donos das moradias no procedimento de inspecção e os depoimentos prestados em audiência no processo jurisdicional, que transcreveu, autonomizando as partes tidas por relevantes para a sua posição, quer da testemunha que lhe teria vendido os lotes, quer de dois adquirentes das moradias, alegando não indicar com exactidão as passagens da gravação por já não haver tecnologia disponível para cassetes.
No quadro da interpretação constitucionalmente informada do artigo 640º do CPC, que acima enunciámos, julgamos satisfeitas as suas exigências.

Assim, nada obsta, do ponto de vista do artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC, a que este Tribunal conheça da questão de facto acima enunciada.

Tem sido entendido por este Tribunal, Neste sentido, vide, Acórdão do TCAN proferido em 21/05/2020, processo 02496/15.7BEPRT, disponível in: www.dgsi.pt. Sobre esta questão, vide A.S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2010, vol. II, págs. 2/50 e segs.). que os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se deva fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância, pois esse, sim, viu, ouviu e apreciou com imediação os depoimentos de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Assim sendo, para que se possa nesta sede julgar a matéria de facto de modo diverso da primeira instância, será necessário que um meio de prova legal imponha – ex vi legis – julgamento diferente ou que, não sendo esse o caso, resulte manifestamente da fundamentação da prova dos sobreditos factos, vertida na sentença recorrida, acima transcrita, ou do confronto dela com os meios de prova invocados, que o juízo de prova ou não prova recorrido releva de erro lógico ou manifesto erro de valor, face à experiência comum.

Nestes pressupostos, comecemos por apreciar a decisão pela prova do artigo 6º dos factos provados.

O impugnante labora no pressuposto de que a prova da alínea “D – factos verificados”, do RIT inclui a prova de todos os factos mencionados nessa alínea do RIT, designadamente da celebração das empreitadas ou dos factos constitutiva destes contratos, isto é, de que foi na execução de contratos de empreitada celebrados com os outorgantes dos designados contratos promessa de compra e venda, que o Recorrente construiu as moradias erigidas nos lotes B1 a B12, acima referidos.

A sentença, porém, não se funda na prova destes factos, se não no teor do RIT (designadamente do transcrito na alª D, enquanto informação da AT) e num juízo de direito sobre o ónus de prova, segundo o qual caberia ao impugnante provar a realidade dos contratos de promessa de compra e venda e a correspondente inexistência das empreitadas, ónus que decorreria quer do artigo 76º nº 1 da LGT, quer do artigo 75º nº 2 a), tendo, então, sido julgado que o Impugnante, com a prova apresentada, não lograra provar o que alegara – que se tratava de contratos de promessa de compra e venda. Factor determinante da improdutividade da actividade probatória do Impugnante seria a prova directa do facto nº 3, isto é, de que o impugnante declarara, ouvido no procedimento, que “efectuou a construção dos lotes acima referidos (B1, B3 B6 e B8) em regime de empreitada sem que tivesse emitido documento de prestação de serviços como obriga a alínea b) do artigo 28º e artigo 35º do CIVA”.

Por outras palavras: a Mª Juiz a qua apenas julgou não se ter provado a materialidade constitutiva dos contratos promessa de compra e venda, prova cujo ónus correria, no seu entender, a cargo da impugnante: não julgou provada a materialidade dos contratos de empreitada, pelo que não se pode dizer – isso fica prejudicado – que tenha errado no julgamento em matéria de facto ao dar por provados os contratos de empreitada.

Vejamos, agora, se a sentença errou em matéria de facto ao não dar por provados os factos 14 a 24, enunciados pelo recorrente.

Tais factos consistem, em suma, na “compra por contrato promessa”, pelo impugnante, dos lotes B1 a B12 à testemunha V., nas promessas de compra e venda das moradias dos lotes B1, B5, B6, B7, B8, B9, B10 e B1, pelos seus actuas donos ao Impugnante e posterior inscrição na matriz, em nome dos promitentes compradores, por estes (factos 15 e 17 a 23), na permuta da casa construída no lote B4 com uma casa sita em Chaves (facto 16), na inscrição da casa do lote B12 na matriz, procedendo compra do terreno ao J., e bem assim na celebração, em 29/4/2006, também, de um contrato de empreitada para a construção da moradia do lote B11 adquirido pela testemunha A. (facto 23).
Têm correspondência material com o alegado nos artigos 32º a 34º, 39º, 40º e 43º da PI.

Antes de sindicarmos o julgamento da sentença recorrida, nesta parte, cumpre fazer uma clarificação de conceitos, no que aos sobreditos factos 14 a 24, respeita. Tem, esta, a ver com o significado de verbos como “adquirir”, “comprar” e “vender” referidos aos bens imóveis, in casu.

No rigor da distinção entre questão de facto e questão direito, a questão sobre a se ocorreu uma aquisição, ou uma compra, ou uma venda, é de direito. Contudo, o seu emprego recorrente e consensual no senso comum acaba por permitir que estas palavras e quejandas, quando não estejam em causa determinados elementos do negócio jurídico ou de outra via de aquisição derivada ou originária da propriedade, sejam utilizadas como se de uma alegação de facto se tratasse.

É neste sentido que interpretamos a alegação do impugnante, se e quando o faz, de que adquiriu os lotes por compra ao V. e de que vendeu as moradias aos que constam nas matrizes prediais como seus titulares.
Por outro lado, embora, em regra, o significado das categorias jurídicas do direito em geral seja recebido intacto no direito fiscal (artigo 11º nº 2 da LGT), não deixa de ser frequente isso não acontecer, em virtude do legítimo zelo do Legislador por que nada fique indevidamente por tributar.
Assim é que o nº 3 do citado artigo 11º determina que “em caso de dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar deve atender-se à substância económica dos factos tributários”; e o artigo 2º nºs 2 e 3 do Código do Imposto Municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT) assimila, em geral, ao conceito de transmissão de bens imóveis, em regra, um contrato que em princípio não tem efeitos translativos de direitos reais, como é o contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel. Pela mesma ordem de razões, nem sempre a falta de requisitos formais de validade do negócio jurídico envolve a sua desconsideração fiscal da substancialidade do negócio (cf. artigos 38º nº 1 e 2 e 39º da LGT).
Posto isto, tomaremos como conceitos de facto conceitos como o de adquirir, no sentido de que, onde vai escrito “adquiriu”, ou “comprou” ou “vendeu”, se considera a (alegada) vontade negocial das partes, de transmissão onerosa da propriedade dos imóveis, independentemente da inexistência de forma legal ou até de o único título, quando invocado, ser um contrato de promessa de compra e venda e não propriamente um contrato de compra e venda.
O que se respiga da sentença, enquanto fundamentação da não prova da factualidade redutível aos sobreditos factos 14º a 24º é o seguinte:
«Na verdade, o Impugnante sustenta-se na aquisição dos terrenos a J. mas, em momento algum, demonstra a existência desse negócio, nem sequer de forma aparente.
É que tudo indica que quem vendeu os lotes foi, efectivamente, J., pois que, a título exemplificativo, nas escrituras públicas de venda dos lotes, juntas ao relatório, consta o mesmo como vendedor, os adquirentes (seja em sede judicial como em sede de inspecção) afirmaram ter adquirido os lotes àquele, foi este quem tratou das licenças devidas junto da Câmara Municipal, apresentando-se como proprietário do terreno e, além disso, o contrato promessa existente, que titularia a aquisição dos lotes por parte do Impugnante, não é suficiente para demonstrar aquele negócio, porquanto não se trata de um negócio definitivo, nem se verificou que tenha produzido formalmente quaisquer efeitos.
Acresce que as declarações prestadas pelo próprio Impugnante não são nada abonatórias da tese por si sustentada em sede da presente impugnação, porquanto o mesmo assume que “[...] efectuou a construção dos lotes acima referidos, em regime de empreitada, sem que tivesse emitido documentos de prestação de serviços, como obriga a alínea b) do artigo 28° e artigo 35° do CIVA, [...]” - cfr. facto 3 da matéria de facto assente.
Deste modo, forçoso é concluir que o Impugnante não logrou provar o quanto havia expendido, mormente quanto ao enquadramento da actividade por si desenvolvida. Face aos elementos probatórios trazidos para os autos em sede de procedimento inspectivo, o Impugnante não conseguiu demonstrar que havia adquirido os lotes de terreno a J. e que, posteriormente, os vendeu a terceiros com as casas já construídas».

Presentes a prova documental integrante do PA e a prova produzida no processo jurisdicional, compre salientar o seguinte:
De relevante, dispomos de fotocópias de um contrato de promessa de compra e venda dos lotes B1 a B11, entre o J. e o Impugnante, datado de 3 de Dezembro de 2003, documento particular que a AT impugna, sem mais, na contestação (doc. nº 3 junto com a P.I.) e do depoimento totalmente conforme da testemunha J., dono original dos lotes, bem como das declarações das testemunhas A., que disse que comprou a casa ao Recorrente, embora também tenha dito que fez com ele um contrato de construção na totalidade, e da testemunha M., que disse ter comprado a casa pronta ao Impugnante e que o próprio lote foi comprado a este, intervindo o V. na escritura e nos licenciamentos das obras apenas por ser o proprietário dos terrenos no Registo Predial. Estes meios de prova veiculam a alegação do Impugnante, de que comprou os lotes ao J., “por contrato promessa”, e construiu e vendeu as moradias em execução de contrato promessa de compra e venda ou de compra e venda; e infirmam a tese dos contratos de empreitada.
No P.A. dispomos de diversa prova documental, constituída, designadamente, por cópias das escrituras públicas de compra dos lotes (sem menção dos edifícios) ao V., pelos adquirentes das casas, cópias dos contratos promessa entre o impugnante e os alegados adquirentes das casas, cópias dos comprovativos das declarações para inscrição das moradias na matriz predial, declarações de alguns destes que confirmam a compra das moradias ao Impugnante (M., C., E., A., J., A., S.) e umas declaração dos mesmos A. e J., desdizendo as anteriores, isto é, de que o terreno fora outrossim comprado ao V. e objecto de uma construção por sua administração directa (do que, porém, não disporiam de facturas).

Quer no P.A. quer no processo é de salientar o caso único que constitui o lote B11, comprado pela testemunha A.. Aqui, com efeito, coexistem um contrato promessa, outorgado em Agosto de 2005, e um contrato de empreitada, com o preço de 200 000 €, datado de 29 de Abril do ano seguinte, para construção da moradia prometida vender.

Ainda no processo – mas com referência ao procedimento – cumpre ter presente o facto provado nº 3: no procedimento o Impugnante assinou declaração dactilografada afirmando ter executado por empreitada a construção das habitações erigidas nos lotes B1, B3, B6 e B8 “sem que tivesse emitido documentos de prestação de serviços, como obriga a alª b) do artigo 28º do CIVA”.

Ante estes meios de prova, designadamente o doc. 3 da PI, impugnado mas confirmado pela testemunha J., seu outorgante, e posta a semântica acima enunciada, julgamos o seguinte:

Está feita prova do facto 14: o Impugnante “adquiriu” os lotes B1 a B12 à testemunha V., pelo contrato promessa de 3 de Dezembro de 2003. Ao menosprezar o documento nº 3 da PI (contrato promessa de venda dos lotes ao Impugnante e o depoimento da testemunha J., plenamente conforme com o documento) para concluir que “tudo indica que quem vendeu os lotes (aos actuais titulares deles na matriz) foi, efectivamente, J.”, arrimando-se precisamente apenas nas escrituras, o Mª Juiz a qua incorre em petição de princípio, pois o que estava em causa era precisamente se o objecto dessas escrituras correspondia à realidade quanto ao sujeito transmissor.

Da prova deste facto 14 resulta a não prova, por incompatível com ele, de uma parte dos factos 15, 19, 20, 21, 22, 23 e 24 que o Recorrente entende provados, parte essa que consiste na aquisição dos terrenos, pelos contribuintes ali referidos, ao J., por escrituras públicas de 4/8/2005, 28/10/2005, 21/7/2005, 14/7/2006, 14/11/2006, 27/1/2006 e 11/10/2006, respectivamente. Com efeito, nestas datas já o Impugnante “adquiriria” os lotes, conforme facto 14, ao J., pelo que, não podia ser o A. o seu transmitente material.

Sem embargo, estão provadas, pelas respectivas cópias recolhidas no P.A. as meras celebrações das escrituras públicas de venda, pela testemunha J., dos lotes (sem o edificado) B1 a M., em 4/8/2005, B7, a J., em 28/10/2005, B8, a A., em 21/7/2006, B9, a S., em 14 de Julho de 2006, B10, a A., em 14/11/2006, B11, a A., em 27/1/2006 e B12, a A..

Por outro lado, em face dos documentos particulares, não impugnados, integrantes do PA, dos contratos intitulados como “contrato de promessa de compra e venda”, relativamente a cada um dos lotes em causa, não se podia deixar de dar como provados os seus data, teor, partes outorgantes e assinatura das mesmas – independentemente do que fosse ou deixasse de ser a vontade negocial subjacente.

Por fim, em face da declaração escrita intitulado “contrato de empreitada” integrante do PA, relativamente ao B11, mais, da própria confissão da celebração de tal contrato de empreitada, no artigo 19 da PI, tão pouco se devia deixar de dar como provados quer os teor, partes contratantes e assinatura da declaração escrita intitulada “contrato de empreitada”, relativamente ao edifício construído no lote B11, quer, mesmo, as correspondentes vontades das partes contratantes, em suma, a celebração real do referido contrato.

Face ao exposto, conclui-se a discussão desta 3ª questão, nos seguintes termos:
A Mª Juiz a qua não errou no julgamento em matéria de facto por decidir que a AT fez prova da factualidade integrante dos contratos de empreitada relativamente à construção, pelo impugnante, das moradias nos lotes B1 a B12, porque não decidiu tal, apenas decidiu que o Impugnante não provou a autenticidade (hoc sensu) dos contratos promessa de compra e venda, da compra e venda e de permuta e a inerente inexistência das empreitadas. Porém:

A Mª Juiz a qua errou manifestamente no julgamento em matéria de facto quando:
a) - Decidiu que o Impugnante não fizera prova de que (facto nº 14, supra) – “O Impugnante adquiriu os lotes B1 a B12 a J., pelo valor de € 225.000,00 por contrato-promessa de compra e venda celebrado em 3 de Dezembro de 2003”.
b) - Não mencionou como provado que o Impugnante e os titulares, ali identificados, dos lotes B1 a B12 subscreveram, nas datas ali referidas, as declarações escritas intituladas “contrato de promessa de compra e venda” e “contrato de promessa de compra e venda e permuta” cujas cópias integram o P.A..
c) – Não mencionou como factos provados a outorga das escrituras de venda dos terrenos dos lotes B1, a M., em 4/8/2005, B7, a J., em 28/10/2005, B8, a A., em 21/7/2006, B9, a S., em 14 de Julho de 2006, B10, a A., em 14/11/2006, B11, a A., em 27/1/2006 e B12, a A., em 11/10/2006.
d) - Não mencionou, como provado, que o Impugnante e o titular do lote B11, A., subscreveram, em 24 de Agosto de 2005, a declaração escrita intitulada “contrato de empreitada”, cuja cópia integra o PA, bem como a correspondente vontade negocial das partes.

Alteração à Matéria de facto

Pelo exposto, este Tribunal altera a decisão em matéria de facto da primeira instância, conforme artigo 662º nº 1 do CPC, nos seguintes termos:
Aos factos provados acrescentam-se os seguintes factos nºs 14º a 18º:
14º
O Impugnante adquiriu os lotes BI a B12 a J., pelo valor de € 225.000,00 por contrato-promessa de compra e venda celebrado em 3 de Dezembro de 2003.
15º
J., por si ou por mandatário, outorgou, na veste de vendedor, as escrituras de compra e venda relativamente aos terrenos dos lotes B1, a M., em 4/8/2005, B7, a J., em 28/10/2005, B8, a A., em 21/7/2006, B9, a S., em 14/72006, B10, a A., em 14/11/2006, B11, a A., em 27/1/2006 e B12, a A., em 11/10/2006, cujo tero no P.A. aqui se dá por reproduzido.
16º
O Impugnante e os seguintes indivíduos subscreveram, nas data seguintes, os contratos intitulados “contrato de promessa de compra e venda” ou “contrato de promessa de compra e venda e permuta” cujo teor no P.A. aqui se dá por reproduzido, relativamente às casas de habitação actualmente edificadas nos seguintes lotes: 15/5/2005, lote B1 (M.),8/5/2004, lote B5, (E.), 8/1/2005, lote B6 (A.) 5/5/2005, lote B7 (J.), 6/5/2006, lote B8 (A., 15/1/2006, lote B9 (S.), 16/11/2006, lote B10 (A., 29/4/2006, B11 (A.).
17º
Os seguintes titulares dos lotes compreendidos nos lotes B1a B12 apresentaram declaração de actualização para inscrição em seu nome, na matriz predial, das moradias construídas nos respectivos lotes, nos dias 29/6/2007 (M.), 6/7/2005 (C.), 28/12/2005 (E.), 21/11/2015 (A.), 10/10/2006 (J.), 25/1/2007 (A.), 20/4/2007 (S.), 5/11/2007(A.), 27/1/2006 (A.) e 5/1/2007 (A.).
18º
O Impugnante e o titular do lote B11, A., subscreveram, em 24 de Agosto de 2005, a declaração intitulada “contrato de empreitada”, cujo teor no PA aqui se dá por reproduzido.

4ª Questão
Consolidada a matéria de facto relevante e provada, podemos passar à 4ª questão:
Errou, a sentença recorrida, de direito, ao ter considerado os contratos ditos de promessa de compra e venda e ou de compra e venda verbal das casas como, efectivamente, contratos de empreitada, logo, tributados em IVA, quando na verdade se tratava de contratos de compra e venda, portanto, tributados em IMT?

Dir-se-ia tratar-se agora de apreciar apenas se a sentença recorrida errou ao enquadrar os factos provados em juízo, na incidência do IVA.
Porém, fundamento do julgamento de direito agora em crise não foi simplesmente a prova, em juízo, de determinados factos mas outrossim a não prova de outros, cujo ónus se entendeu ser da Impugnante.

Recordemos a sentença recorrida, no que à específica questão da qualificação dos rendimentos concerne:
«O Impugnante, sob a alegação de errónea qualificação dos rendimentos sujeitos a imposto, aduziu que a Inspecção Tributária considerou que a actividade a que se dedicava deveria estar enquadrada na prestação de serviços em regime de empreitada e não em construção para venda de imóveis.
Quanto a este aspecto, a Inspecção Tributária sustentou a sua conclusão na consideração dos contratos promessa de compra e venda como contratos de empreitada, no facto de os terrenos terem sido vendidos por J..
Ora, em termos de ónus de prova, o artigo 74° da LGT dispõe que aquele recai sobre a Administração quanto aos factos constitutivos dos direitos da administração tributária.
Por sua vez, o artigo 75° da LGT estabelece, a presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes junto da administração tributária e dos dados que constem da sua contabilidade e escrita, se estiverem de acordo com a legislação comercial e fiscal.
A presunção de verdade da declaração cessa, quando a Administração Tributária se depara com o incumprimento ou o defeituoso cumprimento dos deveres de colaboração - (n° 2 do artº 75 da LGT) e emerge uma nova presunção: a presunção de legalidade das informações prestadas pela própria Administração Tributária, desde que devidamente fundamentada e baseada em dados objectivos - artigo 76.° da L.G.T.
No presente processo, atento o teor do relatório de inspecção, cujas partes mais relevantes se encontram transcritas sob o ponto 6 da matéria de facto assente, pode dizer-se, desde já, que a Inspecção Tributária carreou para o processo elementos suficientes para abalar grandemente a argumentação expendida pelo Impugnante.
Na verdade, o Impugnante sustenta-se na aquisição dos terrenos a J. mas, em momento algum, demonstra a existência desse negócio, nem sequer de forma aparente.
É que tudo indica que quem vendeu os lotes foi, efetivamente, J., pois que, a título exemplificativo, nas escrituras públicas de venda dos lotes, juntas ao relatório, consta o mesmo como vendedor, os adquirentes (seja em sede judicial como em sede de inspecção) afirmaram ter adquirido os lotes àquele, foi este quem tratou das licenças devidas junto da Câmara Municipal, apresentando-se como proprietário do terreno e, além disso, o contrato promessa existente, que titularia a aquisição dos lotes por parte do Impugnante, não é suficiente para demonstrar aquele negócio, porquanto não se trata de um negócio definitivo, nem se verificou que tenha produzido formalmente quaisquer efeitos.
Acresce que as declarações prestadas pelo próprio Impugnante não são nada abonatórias da tese por si sustentada em sede da presente impugnação, porquanto o mesmo assume que “[...] efectuou a construção dos lotes acima referidos, em regime de empreitada, sem que tivesse emitido documentos de prestação de serviços, como obriga a alínea b) do artigo 28° e artigo 35° do CIVA, [...]” - cfr. facto 3 da matéria de facto assente.
Deste modo, forçoso é concluir que o Impugnante não logrou provar o quanto havia expendido, mormente quanto ao enquadramento da actividade por si desenvolvida. Face aos elementos probatórios trazidos para os autos em sede de procedimento inspectivo, o Impugnante não conseguiu demonstrar que havia adquirido os lotes de terreno a J. e que, posteriormente, os vendeu a terceiros com as casas já construídas.
Atendendo a que o ónus da prova corria pelo Impugnante, face ao que ficou supra exposto, deve decidir-se contra este, improcedendo a impugnação nesta parte.»

Concorde-se ou não com os juízos em matéria de suficiência ou insuficiência dos meios de prova referidos na sentença, importa é que os factos considerados tributáveis foram esses alegados contratos de empreitada que a AT considerou, no procedimento, corresponderem materialmente aos formais contratos promessa de compra e venda, não porque a respectiva factualidade tivesse ficado provada em juízo, mas porque não ficara provado o contrário, e isso seria ónus do Impugnante, pois a AT gozaria de uma presunção de verdade e de “legalidade” das informações prestadas no RIT.

Assim, antes de mais importa ver se a Mª juiz a qua andou bem nesse pressuposto de direito.
Ora, o artigo 76º nº 1 da LGT não confere qualquer presunção de veracidade a factos não percepcionados directamente pela AT, muito menos da validade de interpretações ou qualificações jurídicas feitas pela AT Cf. Diogo Leite de Campos et alii, “LGT anotada e comentada”, 6ª edição, 2012 pág. 670.

É certo que (artigo 36º nº 4 da LGT) “4 - A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.” Mas também o é que tão pouco a qualificação feita pela AT vincula o Tribunal.

O que faz fé em juízo por força do invocado artigo 76º são informações, isto é, reporte de factos, não a formulação de juízos.

Portanto, a conclusão da AT, da interpretação dos contratos promessa como de empreitada, não goza de qualquer força jurídica que não a que lhe possa vir da razão e da metodologia do direito.

Também não é, in casu, equacionável o artigo 75º nº 2 a) da LGT, contra o Recorrente, porque não está em causa o teor de qualquer declaração fiscal, ou a contabilidade do contribuinte, por inexistentes (cf. facto provado 6).

Enfim, quanto a ónus da prova a regra é, in casu, a geral, que consta do artigo 74º nº 1 da LGT, pelo que era da AT o ónus de provar os elementos materiais, objectivos e subjectivos, dos contratos de empreitada que pretendeu tributar em IVA.
Por sua vez, não beneficiando, a AT, de qualquer presunção relativamente aos factos tributários consistente nos “contratos de empreitada”, à impugnante bastava (em sede de IVA) gerar ou simplesmente beneficiar da dúvida sobre a sua ocorrência.

Assim, e considerando que o contrato de empreitada é definido no artigo 1155º do CC como aquele em que “uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” impendia sobre a AT o ónus de provar que o Impugnante não prometera vender, com tradição, as moradias e lotes B1 a B12, mas antes e apenas se comprometera a construir e construíra as moradias para os (já) donos dos lotes, mediante um preço.

Excepto quanto ao caso do lote B11 a prova produzida ficou muito aquém do necessário para, sem dúvidas razoáveis, se ter por adquirido que os reais pressupostos de facto e os concursos de vontades reais que subjazem aos contratos de promessa de compra e venda entre o impugnante e os donos das edificações erigidas eram os de um contrato de empreitada, tendo por objecto a construção das moradias nos lotes respectivos, anteriormente comprados à testemunha J..

Já quanto ao lote B11 está feita a prova directa do facto tributário de IVA – o contrato de empreitada tendo como objecto a construção de uma moradia nesse lote, pelo preço de 200 000 €.

Assim sendo, a sentença recorrida, ao julgar, por força daquele erro na aplicação das regras legais do ónus da prova, reunidos os pressupostos de facto da tributação em IVA dos contratos denominados “promessa de compra e venda” e “promessa de compre e venda e permuta” e ou de permuta e compra e venda (verbais) relativos aos lotes B1 a B12 excepto o B11, incorreu em erro de direito, violando, primeiro, o artigo 74º nº 1 da LGT e, depois, em consequência, as normas de incidência objectiva quer do IVA quer do IMT (artigos 2º do CIVA e do CIMT).

Com efeito, ante a dúvida (no mínimo) sobre a ocorrência dos alegados factos tributários de IVA relativos aos lotes B1 a B12, com excepção do relativo ao lote B11, as liquidações impugnadas deveriam ter sido de anuladas, procedendo, assim, a impugnação, na parte correspondente.

Já na parte relativa ao lote B11, atenta a prova feita do contrato de empreitada, a sentença acabou por não errar no dispositivo, devendo, por isso, manter-se nessa parte, se bem que com esta outra fundamentação.

Convém dizer, antes de terminar, que nos parece que a factualidade apurada no procedimento inspectivo devia outrossim ter sido abordada pela AT nos termos dos artigos 38º nº 2 da LGT e 63º do CPPT (norma anti-abuso e correspondente procedimento) – pois emergiu, logo no procedimento inspectivo, a suspeita, pelo menos, da existência de uma construção de negócios e actos jurídicos formalmente legais (a escritura de compra e venda apenas dos terrenos, entre a testemunha V. e os titulares das casas, bem como as declarações para inscrição dos imóveis edificados, na matriz) aparentemente destinada a ocultar ao Fisco outros negócios tributáveis Veja-se a abundante documentação do PA, designadamente as declarações dos “compradores” a fs. não numeradas do PA, bem como os contratos promessa de compra e venda dos lotes e a cronologia, quer destes quer da inscrição matricial dos imóveis construídos. designadamente em IMT, Imposto de Selo e IRS, por parte de vários intervenientes, desde a Testemunha J., que vendeu os lotes ao impugnante em 2003 por 225 000 € furtando-se ao pagamento, em IRS, desse acréscimo patrimonial, passando pelo Impugnante, que comprou os lotes sem pagar o IMT e os terá vendido, já com as moradias, sem pagar o imposto sobre o rendimento, e terminando nos compradores, que terão comprado as moradias sem terem de pagar quer imposto de selo quer IMT correspondentes, como se tivessem comprado apenas os terrenos.

Note-se que, atento o princípio da legalidade do procedimento tributário, não está na discricionariedade da AT proceder ou não conforme as normas “anti-abuso” quando tenha suspeita dos seus pressupostos de facto.

Seja como for, o que importa aqui e agora reter é que, em face dos factos provados e do que ficou por provar, designadamente os elementos de facto do contrato de empreitada relativamente aos lotes B1 a B10 e B12, quer os actos impugnados quer a sentença recorrida relevam do invocado erro na qualificação do facto tributário – relativamente ao IVA – excepto no tocante ao comprovado contrato de empreitada tendo por objecto a construção da moradia no lote B11 pelo preço de 200 000 €, celebrado em 29/4/2006, que esse, sim, tinha por objecto uma prestação de serviços.

Por tudo o exposto, impõe-se a anulação de todas as liquidações impugnadas excepto as que compreendem IVA relativo aos pagamentos efectuados pela testemunha A., dono da moradia erecta no lote B11, as quais deverão ser anuladas parcialmente, isto é, em todo o seu objecto excepto quanto ao IVA e juros compensatórios que eram liquidáveis em função do sobredito contrato de empreitada relativo ao lote B11.

IV – Custas

As custas do presente recurso e da acção ficam a cargo de Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC), que não se quantifica nesta sede por não se dispor, em Juízo, de todos os elementos necessários para tal

V- Dispositivo

Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso parcialmente procedente, anulando-se as liquidações oficiosas impugnadas em todo o seu objecto excepto as que e na parte em que incidiram sobre pagamentos do contrato de empreitada para construção da moradia no lote B11, outorgado entre o Impugnante e A..
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Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.
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Porto, 9/6/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
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i) Entre a doutrina mais recente, veja-se Código de processo civil anotado, de Abrantes Geraldes e outros, Almedina, 2020, vol. I, anotações 6 e 7 ao artigo 640º

ii) Neste sentido, vide, Acórdão do TCAN proferido em 21/05/2020, processo 02496/15.7BEPRT, disponível in: www.dgsi.pt. Sobre esta questão, vide A.S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2010, vol. II, págs. 2/50 e segs.).

iii) Cf. Diogo Leite de Campos et alii, “LGT anotada e comentada”, 6ª edição, 2012 pág. 670

iv) Veja-se a abundante documentação do PA, designadamente as declarações dos “compradores” a fs. não numeradas do PA, bem como os contratos promessa de compra e venda dos lotes e a cronologia, quer destes quer da inscrição matricial dos imóveis construídos.