Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00184/12.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/18/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:DÍVIDA DO ESTADO; PRESCRIÇÃO.
Sumário:1. No âmbito do regime de administração financeira do Estado estabelecido pelo Decreto-Lei n°155/92, provê-se quanto a irregularidades contabilísticas e financeiras e sobre o modo como são satisfeitos os encargos de despesa relativos a anos anteriores (n°s 1 e 2 do artigo 34.°), enunciando-se que o seu pagamento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituíram.
2. Esse regime não é aplicável no caso vertente, que não respeita a dívidas liquidadas em anos anteriores, ainda não pagas, mas simplesmente a dívidas que nunca foram processados ou liquidados e, portanto, não se incluem naquele conceito de “despesas de anos anteriores”.
3. Daí que, ao contrário do sustentado pelo TAF, é de considerar improcedente a excepção da prescrição do direito ao vencimento por horas extraordinárias peticionado pelo Autor. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SINDICATO DOS PROFESSORES DO NORTE
Recorrido 1:Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
SINDICATO DOS PROFESSORES DO NORTE veio interpor recurso da decisão pela qual o TAF do PORTO julgando verificada a excepção peremptória de prescrição do direito invocado, absolve-se o réu - Ministério da Educação - do pedido, na presente acção administrativa comum intentada em representação do seu associado, RMFG, tendo em vista ver reconhecido o direito deste docente ao pagamento de horas extraordinárias prestadas no âmbito da relação laboral existente com o Ministério da Educação.
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O Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1 - O recorrente é uma Associação Sindical de Educadores e Professores de todos os graus de ensino, exercendo funções educativas ou de investigação, de técnicos de educação e de outros trabalhadores com funções pedagógicas, cujos Estatutos foram publicados no B.T.E. nº 1de 8/1/2010, 1ªsérie, páginas 230 a 243.

2 - No âmbito da prossecução das suas atribuições, o Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 310º n.º 2 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante RCTFP), intentou a presente acção na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do docente associado RMFG, sócio n.º 6....

3 - Acção que o recorrente intentou para ver reconhecido o direito deste seu associado ao pagamento de horas extraordinárias prestadas no âmbito da relação laboral existente entre este associado e o Réu, Ministério da Educação.

4 - Consequentemente, lançou mão de uma acção administrativa comum, conducente à efectivação do seu direito.

5 - Entendeu o tribunal recorrido que o crédito em apreço se encontra prescrito por força da aplicação do DL 155/92, de 28/07, concretamente do seu artigo 34º.

6 - No caso dos autos, contudo, este diploma legal não é aplicável.

7 - Está em causa, isso sim, um crédito decorrente do trabalho prestado por um trabalhador em funções públicas.

8 - Consequentemente, é aplicável o prazo especialmente previsto e constante do artigo 245º da Lei 59/2008, de 11/09, o qual é de um ano a contar do final da relação laboral.

9 - Estando o associado do recorrente ainda a prestar trabalho, está, naturalmente, em tempo para exigir o cumprimento dos créditos laborais em questão.

10 - Concluímos, por isso, que não assiste razão à douta sentença recorrida.

Nestes termos deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, cumprindo o Direito e fazendo a Justiça!

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O Ministério Público emitiu o douto parecer a fls. 84 e seguintes no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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FACTOS
Reproduz-se a factualidade assente na sentença:

- Nos anos de 2005 e 2006, foram atribuídos ao professor RMFG os horários de fls. 1 a 9 do processo administrativo, para exercício de funções na Escola Secundária 3.º CEB de PB.

- O associado do autor procedeu ao acompanhamento de alunos nos casos de ausência de professor titular nos anos lectivos de 2005/2006 e 2006/2007, tendo a última hora ocorrido no dia 17 de Abril de 2007 - cfr. fls. 10 a 61 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.

- A presente acção foi apresentada neste tribunal em 18/01/2012 - cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial.

- O réu foi citado para este processo em 24/01/2012 - cfr. fls. 20 e 21 do processo físico.

Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos juntos aos autos, no processo administrativo apenso aos mesmos e face à admissão, por acordo das partes, tendo em conta as posições assumidas nos respectivos articulados.

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DIREITO

A crítica do Recorrente à sentença (inserida em fase de saneador) restringe-se ao julgamento em matéria de direito e sintetiza-se nas suas conclusões 5-8. Em suma, na tese do Recorrente e ao invés do decidido em 1 instância seria inaplicável aos créditos laborais em causa o prazo previsto artigo 34º do DL 155/92, de 28/07, e aplicável o prazo do artigo 245º da Lei 59/2008, de 1/09.

Transcreve-se da sentença o seguinte:
«Preceitua o n.º 3 do artigo 34.º do D.L. n.º 155/92, de 28 de Julho – diploma que contém as normas legais de desenvolvimento do regime de administração do Estado a que se refere a Lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro – que “o pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo(1) prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constitui o dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro mais curto.”
(…)
No caso, o dever de pagar constitui-se com a prestação da substituição, por parte do associado do autor, dos seus colegas ausentes, pelo que respeitando a última aula de substituição referida pelo autor ao dia 17 de Abril de 2007 e tendo a petição inicial sido apresentada neste tribunal, presencialmente, no dia 18/01/2012, procede a excepção de prescrição dos créditos invocados, devidos pelas substituições efectuadas, sendo que não se vislumbra qualquer interrupção da prescrição, dado a mesma apenas se interromper com a citação ou a notificação judicial de qualquer acto que exprime, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito – cfr. artigo 323.º, n.º 1 do Código Civil, o que não se verificou. Logo, tendo a última aula de substituição prestada pelo representado do autor ocorrido no dia 17 de Abril de 2007, na data da interposição dos presentes autos já se mostrava esgotado o prazo de três anos, estando prescrito o direito invocado pelo autor.
(…)
A conclusão da procedência da excepção supra analisada não é afectada pela argumentação aduzida pelo autor de acordo com a qual o artigo 245.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, seria aplicável ao caso concreto, atenta a sua transição para o vínculo de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado; dado o crédito reclamado nos autos, relativo às aulas de substituição, ser anterior à entrada em vigor do referido diploma legal, que aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas, não sendo os créditos ora invocados e reclamados resultantes de um contrato de trabalho em funções públicas.

Assim, quando o autor propôs a presente acção já se mostrava prescrito o direito que pretendia fazer valer contra o réu, o que determina, face ao disposto no artigo 493.º n.º 3 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, a absolvição do réu do pedido, uma vez que a prescrição é uma excepção peremptória.

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Como se acentua na sentença à data dos factos ainda não se tinha verificado a transição do associado do Autor/Recorrente para o contrato de trabalho em funções públicas, pela simples razão de que o correspondente regime jurídico apenas veio a ser instaurado posteriormente pela Lei 59/2008, de 11 de setembro.

À data dos factos o associado do Autor era, portanto, funcionário público.

Como tal, estariam os seus direitos, em matéria retributiva, submetidos ao regime prescritivo aplicado pelo TAF?

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Reproduz-se a norma do citado D.L. n.º 155/92, de 28/07, que contém o “Regime financeiro dos serviços e organismos da Administração Pública” e cuja aplicação pelo TAF vem impugnada:
«Artigo 34º
Despesas de anos anteriores
1 - …
2 - …
3 - O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constitui o dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro mais curto.
4 - …»
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Refere o TAF que «No caso, o dever de pagar constitui-se com a prestação da substituição, por parte do associado do autor, dos seus colegas ausentes…»

Será esta interpretação correcta?

Aquela norma insere-se sistematicamente num diploma que estabelece novo regime de administração financeira do Estado em que passa a vigorar a regra geral da autonomia administrativa. Como se diz no preâmbulo do DL 155/92 “a realização e o pagamento das despesas deixam de estar sujeitos ao sistema de autorização prévia pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública, conferindo-se assim maior autonomia aos serviços e organismos da Administração Pública”. Em contrapartida, “consagra-se um novo sistema de controlo de gestão, de modo a conciliar as exigências da autonomia com as necessidades de um rigoroso controlo”.

O controlo contabilístico e de gestão faz-se em diversas fases (libertação de créditos pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública, autorização de despesas, processamento, liquidação e pagamento), podendo aí surgir ou ser constatadas divergências ou irregularidades diversas, que podem dar origem a necessidades de reposição ou restituição de verbas.

É no âmbito desta disciplina contabilística que surge a norma do artigo 34º, relativa a “despesas de anos anteriores”.

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Como se diz no Ac. de 17-12-2002 do TCA, Secção de CA, Proc. 2495/99, «A referência daquele primeiro normativo à constituição do efectivo dever de pagar parece fazer pressupor que terá que haver acto expresso a reconhecer a existência de tal dever, não bastando a mera convicção de que é definido por determinada norma.»
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Por sua vez, o Ac. de 03-02-204, Rec. 01505/03, o STA decidiu que (transcreve-se do respectivo sumário):

«II - De acordo com o artº 34º, nº 3 do DL nº 155/92, de 28/7, o pagamento das obrigações resultantes dos encargos relativos a anos anteriores e deles transitados, prescreve no prazo de três anos, “a contar da data em que efectivamente se constituiu o efectivo dever de pagar”.

III - Tal normativo respeita a dívidas exigíveis já efectivamente liquidadas e que não foram pagas no momento em que se venceu a obrigação.»

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Finalmente no Ac. deste TCAN de 19-06-2014, Proc. 06954/10, seguindo explicitamente a jurisprudência firmada no Ac. STA de18.06.2008, proc. n° 142/08, consignou-se:

«O direito que o então Autor invoca e se arroga resultou do não pagamento das prestações da pensão de Aposentação que lhe eram devidas.
(…)
Ao contrário do decidido em 1ª instância, não pode ser convocado o que decorre do Decreto-Lei n°155/92, de 28 de Julho, concretamente o artigo 34°, n° 3, no qual se prevê que o pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituía o efetivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto.

Efetivamente, do que ali se trata, no âmbito do regime de administração financeira do Estado estabelecido pelo Decreto-Lei n°155/92, é de prover quanto a irregularidades contabilísticas e financeiras, sobre o modo como são satisfeitos os encargos de despesa relativos a anos anteriores (n°s 1 e 2 daquele artigo 34.°), enunciando-se então que o seu pagamento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituíram, mas sem que tal contenda com o que a lei enuncia, com carácter geral, a respeito da repercussão do tempo nas relações jurídicas, concretamente com os prazos de prescrição das obrigações, e, então a essa luz há que convocar a citada alínea g) do art. 310° do C. Civil.»

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Ora, no caso vertente não estamos perante dívidas liquidadas em anos anteriores, ainda não pagas, mas simplesmente perante créditos do docente representado pelo Autor que nunca foram processados ou liquidados e, portanto, não se incluem no conceito de “despesas de anos anteriores”.

Daí que, ao contrário do sustentado pelo TAF, se considere improcedente a excepção da prescrição do direito peticionado pelo Autor.

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DECISÃO

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e determinar a baixa dos autos para prosseguimento da acção se nada mais obstar.

Custas pelo Recorrido.

Porto, 18 de Novembro de 2016
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Hélder Vieira
Ass.: Joaquim Cruzeiro
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Despesas de anos anteriores.