Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01419/16.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO;
CITAÇÃO PESSOAL; NULIDADES;
Sumário:
I. Estava vedado à aqui Recorrente trazer à apreciação deste Tribunal questões novas, que não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas e discutidas em 1.ª instância.

II. A citação efetuada em pessoa diversa do citando, encarregue de lhe transmitir o conteúdo do ato, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, considerando-se a citação efetuada no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

III. A cominação de nulidade do ato administrativo tributário tem de resultar expressamente da lei, maxime do catálogo de invalidades expressamente elencadas no Código de Procedimento Administrativo, caso contrário o regime aplicável será o regime regra da anulabilidade do ato.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
«AA», inconformada com a sentença proferida em 2017-01-16 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação, absolvendo a Fazenda Pública do pedido, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES DE RECURSO:
I - Não poderá ser julgada procedente a excepção de caducidade do direito de impugnar judicialmente com base numa suposta citação de cônjuge nos termos do artigo 239.º do C.P.P.T.
II - Não poderá sanar - se uma nulidade de citação quando, não existindo qualquer comunhão entre Impugnante o seu cônjuge, este assina um aviso de recepção e actua por si, em seu total desconhecimento.
III - Arguindo-se a nulidade da citação em sede de Impugnação Judicial pelo facto de a Impugnante ter tomado conhecimento nesse ano dos factos subjacentes ao processo, deverá a mesma ser conhecida pelo Tribunal a quo.
IV - A Impugnante entende que inexistem elementos essenciais do acto tributário de que foi alvo, porquanto, nunca figurou, nem tinha como figurar, como tendo legitimidade subjectiva, nem mesmo objectiva, para ser objecto da liquidação do imposto de IMT.
V - O facto de a Impugnante previamente à interposição de impugnação judicial ter consultado o histórico processual onde existe “citação do cônjuge” não pode ser suficiente para o Tribunal a quo entender que a mesma terá tomado conhecimento à data dos factos.
VI - Insuficiente será, também, o facto de a Impugnada citar, supostamente, a cônjuge e entender que a mesma se deverá entender como sendo uma real e efectiva executada, quando nunca a notificou nem citou de qualquer tributação de imposto.
VII - Ainda que tenha existido citação da cônjuge do Executado, tal não invalida que a mesma possa, a todo o tempo, arguir a nulidade do processo de execução bem como arguir preterição de formalidades legais.
VIII - O Tribunal a quo tem obrigação de conhecer as nulidades que podem ser arguidas a todo o tempo nos termos do artigo 102.º n.º 3 do C.P.P.T.
IX - Constitui fundamento de impugnação judicial a inexistência de elementos essenciais e preterição de formalidades legais para a tributação de IMT nos termos do 38.º, 2.º e 4.º do C.I.M.T.
X - Ainda que o Tribunal a quo entenda não conhecer da nulidade da citação da Impugnante, deverá conhecer os fundamentos relativos à nulidade do acto de tributação, porquanto os mesmos são legítimos de arguição em impugnação judicial e a todo o tempo, nos termos do artigo 99.º e 102.º n.º 3 do C.P.P.T.
Termina pedindo:
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Deverá ser o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que conheça das nulidades arguidas pela Impugnante, não estando este direito precludido, dado que inexiste caducidade de interposição da competente acção judicial nos termos do artigo 99.º e 102.º n.º 3 do C.P.P.T.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ter concluído pela verificação da exceção perentória de caducidade do direito de ação, não obstante a Recorrente ter, na sua PI, invocado “nulidades”, ocorrendo assim a violação do disposto no n.º 3 do art. 102.º do CPPT.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
Com interesse, importam os seguintes factos dados como provados, colhidos da análise dos documentos insertos nestes autos e dos processos de reclamação graciosa apensos:
A) Contra «BB», cônjuge da ora impugnante, foi instaurado pelo Serviço de Finanças ... o processo nº ...13, para cobrança coerciva de dívidas referentes a Imposto Municipal de Sisa, no valor global de € 49.612,44. – cfr. Processo Administrativo (PA.) apenso, aqui dado como reproduzido para os devidos efeitos legais;
B) A 19.02.2008, foi penhorado o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...79, fracção E, freguesia ..., concelho ... – cfr. fls. 5 verso do PA.;
C) A 11.03.2008, foi o executado citado para a execução – cfr. fls. 4 e 5 do PA.;
D) A 11.03.2008, foi «AA» ora impugnante, citada, por carta registada com aviso de receção, nos seguintes termos:
Assunto: CITAÇÃO NOS TERMOS DO ARTº 239º DO C.P.P.T.
Ex.mº(ª) Srº(ª)
Fica citado(a) nos termos do artº 239º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de cônjuge de «BB», (...), para os termos da execução fiscal que corre contra o mesmo, que no dia 19 de Fevereiro de 2008 foi efectuada a penhora do prédio (...).” – cfr. fls. 5 verso do PA.;
E) A 9.04.2008, a ora impugnante e o executado/marido deram entrada, no Serviço de Finanças ..., de um requerimento dirigido ao “Director de Finanças ... 2” – cfr. fls. 8 e 9 do PA. – evidenciando-se o seguinte:
(...).
Exmo Sr.
Vêm os signatários «CC» e marido «BB», em oposição à penhora decidida, nos termos do artº 239º do C.P.P.T., vêm deduzir a competente oposição, com os argumentos e fundamentação seguintes:
(...)
4º Os executados sem terem exercido qualquer defesa por advogado constituído ou (...)., resolveu pagar, sem reclamar, mas verbalmente avisando que, quando tivesse acesso ao processo, então em segredo de justiça, accionaria os meios necessários ao ressarcimento dos seus prejuízos através dos meios que o Direito lhe conferisse.
5º Dos montantes constantes das notificações emitidas em 2005.06.28, com os ..49, ..50,..51, o oponente já pagou 60.000. Euros, incluindo juros de mora, restando o montante de 49.612,44 Euros, já com juros de mora, que são o total da dívida exequenda no processo em epígrafe.
6º No exercício do acesso ao Direito, (...), vão reclamar, pelas vias processuais normais, não só a possível nulidade do processo, o cancelamento do montante em dívida, a devolução do cheque pré-datado que está na origem de um inquérito crime nos Serviços do Ministério Público de ... ou o documento do cancelamento, até e também porque,
7º No Douto despacho do Magistrado do Ministério Público de ... consta, (...), na análise que fez de todos os documentos juntos – cópia de contratos promessa de compra e venda, de cessão de posição contratual e escrituras públicas – não foi possível a recolha dos pagamentos dos contratos promessa e venda, cessão contratual e compra e venda.
8º E, de toda a matéria vertida no Douto despacho, se pode e deve concluir que os oponentes não devem os montantes já pagos e os reclamados, pelo que se requer a V. Exª a suspensão da execução e penhora dos bens constantes da citação e mais
9º A citada «AA», casada com o citado «BB», não pode ser executada porque
10º O citado actuou, (...), a mando da firma (...), não tendo a citada «AA» nada a ver com os negócios em que o citado tenha intervindo a mando de outrem, em nem a citada nem, o citado colheram desse negócio qualquer benefício.
(...).”;
F) A 22.07.2016, a presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Braga, cfr. fls. 2 dos autos.
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Motivação:
A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos e no Processo Administrativo, referidos em cada uma das alíneas dos factos provados, os quais não foram impugnados e que dada a sua natureza e qualidade mereceram a credibilidade do tribunal.
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II.2. Fundamentação de Direito
Tal como já aqui se sumariou, a Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de direito, em síntese, porque entende que não poderia ter-se ali decidido pela caducidade do direito de ação quando alegou “nulidades” – da sua citação no âmbito do processo de execução fiscal e do ato de liquidação de IMT em causa -, que nos termos do disposto no art. 102.º, n.º 3 do CPPT, devem ser conhecidas a todo o tempo.
Vejamos então.
No que à alegada nulidade da sua citação em sede do processo de execução fiscal diz respeito, alega a Recorrente que não podia ser julgada procedente a exceção de caducidade do direito de impugnar judicialmente com base numa suposta citação “de cônjuge” nos termos do artigo 239.º do CPPT quando a mesma não ocorreu, não podendo sanar-se a nulidade da citação uma vez que, não existindo qualquer comunhão entre a Impugnante e o seu cônjuge, este assinou um aviso de receção e atuou por si, em seu total desconhecimento.
Mais alega que tendo arguido a nulidade da citação em sede de impugnação judicial pelo facto de apenas nesse ano - 2016 - ter tomado conhecimento dos factos subjacentes ao processo, a mesma deveria ter sido conhecida pelo Tribunal a quo, e que o facto de previamente à interposição de impugnação judicial ter consultado o histórico processual onde consta a “citação do cônjuge” não pode ser suficiente para que aquele Tribunal entenda que tomou conhecimento à data dos factos, insistindo que nunca foi notificada ou citada de “qualquer tributação de imposto”; que ainda que tenha sido citada, tal não a impede de, a todo o tempo, arguir a nulidade do processo de execução bem como arguir preterição de formalidades legais; e que o Tribunal a quo tem a obrigação de conhecer as nulidades que podem ser arguidas a todo o tempo nos termos do artigo 102.º n.º 3 do C.P.P.T.
Compulsados os autos, e no que à alegada nulidade da citação diz respeito, o que se constata é que na sua PI a aqui Recorrente se limitou a alegar, de modo conclusivo, que a única citação pessoal que foi ali efetuada foi a do seu cônjuge, nunca ali tendo sido citada (cf. arts. 11.º, 32.º e 34.º da PI), circunstância que a terá impedido de se defender, pelo que entende ter-se verificado uma nulidade insanável por falta de citação (cf. arts. 35.º a 37.º da PI).
No entanto, ali expressamente refere que “a comprovar-se ter existido uma citação a mesma foi a denominada citação do cônjuge que foi feita em 11 de Março de 2008, prevista no artigo 239.º do CPPT (…)”, que “A citação do cônjuge não pode desencadear automaticamente que esta venha a figurar como verdadeira executada, como acontece com a ora Impugnante” e ainda que “Esta citação não é a citação que está, evidentemente, conforme ao artigo 99.º alínea d) do CPPT” (cf. arts. 38.º, 39.º e 40.º da PI), o que reitera alegando “Aliás, caso assim não fosse, não teria a ora Impugnante sido apenas citada após a realização da penhora nos termos do 239.º do CPPT, mas sim ab initio, o que nunca aconteceu existindo uma preterição de formalidade legal cf. artigo 99.º alínea d) do CPPT, conforme documento n.º 1 já junto” (cf. art. 58.º da PI) (destacado nosso).
E após ter sido notificada do teor da contestação, na qual é expressamente invocada a verificação da caducidade do direito de ação, vem exercer o seu contraditório (re)afirmando que a impugnação não pode ser considerada extemporânea, atendendo a que na ação invoca nulidades que podem ser invocadas a todo o tempo.
Nesta sequência, a sentença suporta-se, quanto a esta questão, na seguinte fundamentação, que se transcreve no extrato pertinente:
(…)
Dispõe o artº. 239.º, n.º 1 do CPPT que “feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá” (sublinhado nosso).
Extrai-se, assim, da norma citada que quando tenham sido penhorados bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo impõe-se a citação do cônjuge do executado, sem o que a execução não pode prosseguir. A citação que é sempre feita independentemente de a dívida ser ou não comum e de se pretender penhorar bens comuns, visa conferir ao cônjuge a qualidade de co-executado, com possibilidade de este exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de outubro de 2013, processo 01312/13, disponível em www.dgsi.pt, e JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 606).
Revertendo para o caso concreto, extrai-se que o processo de execução fiscal foi instaurado contra «BB», cônjuge da ora impugnante [alínea A) do elenco dos factos provados]. E que, no âmbito da execução, foi penhorado um prédio urbano [alínea B)]. Assim, foi ora impugnante citada, a 11.03.2008, nos termos e para os exclusivos efeitos do n.º 1 do art. 239.º do CPPT, [alínea D)] assumindo a posição de co-executada, por se encontrar em causa a penhora de um bem imóvel. Daí que, a partir daquela data, a ora impugnante ficou com a possibilidade de exercer todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado. E a verdade é que, a ora impugnante, na sequência da citação, a 9.04.2008, apresentou juntamente com o executado um requerimento denominado de oposição, em que demonstra ter conhecimento da dívida, sua origem e montantes, alegando que nada tem a ver com a dívida, e, que, por isso, não pode ser executada, requerendo a suspensão da execução e da penhora [alínea E)]. Ou, seja, na sequência daquela citação, a impugnante usou mão do meio que achou mais conveniente. Pelo que, considerando a data da citação, que, diga-se, não é posta, de forma nenhuma, em causa pela ora impugnante, é ostensiva a extemporaneidade da presente ação, apresentada, mais de 8 anos após a citação, ou seja, a 22.07.2016 [alínea F)].
(…)
Ora, atendendo ao que acabou de se explicitar, não resta se não concluir que a sentença fez uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
Com efeito, e, não obstante ali se ter clarificado que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para suscitar eventuais nulidades do processo de execução fiscal, não deixou de se apreciar, a título incidental e na medida em que tal se revelava pertinente para o conhecimento da caducidade do direito de ação, da alegada falta de citação, para se concluir que a mesma não ocorreu.
Por outro lado, também nada há a apontar à interpretação propugnada na sentença do alegado pela Recorrente na sua petição inicial, quando ali se conclui que a data da citação não foi posta em causa pela ora impugnante.
De facto, e considerando o que se deixou exposto, não se pode interpretar a alegação da Recorrente ao longo do processo de outro modo; não obstante admitir ter sido citada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239.º do CPPT, na qualidade de “cônjuge do executado”, a Recorrente entende que deveria ter sido objeto de uma citação que qualifica como sendo pessoal, revestida de formalidade acrescida, e em momento anterior à penhora, sendo certo que só em sede das suas alegações de recurso vem alegar – aliás, e uma vez mais, de forma marcadamente conclusiva - que “não poderá sanar-se uma nulidade de citação quando, não existindo qualquer comunhão entre Impugnante e o seu cônjuge, este assina um aviso de receção e actua por si, em seu total desconhecimento(cf. conclusão II, das suas alegações de recurso).
De facto, quanto à alegação que vem agora fazer em sede recursiva, desde já se adianta que, por se tratar de questão nova, a mesma lhe estava vedada.
Com efeito, os recursos ordinários destinam-se a permitir que o Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas (cf. neste sentido, SOUSA, Miguel Teixeira de – Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 1997, pág. 373-375, e GERALDES, António Abrantes – Recursos em Processo Civil. 6.ª edição atualizada. Coimbra: Almedina, 2020, pág. 29), sendo esta o objeto do recurso.
Assim sendo, o objeto do recurso encontra-se objetivamente limitado pelas questões colocadas perante o tribunal recorrido (cf. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 2011-11-08, no proc. 39/10.8TBMDA.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt), não servindo, designadamente, “(…) para a parte ativa introduzir novas causas de pedir, nem novos factos de uma causa de pedir já deduzida (…)” (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, pág. 351).
Estava, por isso, vedado à aqui Recorrente trazer à apreciação deste Tribunal questões novas, que não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas e discutidas em 1.ª instância (cf. nesse sentido os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo em 2019-10-30, no proc. 0280/12.9BEBJA 0410/18; em 2012-06-27, no proc. n.º 218/12; em 2012-02-23, no proc. n.º 1153/11; em 2012-01-25, no proc. n.º 12/12; em 11/5/2011, no proc. n.º 4/11; em 2009-07-01, no proc. n.º 590/09; em 2008-12-04, no proc. n.º 840/08; em 2008-10-30, no proc. nº 112/07; em 2004-06-02, no proc. n.º 47978, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Ora, o que decorre do regime aplicável é que a citação efetuada em pessoa diversa do citando, encarregue de lhe transmitir o conteúdo do ato, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, considerando-se a citação efetuada no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, tal como resultava do disposto no art. 238.º do CPC anterior ao de 2013 – e tal resulta agora do disposto no artigo 230.º, n.º 1 do CPC de 2013 -, e aplicável ao caso ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, pelo que, verificando-se que a carta foi remetida para citação dirigida para o domicílio do executado, e que foi rececionada por terceiro, não ocorre a falta de citação, não tendo o ato sido omitido, nem se verificando qualquer das demais situações que determinariam tal falta (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 2022-09-29, no proc. 1996/09.2TBCSC-C.L1-2, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Há, assim, que concluir que, ao contrário do que alega a Recorrente, não ocorreu a pretendida falta de citação, que, como é sabido, apenas ocorreria caso se verificasse uma das circunstâncias elencadas no então art. 195.º, n.º 1, n.º 1 do art. 188.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, maxime, caso a aqui Recorrente tivesse logrado – alegar e – provar que não teve conhecimento da citação que lhe foi dirigida, por facto que não lhe fosse imputável.
Ora, e não estando em causa a falta de citação, a nulidade da citação apenas poderia ter ser arguida no prazo para a contestação, ou seja, no caso da execução fiscal, dentro do prazo para deduzir oposição à execução fiscal (cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo STA em 2020-09-30, no proc. 0677/20.0BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt), dependendo a sua procedência da alegação e prova, pelo arguente da nulidade, de que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pelo terceiro - que a rececionou - e que, por isso, por motivo que não lhe é imputável, não teve conhecimento da citação, havendo ainda que ficar provado que a falta cometida prejudicou a sua defesa [cf. arts. 198.º, n.º 4, 204.º, n.º 1 do CPC, atualmente numerados 191.º e 198.º, respetivamente, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, e 203.º do CPPT].
Assim sendo, e como se julga ter deixado claro, a Recorrente não logrou afastar a presunção de que recebeu a citação que lhe foi dirigida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239.º do CPPT.
Por outro lado, é manifesto que não invocou atempadamente a questão da nulidade da citação, não tendo, no entanto, deixado de se opor à penhora, subscrevendo o requerimento a que se alude no ponto E da fundamentação de facto, factualidade que não põe em causa.
Ou seja, não é no caso em apreço possível concluir pela invocada falta de citação, essa sim, invocável a todo o tempo, pelo que nada há a censurar à sentença sob recurso quando nela se conclui que quando foi interposta a impugnação judicial há muito que se encontrava ultrapassado o prazo de que a Recorrente dispunha para o efeito.
Por fim, alega a Recorrente que constituindo fundamento de impugnação judicial a inexistência de elementos essenciais e preterição de formalidades legais para a tributação de IMT nos termos do 38.º, 2.º e 4.º do CIMT, ainda que o Tribunal a quo entendesse não conhecer da nulidade da sua citação, sempre deveria conhecer os fundamentos relativos à nulidade do ato de tributação, que podiam ser arguidos através de impugnação judicial e a todo o tempo, nos termos do artigo 99.º e 102.º n.º 3 do CPPT.
Sucede que, e ao contrário do que pretende, a Recorrente não invoca qualquer vício do ato de liquidação que seja passível de ferir o mesmo de nulidade.
De facto, o que resulta da sua petição inicial é que quanto ao ato de liquidação de IMT em causa, a Recorrente invocou que não foi notificada para proceder ao respetivo pagamento, e que se o foi, tal notificação terá sido extemporânea, verificando-se por esse motivo a caducidade do direito de liquidação; que o facto tributário não se verificou relativamente a si, não sendo por isso parte na relação tributária; que não exerceu o direito de audiência prévia; que o contrato promessa foi celebrado depois do casamento, sem que tenha ocorrido o consentimento de ambos os cônjuges; e que não havia obrigação de pagamento do imposto, por não ter ocorrido a tradição do imóvel.
Ora, por um lado a alegada falta de notificação do ato de liquidação – cuja invocação na petição inicial não deixa de se estranhar, atento o teor do requerimento datado de 9 de abril de 2008, já aqui referido (cf. ponto E, da fundamentação de facto) - apenas contende com a respetiva eficácia e não já com a sua validade (cf. neste sentido, designadamente, os acórdãos proferidos pelo STA em 88-09-28, no proc. 05631; em 88-11-26, no proc. 04905; em 89-05-03, no proc. 05472; em 89-07-12, no proc. 010428; em 91-10-09, no proc. 013540; em 92-09-23, no proc. 013713; em 92-10-14, no proc. 14070; em 93-12-02, no rec. 14471, em 1993-12-02, no proc. 014471, em 1997-05-14, no proc. 019724, em 2000-02-16, no proc. 020369, em 2002-01-24, no proc. 026367, em 2002-04-10, no proc. 026248, em 2011-04-06, no proc. 037/11, em 2012-01-12, no proc. 0633/11; em 2012-10-17, no proc. 0651/11; em 2014-10-29, no proc. 01381/12, e em 2019-06-26, no proc. 01295/14.8BEPNF 0555/18, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), e por outro, nenhuma das invalidades que invoca seria passível de ferir o ato de liquidação de nulidade, uma vez que, como é sabido, tal cominação tem de resultar expressamente da lei, maxime do catálogo de invalidades então elencado no art. 133.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redação então em vigor, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT, o que, manifestamente, não é o caso, pelo que o regime aplicável sempre seria o regime regra da anulabilidade do ato (cf. o então art. 135.º do CPA, na redação então em vigor).
Ou seja, e ao contrário do que a Recorrente alega, a sentença não padece de erro de julgamento de direito por violação do disposto no n.º 3 do art. 102.º do CPPT, ou do art. 99.º daquele diploma legal.
Quanto ao demais, a Recorrente limitou-se a invocar putativas nulidades do processo de execução, para cujo conhecimento a impugnação judicial não era, manifestamente, o meio processual próprio.
Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir nada haver a censurar à sentença sob recurso, devendo por isso julgar-se o presente recurso totalmente improcedente.
***
Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Estava vedado à aqui Recorrente trazer à apreciação deste Tribunal questões novas, que não sendo de conhecimento oficioso, não foram suscitadas e discutidas em 1.ª instância.

II. A citação efetuada em pessoa diversa do citando, encarregue de lhe transmitir o conteúdo do ato, é equiparada à citação pessoal, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento, considerando-se a citação efetuada no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

III. A cominação de nulidade do ato administrativo tributário tem de resultar expressamente da lei, maxime do catálogo de invalidades expressamente elencadas no Código de Procedimento Administrativo, caso contrário o regime aplicável será o regime regra da anulabilidade do ato.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 9 de novembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – José Coelho – Tiago de Miranda.