Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01484/05.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
IRC
ÓNUS DA PROVA
INDÍCIOS
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
Sumário:I - Quando a AT desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas facturas não reflectem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das operações tituladas por tais facturas.
II - A falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais.
III – Pelo que a Administração Tributária, que invoca apenas a falta de credibilidade do emitente de determinadas facturas, não demonstra que os custos correspondentes não foram efectivamente suportados pelo sujeito passivo.
IV - Apenas se conhecerá de recurso interposto de despacho interlocutório, se se vislumbrar, atento o decidido quanto ao recurso interposto da sentença final, interesse processual para o recorrente numa decisão favorável naquele – cfr. artigo 660.º do CPC.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:S..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

S…, LDA., com o NIPC 5…e melhor identificada nestes autos, interpôs recurso jurisdicional do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferido em 04/04/2011, que indeferiu o requerimento que havia apresentado, em 04/03/2011, para que prestasse depoimento neste processo a testemunha arrolada por aditamento ao respectivo rol - E....
Igualmente inconformado veio o Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida em 13/04/2015, que julgou a impugnação judicial procedente, anulando as liquidações de IRC e juros compensatórios com referência ao ano de 2002, em discussão nos presentes autos.

Do recurso da decisão interlocutória

A Recorrente “S…” terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1ª - A decisão interlocutória recorrida está errada, enfermando de error in procedendo, por incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2°e 13° do CPPT, bem como dos artigos 552° e 617º do CPC, desde logo porque não se verifica impedimento previsto no art. 617º do CPC, relativamente ao depoimento dos dois então sócios-gerentes da impugnante identificados na p.i, já que o seu depoimento que se visa prestar ao Tribunal, não será prestado com o fim de vincular a sociedade, mas sim, enquanto pessoas singulares que participaram ou presenciaram factos relevantes para o apuramento da verdade no processo.
2ª - A decisão recorrida, está parcialmente assente em pressupostos de facto errados, pois quando a impugnante apresentou, em 04/03/2011, o requerimento de aditamento ao rol das testemunhas, da Sr. E..., esta já havia deixado de ser sócia-gerente, não incorrendo por tal em qualquer eventual impedimento para depor como testemunha.
3ª - Acresce que prosseguindo o princípio do inquisitório pleno consagrado no artigo 13° do CPPT, nada impede (bem pelo contrário, no entender da recorrente, até o recomendará o caminho da busca do integral apuramento da verdade, relativamente aos factos antes descritas, que se visam apresentar ao Tribunal), sendo irrelevante qual das partes processuais que apresenta ou sugere ao Tribunal a audição de qualquer pessoa devidamente identificada, como potencialmente relevante para o apuramento da verdade e sentido da Justiça.
4ª - Acresce que sendo as normas processuais do CPC, no processo judicial tributário, de aplicação supletiva (cfr. art° 2° do CPPT), o disposto no art. 552° e ss. do CPC, apenas será aplicável nas situações em que o Tribunal considere que não haverá razões para a aplicação à situação concreta, do principio estruturante e sistemático plasmado na norma constante do art. 13º n° 1 do CPPT.
Termos em que a Recorrente confia que a decisão interlocutória do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, recorrida em apelação, com os fundamentos alegados no presente recurso, seja alterada (cfr. art. 713º nº 2 CPC), e substituída por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, que declare a inexistência do impedimento previsto no art. 617° do CPC, relativamente ao depoimento no presente processo, como testemunha, da sócia-gerente da Impugnante - E....
Como sempre, farão V.(s) Ex.ª(s) inteira e objectiva JUSTIÇA.”
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A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
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Do recurso da sentença:

A Recorrente “Fazenda Pública” terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I – O objecto do recurso
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por S…, Lda. contra a liquidação adicional de IRC e correspondentes juros compensatórios, no valor total de € 10.253,84, referente ao exercício de 2002.
II. O douto Tribunal a quo entendeu anular a liquidação por considerar que a AT não fez a prova que lhe competia no sentido de apurar os necessários indícios que lhe permitiriam qualificar como falsas as facturas contabilizadas pela impugnante, na medida em que os elementos carreados pela IT não respeitam a esta última, mas sim a terceiros (os emitentes das facturas).
III. Assim, as questões a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem serão as seguintes:
a) saber se os meios de prova trazidos pela IT são ou não suficientes para que se possa concluir pela falsidade das facturas contabilizadas pela aqui recorrida;
b) saber se essa alegada insuficiência decorre apenas do facto de tais meios de prova dizerem imediatamente respeito aos emitentes das facturas (e apenas mediatamente ao utilizador) ou, dito de outro modo, se os indicadores de falsidade das facturas têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
II - A factualidade dada como provada
IV. Por uma questão de economia processual, remete-se para a matéria de facto dada como provada e elencada a fls. 2 a 18 da douta sentença.
V. No entanto, e por considerarmos crucial para uma boa decisão da causa, importará conferir um especial enfoque ao facto 7., no qual se reproduz – ainda que parcialmente – o “relatório definitivo constante destes autos de fls. 95 a 103 (…) bem como os seus anexos”, na medida em que em tal Relatório os SIT elencaram a factualidade apurada quanto aos alegados fornecedores C..., F..., A... e Sucatas ... Unipessoal, Lda. (pág. 10 a 14), para a qual se remete.
VI. Importa ainda – atendendo ao teor dos factos 12. e 13. dados como provados – realçar os montantes das facturas emitidas por aqueles alegados fornecedores e que foram contabilizados pela aqui recorrida (C...: € 103.984,85; F...: € 254.294,06; A...: € 25.499,94; Sucatas ... Unipessoal, Lda.: € 96.612,71).
III – O erro de julgamento
VII. Foi este conjunto de indícios que o Tribunal a quo não considerou como “suficientes, sérios e objectivos” porque não estão suportados “por factos ou documentos extraídos ou em poder da impugnante”.
VIII. Antes de abordarmos esta questão – que constitui o objecto do presente recurso – importa assinalar que incumbe à AT o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao sujeito passivo e que, uma vez cumprido este encargo, passa a competir ao contribuinte o ónus de provar que tais operações são reais, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não encontra campo de aplicação.
IX. A esta questão prévia – a da repartição do ónus da prova – o douto Tribunal a quo deu uma resposta totalmente acertada, realçando inclusivamente que “não é imperioso que a administração tributária efectue uma prova directa da simulação”.
X. Porém, já não revelou o mesmo acerto quanto à questão sequente – o cumprimento do ónus da prova por parte da AT, ou seja, saber se, pelo facto dos indícios carreados pela IT dizerem respeito aos emitentes das facturas e não ao respectivo utilizador, fica vedada a possibilidade de concluir que “entre a impugnante e a emitente das facturas em causa foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiro”.
XI. Tudo se reconduz, portanto, a aferir da relevância dos elementos obtidos com recurso à denominada fiscalização cruzada.
XII. Ora, é inequívoco que a AT pode “lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado” [vide acórdãos do TCANorte, de 28-02-2013 (proc 00383/08.4BEBRG), TCANorte, de 15-02-2013 (processo n.º 01764/08.9BEPRT), TCANorte, de 26-04-2012 (processo n.º 00964/06.0BEPRT) e TCASul, de 04-06-2013 (processo n.º 06478/13)].
XIII. Destarte, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entendemos que face ao quadro indiciário que suporta a conclusão da AT no sentido de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos (cumprido que está o ónus da prova que neste ponto lhe competia) impunha-se à ora Recorrida fazer a prova de que adquiriu os serviços em causa e que os mesmos lhe foram prestados pelos emitentes das facturas.
XIV. Ónus esse que, como ressalta do teor dos factos dados como provados (mormente dos factos 12. a 16.), não logrou cumprir, na medida em que:
a) quanto aos factos 12. e 13., se se deu como provado que o C… “era um pequeno fornecedor da agora Impugnante, vendendo-lhe «pequenas coisas» de sucata metálica diversa não enfardada”, as quais seriam transportadas numa “carrinha”, ter-se-á de concluir que não poderia ter vendido à impugnante os bens constantes nas facturas que emitiu e que ascenderam a mais de cem mil euros.
Ademais, a circunstância de ter sido dado como provado que tinha “um estaleiro num terreno com cerca de 1000 m2” não significa que tenha ficado provado que no referido estaleiro houvesse sucata ou sucata em quantidade e qualidade suficiente para prover os alegados fornecimentos à impugnante.
b) quanto aos factos 14. e 16., o douto Tribunal a quo não deu como provado que os veículos que transportavam a sucata daqueles alegados fornecedores postos em causa pelo SIT circulassem com excesso de carga.
Por outro lado, se se pretendeu dar como provado que a mercadoria constante de uma determinada factura poderia não ter sido transportada numa única carga, mas em várias “no mesmo dia”, importaria que tivesse ficado provada a utilização de guias de transporte por aqueles alegados fornecedores, as quais teriam forçosamente de documentar cada uma daquelas várias cargas, o que manifestamente não sucedeu.
c) quanto ao facto 15., o douto Tribunal a quo limitou-se – e bem – a dar como reproduzidas as fotocópias dos cheques juntas com a petição inicial sem, no entanto, ter extraído qualquer conclusão quanto à sua validade probatória no sentido da comprovação da efectividade das transacções subjacentes, na medida em que, para além de não ter sido dada como provada a junção de quaisquer documentos de pagamento relativos ao fornecedor C..., todos os demais cheques indiciam o retorno dos montantes ou de parte dos montantes neles inscritos, em virtude de terem sido levantados aos balcões das instituições bancárias.
XV. Face aos factos que o douto Tribunal recorrido entendeu dar como provados, afigura-se-nos que a impugnante não alega nem traz aos autos quaisquer elementos susceptíveis de provar a existência dos factos tributários que invocou como fundamento do seu direito contabilização de tais custos do exercício, não conseguindo abalar os indícios sérios, objectivos e coerentes convocados pela Inspecção Tributária o que, face ao já aludido critério de repartição do ónus da prova, não é claramente suficiente para provocar a anulação da liquidação em apreço.
Ou seja,
XVI. Nestes termos, incorreu a douta peça decisória recorrida em erro de julgamento de facto, consubstanciado numa incorrecta apreciação e valoração da matéria de facto dada como assente e, concomitantemente, em errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem o ónus da prova, tendo sido violado o disposto no artigo 74.º da LGT, bem como o disposto nos artigos 57.º do CIRC e 87.º n.º 1 alínea b) e 88.º, ambos da LGT.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão ora posta em crise, assim se fazendo JUSTIÇA.”
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A Recorrida “S…” apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“I - Nota prévia sobre a competência do tribunal deste recurso
1ª CONCLUSÃO:
A Recorrida acompanha integralmente os muito bem elaborados e rigorosos fundamentos de facto e de Direito, que apontam e sustentam a legal e justa sentença recorrida pela RFP, para o TCAN - Secção de Contencioso Tributário.
2ª CONCLUSÃO:
Na sentença recorrida, o que se deu como provado foi que ... “Com a data de 09.12.2004 foi elaborado o relatório definitivo constante destes autos de fls. 95 a 103 e aqui se dão por integralmente reproduzidas...”, e tal como decorre claramente do seu texto, e sem dificuldade se deduz face à restante matéria dada como provada.
E não, como erradamente consta das alegações da RFP, a fls. 3, onde se diz, transcrevendo...
“... importará conferir um especial enfoque ao facto 7, no qual se reproduz - ainda que parcialmente - o relatório definitivo constante destes autos de fls. 95 a 103 (..) bem como seus anexos”.
3ª CONCLUSÃO
Assente nesse pressuposto de facto errado, a RFP transcreveu para as suas alegações, o falso quadro relativo aos fornecedores em causa, construído pelo Sr. Inspector Tributário elaborante do relatório, mesmo depois de na instrução deste processo de impugnação judicial, se ter demonstrado que tais factos, palpites, ou preconceituosas suspeições e conclusões, não eram verdadeiros, nem dignos de crédito, ou valoráveis para o presente processa, tal como se concluiu na justa sentença recorrida pela RFP.
4ª CONCLUSÃO:
Depois de transcrever o relatório na parte que procura descredibiizar a idoneidade fiscal, bem como a capacidade empresarial, dos fornecedores em causa, para concretizarem os fornecimentos de sucata descritos nas facturas também em causa, a fls. 7, a RFP nas suas alegações refere, transcrevendo...
A Fazenda Pública, tal como refere, não percebeu, ou não aceita, que o conjunto de indícios que o Tribunal deve considerar como “suficientes, sérios e objectivos”, não sejam os que constam no relatório de inspecção, mesmo que por vezes sejam constituídos por meras transcrições de origem desconhecida, ou palpites ou coisas piores.
5ª CONCLUSÃO:
A Fazenda Pública não percebeu ou não aceita, que aquilo que foi vertido para o relatório em causa, tem depois de passar pelo crivo da instrução processual da impugnação judicial, e só depois dessa instrução, é que o Tribunal, com a sua competência e imparcialidade que lhe exige e dele espera, irá fixar com justiça, quais os factos que considerou provados, e aplicar o Direito a esses factos.
6ª CONCLUSÃO:
aliás, recorda a Impugnante/Recorrida, que antes já demonstrou exaustivamente, nas alegações que apresentou, em 08/05/2011, para este processo e que aqui se dão integralmente como reproduzidas, onde partindo dos factos e alegações vertidos para o relatório de inspecção, demonstrou facto a facto, conclusão a conclusão, a panóplia de erros e meros palpites de que enferma referido relatório.
7ª CONCLUSÃO:
Por outro lado, no que respeita às compras, facturas e custos em concreto e relativos à Impugnante/Recorrida, tal como justamente se refere na sentença recorrida, a fls 31. no relatório de inspecção não consta um único facto ou documento extraído ou em seu poder, que permita, ainda que indiciariamente, dizer que entre a impugnante e os emitentes das facturas em causa, foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiro, cfr. o art° 240º do C.C..
8ª CONCLUSÃO:
Ou seja, como se referiu e concluiu, a fls. 32 da sentença recorrida, com fundamentos e sentido que a Impugnante/Recorrida acompanha integralmente, que se transcreve...
“Concluiu-se assim, que a administração tributária, na situação em análise, não conseguiu provar os pressupostos de facto que estiveram na base da aplicação dos métodos indirectos, ou seja, não carreou para os autos indícios suficientes, sérios e objectivos de que as faturas em apreciação, não titulavam operações efectuadas pelos emitentes das mesmas.
Com efeito, a inspecção tributária limitou-se a concluir, por via de determinados indícios recolhidos junto dos emitentes das faturas que estes não haviam fornecido as mercadorias constantes das mesmas.
Contudo, e no que concerne ã impugnante não recolheu elementos suficientes para se concluir pela não concretização das transacções comerciais.
Pelo exposto, concluiu-se que a Administração Tributária não cumpriu o ónus que lhe incumbia de provar a simulação das transacções comerciais, incorrendo, por isso, em erro sobre os pressupostos, o que acarreta a ilegalidade dos métodos indirectos.
E assim sendo, concluiu-se pela ilegalidade do recurso aos métodos indirectos, com a com sequente ilegalidade da liquidação.”

9ª CONCLUSÃO:
Ora, à bem elaborada e justa decisão antes transcrita, caso fosse necessário, junta a Impugnante/Recorrida um outro fundamento evidenciador da ilegalidade das liquidações impugnadas, e da consequente falta de fundamento do recurso da Fazenda Pública, que também se evidencia por outra razão ou fundamento.
10ª CONCLUSÃO:
Já que, mesmo que o Tribunal recorrido, seguindo a tese das alegações da RFP, tivesse dado como provada a existência de indícios “suficientes, sérios e objectivos”, para considerar as facturas em causa como “falsas”, ou em simulação nos termos do art. 340° do CC, nesse quadro, a conclusão a tirar seria a de que esses custos não teriam sido suportados, logo e na mesma medida, deveriam ser retirados do apuramento da matéria colectável desse ano da Impugnante/Recorrida.
Ou seja, nesse hipotético quadro, estariam dessa forma reunidas todas as condições para, por método directo, a AT calcular a matéria colectável do ano em causa para efeitos de IRC.
11ª CONCLUSÃO:
Mas não foi isso que foi feito, com base no relatório de inspecção, nas fixações que se lhe seguiram, nas quais a matéria colectável foi fixada com por avaliação indirecta, a qual, como se sabe, por força do disposto no art. 85° da LGT, é subsidiária da avaliação directa, ou seja, só pode ser usada quando não for possível usar a directa.
Constata-se assim que os factos dados como provados na sentença recorrida, também demonstram que ocorreu uma violação do disposto no art. 85° da LGT, pelo que as liquidações impugnadas também enfermam deste vício de violação de lei.
12ª CONCLUSÃO:
Daí que, como na aplicação do Direito aos factos dados como provados na sentença recorrida, por força do disposto no n° 3 do art. 5º do CPC, aplicável ex-vi da alínea e) do artigo 2° do CPPT, não estando o juiz julgador sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação aplicação das regras de direito, caso se seguisse a tese alegada pela Recorrente, quer o Tribunal recorrido, quer o de recurso, nas suas decisões, se já não estivesse verificada e declarada outra ilegalidade e consequente invalidade destas liquidações, a mesma sempre teria de ser declarada por enfermarem deste vício de violação de lei, neste caso, o disposto no art 85° da LGT.
Termos em que a Recorrida confia que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Aveiro, será mantida pelo Tribunal Superior de Recurso, nos precisos termos em que foi proferida.
Como sempre, farão V.(s) Ex.ª(s), inteira e objectiva JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa resolver:
a) No recurso da impugnante do despacho interlocutório: se a sócia-gerente que havia renunciado à gerência da sociedade impugnante em 13/10/2009 é inábil para prestar depoimento como testemunha em diligência de inquirição de testemunhas realizada em 04/04/2011;
b) No recurso da Fazenda Pública da sentença final: se a AT recolheu factualidade indiciária bastante de que as facturas dos emitentes C..., F..., A... e “Sucatas ..., Unipessoal, Lda.”, contabilizadas pela impugnante com referência ao ano de 2002, não traduzem operações económicas reais.

III. Fundamentação

O despacho interlocutório sob recurso tem o seguinte teor:
“Vem a impugnante “S…, Lda.”, para além do mais, requerer em aditamento ao rol de testemunhas a inquirição de E..., informando que a mesma renunciou à gerência da impugnante, em 23.10.2009, conforme consta da certidão permanente da impugnante.
Decidindo:
A questão da inquirição da testemunha foi já objecto de decisão, por despacho de 20.10.2010, devidamente notificado às partes e já transitado em julgado, através do qual se indeferiu a requerida inquirição, com os fundamentos nele aduzidos, cfr. fls. 500 a 504.
Assim, nesta matéria, encontra-se esgotado o poder jurisdicional.
Nesta conformidade, indefere-se o requerido, nesta parte.
Notifique.”

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com interesse para analisar as questões suscitadas considera assente a seguinte matéria de facto:
1 - A Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva, relativamente aos exercícios económicos de 2001 e 2002, cfr. Relatório da Inspeção Tributária de fls. 95 a 103 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - Por despacho de 20/01/2004 foi emitida a Ordem de Serviço nº 33209, em nome da sociedade agora Impugnante, com “extensão” aos “exercícios/períodos a fiscalizar”, nos termos constantes de fls. 94 e 95 dos autos e 505 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
3 - Em 20/8/2004 foi aprovada a proposta, da mesma data, da
passagem a âmbito geral e da prorrogação da acção inspectiva externa” relativa à ordem de serviço nº 33209, com os seguintes fundamentos “O sujeito passivo possui diversos fornecedores como, por exemplo F… que forneceu sucata nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 nos montantes respectivos de 72.983,04 €, 79.933,94 € e 209.669,58 €, IVA incluído. Aguardamos actualmente o cumprimento pelo sujeito passivo do notificado e solicitado em 28.07.2004 e que consiste no fornecimento de diversos elementos sobre fornecedores seus bem como de cópias frente e verso devidamente autenticadas pelas respectivas entidades bancárias dos cheques utilizados no pagamento àqueles e bem assim ainda dos extractos bancários da única conta da sua contabilidade, residente no Banco Totta & Açores e com o n°001800002399365000143 que nos deverão ser apresentados no dia 07.09.2004.Os seis meses legalmente estabelecidos para terminar o respectivo procedimento terminam em 12.09.2004.Face à área económica crítica em causa, à complexidade da própria acção inspectiva, aos volumes de operações envolvidos e ao determinado nos artºs 15º, nº 1 e 36º, nº 3, al. a) do RCPIT, solicita-se a passagem a geral do âmbito parcial da acção inspectiva supra identificada e a respectiva prorrogação por mais três meses.”, cfr. fls. 506 do PA.
5 - A ação inspetiva, com base na Ordem de Serviço 33209, iniciou-se em 16/3/2004, cfr. fls. 95 destes autos.
6 - Com data de 15/11/2004 foi elaborado Projeto de Relatório de Inspeção Tributária relativo ao IRC e IVA dos exercícios de 2001 e 2002 – fls. 3 a PA;
7 - Com data de 09.12.2004 foi elaborado o relatório definitivo constante destes autos de fls. 95 a 103 e aqui se dão por integralmente reproduzidos, bem como os seus anexos, e cujos extratos a seguir se transcrevem:”(…) “II. OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
II.1. CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A ACÇÃO
A execução da presente acção encontra-se credenciada pela Ordem de Serviço n° 33.209 / 2003, emitida em 2004.01.20 pela Direcção Distrital de Finanças de Aveiro e comunicada ao sujeito passivo através da carta-aviso n° 8301100, datada de 2004.02.11, tendo decorrido entre o(s) dia(s) 2004.03.16 e 2004.11.04, após notificação do sujeito passivo em 2004.09.07 pela prorrogação do prazo de conclusão do procedimento de inspecção com termo previsto para 10.12.2004.
II.2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
A presente ordem de serviço foi emitida com base em três propostas de acção inspectiva externa datadas de 2003.01.13, 2003.08.05 e 2003.12.19, nas quais é informado que o sujeito em análise se poderá encontrar em infracção relativamente a diversas obrigações fiscais, integrando-se no âmbito oficialmente definido pelo PNAIT 22140, sendo nela estabelecida como extensão da acção inspectiva, os exercícios de 2000, 2001 e 2002. O exercício de 2000 foi já objecto de outro relatório.
II.3. OUTRAS SITUAÇÕES
II.3.1. Introdução
- A actividade do sujeito passivo S…, LDA, com o NIF 5…, ao longo dos exercícios em análise, consistiu na comercialização de sucatas e de desperdícios metálicos diversos, CAE - 51571 Comércio por grosso de sucatas, encontrando-se enquadrado no Regime Normal Mensal de IVA e no Regime Geral de Tributação de IRC (…) - Anexa à presente Ordem de Serviço encontra-se a Nota Interna nº 6/2003, de 13.01.2003, emitida pelo NIC-Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Aveiro que junta cópia de Depoimento Judicial do cliente e fornecedor da S…, LDA, Sr. F…, prestado em 29.10.2002, do qual se mostram relevantes para a presente análise inspectiva as seguintes respostas à inquirição (v. cópia das páginas com as respostas prestadas e da confirmação da data da respectiva prestação em ANEXOS — páginas 1 a 3): - Que reconhece ter declarado aos funcionários da administração fiscal que as facturas que emitiu eram falsas mas que o fez com o intuito de se livrar dos mesmos, podendo-se deduzir assim que tais facturas eram verdadeiras mas, face ao depoimento seguinte, tal conclusão não é assim tão linear pois este depoimento de acusação à S…, LDA não corresponde, no mínimo, à realidade total face ao constante da respectiva contabilidade; e bem então assim- Que a S..., LDA não emitia facturas pelas compras que ele lhes fez desde 1996,constatando-se que da contabilidade desta empresa consta a emissão para o depoente/cliente nos exercícios de 1999 e 2000 de facturação nos valores globais de 6.466,22€ e 4.191,36 respectivamente, o que contradiz o depoimento.
- Em 22.07.2004 e 28.07.2004 foram lavrados dois termos de ocorrência pela nossa recolha dos duplicados dos documentos de suporte a vendas de sucata por parte de alguns fornecedores que se revelaram ter interesse particular no seu aprofundamento, v. cópia da notificação em ANEXOS
- páginas 4 a 6 (o sujeito passivo possui duplicado dos mesmos);
- Em 28.07.2004, foi notificado o sujeito passivo para prestar por escrito diversas informações sobre a respectiva actividade e alguns fornecedores, tendo-se na mesma notificação solicitado a colaboração do mesmo, relativamente aos cheques como meios de pagamento, através do fornecimento de cópias frente e verso dos mesmos cheques, devidamente autenticados pelas respectivas entidades bancárias (v. cópia da notificação em ANEXOS — páginas 7 a 50);
- Em 07.09.2004, lavrou-se um termo de ocorrência pelo facto do sujeito passivo ainda não ter pronta a sua resposta à notificação anteriormente referida, invocando a concessão de mais alguns dias para arranjar cheques das instituições de crédito, o que lhe foi concedido no mesmo acto, (v.cópia do auto de ocorrência em ANEXOS — página 51 e 52);
- Em 07.09.2004, foi ainda notificado o sujeito passivo da prorrogação do prazo de conclusão do presente procedimento de inspecção com termo previsto para 10.12.2004, tendo -lhe sido fornecida cópia do despacho do Sr. Director de Finanças para o mesmo fim (v. cópia da notificação em ANEXOS — página 53 e 54);
- Em 19.10.2004, data concedida no termo de ocorrência lavrado em 07.09.2004 para recolher a resposta à notificação de 28.07.2004, constatou-se que a mesma ainda não se encontrava pronta tendo o sujeito passivo justificado com o facto de se ter equivocado pois pensava que era no dia seguinte, tendo-se finalmente no dia 20.10.2004 recolhido a resposta em causa verificando -se da mesma, depois dos adiamentos relatados que somaram cerca de três meses - 28.07.2004 a 20.10.2004 -, que não foi apresentada uma única cópia frente e verso dum cheque que tivesse emitido - mesmo os 330 de que fala na sua resposta teriam sido perfeitamente possíveis de obter naqueles três meses colocando em causa assim o princípio da colaboração -, tendo apresentado em sua substituição cópias dos extractos bancários, (v. cópias do auto de ocorrência e da resposta recolhida, em ANEXOS — página 55 a 235).
II.3.2. A Demonstração de Resultados:
Os elementos declarados em 2001 e 2002 são os constantes do quadro abaixo.
Da análise dos dados constantes do referido quadro constata-se o seguinte:
- o rácio de rentabilidade fiscal das vendas do sujeito passivo é (1,43% em 2001 e 0,51% em 2002) substancialmente inferior ao mesmo rácio médio determinado para o mesmo sector e exercícios na unidade orgânica em que se situa que foram de 2,27 % e 2,71 %, respectivamente;
- o facto de, para além de outros trabalhadores, também os sócios -gerentes e alguns familiares serem trabalhadores remunerados da empresa o que constitui a justificação para os elevados encargos da empresa em custos com pessoal que constitui a componente de custos de maior valor e por outro lado ainda, o facto da maior parcela dos elevados valores em custos com pessoal ser tributada na esfera fiscal de cada trabalhador;
- as matérias colectáveis declaradas nos exercícios de 2001 e 2002 (8.981,77 e 11.297,39,respectivamente) não são tão aceitáveis quanto isso já que, mesmo atendendo à crise económica que temos vindo a passar, as falências sucessivas a que se tem vindo a assistir cria um mercado bastante apetecível de aquisição de sucata a preços muito competitivos e, obviamente, desde que tal falência não atinja as empresas de fundição que também beneficiam pelas mesmas razões desta situação de crise. (…)
II.3.3. Outros Aspectos
- Na análise genérica dos elementos de 2001 e 2002 que foram colocados ao dispor dos serviços de inspecção da administração fiscal, detectou-se o seguinte:
- tributação autónoma não calculada, incidente sobre custos com viaturas ligeiras de passageiros;
de Julho e por outro lado, estamos perante um fornecedor que levanta sérias precauções sobre o seu comportamento fiscal, possuindo, designadamente, fortes probabilidades de ser um viciador de facturas.
- Paralelamente à presente acção inspectiva foram realizadas diversas diligências de pesquisa e outras acções inspectivas dirigidas a fornecedores do sujeito passivo em análise bem como a outros sujeitos passivos com vista a um melhor conhecimento da realidade económico -fiscal do sector da sucata em geral e da S..., LDA em especial, tendo sido detectadas várias situações preocupantes e que não credibilizam a escrita do sujeito passivo em análise, destacando –se concretamente para o caso particular desta empresa e exercícios em análise o seguinte:
- Detectaram-se os fornecedores de sucata, Srs. C… e F..., os quais, emitentes confessos de facturas falsas, designadamente quanto ao IVA por eles liquidado e nunca declarado e pago ao Estado mas deduzido por outros sujeitos passivos inclusive, pela S..., LDA;
- Recolheram-se informações de que o fornecedor A..., por sua vez sócio único de também outro fornecedor, a empresa "Sucatas ..., Unipessoal, Lda", andou a oferecer facturas para simulação de operações que permitiriam deduzir o IVA que nelas fosse inscrito como liquidado e assim espoliar o Estado e os cidadãos fiscalmente cumpridores que para este contribuem, isto para além de possuir um perfil que está longe de ser o de um cidadão fiscalmente cumpridor.
- Por tudo o anteriormente referido conclui-se que estamos perante um sujeito passivo que possui várias relações comerciais que comportam um elevado risco de não cumprimento por si das obrigações tributárias a que está sujeito (…)
DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL (…) EM SEDE DE IVA(…)
EXERCÍCIOS DE 2001 E 2002
III.11. IVA indevidamente deduzido em documentos sem forma legal
(…)
III.1.2. IVA indevidamente deduzido em Operações Simuladas
Também já se citou que o sujeito passivo possui fornecedores que não detêm qualquer credibilidade e que lhe emitiram documentos de suporte a vendas com liquidação de IVA que foi posteriormente por ele deduzido, não possuindo tais documentos contabilizados quaisquer guias de transporte ou equivalente anexos, verificando-se em muitos dos documentos que possuem a indicação da viatura transportadora da sucata que, face às cargas máxima técnica deslocável respectiva e a indicada na factura acrescida do próprio peso da viatura (tara), essa mesma viatura teria de se deslocar nesse transporte com os pneus rebentados ou com rodas de ferro e com taipais de caixa com uma altura tal que inviabilizaria a sua deslocação simples ou obrigaria a utilização de estafetas, sendo os tais fornecedores os seguintes, (v. quadros e cópias dos respectivos extractos de conta de cada fornecedor e da conta 243212 — IVA Dedutível com os valores em causa e de catorze facturas ilustrativas das em causa e na posse do sujeito passivo em ANEXOS — páginas 246 a 263):
III.1.2.1. C..., NIF 1…
Fornecedor de sucata nos dois exercícios em apreciação, no valor global de 103.984,85 € com inclusão do IVA em que liquidou IVA no valor também global de 15.109,61 € posteriormente deduzido pela S..., LDA e que agora é corrigido, é um sujeito passivo com o seguinte perfil:
- incumpridor fiscal;
- não possui estrutura empresarial e financeira para o desenvolvimento da actividade económica de comércio de sucata e muito menos também para os enormes valores por ele facturados e por nós conhecidos;
- na sua maioria, os quilogramas de sucata que indicou nas suas facturas excedem substancialmente a carga máxima das viaturas nas mesmas indicadas;
- dos recibos destas facturas contabilizadas consta a menção dos cheques utilizados no seu pagamento mas atente-se no declarado em 28.09.2004 a este respeito por este fornecedor e que se relata abaixo;
- encontra-se envolvido em outros processos de índole fiscal relativos a diferentes exercícios, surgindo acusado e confessor de ser um emitente de facturas falsas;
- contactado pela administração fiscal, para além de manifestar por várias vezes todo o seu interesse em normalizar a sua vida, nomeadamente no que diz respeito à sua situação fiscal, declarou o seguinte, (v. ANEXOS - página 264 a 269):
Em 23.09.2004,
- Até ao fim do ano de 2002 teve um problema de toxicodependência e desde aí está curado;
- Nos anos de 2000, 2001 e 2002 não facturava mais do que 200 euros por semana e numa factura só;
- A restante facturação que emitiu nos anos de 2000, 2001 e 2002 não correspondem a operações verdadeiras;
- A sucata que vendeu nos anos de 2000, 2001 e 2002 que corresponderam a operações verdadeiras e que já tinha declarado no ponto 2 destas declarações, foram pequenas quantidades de produtos metálicos de pequeno valor como por exemplo ferro, acontecendo na maioria das vezes que quando as facturava era-lhe sugerido facturar por preço de venda e quantidades superiores recebendo ele em troca uma percentagem de cerca de 6 % do valor do IVA liquidado nas facturas; e,
- Renova todas as declarações que prestou em 10 de Maio de 2004 às inspectoras tributárias Anabela… e L…, e,
Em 28.09.2004,
- No que respeita aos cheques que lhe eram entregues para pagamento dos valores muito superiores à realidade e facturados por si nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 a pedido dos seus clientes, tais cheques eram levantados por si nos bancos respectivos para entrega imediata aos seus clientes das diferenças para mais por eles pagas a seu pedido e relativas à mercadoria e ao IVA, estando ele sempre vigiado no levantamento destes cheques até à entrega dos valores que já referiu;
- Inclusivamente, foi também aconselhado pelo seu colega sucateiro já referido no Termo de Declarações prestado em 10 de Maio de 2004 às inspectoras tributárias Sras. Anabela… e L…, a anular de vez em quando algumas facturas como se fosse engano para disfarçar a realidade.
- Já anteriormente a 2000 facturou diversas vendas que não correspondem a operações reais.
- Não trazia apenas o livro de facturas-recibo dos números 101 ao 150 que adquiriu na Tipografia Leal porque não o encontrou mas achava que devia estar com a pessoa que lhe fez a escrita pelo que se o encontrasse vinha logo exibi-lo. e,
- Os fornecimentos que fez de ferro à R.., Lda e à P…, Lda correspondem às únicas operações totalmente verdadeiras por si realizadas como vendedor nos exercícios de 2000,2001 e 2002.
III.1.2.2. F..., NIF 1…
Fornecedor de sucata nos dois exercícios em apreciação, no valor global de 254.294,06 € com inclusão do IVA em que liquidou IVA no valor também global de 38.667,82 € posteriormente deduzido pela S..., LDA e que agora é corrigido, é um sujeito passivo com o seguinte perfil:
- incumpridor fiscal;
- Cessado com data de 31.12.2001;
- não possui estrutura empresarial e financeira para o desenvolvimento de qualquer actividade
económica (paradeiro desconhecido, inexistência de estabelecimento estável, de escrita, etc.) e muito menos para os enormes valores por ele facturados e por nós conhecidos, designadamente nos exercícios
de 2001 e 2002 com, respectivamente, os volumes de negócios globais e conhecidos de 343.029,43 € e de 1.462.331,68 €, com IVA incluído nos montantes de 49.841,88 € e de 217.091,58 €, repare-se que em 2002 estava cessado;
- não foi possível efectuar o seu contacto pessoal, apesar das diversas diligências desenvolvidas quer postais quer pessoais;
- reconhecedor e declarante noutras situações em que está envolvido, de ser um emitente de facturação falsa (v. ANEXOS - páginas 1 a 3);
- as facturas por si emitidas só muito raramente indicam a viatura na qual teria transportado a sucata, nunca surgindo a única viatura conhecida em seu nome, marca Mitsubishi, modelo Canter, matrícula XV que deste modo não estaria afecta à actividade;
- dos recibos contabilizados destas facturas consta a menção dos cheques utilizados no seu pagamento o que não impede que tenha sido utilizada novamente a mesma estratégia já referida pelo C..., "No que respeita aos cheques que lhe eram entregues para pagamento dos valores muito superiores à realidade e facturados por si nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 a pedido dos seus clientes, tais cheques eram levantados por si nos bancos respectivos para entrega imediata aos seus clientes das diferenças para mais por eles pagas a seu pedido e relativas à mercadoria e ao IVA, estando ele sempre vigiado no levantamento destes cheques até à entrega dos valores que antes referidos;" isto para além do facto de que não nos foi fornecido pelo sujeito passivo qualquer cópia frente e verso de qualquer cheque;
- colabora o mínimo possível com a administração fiscal contrariando assim o princípio da colaboração, constitucional e legalmente previsto, não auxiliando no apuramento da verdade e entrando em contradições o que potencia problemas aos agentes económicos que com ele se relacionam; e,
- encontra-se envolvido em vários processos de índole fiscal relativos ao exercício em causa e a outros, surgindo acusado de fornecedor não de sucata mas sim de facturas falsas, encontrando –se eventualmente próximo de sentenças definitivas e penalizantes.
III.1.2.3 A..., NIF 1…
Fornecedor de sucata no exercício de 2001, no valor global de 25.499,94 € com inclusão do IVA, em que liquidou IVA no valor global de 3.705,12 € posteriormente deduzido pela S...,LDA e que agora é corrigido, é um sujeito passivo com o seguinte perfil:
- incumpridor fiscal;
- cessado com data de 15.01.2001 voltou a reiniciar a actividade em 20.02.2003 e a cessar a mesma em 27.06.2003, o que não o impediu de emitir vendas a dinheiro com liquidação de IVA posteriormente a 15.01.2001 e anteriormente a 20.02.2003, ou seja, quando se encontrava cessado;
- não possui estrutura empresarial e financeira para o desenvolvimento de qualquer actividade económica (paradeiro desconhecido, inexistência de estabelecimento estável, etc.);
- colabora o mínimo possível com a administração fiscal contrariando assim o princípio da colaboração, constitucional e legalmente previsto, não auxiliando no apuramento da verdade, tendo sido apenas possível contactá-lo uma única vez numa outra acção inspectiva a partir da qual não mais foi contactável por desconhecimento do seu paradeiro, o que potencia problemas aos agentes económicos que com ele se relacionam;
- na sua maioria, os quilogramas de sucata que indicou nas suas vendas a dinheiro excedem substancialmente a carga máxima das viaturas nas mesmas indicadas e que são inexistentes na base de dados do sistema informático da DGCI;
- destas vendas a dinheiro contabilizadas consta em muito poucas a menção dos cheques utilizados no seu pagamento, o que não impede que tenha sido utilizada novamente a mesma estratégia já referida pelo C..., "No que respeita aos cheques que lhe eram entregues para pagamento dos valores muito superiores à realidade e facturados por si nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 a pedido dos seus clientes, tai s cheques eram levantados por si nos bancos respectivos para entrega imediata aos seus clientes das diferenças para mais por eles pagas a seu pedido e relativas à mercadoria e ao IVA; estando ele sempre vigiado no levantamento destes cheques até à entrega dos valores que antes referidos;" isto para além do facto de que não nos foi fornecido pelo sujeito passivo qualquer cópia frente e verso de qualquer cheque;
- em acções inspectivas paralelas foram recolhidas informações que apontam no sentido de que se terá dedicado à venda de documentos de suporte a operações simuladas de venda de sucata com o objectivo da dedução do IVA nelas liquidado por ele, sendo tais informações as seguintes, (v. ANEXOS — páginas 270 a 272):
Em 1 de Setembro de 2004, foi ouvido o sujeito passivo Sr. Ân… que declarou o seguinte: Há cerca de dois a três anos, por volta de 2000 e 2001, apareceu-me o Sr. A…, salvo erro a conduzir um BMW branco todo artilhado, a oferecer-me facturas sem mercadoria não tendo eu aceite tal situação tendo-o mesmo colocado fora das minhas instalações, podendo isto ser comprovado nos meus elementos de escrita dos quais não consta qualquer aquisição a este Sr. A….,
Em 8 de Setembro de 2004, foi ouvido o sujeito passivo Sr. Ân… que declarou o seguinte: O Sr. A..., meu fornecedor, após me ter efectuado já algumas vendas de sucata chegou a tentar vender-me facturas sem mercadoria tendo eu recusado tal situação no entanto, as quantidades de sucata constantes daquelas vendas correspondem à realidade, aliás a venda a dinheiro nº 1103, de 13.09.00 emitida pelo Sr. A..., cuja mercadoria foi transportada no veículo QL, foi paga com o meu cheque número 1103113496 da conta do Banco Totta e Açores de Águeda com o número 215 865 85/001.
III.1.2.4.1 Sucatas ..., Unipessoal, Lda, NIF 5…
Fornecedor de sucata nos dois exercícios em apreciação, no valor global de 96.612,71 € com inclusão do IVA em que liquidou IVA no valor também global de 15.404,52 € posteriormente deduzido pela S..., LDA e que agora é corrigido, é um sujeito passivo com o seguinte perfil:
- incumpridor fiscal;
- esteve colectada desde 07.03.2001 a 03.01.2003;
- o sócio único desta empresa é o Sr. A..., o fornecedor imediatamente antes relatado;
- tudo o que antes se referiu sobre o fornecedor A… tem inteira aplicabilidade relativamente à Sucatas ..., pois quem, após ter cessado a actividade continua a emitir vendas a dinheiro com liquidação de IVA que é posteriormente deduzido e/ou anda a vender documentos de suporte a operações simuladas de venda de sucata com o objectivo da dedução do IVA nelas liquidado por ele, demonstra também ter princípios suficientes para o voltar a fazer mas agora através das empresas de que é sócio único como é o caso da Sucatas ... pois a voz das empresas é a dos sócios que as representam além de que se desconhece se os documentos que andou a vender estavam timbrados em seu nome individual e/ou no das empresas unipessoais de que é sócio único. (…)
(…) IV.1. MOTIVO E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Como consequência lógica das operações simuladas antes explicitadas e que conduziram ao corte do IVA nelas liquidado, também ao nível do IRC essas operações devem ser repercutidas no valor das aquisições contabilizadas já que não são reais mas sim simuladas como já se disse, implicando assim o corte nos exercícios de 2001 e 2002 dos montantes de 149.916,76 € e 257.587, 82 € e a descredibilização das respectivas contabilidades. Face aos dados informais recolhidos no terreno é nosso entendimento que uma razão forte destas operações simuladas reside na subfacturação efectuada por produtores de resíduos industriais que são vendidos como fornecimentos de sucata a sujeitos passivos como a S... o que mesmo assim não justifica de todo o abuso da dedução do IVA simulado. Deste modo, é assim nossa opinião que sujeitos passivos como a S... adquirem sucata que não se encontra reflectida nas respectivas contabilidades por inexistência de documento de suporte às mesmas pelos motivos já apontados.
Como já se referiu é do nosso conhecimento o depoimento judicial do cliente e fornecedor da S..., LDA, Sr. F…, prestado em 29.10.2002, no qual depõe (v. em ANEXOS — páginas 1 a 3):
- Que reconhece ter declarado aos funcionários da administração fiscal que as facturas que emitiu eram falsas mas que o fez com o intuito de se livrar dos mesmos, podendo-se deduzir assim que tais facturas eram verdadeiras mas, face ao depoimento seguinte, tal conclusão não é assim tão linear pois este depoimento de acusação à S..., LDA não corresponde, no mínimo, à realidade total face ao constante da respectiva contabilidade; e bem então assim,
- Que a S..., LDA não emitia facturas pelas compras que ele lhes fez desde 1996, constatando-se que da contabilidade desta empresa consta a emissão para o depoente/cliente nos exercícios de 1999 e 2000 de facturação nos valores globais de 6.466,22€ e 4.191,36 respectivamente, o que contradiz o depoimento.
Como também já se referiu são do nosso conhecimento os depoimentos dos fornecedores da S..., LDA, Srs. C..., Ân… e Ân…, os quais directa ou indirectamente reforçam as dúvidas por nós já possuídas relativamente à credibilidade da contabilidade da S..., LDA.
Por outro lado ainda, no decurso de outro procedimento de inspecção tributária, recolheu-se declaração emitida pela S..., LDA, datada de 2002.02.13 e assinada pela sócia - gerente, Sra. E..., da qual consta que esta sociedade adquire habitualmente resíduos metálicos não ferrosos à sociedade M…A, Lda, com sede em Oiã, verificando -se não constar da contabilidade dos exercícios de 2001 e 2002 da S... quaisquer aquisições a esta última empresa o que mais uma vez coloca em causa a veracidade da informação contabilística e as dúvidas antes referidas, neste caso ainda com maior impacto comprovativo pois trata-se duma declaração da própria S... (v. ANEXOS — página 297).
Em nossa opinião e apesar de se justificar o corte das aquisições simuladas de existências já referidas com o reflexo de igual valor ao nível do custo das mercadorias vendidas, reduzindo-o e consequentemente do resultado líquido do exercício, aumentando-o, entendemos que este resultado assim simplesmente calculado também não reflectirá com fidelidade o lucro real da empresa uma vez que o mesmo resultaria desfasado por excesso. Por outro lado já se referiu também qual é uma das fortes explicações para o recurso a aquisições simuladas o que deve ser tido em conta a favor do sujeito passivo em análise na busca do verdadeiro lucro real.
Face ao exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 52º do CIRC, 87º a 89º da Lei Geral Tributária, recorre-se, justificadamente, à aplicação de métodos indirectos aos exercícios de 2001 e 2002, face ao facto das situações anómalas anteriormente arroladas retirarem credibilidade à contabilidade, impossibilitando a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, e ilidirem a presunção prevista no artº 75º, nº 1, da LGT, por força do seu nº 2, de serem verdadeiras e de boa fé as declarações do sujeito passivo. (…)
CRITÉRIOS E CALCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A METODOS INDIRECTOS: Correcções técnicas aos valores declarados
(…) critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos” em sede de IRC consta do ponto IV.2 do Relatório “IV.2.2. Determinação da matéria tributável
Não sendo possível efectuar uma avaliação directa e exacta do valor real das aquisições subfacturadas que o sujeito passivo pretendeu compensar com as aquisições simuladas em causa, vai-se proceder ao cálculo das mesmas com recurso aos elementos referidos nas alíneas d) e f) do artº 90º da LGT, considerando como bases:
- os rácios da Margem Bruta de Vendas de Mercadorias determinados pela DGCI nos exercícios de 2001 e 2002 com base nos valores declarados pelos sujeitos passivos para o sector e unidade orgânica em que se insere o sujeito passivo e que assumiram os valores respectivos de 17,99 % e 11,37 %;
- o custo de mercadoria presumido a partir daquela margem e correspondente ao aumento directo e de igual montante do resultado líquido do exercício gerado pelo corte das aquisições simuladas que se converteram assim num proveito.
Procedeu-se assim à correcção das matérias colectáveis dos exercícios de 2001 e 2002 nos valores de acréscimo respectivos de 50.254,79 € e 29.287,74 €, após também consideração no caso de 2001 da eliminação do prejuízo fiscal de 2000 indevidamente deduzido, conforme quadro seguinte:(…)”.
8 - Em 16/9/2005 o mandatário judicial da Impugnante requereu ao Diretor de Finanças de Aveiro, invocando o artigo 37º do CPPT, que lhe fosse passada certidão de fls. 111 até ao final do Relatório – fls. 190 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
9 - Em resposta ao requerimento de 16/9/2005, pelo ofício nº 8318622, de 19/9/2005, o Serviço de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro remeteu à Impugnante “os anexos na sua totalidade, de forma a esclarecer todas as dúvidas existentes”, cfr. fls. 191 destes autos e que aqui se dá por reproduzida.
10 – Em 21.01.2005 a impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável nos termos do artº 91º da LGT, cfr. fls. 428 destes autos.
11 – Dá-se aqui por reproduzido o parecer e o termo de resolução para efeitos do nº 6 do artº 92º da LGT e constantes do PA de fls. 614 a 634.
12 - C... era um pequeno fornecedor da agora Impugnante, vendendo-lhe “pequenas coisas” de sucata metálica diversa não enfardada, cfr. prova testemunhal;
13 - O C... usava uma carrinha e tinha um estaleiro num terreno com cerca de 1000 m2 situado numa zona de pinhal perto da casa dos pais dele, em Moselos, entretanto desativado, cfr. prova testemunhal;
14 - Por vezes os veículos que transportavam a sucata para as instalações da Impugnante excediam o limite de carga permitido por lei, cfr. prova testemunhal.
15 – Dão-se aqui por reproduzidas as fotocópias dos cheques juntas com a petição inicial e constantes destes autos de fls. 349 a 376, 395 a 404.
16 - Por vezes eram emitidas faturas por cada transação, que podia não corresponder a uma só carga, mas a várias cargas no mesmo dia, cfr. prova testemunhal.
17 - A presente impugnação foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 16-11-2005, cfr. fls. 2 destes autos.
*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, nos factos alegados e não impugnados e no teor dos documentos identificados e não impugnados e no depoimento das testemunhas que revelaram um conhecimento direto dos factos atenta a proximidade existente com a impugnante.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem com interesse para a presente decisão.”
*
2. O Direito

O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do Código de Processo Civil (CPC), quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.
«Efectivamente, apenas faz sentido conceder provimento à impugnação de qualquer decisão interlocutória se tal interferir na decisão final ou se, em alternativa, for visível um interesse processual autónomo no provimento que não se confunde com um mero interesse subjectivo, de ordem moral ou académica» - cfr. Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2.ª ed., a pág.227.
Pelo exposto, começaremos pela apreciação do recurso interposto da sentença final e, só caso se vislumbre, atenta a decisão proferida, utilidade para a impugnante numa decisão favorável do recurso do despacho interlocutório, se avançará para o respectivo conhecimento.

Entende a Recorrente que os indicadores de falsidade das facturas evidenciados no relatório de inspecção tributária e seus anexos são mais do que suficientes para alicerçar a conclusão de que tais documentos de despesa não titulam operações reais e efectivas entre os emitentes e a impugnante, representando antes operações simuladas.
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, processo n.º 01483/02 e do TCA Norte de 24/01/2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24/01/2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27/01/2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18/03/2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Assim sendo, importa analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia na recolha de factos que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrida, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Tenha-se em conta, como também é pacífico na jurisprudência, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão deste TCAN, de 26/04/12, processo n.º 00964/06.0 BEPRT.
Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA, de 27/10/04, Processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75.º da LGT.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” – cit. por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.
Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão deste TCAN, de 28/02/2013, proferido no processo n.º 00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm, necessariamente, que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.
Com este pano de fundo, vejamos se os factos indiciários que a AT recolheu e integram a fundamentação material do relatório e seus anexos, suportam a conclusão de que as facturas desconsideradas não titulam operações reais e efectivas entre os emitentes e a impugnante, representando antes operações simuladas.
Como já foi decidido em acórdão deste TCAN, de 27/10/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1483/05.8BEVIS, relativo à mesma impugnante, mas concernente a liquidações impugnadas de IVA, também do ano de 2002, estando, portanto, em causa as mesmas facturas e o mesmo relatório inspectivo, não assiste razão à Recorrente:
“(…) Como ponto de ordem, convém assentar que o relatório de inspecção tributária, datado de 09/12/2004 e constante de fls.89 a 99 dos autos, que sustenta as correcções e abrange os anos de 2001 e 2002, refere quatro emitentes de facturas falsas; no entanto, estando em causa nestes autos unicamente a impugnação judicial do IVA Nestes autos, IRC, também relativo ao exercício de 2002. corrigido com relação ao exercício de 2002, importa apenas apreciar a factualidade relatada com referência aos emitentes de facturas deste ano de 2002, sendo eles C...; F... e “Sucatas ..., Unipessoal, Lda.” (RIT, ponto III.1.2, fls.93 a 95v. dos autos e quadro constante do anexo a fls.161, também dos autos).
Isso assente, vejamos então os indícios descritos no RIT e o que se pode extrair dos anexos para que expressamente remete, e se tais indicadores saíram reforçados ou pelo contrário enfraquecidos, com a prova dos autos.
São eles, do lado dos emitentes:

C..., NIF 194668665: trata-se de um incumpridor fiscal; não possui estrutura empresarial e financeira para o comércio de sucata e para os valores facturados; o peso que mencionou nas facturas que emitiu excede a carga máxima das viaturas indicadas como utilizadas no transporte da carga facturada; dos recibos das facturas consta o cheque utilizado no seu pagamento, porém, o emitente declarou em outros processos que levantava os cheques ao balcão e logo entregava os valores aos clientes, recebendo apenas uma percentagem correspondente ao valor do IVA mencionado nas facturas; encontra-se referenciado em outros processos inspectivos como emitente de facturas falsas, nuns casos confessadamente.

F..., NIF 161855407: trata-se de um incumpridor fiscal; cessado com data de 31/12/2001; não possui estrutura empresarial para o desenvolvimento de qualquer actividade e, menos ainda, para os valores facturados; em diligências efectuadas pela AT, não foi possível contactar o emitente; está referenciado em outros processos como emitente de facturas falsas, nuns casos por ele próprio declarado; as facturas não indicam a viatura que transportava a mercadoria facturada, nem dispondo de viatura afecta à sua actividade; dos recibos consta a menção dos cheques utilizados no pagamento das facturas, mas tal «não impede que tenha sido utilizada novamente a mesma estratégia já referida pelo C... [o emitente declarou em outros processos que levantava os cheques ao balcão e logo entregava os valores aos clientes, recebendo apenas uma percentagem correspondente ao valor do IVA mencionado nas facturas]; é um s.p. não colaborante com a AT; «encontra-se envolvido em vários processos de índole fiscal relativos ao exercício em causa e a outros, surgindo acusado de fornecedor não de sucata mas de facturas falsas, encontrando-se eventualmente próximo de sentenças definitivas e penalizantes» (RIT, fls.94v.).

“Sucatas ..., Unipessoal, Lda.”, NIF 5…: trata-se de um emitente incumpridor das obrigações fiscais; esteve colectado desde 07/03/2001 até 03/01/2003; o único sócio da emitente é A..., indiciado em outros processos como emitente de facturas falsas; «tudo o que se referiu sobre o fornecedor A... [é um incumpridor fiscal; sem estrutura empresarial; pouco colaborante com a AT no esclarecimento da sua situação tributária; na sua maioria, o peso que mencionou nas facturas que emitiu excede a carga máxima das viaturas indicadas como utilizadas no transporte da carga facturada; das vendas a dinheiro efectuadas consta em muito poucas a menção dos cheques utilizados, o que não impede que tenha sido utilizada a estratégia já referida pelo C...; está referenciado em acções inspectivas paralelas como se dedicando à actividade de venda de documentos de suporte das vendas – cf. RIT, fls.94v. dos autos] tem inteira aplicabilidade relativamente à Sucatas ..., pois quem, após ter cessado actividade continua a emitir venda a dinheiro com liquidação de IVA que é posteriormente deduzido e/ou anda a vender documentos de suporte a operações simuladas de venda de sucata com o objectivo da dedução do IVA nelas liquidado por ele, demonstra também ter princípios suficientes para o voltar a fazer mas agora através das empresas de que é sócio único como é o caso da Sucatas ... pois a voz das empresas é a dos sócios que as representam além de que se desconhece se os documentos que andou a vender estavam timbrados em seu nome individual e/ou no das empresas unipessoais de que é sócio único» (RIT, fls.95v. dos autos).

Do lado do utilizador, não vislumbramos no RIT qualquer facto descrito que aponte para a falsidade das facturas que contabilizou dos emitentes em causa, não se vislumbrando, por outro lado, qualquer ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspecção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos, não prestados, sobre a natureza dessas operações (cf. fls. 103, 205/206, 206v., 207, 229, 231 e 232).
Ora, como já tem salientado a jurisprudência deste TCAN em diversos arestos, a falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e as concretas operações comerciais estabelecidas com o utilizador em questão, no caso, a impugnante. Vd. Acs. de 30/04/2015, tirado no proc.º 00599/10.3BEPNF e de 12/06/2014, tirado no proc.º00345/06.6BEVIS.

No caso dos autos e como dissemos, não resulta minimamente evidenciada a recolha de qualquer dado objectivo ou indício seguro, credível e consistente com a demais factualidade de banda dos emitentes, de que os fornecimentos constantes das facturas ou documentos por eles emitidos e contabilizados pela impugnante S... não correspondiam a operações reais e efectivas.
Nem venha a Recorrente dizer que tivesse a sentença recorrida valorado a prova constante dos anexos ao RIT, a outra conclusão necessariamente chegaria quanto à suficiência dos factos recolhidos pela AT como indicadores seguros de falsidade das facturas emitidas à impugnante.
Na verdade, tais indícios até saem enfraquecidos, como salienta a Recorrida nas contra-alegações de recurso.

Com efeito, as declarações do emitente C... que constam dos anexos que o relatório expressamente refere (fls. 264 e ss. do RIT e fls. 335 e ss. dos autos), prestadas em momentos diversos e no âmbito do procedimento em causa nos autos e de um outro procedimento inspectivo (ao utilizador Manuel…– cf. depoimento da Sra. Inspectora Anabela…), resultam pouco claras e até contraditórias entre si. Em declarações prestadas em 10/05/2004, refere que «a partir de 2001, não passou nenhuma factura de favor, porque deixou de frequentar os locais onde encontrava o colega sucateiro, visto ter iniciado um processo de desintoxicação» (auto de declarações, a fls.336 dos autos). Em declarações prestadas em 23/09/2004, refere: «2.º) Nos anos de 2000, 2001 e 2002, não facturava mais do que 200 euros por semana e mesma factura só; 3.º) A restante facturação que emiti nos anos de 2000, 2001 e 2002 não correspondem a operações verdadeiras; 4.º) A sucata que vendi nos anos de 2000, 2001 e 2002 não correspondem a operações verdadeiras. A sucata que vendi nos anos de 2000, 2001 e 2002 que corresponderam a operações verdadeiras que já declarei no ponto 2.º destas declarações foram pequenas quantidades de produtos metálicos de pequeno valor, por exemplo ferro, acontecendo na maioria das vezes que quando as facturava era-me sugerido facturas por preço de venda superior e quantidades de venda bastante superiores recebendo eu em troca uma percentagem de 6% do valor do IVA liquidado nas facturas» (auto de declarações fls.336v. dos autos). Em 28/09/2004, declara: «Os fornecimentos que fiz de ferro à R…, Lda. e à P…, Lda., correspondem às únicas operações totalmente verdadeiras por mim realizadas como vendedor nos exercícios de 2000, 2001 e 2002» (auto de declarações, a fls.337v. dos autos).

Como se vê, se o emitente começa por declarar que a partir de 2001 não passou mais facturas de favor, admite depois que afinal sempre as passou também em 2001 e 2002, com excepção daquelas de valor não superior a 200 euros, que corresponderiam a operações verdadeiras; em subsequentes declarações, vem dizer que as únicas facturas emitidas nos anos de 2000, 2001 e 2002, correspondentes a operações reais, o foram a outros utilizadores – R…, Lda. e à P…, Lda. - , que não a impugnante.
É que com referência ao ano em causa de 2002, as duas únicas facturas deste emitente contabilizadas pela impugnante apresentam os valores (c/ IVA) de 123,89 euros e 47,60 euros (cf. quadro anexo ao RIT, a fls. 161v. dos autos), não resultando esclarecido se afinal essas facturas se incluem nas operações verdadeiras que o emitente declara ter facturado (não superiores a 200 euros por semana e numa única factura), se todas as que passou por aquele valor, ou inferior, o foram e só à R…, Lda. e à P…, Lda. ou se a estas duas empresas passou outras de valor superior a 200 euros e ainda assim correspondendo a operações reais. E do depoimento nos autos dos Senhores inspectores que tomaram as declarações do emitente, Anabela… e P…, nada resultou de esclarecedor a propósito, limitando-se, no essencial, a dizer que passaram a escrito o que o declarante lhes disse.
Ou seja, das declarações do emitente C... nos procedimentos inspectivos não resultam indícios objectivos de falsidade das operações por ele facturadas a este utilizador, como parece ser entendimento da Recorrente, antes suscitando dúvidas o sentido exacto das suas declarações quanto à falsidade das operações facturadas, face aos concretos montantes facturados à impugnante no ano em causa de 2002 e que é o único que importa ter em conta.

No caso dos dois restantes emitentes, F... e “Sucatas ..., Unipessoal, Lda.”, não há qualquer elemento objectivo que relacione a actividade ilícita dos emitentes com as operações facturadas à impugnante, antes evidenciando os autos que a AT terá assumido as suas conclusões unicamente com base em elementos externos recolhidos em outros procedimentos inspectivos e reportados a operações dos emitentes com outros utilizadores.
No que concerne à inexistência de instalações para os fornecimentos facturados, no que em particular respeita ao emitente C..., refere a Sra. Inspectora Anabela… no seu depoimento, que em diligências no âmbito de outro procedimento inspectivo constatou “um estaleiro onde tinha pedaços de ferro, que tinha clientes em ferro, que teria uma actividade residual com a qual ganharia dinheiro”, corroborando os pontos 10 e 11 do probatório e comprometendo assim a validade indiciária da falta de estrutura empresarial para os valores facturados à impugnante, de 170,99€, no ano em causa de 2002.

No que respeita ao emitente F..., a inexistência de instalações reporta-a o Sr. Inspector P…, autor do relatório, ao ano de 2004, mais adiantando no seu depoimento que nada diligenciou, no âmbito desta inspecção, visando apurar se o emitente tinha viaturas compatíveis com o transporte das mercadorias facturadas e trabalhadores ao seu serviço, tendo feito fé em elementos de outros processos e, no caso da Sucatas ..., refere “temos de ligar ao A… …”, o único sócio desta empresa e já referenciado ele próprio como emitente de facturas falsas em outros processos, como se descreve no RIT, no fundo, concluindo a AT pela falsidade das facturas unicamente por falta de credibilidade do seu único sócio para praticar, agora sob forma societária, operações lícitas.

No que respeita ao excesso de carga transportada, consta do pontos 12 e 13 do probatório, que «Por vezes os veículos que transportavam a sucata para as instalações da Impugnante excediam o limite de carga permitido por lei» e «Por vezes eram emitidas faturas por cada transação, que podia não corresponder a uma só carga, mas a várias cargas no mesmo dia», factos estes não impugnados eficazmente pela Recorrente (isto é, com observância do ónus imposto no n.º1 do art.º640.º do CPC) e que retiram credibilidade ao indício apontado, cumprindo lembrar, uma vez mais, que do que se trata é de apurar da materialidade das operações facturadas, não da regularidade fiscal da operação, para que a AT dispõe de outros instrumentos de correcção.
Quanto ao circuito dos pagamentos do utilizador não ressuma dos elementos dos autos que tenha havido qualquer averiguação de base contabilística ou extra contabilística aí dirigida, pelo contrário, evidenciando os autos que se extrapolou o movimento de retorno do valor dos cheques à posse da impugnante (também para os casos dos emitentes F... e Sucatas ...), unicamente com base em declarações do emitente C... de que os levantava ao balcão dos bancos e o entregava de imediato aos clientes, deduzido do que lhe competia em comissões, sem nunca apontar o caso concreto da impugnante.

Assim, reapreciada toda a prova dos autos, acompanhamos a sentença recorrida na conclusão a que chegou de que os elementos factuais recolhidos pela AT não representam indícios sérios, seguros e consistentes de que as concretas operações facturadas à impugnante, no ano em causa de 2002, pelos emitentes C..., F... e “Sucatas ..., Unipessoal, Lda.” não titulam operações reais e efectivas.
Ou seja, perante os elementos factuais que se colhem dos autos, os indícios de facturação falsa recolhidos pela AT não apresentam a consistência e solidez necessárias para abalar a presunção de veracidade de que gozam os dados declarativos e de contabilidade da impugnante (art.º75.º, n.º1 da LGT), nessa medida, não recaindo sobre ela o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, (…), referenciadas ao ano em causa de 2002 (art.º74.º, n.º1 da LGT). (…)”

Nesta conformidade, a Administração Tributária, que invoca apenas a falta de credibilidade dos emitentes de determinadas facturas, não demonstra que os custos correspondentes não foram efectivamente suportados pelo sujeito passivo. Na verdade, na situação em análise inexiste qualquer base factual que demonstre que foi estabelecida relação entre os indicadores seleccionados e as operações comerciais em causa.
Podemos dizer que ainda durante a acção inspectiva a Administração Tributária procurou esclarecer estes elementos e solicitou informação circunstanciada que só foi fornecida, parcialmente, cerca de três meses mais tarde (cfr. ponto 7 da decisão da matéria de facto: II.3.1 do relatório inspectivo parcialmente transcrito). Até podemos acrescentar que a Impugnante forneceu dados vagos, como por exemplo quanto ao pedido de informação acerca do concreto local dos estabelecimentos daqueles fornecedores, limitando-se a remeter para os dados constantes das facturas, sendo certo que esses dados já eram do conhecimento dos Inspectores; e insuficientes, para demonstrar a existência de meios de pagamento das operações sob suspeita. Contudo, como referimos supra, não existe notícia nos autos de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos, não prestados, sobre a natureza dessas operações. Logo, em rigor, não podemos aventar qualquer violação do dever de cooperação e de colaboração da Impugnante com a Administração Tributária.
Assim, considerando os elementos factuais que se colhem dos autos, os indícios de facturação falsa recolhidos pela Administração Tributária não apresentam a consistência e solidez necessárias para abalar a presunção de veracidade de que gozam os dados declarativos e de contabilidade da Impugnante.
A sentença recorrida, que no mesmo sentido decidiu, não incorreu no apontado erro de julgamento, negando-se provimento ao recurso.

Em vista do decidido quanto ao recurso interposto da sentença, não se vislumbra qualquer interesse processual objectivo para a Recorrente na apreciação do recurso interposto do despacho interlocutório, porquanto, não tendo a Administração Tributária demonstrado que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas descritas não correspondem à realidade, a discussão sobre a matéria termina imediatamente, não havendo que entrar na apreciação da prova da veracidade das transacções em causa enquanto ónus da impugnante, para o que, prevendo diferente leitura da materialidade dos autos, foram arroladas pela impugnante testemunhas, tendo o tribunal recorrido julgado E... inábil para depor. Logo, mesmo que se admitisse o depoimento desta testemunha, a causa não conheceria outro desfecho com base no mesmo.
Pelas apontadas razões de falta de interesse processual, este tribunal decide não tomar conhecimento do recurso interposto do despacho interlocutório.

Conclusões/Sumário

I - Quando a AT desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo-lhe fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios seguros e consistentes de que as operações constantes de determinadas facturas não reflectem operações económicas reais, só então passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade das operações tituladas por tais facturas.
II - A falta de credibilidade revelada pela entidade fornecedora do sujeito passivo, em anteriores inspecções tributárias, com referência a outras operações comerciais, não constitui indício fundado de que também as operações comerciais em causa não existiram, se a Administração Tributária não demonstrar a relação entre os indicadores respectivos e essas operações comerciais.
III – Pelo que a Administração Tributária, que invoca apenas a falta de credibilidade do emitente de determinadas facturas, não demonstra que os custos correspondentes não foram efectivamente suportados pelo sujeito passivo.
IV - Apenas se conhecerá de recurso interposto de despacho interlocutório, se se vislumbrar, atento o decidido quanto ao recurso interposto da sentença final, interesse processual para o recorrente numa decisão favorável naquele – cfr. artigo 660.º do CPC.


IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e não tomar conhecimento do recurso do despacho interlocutório.
Custas a cargo da Fazenda Pública, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 10 de Novembro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves