Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00554/17.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA, MUNICÍPIO, PRINCÍPIO DA DISCRICIONARIEDADE, PDM
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
IC..., NIF (…), residente na Rua (…), AS..., NIF (…), residente na Rua (…) e JA..., residente na Rua (…), propuseram ação administrativa contra o Município (...), NIPC (…), com sede na Praça (…), indicando como Contrainteressado o Centro Cultural e Social de (...), NIPC (…), com sede na Praça (…), formulando os seguintes pedidos:

Termos em que, e nos demais do Direito que certamente suprirá requer que seja julgada provada e procedente a presente acção principal e, consequentemente:
a) Deve ser condenado o Réu à prática do acto devido de declaração de caducidade e de reversão do direito de superfície constituído pela escritura de constituição de direito de superfície de 25-11-2009 entre o Município (...) e o Centro Cultural e Social de (...), sobre a parcela de terreno do prédio rústico descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o n.º 1963 e com o artigo matricial da Autoridade Tributária à data de P 2975 e sobre a parcela de terreno do prédio rústico descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o n.º (...) e com o artigo matricial da Autoridade Tributária à data de P 2976;

b) E, ordenado o cancelamento de todos os actos posteriores inclusive das descrições e inscrições prediais relativas ao direito de superfície;

E, cumulativamente, sem prejuízo:
c) Ser julgado nulo o Alvará de Obras de Construção n.º 345 emitido em 16-06-2016 pelo Município (...) a favor do Centro Cultural e Social de (...), para a construção de um armazém, com o conhecimento da sua execução e produção de efeitos desde 16-12-2016, com as demais consequências legais advindas da sua nulidade, bem como para todos os actos posteriores;
d) E julgado nulo qualquer acto praticado pelo Réu, quanto ao direito de superfície que está

sujeito à caducidade e reversão, por força das normas contratuais e legais aplicáveis;

e) Condenado o Réu a praticar todos actos e diligências necessários à demolição do edifício

licenciado pelo acto impugnado e os demais actos posteriores à reposição da legalidade;

E, subsidiariamente,

f) E julgada procedente a inconstitucionalidade suscitada nos termos e para os efeitos do artigo 280.º da CRP.
…. No sentido e a bem da sempre almejada justiça!.

Antes de se proceder à citação, os Autores apresentaram requerimento a alterar o pedido.

Foi cumprido o artigo 85.º, n.º 1 do CPTA.

Regularmente citada para o efeito, a Entidade Demandada apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, contraditando os factos alegados pelos Autores, pugnando pela improcedência da ação.

Devidamente citado, o Contrainteressado não apresentou contestação.

Por requerimento de pp. 92 e ss. do SITAF, com os esclarecimentos prestados em 19.10.2020 (p. 357 do SITAF), vieram os Autores desistir do pedido formulado no requerimento de p. 62 do SITAF.

Junto o processo administrativo, foi notificada a sua junção a todos os intervenientes no processo, nos termos e para os efeitos dos artigos 84.º, n.º 7 e 85.º, n.º 4, do CPTA.

Por despacho proferido em 06.04.2018, foi suscitada a exceção de inimpugnabilidade do ato no tocante ao alvará de Construção n.º 345 emitido em 16.06.2016 pelo Município (...).
Notificadas as partes para se pronunciarem apenas vieram os Autores pugnar pela improcedência da suscitada exceção.

Por despacho de p. 370 do SITAF, foi homologada a desistência do pedido formulado no requerimento de p. 62 do SITAF, determinando-se a absolvição parcial da Entidade Demandada do pedido.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi decidido assim:

a) julgo verificada a exceção dilatória de inimpugnabilidade do Alvará de construção n.º 345 e, em consequência absolvo a Entidade Demandada da instância quanto ao pedido da alínea c);
b) julgo improcedente a presente ação e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada dos restantes pedidos.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões:
A.Requer a junção de lista de terrenos de domínio público da Ré Entidade Demandada onde se incluem os terrenos em causa nos presentes autos, cuja junção ora se requer ao abrigo do art.º 651.º, n.º 1, última parte, do CPC e art.º 1.º do CPTA (cfr. Documento n.º 1 ora junto e dado por reproduzido). 3


3 1. Documento esse disponível em
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&cad=rja&uact=8&ve d=2ahUKEwiGiOm8y7jwAhX9hP0HHaUtA_8QFjAAegQIBRAD&url=https%3A%2F%2Fwww. cm-braga.pt%2Fpt%2F0502%2Fmunicipio%2Fcamara-municipal%2Finstrumentos-degestao%2Fitem%2Fitem-1-6039%2Fdownload&usg=AOvVaw0qpx_EFbr6ghPxN8kNHLfu
B. Pois a questão central da Sentença prende-se com o pressuposto (que como procuraremos demonstrar está errado) que nos autos foi demonstrada a qualificação das parcelas de terreno como domínio privado municipal da Ré Entidade Demandada.

C. É que o enquadramento jurídico varia consoante seja considerado uma parcela de terreno de domínio público ou de domínio privado da Ré Entidade Demandada.

Nulidade:

D. Da Sentença resultaram como factos provados de 1 a 14, tendo concluído na pág. 18 que: “(…) desde logo porque as parcelas de terrenos a que se reportam os autos não integram o domínio público autárquico, mas ao invés, fazem parte integrante do seu domínio privado (cfr. ponto 4 do probatório). (…)”

E. Em lado nenhum do Documento n.º 1 da petição inicial, ou seja, do contrato de direito de superfície, é feita prova que a qualificação das referidas parcelas de terreno pertence por afectação devida ao domínio privado da Ré Entidade Demandada.

F. Consequentemente, não resulta do facto provado em 4 que o direito de superfície constituído pela Ré Entidade Demandada a favor do Contra-interessado abarca as parcelas de terreno em domínio privado da Ré Entidade Demandada.

G. Bem ao invés, do facto provado em 2 da Sentença em conjugação com o Documento

n.º 10 da petição inicial resulta precisamente o inverso.

H. Acresce que, além do documento n.º 10 referir que os referidos terrenos municipais teriam a finalidade destinada a equipamentos no âmbito da Urbanização de (...), (…), dos documentos nºs 7, 8 e 9 da petição inicial também resulta que os referidos terrenos teriam a finalidade de “Equipamento”.

I. Conforme se retira da mera leitura da decisão recorrida, os fundamentos estão em oposição com a decisão, o que constitui a nulidade da decisão nos termos do art.º
615.º, n.º 1, al. c), do CPC em conjugação com o art.º 1.º, 94.º e 95.º do CPTA.


Erro de julgamento:

J. Da Sentença, a pág. 18 a 22, é referido e concluído sem mais que as parcelas de terrenos a que se reportam os autos não integram o domínio público autárquico, mas ao invés, fazem parte integrante do seu domínio privado (cfr. ponto 4 do probatório).

K. Em lado nenhum do Documento n.º 1 da petição inicial, referido no ponto 4 do probatório, ou seja, do contrato de direito de superfície, é feita prova que a qualificação das referidas parcelas de terreno pertence por afectação devida ao domínio privado da Ré Entidade Demandada.

L. Consequentemente, não resulta do facto provado em 4 que o direito de superfície constituído pela Ré Entidade Demandada a favor do Contra-interessado abarca as parcelas de terreno em domínio privado da Ré Entidade Demandada.

M. Bem ao invés, do facto provado em 2 da Sentença em conjugação com o Documento

n.º 10 da petição inicial resulta precisamente o inverso.

N. A Sentença entendeu qualificar os terrenos como de domínio privado, pelo que se torna necessária a junção de documento que demonstre o inverso quanto aos referidos terrenos:
“ TERRENO L.CRUZEIRO EXPROPRIACAO”; “ TERRENO L.PICOTO”.

O. Pelo que se requer a junção de lista de terrenos de domínio público da Ré Entidade Demandada onde se incluem os terrenos em causa nos presentes autos, cuja junção ora se requer ao abrigo do art.º 651.º, n.º 1, última parte, do CPC e art.º 1.º do CPTA (cfr. Documento n.º 1 ora junto e dado por reproduzido).

P. Nesse sentido o documento n.º 22 da petição inicial junto aos autos no requerimento de 05-05-2017, dos quais consta o terreno com a descrição predial n.º 1963/20080512 sito em Lugar de (...) e o terreno com a descrição predial n.º (...)/20090925 sito em Lugar de (...).

Q. Pelo que, para os devidos efeitos, resulta expressamente do documento ora junto que os referidos terrenos são do domínio público da Ré Entidade Demandada, conforme de resto está de acordo com a finalidade de interesse público “Equipamentos” que consta do Plano Director Municipal de (...) e dos documentos nºs 7 a 10 da petição inicial.

R. Acresce que das cadernetas matriciais e das descrições prediais das referidas parcelas de terreno apenas foram participadas à Autoridade Tributária em 15-092009 (cfr. Documentos n.º 22 da petição inicial).

S. Sendo que nos termos das descrições prediais estamos perante parcelas de terrenos que terão sido adquiridos por expropriação conforme a apresentação n.º 7 de 198511-22 e apresentação n.º 48 de 1986-03-21, respectivamente omissas até 25-09-2009 e
30-11-2009.

T. Ou seja, estamos perante duas parcelas de terreno expropriadas por lei anterior aos art.ºs 1.º, 2.º e 3.º do Código das Expropriações, por determinada finalidade de interesse público.

U. E no caso de loteamentos, até se encontra prevista expressamente no art.º 44.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro.

V. O que vale por dizer que as parcelas de terreno cedidas a uma autarquia local no âmbito de uma operação de loteamento integram-se no domínio público municipal.

W. O domínio público municipal caracteriza-se pela sujeição a um regime jurídico especial, que a cujos bens públicos impõe a realização de fins de interesse público ou de utilidade pública.

X. Nesse sentido, o art.º 14.º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público aprovado pelo Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto e o art.º 84.º da Constituição da República Portuguesa.

Y. O direito de superfície como definido nos art.ºs 1524.º e seguintes do Código Civil apenas se pode aplicar ao domínio privado da Ré Entidade Demandada e já não se pode aplicar ao domínio público da Ré Entidade Demandada (cfr. art.º 84.º da Constituição da República Portuguesa).

Z. De acordo com o art.º 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e art.º 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, competindo ao Tribunal Administrativo apreciar o mérito quanto ao litígio de qualificação de bens como pertencentes ao domínio público e os actos de delimitação e afectação destes.

AA. Sendo que no caso concreto dos autos ocorreu erro de julgamento na decisão recorrida quanto à qualificação do domínio das parcelas de terreno.

BB. Inclusive até quanto ao art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de Outubro referido na decisão recorrida, os terrenos expropriados para determinada finalidade de interesse público, não se enquadram em bens de direito privado disponível.

CC. O Tribunal a quo não relevou que os terrenos para a implantação destes equipamentos terão sido cedidos ao domínio público no âmbito das cedências devidas por operações de loteamento ou expropriações e essas parcelas serão do domínio público.

DD. Assim, mal andou o Tribunal a quo, devendo a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue as parcelas de terreno como sendo de domínio público da Ré Entidade Demandada e, consequentemente, possa ser aplicada a correcta fundamentação fáctico-jurídica.

Nestes e nos melhores de Direito, que suprirão, tendo em conta a apontada violação das normas referidas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, quer pela nulidade, quer pelo erro de julgamento e, consequentemente, ser revogada a Douta Sentença e substituída por outra que julgue as parcelas de terreno como sendo de domínio público da Ré Entidade Demandada e, consequentemente, possa ser aplicada a correcta fundamentação fácticojurídica.

Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

A este responderam os Autores nos termos que aqui se dão por reproduzidos.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. A Entidade Demandada elaborou um ofício, datado de 21.04.2005, com o assunto: “Aquisição de terrenos camarários”, dirigido aos moradores da Rua (...), no qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…), informo que está previsto que os terrenos em causa sejam para a Clínica de Santa Tecla ou para a Associação para o Desenvolvimento Pessoal e Social que pretende aí instalar um berçário.
Caso estes terrenos não sejam para as entidades acima mencionadas, a C.M.. comunicará aos moradores qual o destino a dar-lhes.
(…).”.

Cfr. doc. 9 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 11.10.2006, o Departamento de Planeamento e Ordenamento da Entidade Demandada, elaborou uma informação, na qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…).

DESIGNAÇÃO DA OBRA: TERRENO DE EQUIPAMENTO MUNICIPAL

(…)

LOCALIZAÇÃO: PICOTO-NOGUEIRA

Trata-se de um terreno municipal situado (…) do Picoto, destino à implantação de equipamentos no âmbito da Urbanização da Agrinha-Nogueira. (…).”.
Cfr. doc. 10 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 25.11.2009, entre a Entidade Demandada e o Contrainteressado, foi elaborado um documento designado “CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE”, sobre a parcela de terreno do prédio rústico, descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o n.º 1963 e com o artigo matricial P 2975 e sobre a parcela de terreno do prédio rústico, descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o n.º (...) e com o artigo matricial P 2976.
Cfr. doc. 1 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. No documento referido em 3., consta, entre o mais, o seguinte:

“(…).

Pelo primeiro outorgante, na qualidade em que outorga, foi dito:

Que o Município (...) é proprietário de um terreno para construção, (…) terreno esse constituído pela anexação de duas parcelas de terreno, (…), que faz parte do prédio rústico descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o número mil novecentos e sessenta e três, registado a favor do Município (...) pela inscrição AP.7 de 1985/11/22, parcela essa inscrita na respectiva matriz sob o artigo matricial P 2975, e outra, (…), que faz parte do prédio rústico descrito na mesma Conservatória sob o número dois mil e sessenta e três, registado a favor deste Município pela inscrição AP. 48 de 1986/03/21, parcela essa inscrita na respectiva matriz sob o artigo matricial P 2976 (…).
(…).

“- Que, em cumprimento da deliberação da Câmara Municipal (...), de vinte e oito de Maio último, pela presente escritura, (…), constitui a favor do Centro Cultural e Social de (...) o direito de superfície sobre o terreno acima identificado, nos termos das cláusulas seguintes:

O direito de superfície ora constituído tem por objecto a construção de um PAVILHÃO DESPORTIVO.

Este direito de superfície é constituído pelo prazo de cinquenta anos, renovável por iguais períodos, com início na data desta escritura, e a título gratuito. 3ª
As obras de construção do referido Pavilhão deverão ter início no prazo de seis meses, a contar da data desta escritura, dentro do qual o superficiário deverá apresentar o projecto de construção, devendo conclui-las no prazo de dois anos, após a emissão da respectiva licença. 4ª
A aplicação ou afectação do prédio a fim diverso do fixado neste acto de constituição depende de autorização prévia da Câmara Municipal (...), sob pena de reversão para a titularidade do Município.
(…).

a) O incumprimento das cláusulas da presente escritura, por motivos imputáveis à superficiária, implica a extinção do direito de superfície, não dando lugar a qualquer indemnização, revertendo todas as construções e benfeitorias realizadas a favor do Município (...);
b) Este incumprimento implica a reversão automática da superfície para a titularidade do município fundeiro por simples deliberação tomada pela Câmara Municipal nesse sentido.
(…).

12ª

Em tudo o que for omisso no presente título, as partes diligenciarão pela melhor solução aplicável, tendo sempre presente as regras gerais de Direito e as normas relativas à constituição do direito de superfície.
(…).”.

– Cfr. doc. 1 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. A Entidade Demandada elaborou um ofício, datado de 26.02.2016, dirigido ao Contrainteressado, com o assunto: “Direito de superfície constituído a favor do Centro Cultural e Social de (…)”, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
“Não tendo, até à data, sido erigido o pavilhão desportivo na parcela de terreno objecto do direito de superfície constituído a favor dessa instituição e atento o disposto na cláusula 9ª da respectiva escritura de constituição do direito de superfície, fica por este meio notificado para se pronunciar, nos termos do estatuído no art. 121º do CPA, sobre o conteúdo do ato que vai ser praticado e que vai no sentido de declarar extinto o direito de superfície (…).
(…).”.

– Cfr. ofício constante de fls. 32 do processo administrativo apenso, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. Em 18.03.2016, o Contrainteressado apresentou nos serviços da Entidade Demandada, um requerimento, no qual consta, além do mais, o seguinte:
“(…).

Acontece que a emergência da crise social desencadeada pela crise económica, financeira e social que atingiu Portugal e a Europa desde 2009, levou a que o CCSSA adiasse o início da construção do pavilhão desportiva, pois este implicava um investimento global de um milhão de euros, e se focasse no desenvolvimento de novas respostas sociais ou ampliação dos existentes que pudessem diminuir ou aliviar o impacto da crise na vida das famílias.
(…).

Em 2014, recebeu mais de 100 000 Kg de alimentos que foram entregue a 22 instituições dos concelhos de (…) e em 2015 foi responsável pelo contacto, preparação e distribuição de 351 cabazes alimentares destinados a famílias residentes nas freguesias (…).
Ora, a construção do referido Pavilhão Social possibilitaria, assim, receber e distribuir os bens alimentares de forma mais eficiente, rápido e sem necessidade de recurso a outras entidades, na cedência de espaços, condicionando-os, naturalmente, na sua acção social.
Por outro lado, a construção do Pavilhão Social será implantado na parcela de terreno em questão, na zona mais perto do acesso, mantendo livre o restante terreno, para futuras ampliações ou construções de novos equipamentos e, nomeadamente, o Pavilhão Desportivo, sendo certo que o Pavilhão Social, atento as suas características, poderá tornar-se, sempre, em equipamento complementar e de apoio daquele.
(…).

Neste sentido, requer a V.Excia se digne:

i) Autorizar, nos termos da cláusula 4ª da mencionada escritura pública, a construção do Pavilhão Social na parcela em apreço, dado qua a mesma não inviabilizará a construção do Pavilhão Desportivo;
ii) Promover a ampliação do objecto direito de superfície, consignado na cláusula 1ª da referida escritura pública, para permitir a construção de equipamentos desportivos e sociais e, simultaneamente, proceder-se à recalendarização das acções estabelecidas na cláusula 3ª do mesmo documento.
(…).”.

– Cfr. requerimento constante de fls. 33/36 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. Em 08.04.2016, os Autores IC... e AS... remeteram um requerimento à Entidade Demandada, no qual peticionaram o seguinte:
“(…).

Face ao supra exposto, Requer-se a V.Ex.ª:
a) o escrupuloso cumprimento da escritura pública datada de 25.11.2009, de fls. 25 a 28, (…), nomeadamente o exarado na cláusula 9.ª da mesma, fazendo reverter automaticamente a superfície para a titularidade do Município, mediante simples deliberação da CMB nesse sentido; e, ainda,
Subsidiariamente,

b) a celebração de protocolo entre o Município (...) e os residentes nas Rua Garcia de Orta, da freguesia de Nogueira, da cidade de Braga, para a realização no terreno para construção objecto da presente reclamação de área de equipamentos e espaço verde para fruição e gozo daqueles.
(…).”.

– Cfr. doc. 4 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


8. A Entidade Demandada elaborou um ofício, datado de 13.05.2016, dirigido aos Autores referidos no ponto anterior, no qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) informo V.Ex.ª que este Município encontra-se neste momento a proceder à realização das diligências que se mostrem adequadas à resolução da situação.
Acrescento que procederemos à notificação de V.Ex.ª logo que haja uma decisão final sobre o assunto.
(…).”.

– Cfr. doc. 5 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


9. Em 06.06.2016, a Entidade Demandada elaborou uma proposta, com o assunto: “Direito de superfície constituído sobre parte dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1963 e (...)/Nogueira, a favor do Centro Cultural e Social de st. Adrião. Alteração das cláusulas”, na qual consta, além do mais, o seguinte:
“Tendo em conta o teor da informação anteriormente prestada por estes serviços em 19.4.2016, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, que recebeu o despacho de concordância do Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal em 20.4.2016 e do Sr. Presidente da Câmara Municipal em 27.4.2016, e na sequência do ofício remetido por esta edilidade ao Centro Cultural e Social de st. Adrião (CCSSA) no sentido de aqui apresentarem “(…) a recalendarização das ações constantes da cláusula 3ª da escritura celebrada em 25.11.2009, relativa à constituição do direito de superfície sobre a parcela de terreno (…), veio a CCSSA dizer:
“(…) 1. As obras de construção do pavilhão, complementar do Pavilhão desportivo, com a área de 360 m2, cujo licenciamento já se encontra deferido no âmbito do processo nº683/URB/PROC/15, deverão ser concluídas no prazo de dois anos, após a emissão da respectiva licença, cujo levantamento foi, entretanto, requerida.
2. As obras de construção do pavilhão desportivo (edifício principal), bem coo o respectivo licenciamento, deverão ser concluídas nos cinco anos seguintes, após a conclusão das obras de construção do pavilhão referido no ponto antecedente”.
Assim, (…), sugere-se que sejam submetidas à apreciação do Executivo Municipal as alterações propostas pelo CCSSA ao teor das cláusulas 1ª e 3ª relativas ao direito de superfície constituído a favor do CCSSA sobre parte dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1963 e (...)/Nogueira, nos seguintes termos:
Cláusula 1ª
O direito de superfície ora constituído tem por objeto a construção de um pavilhão desportivo e de um pavilhão social.
Cláusula 3ª

As obras de construção do pavilhão social deverão ser concluídas no prazo de dois anos, após a emissão da respetiva licença, devendo as obras de construção do pavilhão desportivo ser concluídas nos cinco anos seguintes, após a conclusão das obras de construção do pavilhão social.
(…).”.

– Cfr. proposta de fls. 53/54 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


10. Em 13.06.2016, a Entidade Demandada elaborou um documento designado “ALVARÁ DE OBRAS DE CONSTRUÇÃO N.º 345”, a favor do Contrainteressado.
– Cfr. doc. 2 junto com a p.i., concretamente fls. 20V.º do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. No documento referido em 10., consta, além do mais, o seguinte:

“(…).

As obras aprovadas por despacho de 9.12.2015 respeitam o disposto no PDM, (…), e apresentam as características: (…), Armazém (…).
(…).

Prazo para a conclusão das obras 13/06/2016 a 13/12/2016.

(…).”.

– Cfr. doc. 2 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. Em 23.06.2016, a proposta referida no ponto 9, foi aprovada pelo órgão executivo da Entidade Demandada.
– Cfr. fls. 55/56 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Em 07.04.2017, entre a Entidade Demandada e o Contrainteressado, foi elaborado um documento designado “ALTERAÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE DIREITO DE
SUPERFÍCIE”, sobre as parcelas de terreno dos prédios rústicos identificados em 3, no qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)
E PELOS OUTORGANTES FOI DITO:
Que pela presente escritura e nas qualidades em que outorgam alteram as condições do direito de superfície constituído entre as duas entidades, por escritura de vinte e cinco de Novembro de dois mil e nove, exarada a folhas vinte e cinco e seguintes do livro cento e quinze-A do Notário Privativo da Câmara Municipal (...).
Que as clausulas alteradas são as seguintes:

CLAUSULA PRIMEIRA

O direito de superfície tem por objecto a construção de um pavilhão desportivo e de um pavilhão social.
CLAUSULA TERCEIRA

As obras de construção do pavilhão social deverão ser concluídas no prazo de dois anos, após a emissão da respectiva licença, devendo as obras de construção do pavilhão desportivo ser concluídas nos cinco anos seguintes, após a conclusão das obras de construção do pavilhão social. (…).”.
– Cfr. doc. 1 junto com a contestação, concretamente fls. 56 e ss. do processo físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Os prédios urbanos habitacionais dos Requerentes são confinantes com as parcelas de terreno referidas no ponto 3.
– Facto não controvertido.

O Tribunal consignou:

IV.2. Factos não provados

Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.

E continuou:

IV.3. Motivação

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da apreciação crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, assim como dos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nas respetivas alíneas do probatório.

DE DIREITO
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:
Sustentam os Autores que, através de escritura, datada de 25.11.2009, a Entidade Demandada constituiu, a favor do Contrainteressado, o direito de superfície sobre a parcela de terreno do prédio rústico, descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o n.º 1963 e com o artigo matricial à data de P 2975 e sobre a parcela de terreno do prédio rústico descrito na Conservatória de Registo Predial (...) sob o n.º (...) e com o artigo matricial à data de P 2976.
Defendem que as cláusulas da referida escritura não foram respeitadas pelo Contrainteressado, uma vez que, o direito de superfície constituído apenas tinha por objeto a construção de um pavilhão desportivo.
Noutro passo, alegam que as obras de construção do referido pavilhão deveriam ter sido iniciadas no prazo de seis meses, a contar da data da escritura, dentro do qual o superficiário deveria ter apresentado o projeto de construção, devendo concluí-las no prazo de dois anos, após a emissão da respetiva licença, o que não aconteceu.
Por seu turno, a Entidade Demandada advoga que, pese embora, o direito de superfície inicialmente constituído a favor do Contrainteressado tivesse como fito a construção de um pavilhão desportivo, por deliberação do seu órgão executivo, datada de 23.06.2016 e concretizada através de escritura, datada de 07.04.2017, foi alterado o fim do direito de superfície, passando a abranger, igualmente, a construção de um pavilhão social.
Sustenta que tal deliberação teve como pressuposto a discricionariedade administrativa de que goza a Entidade Demandada, no que se refere à livre disposição do património imobiliário municipal e, bem assim, o reconhecimento do interesse público nas obras a realizar.
Apreciemos.

O direito de superfície surge definido no artigo 1524.º do Código Civil como «a faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações», dizendo-se fundeiro o dono do solo e superficiário o titular da construção implantada ou da plantação.
Este conceito está, na opinião de António Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, Lex, Lisboa 1993, pp. 706/707, seriamente amputado por esvaziado de significado económico, preferindo considerá-lo, de forma mais abrangente, como “a afectação jurídica de um prédio alheio em termos de nele se efectuar, ou simplesmente manter, edifícios ou plantações, com o subsequente aproveitamento das coisas assim mantidas”.
Podendo assumir caráter perpétuo ou temporário, este direito permite ao superficiário um aproveitamento integral das utilidades da obra ou plantação, mas convive, necessariamente, com o direito de propriedade sobre o terreno, o direito do fundeiro, direito maior, como o evidencia o facto de a lei lhe reconhecer, sem reciprocidade, direito de preferência na alienação ou na dação em cumprimento do direito de superfície (cfr. artigo 1535.º do Código Civil), permitindo ao titular do direito de propriedade sobre o solo consolidar a propriedade através da reunião na sua pessoa dos dois direitos e da consequente extinção do direito de superfície, nos termos do disposto no artigo 1536.º, n.º 1, al. d) do Código Civil (cfr. Henrique Sousa Antunes, in “Direitos Reais”, Universidade Católica Editora, 2017, p. 436, e Luís Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, Quid Juris, 1999, p. 413).
A expressa consagração no artigo 1534.º do Código Civil da transmissibilidade por ato entre vivos ou por morte quer do direito de superfície, quer do direito de propriedade do solo, mostra que o mesmo é, por princípio, passível de ser penhorado e judicialmente vendido no âmbito de ação executiva movida, designadamente, contra o superficiário.
Embora se esteja perante uma só coisa, tudo se passa, em sentido jurídico, como se a mesma tivesse sido idealmente cindida em partes dotadas de autonomia que lhes permite serem excecionalmente objeto de diversos direitos reais de garantia, como a hipoteca e a penhora (cfr. Ac. do STJ de 02.11.2017, proferido no proc. n.º 231/06.8TBBRR.L3. S1, e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, Coimbra Editora, 1987, p. 602).
Ora, importa, desde já, distinguir, se o direito de superfície em causa nos autos é constituído por particulares – em superfície civil – ou pelo Estado ou pessoas coletivas de direito público em terrenos do seu domínio privado – em superfície administrativa –, uma vez que o regime legal aplicável não é o mesmo.
Na verdade, no primeiro caso, aplica-se o estatuído no Código Civil, enquanto, no segundo caso, tem aplicação legislação especial e, só subsidiariamente, o Código Civil (cfr. artigo 1527.º deste diploma).
No caso sub judice estamos perante a constituição de uma superfície administrativa, pois, que, do lado da Entidade Demandada, surge uma pessoa coletiva de direito público, maxime, o Município, que intervém na qualidade de fundeiro (cfr. pontos 3 e 13 do probatório).
Aqui chegados, torna-se necessário proceder à análise de diversas questões consequenciais entre si em razão do regime jurídico aplicável.
A primeira questão que cabe esclarecer é a de que a constituição do direito de superfície por escritura pública de 25.11.2009 (cfr. ponto 3 do probatório) não traduz, por parte da Entidade Demandada, a constituição de um direito real parciário de uso público em ordem à outorga, a favor do Contrainteressado, de uma situação jurídica de vantagem configurada no uso privativo de bem público, desde logo porque as parcelas de terrenos a que se reportam os autos não integram o domínio público autárquico, mas ao invés, fazem parte integrante do seu domínio privado (cfr. ponto 4 do probatório).
O que significa que, em face da inexistência da dominialidade, as parcelas de terreno são parte integrante do domínio privado da Entidade Demandada, ou seja, enquanto unidade predial não esteve afeto a nenhum fim de utilidade pública específica, na medida em que não se constituiu como suporte material de exercício de função ou serviço público, não sendo, por isso, reconduzível à categoria de bem público, expressa no estatuto privilegiado consequente da inalienabilidade, imprescritibilidade e autotutela executiva – cfr. Marcello Caetano, in “Manual de
Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 9ª ed. pp. 881/887 e 956; Bernardo Azevedo, in “Servidão de direito público”, Coimbra Editora/2005 pp. 243/253.
Ao caso interessa atender ao conteúdo deste último requisito, a autotutela executiva.

Entende-se por autotutela executiva “(..) A faculdade das autoridades administrativas procederem, em via administrativa, à tutela da integridade jurídica e do gozo material dos bens públicos tem sido identificada como mais uma das notas típicas da propriedade pública. A propriedade pública definir-se-ia, justamente, pela possibilidade de, relativamente a terceiros, o proprietário exercer o ius excludendi alios, por meio de actos administrativos definitivos e executórios, isto é, usando a sua própria autoridade e independentemente de recurso aos tribunais.” – cfr. Marcello Caetano in ob. citada, p. 956.
A execução material compulsória das decisões administrativas no caso de bens públicos obedece, por norma, a procedimentos administrativos típicos de estrutura binária.
Assim, e numa primeira fase, o administrado é instado a devolver, num prazo determinado, a dependência dominial abusivamente ocupada à sua situação antecedente (status quo ante), e apenas na hipótese de não o fazer dentro do termo fixado se achará a autoridade administrativa competente para o efeito habilitada a proceder ex officio aos trabalhos de remoção, sendo as despesas a suportar pelo particular (segunda fase).
Com os procedimentos de autotutela executiva – que, não é demais relembrá-lo, têm que se achar expressamente contemplados na lei – apenas é dado alcançar uma “proteção provisória” dos bens públicos, ou seja, salvaguardado é, tão só, o jus possessionis e nunca o jus possidendi.
Bem se pode dizer, então, “que estes procedimentos não são substitutivos, sem mais, dos meios ordinários de defesa: porque apenas podem operar sobre um estado de facto para torná-lo adequado à situação de direito e à destinação funcional da coisa; numa palavra, podem substituir tão só os remédios possessórios e não também os petitórios” – cfr. Bernardo Azevedo, in “O domínio privado da
Administração”, Autor Aamir Ali, Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. III, Almedina/2010,

pp. 30 e 38/45.

De acordo com o probatório, na hipótese dos autos, pelo contrário, as parcelas de terreno integram o domínio privado da Entidade Demandada, consoante já se disse, estando submetidos, portanto, a um regime de direito comum tal como todos os bens pertença de entidades públicas não qualificados como bens públicos.
Por não se achar afetado a uma função de interesse público, os imóveis em causa integram a categoria doutrinária - com assento normativo no Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de outubro no que toca ao domínio público do Estado (cfr. artigo 7.º) - de domínio privado disponível, em que a “(..) disponibilidade, por seu lado, não significa necessariamente uma sujeição total ao Direito privado, sem quaisquer condicionalismos impostos pelas leis administrativas: significa, sim, que não havendo afectação a nenhum fim de utilidade pública os bens podem ser alienados ou onerados pela Administração, ainda que tão somente pelas formas prescritas na lei administrativa, e bem assim penhorados em execução judicial, sem que a possibilidade da sua aplicação a fins diferentes pelos novos titulares possa repercutir-se na validade dos actos de transmissão ou oneração. (..)”, por contraponto aos bens do domínio privado indisponível assim classificados em ordem a “(..) evitar que sejam desviados da afectação ao fim de utilidade pública, exterior aos bens, que eles são chamados a servir. (..) [o que] não altera, em substância, o princípio de que o regime jurídico global desses bens não é o do domínio público, mas o do domínio privado (..)” – cfr. Marcello Caetano, in ob. cit. pp. 962, 969 e 970.
Estando assente que in casu se está perante o regime de domínio privado disponível, a que se aplica o direito objetivo comum, no caso, o disposto no artigo 1304.º do Código Civil, cabe ainda saber, no seguimento da 2ª parte do citado artigo conjugado com o artigo 1527.º, se é aplicável o regime do Código Civil ou o regime da Lei dos Solos, Decreto-Lei n.º 794/76, de 05 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 313/80, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, pelo Decreto-Lei
n.º 313/80 de 19.08, (revogado pela Lei n.º 31/2014, de 30 de maio Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo), vigente à data dos factos, pois, que, a escritura celebrada em 2017 apenas teve a virtualidade de alterar o objeto do direito de superfície, constituído originariamente em 2009 (cfr. pontos 3 e 13 do probatório), sendo que seguimos o entendimento doutrinário “(..) no sentido de o regime a que a constituição do direito de superfície está sujeito ser obrigatoriamente o da Lei dos Solos para os casos previstos e o do Código para quaisquer outros casos, sem prejuízo de nestes ficar estabelecido o regime da mesma lei. Se o Código Civil permite que a Administração aliene a propriedade de um imóvel, por maioria de razão permite a constituição do direito de superfície, ou seja, a alienação de somente parte das faculdades compreendidas no direito de propriedade.
Há, pois, dois regimes do direito de superfície, com regras diferentes, o que é justificado pelo facto de os interesses não serem os mesmos num caso e no outro (..).
O direito de superfície segundo o regime da Lei dos Solos, pode ser constituído nos seguintes casos: - criação de aglomerados urbanos com mais de 25 000 habitantes; - expansão ou desenvolvimento de aglomerados urbanos até 25 000 habitantes, quando assim for deliberado pelos órgãos locais competentes ou quando o Governo o considere conveniente, nomeadamente para a execução de empreendimentos integrados em planos de âmbito nacional ou regional, - operações de renovação urbana; - recuperação de áreas degradadas, quer resultantes do depósito de desperdícios quer de exploração de inertes; - edifícios ou instalações de interesse público, - empreendimentos relativos à habitação social; - edifícios para habitação própria ainda que em regime de propriedade horizontal; - em casos de legalização de construções clandestinas (..); - criação e ampliação de parques industriais. (..)” – cfr. António Pereira da Costa, in
“Direito dos solos e da construção, Lições ao Curso de Direito do Urbanismo”, 2007/08, CEDOUA - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 3/6.
Revertendo ao caso dos autos, a escritura pública de 25.11.2009, para além de estipular o prazo de 50 anos (prazo regra da Lei dos Solos – artigo 19.º), refere na cláusula 12ª que em tudo o que for omisso, “as partes diligenciarão pela melhor solução aplicável, tendo sempre presente as regras gerais de Direito e as normas relativas à constituição do direito de superfície.” (cfr. ponto 4 dos factos provados).
Pelo que vem de ser dito, na exata medida em que as circunstâncias de facto extravasam a tipologia fechada de casos enunciados na Lei dos Solos, ao direito de superfície constituído em terreno do domínio privado disponível da Entidade Demandada, aplica-se o regime do Código
Civil.
Aqui volvidos, e enfrentando a questão que nos é colocada, temos que os Autores sustentam o pedido de condenação da Entidade Demandada à prática do ato de reversão do direito de superfície, constituído a favor do Contrainteressado, e bem, assim, a demolição do edifício que se encontra em construção, o cancelamento de todas as descrições e inscrições prediais relativas ao direito de superfície, com base no facto de o Contrainteressado não ter observado o estipulado na cláusula 1ª, da referida escritura, uma vez que o direito de superfície apenas tinha por fito a construção de um pavilhão desportivo, sendo que, em vez do citado pavilhão, está a ser construído um armazém e, ainda, pelo facto de o Contrainteressado não ter iniciado as obras no prazo de seis meses a contar da escritura, violando, assim, a cláusula 3ª constante do referido documento.
Ora, informa-nos o probatório, que o direito de superfície constituído, através da escritura, realizada em 25.11.2009, tinha como objeto a construção de um pavilhão desportivo e que as obras para a sua construção deveriam iniciar-se no prazo de seis meses, a contar da celebração da escritura. (cfr. ponto 4 do probatório).
Porém, também resulta do probatório que, em 06.06.2016, a Entidade Demandada elaborou um documento, no qual foi proposta a alteração ao teor das cláusulas 1ª e 3ª, relativas ao direito de superfície constituído a favor do Contrainteressado, nos seguintes termos:
“Cláusula 1ª

O direito de superfície ora constituído tem por objeto a construção de um pavilhão desportivo e de um pavilhão social.
Cláusula 3ª

As obras de construção do pavilhão social deverão ser concluídas no prazo de dois anos, após a emissão da respetiva licença, devendo as obras de construção do pavilhão desportivo ser concluídas nos cinco anos seguintes, após a conclusão das obras de construção do pavilhão social.”. (cfr. ponto 9 dos factos provados).
Tendo a mesma sido aprovada pelo órgão executivo da Entidade Demandada, em 23.06.2016 (cfr. ponto 12 dos factos provados).
Resulta, ainda, da factualidade assente que, em 07.04.2017, entre a Entidade Demandada e o Contrainteressado foi celebrada uma escritura, que procedeu à alteração da constituição do direito de superfície constituído em 25.11.2009, na qual passou a constar o seguinte: “(…)
Que pela presente escritura e nas qualidades em que outorgam alteram as condições do direito de superfície constituído entre as duas entidades, por escritura de vinte e cinco de Novembro de dois mil e nove, exarada a folhas vinte e cinco e seguintes do livro cento e quinze-A do Notário Privativo da Câmara Municipal (...).
Que as clausulas alteradas são as seguintes:

CLAUSULA PRIMEIRA

O direito de superfície tem por objecto a construção de um pavilhão desportivo e de um pavilhão social.

CLAUSUAL TERCEIRA

As obras de construção do pavilhão social deverão ser concluídas no prazo de dois anos, após a emissão da respectiva licença, devendo as obras de construção do pavilhão desportivo ser concluídas nos cinco anos seguintes, após a conclusão das obras de construção do pavilhão social.” - cfr. ponto 13 do probatório.
Por conseguinte, atento à factualidade assente, não se verifica qualquer incumprimento por parte do Contrainteressado, no que se refere à construção do pavilhão social, que justifique que a Entidade Demandada deva praticar o ato de reversão do direito de superfície.
Ademais, não vislumbra este Tribunal, qualquer previsão legal, que impeça a Entidade Demandada de ter decidido, perante o requerimento do Contrainteressado (cfr. ponto 6 do probatório), alterar o teor do objeto do citado direito de superfície.
Por outro lado, apesar de não resultar do probatório que o Contrainteressado tenha iniciado as obras do pavilhão desportivo, no prazo de seis meses, conforme resultava da escritura de 25.11.2009 (cfr. pontos 3 e 4 do probatório), o facto é que interpelado para o efeito, (cfr. ponto 5 dos factos provados), veio o Contrainteressado alegar que “(…) a emergência da crise social desencadeada pela crise económica, financeira e social que atingiu Portugal e a Europa desde 2009, levou a que o CCSSA adiasse o início da construção do pavilhão desportiva, pois este implicava um investimento global de um milhão de euros, e se focasse no desenvolvimento de novas respostas sociais ou ampliação dos existentes que pudessem diminuir ou aliviar o impacto da crise na vida das famílias.” (cfr. ponto 6 dos factos provados).
Alegação essa, que conduziu à aprovação da deliberação do órgão executivo da Entidade Demandada, no sentido de não proceder à reversão do direito de superfície, e, ao invés, decidir alterar o objeto do mesmo, consoante já se disse.
Ora, também por aqui não vislumbra o Tribunal qualquer ilegalidade, pois, que, não se deve olvidar que se está perante parcelas de terreno que integram o domínio privado disponível da Entidade Demandada, consoante já se disse.
Com efeito, cabendo à Entidade Demandada, aquilatar da justeza das razões ponderosas, no exercício de um poder discricionário, mas no respeito pelos princípios enformadores da atividade administrativa (v.g. Princípios da legalidade, da isenção e da imparcialidade), não está impedida de considerar como tal, razões subjetivas do particular, tais como as invocadas no caso presente, desde que respeitados os restantes condicionalismos legais, o que sucedeu.
Aqui chegados, tudo ponderado, temos para nós, que se mostra improcedente a pretensão dos Autores de condenação à prática do ato de reversão do direito de superfície e, assim sendo, mostram-se, igualmente, improcedentes, atenta à sua conexão, os pedidos de condenação ao cancelamento de todas as descrições e inscrições prediais, relativos ao direito de superfície e, ainda, de condenação à prática de todos os atos e diligências necessários à demolição do pavilhão social.
X

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos:
Questão prévia -
Da junção de documentos
Com as suas alegações do recurso de apelação as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes, isto é, cuja apresentação foi impossível até à apresentação dessas alegações - ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Esta faculdade não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia - e deveria - ter oferecido naquela instância.
A superveniência pode, pois, ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.
A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objectiva ou subjectivamente superveniente desse mesmo documento.
No tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a parte deve alegar e provar - a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento.
A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância, ele é necessariamente superveniente. Portanto, só a superveniência subjectiva pode justificar a admissibilidade da junção, o que coloca o problema delicado da aferição dessa superveniência, dado que, pressupondo aquela superveniência a ignorância não culposa do documento, importa verificar em que condições se pode dar relevância ao desconhecimento do documento pela parte - Acórdão da Relação de Coimbra de 08/11/2011, proferido no âmbito do proc. n.º 39/10.8TBMDA.CI.
Na situação concreta a sentença qualificou os terrenos como de domínio privado.
Assim, ao abrigo do art.º 651.º, n.º 1, última parte, do CPC ex vi do art.º 1.º do CPTA admite-se nos autos o Documento n.º 1 ora junto e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Com efeito, na situação concreta a sentença qualificou os terrenos como de domínio privado, o que justifica que a junção do documento se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, tal como o permite a parte final do nº 1 do citado artigo 651º.
Da nulidade da sentença -
Nas alegações os Recorrentes alegam a nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC referindo que existe oposição entre a fundamentação e a decisão proferida.
Vejamos.
Preceitua o artigo 615.º do CPC, sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Apreciemos.
As nulidades da sentença são típicas e únicas e não se confundem com o erro de julgamento; as primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.
Conforme salienta Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, p. 686, no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artigo 615.º do CPC, “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
Quanto à nulidade prevista na alínea c) do transcrito artigo, temos que decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão resulta da oposição entre os fundamentos e a decisão (1.º segmento da norma) ou de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (2º. segmento da norma).
A jurisprudência tem entendido que a nulidade suscitada está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artigos 154.º e 607.º n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA, de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação (cfr. Ac. do TRL de 09.07.2014, proferido proc. n.º 1021/09.3 T2AMD.L1-1).
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
A nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
A verdade é, pois, que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
Se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. Isto é, quando o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, e, por sua vez, o Recorrente considera que não é bem assim, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante situação geradora de nulidade.
Visto o teor das alegações de recurso denota-se que não está alegada nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão nem nenhuma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Deste modo, a questão invocada não se enquadra na apontada causa de nulidade de sentença, antes se prendendo com a subsunção dos factos às normas jurídicas efetuada pelo Tribunal recorrido e com a qual a Parte não se conforma.
Nestes termos, nenhuma nulidade foi cometida na sentença recorrida; a mesma mostra-se fundamentada nos termos da lei, pelo que importa apreciar se incorreu em erro de julgamento.
E, neste particular também não assiste razão aos Recorrentes.
Com efeito, o Município (...)/Réu não excedeu os limites que legalmente lhe estão impostos quando decidiu aquilatar da justeza das razões invocadas pelo Contrainteressado CSSSA, tendo actuado no exercício de um poder discricionário quando considerou haver justificadas razões para alterar o contrato que havia entre ambos.
(Apelando ao Prof. Mário Aroso “É, pois, errada a ideia de que “a garantia constitucional de tutela jurisdicional administrativa implicaria uma revisibilidade jurisdicional sem limites da aplicação administrativa de qualquer passagem da lei" Para mais desenvolvimentos, cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional", in Cadernos de Justiça Administrativa n.° 70, pp. 55 segs..
Pelo contrário, o equilíbrio entre os princípios da tutela jurisdicio­nal efetiva e da separação e interdependência de poderes é alcançado através da imposição de limites funcionais à jurisdição administrativa. Uma vez que a intervenção dos tribunais no julgamento de litígios emer­gentes de relações jurídico-administrativas envolve um juízo sobre a legi­timidade do exercício de uma outra função do Estado, a função admi­nistrativa, têm necessariamente de decorrer do princípio da separação de poderes limites funcionais a esta atividade de fiscalização, de modo a evitar que ela invada o núcleo essencial da função administrativa Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15' ed., Coimbra, 2106, p. 94.
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O legislador do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) procurou, aliás, garantir o respeito por esses limites funcionais em diversos preceitos, reportados aos momentos processuais em que são maiores as zonas de indefinição e de risco de sobreposição entre as áreas de decisão administrativa e jurisdicional.
(….)
Pode dizer-se que a margem de livre apreciação administrativa se carateriza pela outorga, pela lei, à Administração de prerrogativas de avaliação valorativa ou de prognose no preenchimento de conceitos normativos, cuja aplicação envolve uma indagação, formada a partir de factos existentes e conhecidos (base da prognose), para, servindo-se de princípios reconhecidos de experiência, se projetar sobre a ocorrência (provável) de um acontecimento futuro Cfr. SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, Lisboa, 2005, pp. 622 e segs.
Para que se reconheça a existência de um espaço de livre aprecia­ção da Administração não é suficiente que a resolução autodeterminada de uma concreta situação social se faça através de um juízo valorativo. Exige-se, igualmente, que esta valoração seja própria do exercício da função administrativa. Trata-se de espaços que, no quadro do princípio da separação de poderes, a lei considera adequado reservar para a Ad­ministração, em domínios em que entende que ela dispõe de maior ido­neidade funcional para o efeito, em razão da sua estrutura orgânica, res­ponsabilidade política, legitimidade democrática e específicos meios e procedimentos de atuação Cfr. ANTÓNIO CADILHA, "Os poderes de pronúncia jurisdicionais na ação de condenação à prática de ato devido e os limites funcionais da jurisdição administrativa", in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra, 2010, p. 186; NUNO PIÇARRA, "A Separação de Poderes na Constituição de 1976", in Nos dez anos da Constituição, Lisboa, 1986, p. 151..
Ora, neste enquadramento, uma das figuras técnico-jurídicas que, quer a jurisprudência, quer a doutrina, tendem a integrar nos espaços de livre apreciação administrativa, destinados a ser exercidos autonoma­mente pela Administração, é a chamada discricionariedade técnica.
No seu sentido mais rigoroso, esta expressão designa a atividade valorativa própria do exercício da função administrativa que tem como especificidade o facto de ser fundamentada em regras ou critérios de na­tureza técnica, cuja aplicação a cada caso concreto não dita, objetivamen­te, uma única solução correta, em termos de demonstração irrefutável, mas, pelo contrário, envolve a formulação de avaliações ou prognoses que a lei reserva para a Administração, por entender que ela dispõe de maior idoneidade funcional para o efeito, e que, por isso, não podem ser repetidas pelo juiz, ainda que através do recurso a prova pericial Para mais desenvolvimentos, cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indetermina­dos e âmbito do controlo jurisdicional", pp. 38 segs...
Com efeito, ao conceder ao agente administrativo prerrogativas de avaliação valorativa ou de prognose no preenchimento de conceitos nor­mativos, "o legislador confia-lhe a 'descoberta', sob responsabilidade ins­titucional administrativa, do sentido de tal juízo; um sentido delimitado mas não determinado por parâmetros jurídicos", que, por isso, não é apre­ensível por modo hermenêutico Cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo júris­dicional", p. 39..
Ora, é esta circunstância que explica que os juízos formulados pela Administração no exercício de prerrogativas de avaliação enquadradas no âmbito da discricionariedade técnica, em sentido verdadeiro e próprio, não possam ser repetidos pelo juiz. Em conformidade com o princípio da separação de poderes, o juiz não pode, na verdade, arrogar-se a "última decisão" na aplicação de normas "através das quais o legislador comete à Administração uma concretização baseada num juízo de prognose ou de valoração metajurídica" - vide o parecer junto ao proc. 181/16.1 BEMDL.
Assim, a discricionariedade técnica assume-se como uma dimensão da vinculação da administração, contudo sindicável quando implique a violação de qualquer preceito legal ou quando ocorra a existência de erro manifesto ou adopção de critérios manifestamente desajustados, o que não acontece no caso sub judice.)
Na verdade, nas alegações de recurso continua a não se demonstrar por que

motivo entendem os Recorrentes que uma qualquer previsão legal impede a Entidade Demandada de ter decidido, perante o requerimento do Contrainteressado como o fez, alterando sem o descaracterizar, em função das circunstâncias invocadas, o teor inicial do objeto do direito de superfície.

É que, como bem aponta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, a questão decisiva para esta apreciação, não é a da natureza dominial da parcela onde foi constituído o direito de superfície, mas sim a da inserção nas normas do PDM de Braga do uso concreto a dar ao solo em questão, cuja legalidade não se mostra eficazmente contraditada pelos Recorrentes.
Relativamente ao local onde se insere o terreno em causa, dispõe-se no

Regulamento do PDM de Braga de 2001:
“SECÇÃO III
Categoria de espaços de equipamento
Artigo 65.º
Caracterização
Os espaços urbanos e urbanizáveis, regulados nas secções I e II que antecedem, compreendem categorias de espaços de equipamento, caracterizadas como áreas existentes e previstas de dimensão relevante, para utilização colectiva, de iniciativa pública ou privada, destinadas a apoio educacional, religioso, desportivo, cultural e recreativo, turístico, social, de carácter sanitário, de segurança, de abastecimento de combustíveis e de protecção civil.
Artigo 66.º
Categorias de espaços
As categorias de espaços de equipamentos identificam-se do seguinte modo:
Categoria de equipamento existente em espaço urbano;
Categoria de equipamento proposto em espaço urbanizável.
Artigo 67.º
Destino de uso dominante
- Estas áreas destinam-se à localização de equipamentos de interesse público ou colectivo, de iniciativa pública ou privada.
- Incluem-se no conceito de equipamento, entre outros, os serviços públicos, os empreendimentos turísticos, os estabelecimentos de restauração e de bebidas e os postos de abastecimento de combustíveis.”
Ora, como também resultou provado nos autos, o pavilhão a construir
pelo contrainteressado insere-se nos seus fins sociais típicos de uma
uma instituição particular de solidariedade social que se dedica entre
outras à atividade de receção para entrega gratuita aos mais
carenciados de géneros alimentícios e outros bens doados, e com o
objetivo de serem distribuídos por outras instituições de apoio social.
Uso que se enquadra de forma inequívoca na previsão do PDM
anteriormente citada.
Assim, pese embora os argumentos invocados no recurso, eles não têm
força suficiente para afetar a lógica jurídica em que se alicerçou o
aresto recorrido, por não se verificar qualquer ilegalidade nos atos
objeto da presente impugnação.
Em suma:
-Como sentenciado, cabendo à Entidade Demandada, aquilatar da justeza das razões ponderosas, no exercício de um poder discricionário, mas no respeito pelos princípios enformadores da atividade administrativa (v.g. Princípios da legalidade, da isenção e da imparcialidade), não está impedida de considerar como tal, razões subjetivas do particular, tais como as invocadas no caso presente, desde que respeitados os restantes condicionalismos legais, o que sucedeu.
(…), a Entidade Demandada advoga que, pese embora, o direito de superfície inicialmente constituído a favor do Contrainteressado tivesse como fito a construção de um pavilhão desportivo, por deliberação do seu órgão executivo, datada de 23.06.2016 e concretizada através de escritura, datada de 07.04.2017, foi alterado o fim do direito de superfície, passando a abranger, igualmente, a construção de um pavilhão social.
Sustenta que tal deliberação teve como pressuposto a discricionariedade administrativa de que goza a Entidade Demandada, no que se refere à livre disposição do património imobiliário municipal e, bem assim, o reconhecimento do interesse público nas obras a realizar.
Aqui chegados, tudo ponderado, temos para nós, que se mostra improcedente a pretensão dos Autores de condenação à prática do ato de reversão do direito de superfície e, assim sendo, mostram-se, igualmente, improcedentes, atenta a sua conexão, os pedidos de condenação ao cancelamento de todas as descrições e inscrições prediais, relativos ao direito de superfície e, ainda, de condenação à prática de todos os atos e diligências necessários à demolição do pavilhão social.

Improcedem, desta feita, as Conclusões das alegações.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique e DN.

Porto, 13/5/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro
___________________________________________

i) Para mais desenvolvimentos, cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional", in Cadernos de Justiça Administrativa n.° 70, pp. 55 segs.

ii) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 15' ed., Coimbra, 2106, p. 94.

iii) Cfr. SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, Lisboa, 2005, pp. 622 e segs

iv) Cfr. ANTÓNIO CADILHA, "Os poderes de pronúncia jurisdicionais na ação de condenação à prática de ato devido e os limites funcionais da jurisdição administrativa", in Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Coimbra, 2010, p. 186; NUNO PIÇARRA, "A Separação de Poderes na Constituição de 1976", in Nos dez anos da Constituição, Lisboa, 1986, p. 151.

v) Para mais desenvolvimentos, cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indetermina­dos e âmbito do controlo jurisdicional", pp. 38 segs..

vi) Cfr. SÉRVULO CORREIA, "Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo júris­dicional", p. 39.