Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00820/14.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC; FATURAS FALSAS; VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS; INDÍCIOS INSUFICIENTES.
Sumário:I. Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M., LDA.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, M., LDA., NIPC (...), interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IRC do exercício de 2009 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 40.509,71, que resultaram de correções aritméticas efetuadas à matéria tributável de IRC, em virtude de ação inspetiva a que foi sujeita.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

“(…) 1ª presente recurso, que vem interposto da douta sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios do exercício de 2009, no montante global a pagar de € 40.509,71, tem por objecto dois temas fundamentais:

a) Saber se o Tribunal a quo julgou correctamente, em termos de direito, ao considerar que a ATA logrou demonstrar a verificação dos pressupostos legais da sua actuação;

b) Saber se o Tribunal a quo julgou correctamente, em termos de facto, ao considerar que a recorrente não logrou fazer prova de que as facturas que lhe foram emitidas em 2009 pela sociedade “M-., Lda.” titulam a efectiva prestação de serviços.
2ª.. Considerou em primeira linha o Tribunal a quo que a ATA logrou demonstrar a verificação dos pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, justificando tal consideração por apelo aos elementos contidos no Relatório da Inspecção Tributária (IT), transcritos no ponto 4 da matéria de facto dada como provada.
3ª Não se conforma a recorrente com tal conclusão, desde logo pois os elementos aduzidos pelo Tribunal a quo como fundamentadores da legitimidade da AT reconduzem-se, em primeira linha, a informações remetidas pelas Direcções de Finanças de (...) e de (...) – e não pela Direcção de Finanças de (...), serviço distrital competente, face ao domicílio fiscal da recorrente – que, presume-se, resultaram de acções inspectivas que tiveram por objecto entidades terceiras (não identificadas), sem que tenha havido em tais procedimentos qualquer intervenção ou sequer possibilidade de contraditório por parte da aqui recorrente.
4ª Tais informações nada adiantam, objectivamente, quer quanto às transacções em causa nos autos quer quanto à capacidade, em abstracto, da sociedade emitente das facturas ter prestado tais serviços, uma vez que são apenas aptas a indiciar a desorganização administrativa e o incumprimento de deveres de natureza tributária por parte dessa sociedade.
5ª É certo que à recorrente se imputa a responsabilidade de ter procedido ao pagamento em numerário dos serviços prestados pelo subempreiteiro “M-.”, mas tal único facto não pode ser tido como como suficiente e adequado a sustentar o juízo de falsidade formulado pela ATA.
6ª Tanto mais que, tal como resulta dos factos provados n.º 7 a 12 (a fls. 7 in fine, 8 e 9 da douta sentença em crise), rigorosamente no mesmo exercício a que se reportam as correcções em apreço nestes autos (2009), a recorrente foi sujeita a um procedimento inspectivo que visou as transacções com o mesmo subempreiteiro "M-. , Lda”, e em que se concluiu que tal sujeito passivo [M-.] exerceu de facto a sua actividade, (…)” – cfr. certidão junta como Doc. 8 junto pela recorrente com a sua p.i., a fls. 39 do suporte físico dos autos.
7ª Isto é, depois de levados a cabo (em 2009) procedimentos como circularização de clientes da M-., inquirição da legal representante da empresa M-. e testes de controlo e adequação dos custos declarados (vide ponto 3 da certidão junta como Doc. 8 junto pela recorrente com a sua p.i, a fls. 39 do suporte físico dos autos), duas Direcções distritais de Finanças concluíram que essa entidade prestou efectivamente os serviços que foram declarados pela recorrente.
8ª E em 2013, inspeccionando o mesmo exercício de 2009, sem levar a cabo qualquer diligência que visasse conferir da adequação e necessidade da prestação dos serviços em causa à actividade da aqui recorrente, a Direcção de Finanças de (...) concluiu rigorosamente o inverso…
9ª E não se diga, como defende o Tribunal a quo, que é factor determinante a forma de pagamento adoptada, uma vez que, como resulta de ambos os Relatórios da IT, tanto em 2005/2006 como em 2009 foram feitos pagamentos pela recorrente à “M-.” em numerário (“por caixa” na expressão utilizada no Relatório da IT).
10ª. Entende a recorrente que o juízo de falsidade que subjaz a correcções como as que estão em causa nos presentes autos deve necessariamente ser fundamentado em factos que apontem, ainda que indiciariamente, ou no sentido da incapacidade objectiva do emitente prestar os serviços facturados ou da desadequação ou desnecessidade dos serviços titulados pelas facturas à actividade desenvolvida pelo sujeito passivo.
11ª Não é razoável que se imponha a um sujeito passivo o ónus da prova exaustiva de factos ocorridos há vários anos, no contexto de uma actividade profissional quotidiana de natureza repetitiva com elevados índices de rotatividade, tanto de trabalhadores como de entidades subcontratadas (como é a actividade de construção e, particularmente, de cofragens, desenvolvida pela recorrente), sem que haja elementos objectivos que indiciem, com segurança, que os serviços titulados pelas facturas não tiveram correspondência com a realidade, seja porque quem declara que os prestou não tem capacidade objectiva para tal, seja por tais serviços não se adequarem ou serem necessários à actividade exercida pela entidade beneficiária dos mesmos.
12ª Todavia, no caso destes autos, a IT não levou a cabo uma única diligência que tivesse por finalidade verificar se, de facto, a “M-.” prestou os serviços em apreço à aqui recorrente ou se tinha pelo menos estrutura apta a tanto ou, tão pouco, se os subcontratos em causa eram necessários para a recorrente garantir o cumprimento dos contratos a que ela própria se vinculara com terceiros.
13ª A conjugação dos factos provados n.º 7, 8, 9, 10 e 11, para além de não legitimar minimamente as conclusões implícitas às correcções em causa nos autos, indicia antes fortemente que a sociedade M-. tinha, em 2009 – por ser precisamente esse o exercício em que foi feita tal verificação pela ATA -, estrutura apta a prestar os serviços titulados pelas facturas em causa nos autos, e, por outro lado, que a aqui recorrente, com apenas cinco dos seus trabalhadores colocados nas obras em causa e com, pelo menos, outras três obras em curso, tinha absoluta necessidade de recorrer aos subcontratos em causa nos autos de molde a cumprir os contratos que havia celebrado com “C., Lda.” (facto provado n.º 10)
14ª Nenhum dos elementos apontados pelo Tribunal a quo como fundamentadores da actuação da IT permite, ainda que na lógica de raciocínio mais voluntarista, pôr objectivamente em causa a capacidade dessa sociedade ter prestado os serviços facturados – e que prestou, de facto, como abaixo se verá - à recorrente e, tão pouco, extrair qualquer indício que aponte no sentido da existência de um acordo simulatório entre ora recorrente e a sociedade por si subcontratada.
15ª Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 23º do Código do IRC (CIRC), 8º, 17º e 75º da Lei Geral Tributária (LGT), 342º do Código Civil (CC) e 104º n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP),
16ª Pelo que se impõe a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por douto acórdão que, fazendo a costumada justiça, julgue, desde logo, não verificados os pressupostos legais de que dependia a actuação da AT, anulando consequentemente as liquidações impugnadas.
Sem prescindir,
17ª Considera igualmente a recorrente que o Tribunal a quo julgou incorrectamente na decisão relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada.
18ª Desde logo, quanto ao ponto 4 da matéria de facto provada, face à formulação utilizada na douta sentença em crise - “(…) do qual se extrai o seguinte:” - a recorrente tem dúvidas sobre se em tal ponto apenas se considera provado qual o teor do Relatório da Inspecção Tributária (IT), ou se efectivamente se dá aí como provados os fundamentos, considerações e conclusões avançados em tal relatório para as correcções, pelo que, por mera cautela de patrocínio, se impugna o referido ponto 4 da matéria de facto dada como provada.
19ª Efectivamente em tal ponto o Tribunal a quo limitou-se a aderir ao teor do Relatório da IT, transcrevendo passagens do mesmo que incluem factos mas, maioritariamente, raciocínios meramente conclusivos e juízos de valor que foram, além, do mais impugnados pela recorrente.
20ª Considera assim a recorrente que o ponto 4 da matéria de facto provada deverá, por um lado, ser expurgado de tudo o que não constitua matéria factual, devendo, por outro, incluir tão-somente factos apurados pela AT em sede de inspecção à recorrente que não tenham sido objecto de impugnação por esta.
21ª Entende, por outro lado, a recorrente que os pontos 1, 2 e 3 dos factos não provados na douta sentença em crise (a fls. 9 da mesma) deveriam constar da matéria de facto provada. (n.º 1, alíneas a) e c) do art.º 640 do Código de Processo Civil)
22ª Os concretos meios probatórios que impõem que a decisão sobre a matéria de facto inclua tais factos como provados são os seguintes:
· Contratos de subempreitada celebrados entre a "C., Lda." e a recorrente, na qualidade de subempreiteira, para as obras em apreço (Docs. 11 a 29 juntos pela recorrente com a sua p.i. a fls. 49 a 86 do suporte físico dos autos)
· Contratos de subempreitada celebrados pela recorrente com a sociedade "M-. , Lda.", na qualidade de subempreiteira, para as obras em apreço (juntos pela recorrente com a sua p.i. como Docs 9 e10, também nos autos a fls.2/7 e fls. 5/7 do Doc. 4 anexo ao Relatório da IT);
· Autos de medição correspondentes às referidas obras (juntos pela recorrente com a sua p.i. como Doc. 32 e 33, também nos autos a fls. 4/7 e fls. 7/7 do Doc. 1 anexo ao Relatório da IT);
· Recibos e declarações de quitação do pagamento dos serviços titulados pelas facturas em causa nos autos (juntos pela recorrente com a sua p.i. como Docs. 36 a 39 também nos autos como Doc. 1 fls. 6/7 e fls. 3/7 e Doc. 2 anexos ao Relatório da IT)
· Depoimentos das testemunhas R. (do 01 segundo aos 10 minutos e 35 segundos do registo áudio da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 04/09/2015), J. (dos 10 minutos e 36 segundos aos 27 minutos e 00 segundos do registo áudio da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 04/09/2015) e J-. (dos 27 minutos e 01 segundo aos 43 minutos e 26 segundos do registo áudio da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 04/09/2015)
Vejamos,
23ª O Tribunal a quo, concordando com a actuação da ATA, rejeitou os custos relacionados com as facturas emitidas pela sociedade “M-. , Lda. titulando a prestação de serviços à recorrente nas obras em apreço, por duvidar da materialidade das prestações de serviços que tais documentos titulam, tendo considerado que a recorrente não logrou fazer em juízo prova da veracidade dessas transacções.
24ª Decorre do ponto 10 da matéria de facto provada que, em 2009, a recorrente tomou de subempreitada, por adjudicação da "C., Lda.", as obras de Modernização da linha do Norte, Subtroço 2.3 - (...) - (...), construção de passagens desniveladas, caminhos de acesso e de ligação e Construção de passagem inferior rodoviária ao Km 311+033 da Linha do Norte, e respectivos caminhos de acesso e ligação (Obra 467, (...)).
25ª Como resulta dos Docs. 11 a 29 juntos pela recorrente com a sua p.i., a fls. 49 a 86 do suporte físico dos autos os trabalhos a desempenhar pela recorrente nessas obras consistiam na “aplicação e cofragem e enchimento”.
26ª Decorre dos pontos 11 e 12 da matéria de facto provada que em tais obras a recorrente tinha, em regra, cinco trabalhadores seus ao serviço, estando os demais trabalhadores da recorrente colocados noutras obras em curso nos mesmos períodos, designadamente na obra de construção do reforço de potência da Barragem do (...) e na obra da Linha do Douro – Troço (...) - (...)
27ª Através da análise dos contratos de subempreitada celebrados pela recorrente com a sociedade “M-. , Lda.”, das facturas e dos respectivos autos de medição constata-se que os serviços que a recorrente adjudicou a essa sociedade consistiram, precisamente, na “aplicação de cofragens e enchimento de betão”, ou seja, o mesmo tipo de serviço que foi adjudicado à recorrente pela “C., Lda.".
28ª Todavia, na perspectiva da ATA – secundada pela douta decisão do Tribunal a quo – a recorrente, apesar de ter apenas cinco trabalhadores afectos às obras em causa, não teria recorrido à subcontratação para execução desses trabalhos.
29ª Ora, para além das regras da experiência comum nos dizerem ser impossível (ou, no limite, muito pouco provável) que a recorrente, com apenas cinco trabalhadores ao serviço nas referidas obras tivesse conseguido concluir os trabalhos que lhe foram adjudicados pela "C., Lda." sem recurso à subcontratação, os depoimentos das testemunhas inquiridas foram, salvo melhor opinião, esclarecedores a tal propósito.
30ª Com efeito, a testemunha R. (do 01 segundo aos 10 minutos e 35 segundos do registo áudio da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 04/09/2015), declarou que trabalhou para a recorrente como carpinteiro de cofragens a partir do ano de 2010 (passagem dos 00m:49s aos 01m:39s e dos 02m:35s aos 02m:42s) nas obras em apreço nos autos, que ainda se encontravam em curso nessa altura (passagem dos 02m:43s aos 03m:12s).
31ª Mais declarou que em tais obras a recorrente era subempreiteira de uma empresa que identificou como “J--.” (passagem dos 03m:33s aos 04m:06s) e que, para além dos seus próprios trabalhadores, nessas obras a recorrente (M., Lda) também subcontratou a execução de cofragens. (passagem dos 04m:06s aos 04m:29s).
32ª Disse ainda que quando começou a trabalhar para a recorrente nas obras em causa [2010] esses subcontratados já lá se encontravam (passagem dos 05m:02s aos 05m:12s) e que na altura [de tais obras] ouviu falar duma empresa que se chamava “M-.” (passagem dos 04m:38s aos 05m:12s).
33ª Referiu, por fim, não ter dúvidas de que a recorrente (M., Lda) subcontratou serviços nessas obras e que não tinha capacidade própria suficiente para prestar os serviços que lhe foram adjudicados sem recurso a tal subcontratação (passagem dos 06m:55s aos 07m:32s) e ainda que a empresa subcontratada pela recorrente fazia o mesmo tipo de trabalho [cofragens e enchimento] que a própria recorrente (passagem dos 07m:45s aos 08m:28s)
34ª Do depoimento da testemunha J. (dos 10 minutos e 36 segundos aos 27 minutos e 00 segundos do registo áudio da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 04/09/2015) resultou que no ano de 2009 a testemunha trabalhava para a recorrente como carpinteiro de cofragens (passagem dos 12m:22s aos 12m:37s) tendo prestado trabalho nas duas fases das obras de construção das passagens superiores e inferiores da Linha do Norte (comboios), designadamente nas zonas de (...), (...), (...), (...), (...), (...), (...), etc. (passagem dos 12m:44s aos 14m:00s e dos 25m:43s a 26m:42s)
35ª Referiu a testemunha que a recorrente trabalhava nessas obras por subempreitada entregue pela “J--.”, a qual era por sua vez subcontratada pelo empreiteiro geral “O.” (passagem dos 14m:00s aos 14m:37s) e que nessas obras a recorrente subcontratou uma empresa, que pensa chamar-se “M.”, para a execução de cofragens, tendo referido o nome de dois trabalhadores da referida empresa [andava lá um R. (…) e um Sr. M. (…)] (passagem dos 14m:40s aos 15m:15s)
36ª Esclareceu que os serviços que essa empresa prestava à recorrente eram “cofragem e enchimento” (passagem dos 17m:45s aos 18m:04s) e que a recorrente tinha necessidade de recorrer a essa subcontratação de modo a cumprir prazos (passagem dos 18m:08s aos 18m:48s)
37ª Instado a explicar a razão pela qual afirma que os trabalhadores que referiu trabalhavam para a “M-.” a testemunha explicou que eram as pessoas com as quais mais trabalhava nessa altura e com as quais conversava ocasionalmente, acrescentando que o referido R. era o “chefe de equipa” ou “encarregado” e que também ele lhe disse que trabalhava para tal empresa (passagens dos 23m:37s aos 24m:15s e dos 25m:01 aos 25m:18s)
38ª Por fim, a testemunha J-. (dos 27 minutos e 01 segundo aos 43 minutos e 26 segundos do registo áudio da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 04/09/2015) declarou que em 2009 trabalhava como carpinteiro de cofragens para a recorrente, sendo que nesse ano trabalhou na execução de cofragens na obra da Linha do Norte (comboios), designadamente na zona de (...). (passagem dos 28m:43s aos 30m:03s) onde a recorrente trabalhava como subempreiteira de uma empresa chamada “J--.”. (passagem dos 30m:15s aos 30m:38s)
39ª Recordava-se de trabalhar em tal obra outra empresa chamada “M-.”, que também fazia cofragens (passagem dos 30m:52s aos 31m:16s) e referiu não ter dúvidas nenhumas de que na referida obra trabalharam simultaneamente trabalhadores da “J--.”, da recorrente e da “M-.”. (passagens dos 33m:56s aos 34m:27s e dos 34m:52s aos 34m:59s) de cujo nome se recorda por ter visto o mesmo em coletes de trabalhadores e em carrinhas. (passagens dos 39m:57s a 40m:05s e dos 40m:58s aos 41m:07s)
Em face disso,
40ª. Entende a recorrente que o esforço probatório que lhe é exigido não pode ser desligado dos fundamentos que subjazem à actuação da AT e que, no caso concreto, se prendem com a questão da materialidade (ou falta dela) dos serviços titulados pelas facturas em causa nos autos.
41ª Efectivamente, e tal como decorre da leitura da douta sentença em crise, aquilo que fundamentou correcções em causa nos autos foi o juízo de falsidade propugnado pela ATA - e legitimado pela douta sentença - relativamente às facturas emitidas pela sociedade “M-.”.
42ª Daí que, julgamos, o ónus probatório que cabe à recorrente – se verificada a legitimidade da actuação da AT, naturalmente - será satisfeito na medida em que demonstre a materialidade dos serviços em causa, o que, necessariamente, passa pela prova da presença de trabalhadores ao serviço da sociedade emitente das facturas em apreço nas obras em causa, da demonstração do tipo de serviços prestados e da indispensabilidade dos mesmos (e dos gastos a eles inerentes) para a actividade da recorrente.
43ª Ora, resultando da matéria de facto provada que a recorrente mantinha relações comerciais com a sociedade “M-.” (pelo menos) desde 2005 - facto provado n.º 7;
44ª Resultando da matéria de facto provada que em 2009 a AT verificou, em sede de inspecção, que a dita sociedade “M-.” não era emitente de facturação falsa, declarando expressamente em Relatório final de procedimento inspectivo que tal sociedade “exerceu de facto a sua actividade, (…)” – facto provado n.º 8 e certidão junta como Doc. 8 pela recorrente com a sua p.i, a fls. 39 do suporte físico dos autos;
45ª Resultando da matéria de facto provada que em 2009 a recorrente tomou de subempreitada a aplicação de cofragens e enchimento de betão nas obras de modernização da linha do Norte, Subtroço 2.3 - (...) - (...), construção de passagens desniveladas, caminhos de acesso e de ligação e de construção de passagem inferior rodoviária ao Km 311+033 da Linha do Norte, e respectivos caminhos de acesso e ligação (Obra 467, (...)) – facto provado n.º 10 e Docs 11 a 20 juntos pela recorrente com a sua p.i. (fls. 49 a 86 dos autos);
46ª Obras às quais afectou apenas cinco dos seus trabalhadores – facto provado n.º 11;
47ª Constando dos autos os contratos de subempreitada celebrados entre a recorrente e a sociedade “M-. , Lda.” para a aplicação de cofragens e enchimento nas obras supra referidas, autos de medição referentes a tais obras, facturas emitidas pela referida “M-.” à recorrente os respectivos recibos e documentos de quitação devidamente assinados pela legal representante dessa sociedade;
48ª Resultando do depoimento de todas as testemunhas inquiridas que a sociedade “M-.” teve trabalhadores seus ao serviço nas obras em causa, os quais, tal como as próprias testemunhas (trabalhadores da recorrente), aplicavam cofragem e procediam ao enchimento de betão;
49ª Resultando do depoimento de duas das testemunhas que, sem margem para dúvidas, a sociedade “M-.” estava nessas obras por ter sido para tanto subcontratada pela aqui recorrente e que, sem recurso a essa subcontratação, a recorrente não tinha capacidade própria para conseguir cumprir os prazos contratuais a que se havia obrigado.
50ª E não estando naturalmente - e nunca tendo sido posta - em causa a existência física das obras em apreço – modernização da Linha do Norte, correspondente à ligação ferroviária entre Lisboa e Porto - cuja materialidade é, de resto, facto notório e do conhecimento geral,
51ª Parece-nos evidente que a única conclusão lógica, razoável e que respeita o acervo probatório dos autos é a de que, efectivamente, a recorrente demonstrou que os serviços titulados pelas facturas emitidas pela sociedade “M-., Lda.” lhe foram efectivamente prestados por tal sociedade e têm integral correspondência com a realidade, pelo que lhe assistia o direito a, nos termos do art.º 23º do Código do IRC, considerar as despesas incorridas com tais serviços como custo (ou gasto) do exercício de 2009.
52ª Destarte, e salvo melhor opinião, o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, pelo que se impõe a alteração da douta decisão em crise, mediante a transposição dos pontos n.º 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como não provada para a matéria de facto dada como provada.
53ª. Pelo que, em resumo e conclusão, dando provimento ao presente recurso deverá considerar-se, em primeira linha, que a AT não fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação e, caso assim não se entenda, que a recorrente demonstrou a veracidade das operações subjacentes às facturas emitidas pela “M-. , Lda.” por si contabilizadas como custo (ou gasto) no exercício de 2009.

TERMOS EM QUE,
Com o mui douto suprimento de V. Excelências, deverá, após reexame da decisão de direito e da reapreciação da prova gravada e documental, ser anulada a douta sentença da primeira instância, e proferido douto acórdão onde, dando total provimento ao presente recurso, se anulem as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2009, como é de inteira JUSTIÇA! .(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito e de facto: (I) ao considerar que a Administração logrou demonstrar a verificação dos pressupostos legais da sua atuação (ii) e ao considerar que a Recorrente não logrou fazer prova de que as faturas que lhe foram emitidas em 2009 pela sociedade “M-., Lda.” titulam a efetiva prestação de serviços.


3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
A) Com relevância para a boa decisão da causa, mostram-se PROVADOS os seguintes factos:
1. A sociedade Impugnante iniciou a sua actividade em 19.09.2001, desenvolvendo-a no âmbito do CAE 41200 – Construção de Edifícios (actividade principal) e do CAE 42110 – Construção de Estradas e Pistas de Aeroportos (actividade secundária) – facto não controvertido.
2. Em 28.02.2011, a Impugnante cessou a actividade em IVA, com o motivo previsto no artigo 33º, nº 1, alínea b) do IVA – facto não controvertido.
3. A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva de âmbito geral a coberto da Ordem de Serviço nº OI201300201, que incidiu sobre o exercício de 2009 – cfr. fls. 15 do PA.
4. Em 21.11.2013, foi elaborado o relatório de inspecção tributária, cujo teor consta de fls. 34 a 44 do processo administrativo apenso aos autos e do qual se extrai o seguinte:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”.
5. Na sequência das conclusões da inspecção, foram emitidas as liquidações de IRC do ano de 2009 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de €40.509,71 - cfr. docs. 5, 6 e 7 juntos com a petição inicial (fls. 32/34 do suporte físico dos autos).
6. Em 23.04.2014, a Impugnante deduziu a presente impugnação – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos.
Mais se provou o seguinte:
7. No ano de 2009, a Impugnante foi objecto de um procedimento inspectivo que incidiu sobre os exercícios de 2005 e 2006, e que também teve na sua génese uma proposta enviada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de (...), que fazia menção a um sujeito passivo não declarante, suspeito da emissão de facturação falsa – empresa “M-., Lda.” – cfr. doc. 8 junto com a PI (fls. 39 do suporte físico dos autos).
8. Do relatório final elaborado no âmbito do procedimento referido no ponto anterior constam as seguintes conclusões:
“Assim, as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária, elaborado pela Direcção de Finanças de (...), demonstraram estarem na presença de um não declarante e não, de um emitente de facturação falsa, como a proposta de inspecção, antes enviada, alegava.
(…)
Face ao exposto, tendo em consideração o referido nos pontos anteriores, não se comprovaram os factos descritos na proposta de inspecção enviada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de (...), designadamente a aquisição de “papel falso” – facturação falsa – por parte da empresa “M., Lda Lda.”, com sede neste Distrito, pelo que, sem mais, diligências, propomos o encerramento das presentes acções.” [cfr. fls. 42 do suporte físico dos autos]
9. Nos exercícios que foram objecto do procedimento inspectivo referido no ponto 7, os pagamentos efectuados pela Impugnante à “M-., Lda.” foram efectuados por Caixa até Março de 2006 e a partir desta data, por cheque – cfr. doc. 8 junto com a PI (fls. 41 do suporte físico dos autos).~
10. Em 2009, a Impugnante tomou de subempreitada por adjudicação da “C., Lda.”, as seguintes obras:
Modernização da linha do Norte, Subtroço 2.3 – (...) – (...), construção de passagens desniveladas, caminhos de acesso e de ligação;
Construção de passagem inferior rodoviária ao Km 311+033 da Linha do Norte, e respectivos caminhos de acesso e ligação (Obra 467, (...)).
– cfr. docs. 11 a 29 juntos com a PI (fls. 49 a 86 do suporte físico dos autos).
11. A Impugnante tinha, por regra, cinco trabalhadores seus ao serviço das obras em causa
12. estando os restantes trabalhadores colocados nas demais obras em curso nos mesmos períodos, designadamente na obra de construção do reforço de potência da Barragem do (...) e na obra da Linha do Douro – Troço (...) – (...) – cfr. docs. 30 e 31 juntos com a PI (fls. 87 a 92 do suporte físico dos autos).
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
1. No ano de 2009, a Impugnante deu de sub-empreitada à “M-., Lda.” a aplicação de cofragem e enchimento de betão nas obras identificadas no ponto 10 dos factos provados.
2. A “M-., Lda.”, por intermédio dos respectivos trabalhadores, prestou à Impugnante os serviços descritos nas facturas e nos autos de medição constantes do Doc. 1 anexo ao Relatório de Inspecção Tributária., designadamente a aplicação de cofragens e descofragens em pilares, muros e sapatas e a aplicação de betão, nas quantidades, locais e valores constantes dos respectivos autos de medição.
3. Serviços esses que foram pagos em numerário pela Impugnante a essa sociedade, na pessoa da sua gerente Maria Eugénia Martinho.. (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1 A Recorrente nas conclusões - 1.ª a 16.ª - alega que o Tribunal a quo considerou que a Autoridade Tributária não logrou demonstrar a verificação dos pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais que legitimam a sua atuação, justificando tal consideração por apelo aos elementos contidos no Relatório da Inspeção Tributária (IT), transcritos no ponto n.º 4 da matéria de facto dada como provada.
A Recorrente não se conforma com tal conclusão, alega em síntese, que os elementos aduzidos pelo Tribunal a quo como fundamentadores da legitimidade da Autoridade Tributária reconduzem-se, em primeira linha, a informações remetidas pelas Direções de Finanças de (...) e de (...) – e não pela Direção de Finanças de (...), serviço distrital competente, face ao domicílio fiscal da Recorrente – que, presume-se, resultaram de ações inspetivas que tiveram por objeto entidades terceiras (não identificadas), sem que tenha havido em tais procedimentos qualquer intervenção ou sequer possibilidade de contraditório por sua parte.
Tais informações nada adiantam, objetivamente, quer quanto às transações em causa nos autos quer quanto à capacidade, em abstrato, da sociedade emitente das faturas ter prestado tais serviços, uma vez que são apenas aptas a indiciar a desorganização administrativa e o incumprimento de deveres de natureza tributária por parte dessa sociedade.
Vejamos:
O n.º 1 do art.º 17.º do CIRC prevê que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Por sua vez, a alínea a) do art.º 23.º do CIRC, considera custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação.
Nesta conformidade, da interpretação conjunta do n.º 1 do art.º 17.º e alínea a) do art.º 23.º ambos do CIRC resulta que na determinação dos rendimentos o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os custos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Em sede de IRC, quando as faturas consubstanciam operações simuladas, não é admissível a consideração desses custos contabilizadas para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 23° do CIRC, devendo ser acrescidos aos rendimentos.
Quando a Administração Tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Neste sentido, vide jurisprudência acórdãos do STA n.º 01483/02 de 20.11.2002, 1026/02 de 07.05.2003 e 0241/03 de 30.04.2003 bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte n.º 01834/04 Viseu, de 24.01.2008, 04871/04 – Viseu de 28.01.2010, 1026/02 de 24.01.2008, 2887/04 Viseu de 24.01.2008 in www.dgsi.pt.
É aplicável ao caso em apreço a jurisprudência do acórdão do STA - Pleno da Secção do CT, Recurso nº 01026/02, de 07.05.2003, embora se reporte ao IVA, que Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
Prossegue o mesmo acórdão dizendo que: “…. é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”. (destacado nosso).
Importará agora analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios sérios, objetivos e consistentes que permitam concluir que as faturas contabilizadas pela Recorrente/Impugnante eram faturas que não tinham subjacentes aquisições ou prestações de serviços.
Relativamente a esta questão a sentença recorrida entendeu que a Administração Fiscal cumpriu o ónus que sobre si recaia o que não aconteceu com a Recorrente.
Começando pela análise do relatório de inspeção, datado de 21.11.2013 relativamente aos indícios relativos à emitente das faturas a Administração no item, III- Descrição dos factos e fundamento das correções meramente aritméticas à matéria tributável. – no sub item III. 1. IVA refere que: “Através do oficio n.º 2293 de 2013.01.29, proveniente da Direcção de Finanças de (...), Serviços de Inspeção Tributária (SPAI) fomos informados que o SP, em 2009, declarou aquisições no valor de € 145 160,00 à sociedade M-. , Lda. NIF (…), a qual é não declarante. Mais informam aqueles serviços que existem indícios que as operações tituladas pelas faturas emitidas por aquela empresa são simuladas, porque a mesma não tem estrutura empresarial, não tem fornecedores nem empregados. Tal conclusão, é confirmada por inspeção realizada pela Direção de Finanças de (...) a uma empresa, supostamente cliente daquela.”
Prossegue, referindo que analisado o relatório de inspeção elaborado pela Direção de Finanças de (...) constataram que tal empresa (cujo o nome não é identificado) adquiriu à M-. , Lda. serviços de desligamento de TV por cabo e limpezas de cabines telefónicas.
E que face às diligências desenvolvidas por aquela Direção apuraram no essencial que: (i) Em circularização efetuada à Segurança Social não se verifica a existência de qualquer inscrição de trabalhador com relação à “M-.” e por consulta ao INCI – Instituto da Construção e Imobiliário, que não possui registo nem alvará para atividade de construção civil;
(ii) A “M-.” inicio a atividade em 2002.10.12 que a sócia gerente é Eugénia Santos Ribeiro Martinho;
(iii) A “M-.” é não declarante, desde o início da sua atividade, nunca tendo entregado as declarações de IRC/Mod22, nem as declarações periódicas de IVA;
(iv). Foi objeto de ação inspetiva aos anos de 2005, 2006 e 2007, tendo sido indicada como emitente de faturas falsas;
v). Possui dívidas fiscais e não foram exibidos quaisquer elementos de contabilidade;
(vi). Nunca foi entregue qualquer anexo J da declaração anual /IES, não sendo possível saber quem poderá ter realizados os referidos serviços à empresa inspecionada;
(VII). Da consulta à base de dados, em 2009 a empresa não consta como entidade pagadora de rendimentos, sujeitos a IRS.
No relatório de inspeção à Recorrente consta que: “ a Direção de Finanças de (...) concluiu que existem claros e fortes indícios de que as operações suportadas pelas faturas emitidas pela empresa “M-.” são simuladas, na medida em que o emitente mencionado nas faturas não prestou os serviços em causa, tendo apurado o correspondente IVA em falta e desconsiderado os custos.”
Há que referir que o relatório de inspeção à Recorrente cita o relatório efetuado e ainda baseia-se em factos conhecidos pela Inspeção acerca de uma sociedade, cujo nome não foi identificado e não existindo nos autos nem no Processo Administrativo apenso, qualquer documento que suportem estas averiguações.
E da resenha efetuada decorrem asserções confusas, pois algumas deles parecem reporta-se ao utilizador das faturas e não à empresa “M-.”.
No relatório efetuado à Recorrente, não foram efetuadas outras diligências, nem mesmos junto o ofício remetido pela Direção de Finanças nem o relatório que o suporta, não sendo possível ao tribunal apreciá-las no seu contexto.
Quantos aos indícios apurados junto da utilizadora, aqui Recorrente, a Administração Fiscal, face às diligências efetuadas concluiu que:
Não foram exibidos comprovativos do início das negociações entre as duas empresas; tais como troca de correspondência sobre os pedidos de orçamentos, preços praticados e serviços a oferecer, assim como elementos que permitissem conhecer quantos e quais os trabalhadores em obra;
Da consulta efetuada aos extratos bancários não foram encontrados valores iguais ou que se aproximassem dos montantes referidas faturas/recibos a fim de justificar o pagamento em numerário.
E no ponto 13 do relatório concluiu que atendendo às conclusões a que chegou a Direção de Finanças de (...), à escassa informação fornecida pelo ora Recorrente ao pagamento avultado em numerário, sem que se mostre cumprido o disposto no artigo 63.º C da LGT, estamos perante operações simuladas.
Verifica-se assim, que a fundamentação das correções à matéria tributável cingiu-se às afirmações conclusivas efetuadas pela Direção de Finanças de (...) e a elementos recolhidos junto da Recorrente não tendo sido efetuadas outras diligências
Acresce ainda como resulta do facto provado nas alíneas K) e J), no ano de 2009, a Impugnante foi objeto de um procedimento inspetivo que incidiu sobre os exercícios de 2005 e 2006, e que também teve na sua génese uma proposta enviada pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direcção de Finanças de (...), que fazia menção a um sujeito passivo não declarante, suspeito da emissão de faturação falsa – empresa “M-., Lda.”.
Do relatório final elaborado no âmbito desse procedimento referido constam as seguintes conclusões:
“Assim, as conclusões do Relatório de Inspecção Tributária, elaborado pela Direcção de Finanças de (...), demonstraram estarem na presença de um não declarante e não, de um emitente de facturação falsa, como a proposta de inspecção, antes enviada, alegava.
Estes indicadores – tal como se encontram apresentados são insuficientes para concluir que as faturas em causa não titulam serviços prestados.
Com efeito estes indícios, relativos as M-.” são estranhos ao Recorrente e nenhum deles, mesmo analisado individualmente e em concatenação com os demais, não são suficientes para que se possa ter por indiciado que as faturas que aquele contabilizou não correspondem a serviços prestados pelo seu emitente.
Reapreciados e analisados, os indícios que sustentaram a correções efetuadas bem como os factos dados como provados, não é suficiente para formar a convicção, que as faturas constantes na contabilidade do Recorrente emitidas por M-., não correspondem a verdadeiras prestações de serviços.
Importa referir que de todo o relatório de fiscalização não se extrai um único facto suscetível de demonstrar que a Recorrente simulou negócios com o propósito de se subtrair ao pagamento do imposto.
Tem a jurisprudência dos tribunais superiores entendido que não é necessário que a administração tributária prove os pressupostos da simulação, sendo bastante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, indícios sérios e objetivos, que traduzam uma probabilidade elevada de as faturas em causa não corresponderem a operações reais (cfr. acórdão deste tribunal n.º 00415/04 de 29.09.2005 disponível in www.dgsi.pt).
Pelo que a Administração Tributária não tem que demonstrar que o sujeito passivo declarou em conluio com o vendedor uma aquisição com o intuito de enganar o fisco, mas apenas que recolher indícios objetivos e consistentes de que a aquisição declarada pelo sujeito passivo não se verificou e que daí deriva prejuízo para o fisco.
Ora no caso em apreço, não há consistência dos indicadores recolhidos pela fiscalização.
Tendo a Administração Tributária desconsiderado faturas que reputou de falsas competia-lhe fazer prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existiam indícios sérios e credíveis de que as operações constantes da fatura não correspondiam à realidade.
E só após recaia sobre a Impugnante / Recorrente o ónus de provar que, apesar dos indícios recolhidos quanto à simulação das operações, as faturas titulavam efetivamente reais operações.
Assim sendo, como se entende que é, há que concluir, que a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação dos artigos 74.º e 75.º da LGT 23.º do CIRC, bem como da matéria de facto e das regras de repartição do ónus da prova.
Pelo que procedem as conclusões das alegações da Recorrente, impondo-se a revogação da decisão recorrida.
A procedência nesta parte do recurso leva a que o Tribunal deixe de conhecer das restantes questões nele equacionadas, por o conhecimento das mesmas se mostrar prejudicado pela solução tomada.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/Sumário.
I. Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes:
Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao recurso, revogando-se sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia aos Serviços do Ministério Público – Arcos de Valdevez, melhor identificado nos autos.

Custas pela Recorrida, com dispensa da taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Porto, 23 de abril de 2020


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes