Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00003/11.0BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 02/08/2024 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Margarida Reis |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; MÉTODOS INDIRETOS; REQUISITOS; |
Sumário: | I. Cabe à Administração fiscal demonstrar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, constituindo essa demonstração requisito para que possa recorrer à avaliação indireta da matéria tributável. II. O recurso a margens médias do lucro líquido sobre as vendas é uma das metodologias ao dispor da Administração fiscal, mas apenas e só para, e uma vez verificados os pressupostos para a tributação pelos métodos indiretos, chegar à quantificação presumida da matéria coletável. III. O mesmo se diga relativamente à alegada “declaração de rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos obtidos no sector em que a empresa se insere a nível de unidade orgânica e a nível nacional”, pois não existe qualquer princípio económico que dite que as empresas têm de ter um lucro constante ao longo dos seus vários exercícios de atividade, por um lado, e por outro, não se vislumbra como é que a Administração fiscal pretende deduzir do mero afastamento dos “rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização (…) obtidos no sector” a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, pressuposto que estava obrigada a demonstrar.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2017-03-25 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial interposta por [SCom01...], Lda. tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios referentes aos exercícios de 2007 e 2008, no valor global de EUR 32.364,00, vem dela interpor o presente recurso. A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: A - Incide o presente recurso sobre a Douta sentença de 25/03/2017, que julgou procedente a presente impugnação, na convicção de que “…a Administração Tributária não logrou demonstrar os pressupostos do recurso à tributação indiciária ou por presunções.” B - Propôs-se a Meritíssima Juíza a quo decidir relativamente ao erro nos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos, aduzindo, como fundamentação fáctico-jurídica que da presunção de verdade da declaração do contribuinte resulta a vinculação da Administração Tributária à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte (como é consabido), sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados. C - Na decorrência do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, tal presunção não opera sempre que a contabilidade ou escrita (ainda que organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal) revelarem indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo – como ocorre no caso ora em apreço, cf. fls. 270 do processo administrativo (conclusão). D - Nos termos do n.º 3 do art.º 74.º da LGT, “em caso (como o vertente) de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”; a questão que se coloca é a de saber se a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspeção, propiciou à ora impugnante, o conhecimento dos motivos que a levaram a agir nos termos em que o fez, ou seja, se foram dadas a conhecer as razões (de facto e de direito) em que se apoiou a decisão de recurso aos designados métodos indiretos. E - Refere a sentença ora em apreço (e bem) que o procedimento de avaliação indireta da matéria coletável assenta em duas fases: a fase da qualificação e a fase da quantificação. A fase da qualificação traduz-se na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiretos e agrega todo o processo de validação ou invalidação dos dados disponibilizados pelo contribuinte, incluindo a avaliação da qualidade das omissões ou incorreções verificadas, do ponto de vista da sua importância e extensão, da sua capacidade de transmitir ou emanar a verdade fiscal daquele contribuinte. A fase da quantificação traduz-se no momento em que a Administração Tributária aplica o critério ou critérios que entendeu para apurar o lucro tributável. F - Ora, na sequência de testes de conformidade aos valores declarados pela aqui impugnante no âmbito de ação inspectiva de comprovação/verificação (a inspeção tributária partiu dos valores de existências, compras, vendas e margens declaradas pela impugnante, por secção, nos exercícios de 2007 e 2008), revelaram-se indícios de omissão de vendas: margens de comercialização declaradas inferiores às obtidas por amostragem e rácios de rentabilidade fiscal e margens de comercialização declaradas inferiores às do setor de atividade em que se insere a impugnante. G - Tais testes tiveram em consideração as compras efectuadas ao fornecedor [SCom02...] SA, principal fornecedor da ora impugnante, cf. fls. 256, 257 e 262 do processo administrativo. As compras referenciadas na amostragem realizada pela inspeção tributária “representam 55% e 80% da totalidade, respectivamente, em 2007 e 2008”; ou seja, são amostras representativas do universo (cf. fls. 759 B do processo administrativo). H - As margens de comercialização, por secção, foram apuradas com base em amostragens obtidas a partir de ficheiros com a totalidade de vendas e compras fornecidos pela aqui impugnante (cf. fls. 256 e 258 do processo administrativo), realizadas em ... - a abertura do estabelecimento em ... ocorreu em 28/06/2007. I - Assim, quando a impugnante questiona, no articulado 118.º da PI, o facto de a Administração Tributária, num determinado produto (692306), “ter obtido como compras 12 unidades e como vendas 24” (cf. fls. 348 do processo administrativo ou, de acordo com a impugnante, “pág. 164 do relatório”, da qual constam os seguintes valores na coluna respeitante a Qtd_vendida: 241,00 e 14,00 na coluna relativa a Qtd_compra) a resposta só pode ser uma (que não a do pretenso erro que a impugnante pretende imputar à realização da amostragem): tais foram os valores facultados pela própria impugnante! Ou, por outras palavras, a contabilidade ou escrita do sujeito passivo deixa de se presumir como verdadeira, quando existam erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte. J - Mais, tendo o volume da matéria coletável presumida, obrigatoriamente, de assentar em dados objetivos, racionais e fundamentados, ou seja, em dados aptos a inferir os factos tributários, e não meras hipóteses abstractas, suspeitas ou suposições, atente-se à fundamentação expendida no relatório de inspeção (constante, alias, de fls. 15 da sentença aqui em apreço: “Da análise efetuada conclui-se que os registos contabilísticos dos exercícios de 2007 e 2008 não refletem a totalidade da atividade desenvolvida pelo sujeito passivo. Esta conclusão tem como suporte os seguintes fundamentos e indícios: - margens de comercialização declaradas inferiores às obtidas por amostragens realizadas a partir de ficheiros de compras e vendas do contribuinte; - declaração de rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos obtidos no sector em que a empresa se insere a nível de unidade orgânica e a nível nacional. Estas insuficiências impossibilitam a determinação dos valores efectivamente omitidos na contabilidade, sendo, assim, impossível de quantificar de forma direta e exata os resultados efectivamente obtidos; ou como expressamente refere a sentença ora em apreço, a Administração Tributária realizou testes para apurar as margens de lucro através de amostragens e constatou que eram superiores às declaradas, denotando, assim, a omissão de proveitos. K - Refere a sentença que se levantam várias dúvidas quanto à valia de percentagens de lucro obtidas por testes, como indicador de que existem proveitos omitidos que permitam assim à Administração Tributária afastar-se das declarações do sujeito passivo, e vir apurar a matéria coletável por recurso a métodos indiciários – mas que duvidas, neste caso concreto? A sentença não as especifica. Vejamos se a impugnante o faz: L - Questiona a impugnante o facto de a inspeção tributária se ter baseado nos preços recomendados pelo master franchise e não nos preços efetivos praticados pelo contribuinte, “preços esses que poderiam, e deveriam, ter sido obtidos junto dos talões de registo de vendas do contribuinte” (talões das máquinas registadoras), dedicando, alias, os articulados 33.º a 109.º da PI (como os documentos 49 a 218 juntos à mesma) ao confronto entre o preço de venda de alguns artigos com o valor médio apurado pela inspeção relativamente aos mesmos. M - A propósito cumpre realçar o seguinte: numa boa parte dos exemplos apontados pela impugnante a diferença de valores encontrada não é significativa, situando-se entre 1 e 2 cêntimos; em momento algum os exemplos apontados contemplam preços de venda superiores aos valores médios apurados pela inspeção, não obstante o relatório da ação inspetiva evidenciar a existência de margens de comercialização, quer inferiores, quer superiores às declaradas em ambos os exercícios alvo de inspeção (cf. fls. 266 e 267 do processo administrativo, das quais constam também os respetivos quadros comparativos); a questão não é nova: ainda em sede de procedimento de revisão da matéria tributável a impugnante a tinha suscitado, precisamente nos mesmos moldes (cf. fls. 755 A in fine, e 759 B do processo administrativo), pelo que se reproduz aqui a posição do perito da Administração Tributária “O contribuinte … apresentou talões de caixa que demonstram que o preço de venda de determinado artigo num determinado dia é inferior ao valor médio apurado pela inspecção. No entanto…não apresenta qualquer talão relativamente ao mesmo artigo em que obrigatoriamente o preço teria de ser superior para que, o valor médio das vendas fosse o apurado pelos serviços de inspecção, uma vez que foram tidas em consideração a totalidade das vendas desse artigo” (dados fornecidos pela própria impugnante), “Os elementos agora apresentados (talões de caixa) …não põem em causa os valores determinados pela inspecção tributária, os motivos para aplicação de métodos indirectos bem como os critérios de apuramento do resultado tributável”; desconhecendo-se, inclusivamente, se os talões apresentados pela impugnante se inserem numa qualquer campanha promocional, das profusamente anunciadas nos media. N - Ao que acrescem os esclarecimentos prestados pela Sr.ª Inspetora Tributária a fls. 262 e 263 do processo administrativo, no sentido de o ficheiro de vendas facultado pela impugnante não permitir a realização de amostragens às secções bacalhau, queijo corte, charcutaria tradicional, aves tradicionais, aves LS, peixaria tradicional, peixe congelado a granel, frutas e legumes, frutos secos, talho; dada a falta de indicação das compras desses bens em quantidade e valor, pelo que, nestas secções, a amostragem foi realizada com base no ficheiro de compras efectuadas à empresa [SCom02...] SA, fornecido pela impugnante (o qual, cf. fls. 265 do processo administrativo, “está de acordo com as facturas emitidas pela [SCom02...] SA”); O - “Utilizamos o preço de venda recomendado pela Central de Mercadorias para apurar a margem de comercialização das mercadorias incluídas nas secções … acima … dado ser o único preço conhecido, uma vez que na contabilidade não existem elementos que nos permitam conhecer os preços de venda unitários dos produtos comercializados. Também não foi possível apurar o preço de venda destes produtos através do ficheiro de vendas fornecido pela empresa, dado as quantidades indicadas no ficheiro não corresponderem ao peso das mercadorias, mas sim ao número de registos na caixa registadora.” P - A argumentação da impugnante constante dos articulados 128.º a 132.º da PI carece de qualquer sentido, face ao teor de fls. 268 e 269 do processo administrativo, nas quais constam quadros relativos aos valores médios (no caso, margens e rentabilidade fiscal, conforme decorre do subtítulo 4.2 do capítulo IV do relatório de inspeção) declarados à Administração Tributária, quer pela ora impugnante (rácio), quer pelos restantes contribuintes enquadrados no mesmo setor de actividade (quer ao nível regional, da unidade orgânica, quer ao nível nacional); e seguramente que a legenda constante do último parágrafo de fls. 268 do processo administrativo (ao identificar o item MARGEM BRUTA I constante do quadro com o conceito de margem de comercialização) responde às inquietações expressas pela impugnante no articulado 130.º da PI. Q - A verdade é que a sentença faz uma errónea aplicação do direito à factualidade que se deveria ter dado por provada, e que, dos autos, não sobra qualquer dúvida de que todo o circunstancialismo demonstrado pela AT deve orientar o julgador no sentido contrário da decisão tomada. R - A decisão recorrida merece esta censura e, por isso, deve ser revogada e substituída por outra que julgue a impugnação procedente. Termina pedindo: Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso, deve a sentença ora em apreço se revogada e substituída por outra que julgue a impugnação procedente. *** A Recorrida apresentou contra-alegações, que conclui como se segue: CONCLUSÕES: 1ª - Cinge-se o presente recurso à análise da ilegitimidade por parte da Administração Fiscal, para recorrer aos métodos indirectos, como o fez. 2ª - A douta sentença recorrida deu razão á impugnante, quando esta alegou e provou em sede de Impugnação Judicial, que a decisão do recurso a métodos indiciários por parte da Inspecção Tributária, não foi devidamente fundamentada. 3ª - Nem a Administração Tributária fundamentou a razão por que se mostrou impossível a determinação do lucro tributável, por recurso a métodos directos ou correcções técnicas. 4ª - A Inspecção Tributária, no caso presente, recorreu aos métodos indiciários por dois motivos, nomeadamente por entender que as margens de comercialização da impugnante são inferiores às obtidas por amostragem, e ainda, 5ª - Porque os rácios de rentabilidade fiscal e as margens de comercialização serem inferiores às obtidas no sector de actividade em que a empresa se enquadra. 6ª - Não relevando, o conteúdo dos documentos de compras e vendas reais da impugnante. 7ª - As amostragens efectuadas pela Inspecção, encontram-se erradas, inadequadas ao universo que pretendiam ilustrar, pois tais amostragens foram baseadas nos preços recomendados pelo “master franchise” ignorando preços efectivamente praticados pelo impugnante. 8ª - A prática de preços mais baixos que a recomendada pelo “master franchise”, obedecia a razões de ordem económica e concorrencial. 9ª - Com o objectivo de atrais e manter clientela, dada a existência de concorrência do tipo e com a dimensão e presença semelhantes á Impugnante. 10ª - A Administração Fiscal nunca poderá fundamentar a quantificação da matéria tributável, nos termos em que a fez, quer em sede de Inspecção, quer em sede de contestação, quer em sede de recurso. 11ª - Pelo que não têm qualquer fundamento, quer de facto quer de direito, a totalidade das alegações e conclusões da Fazenda Pública, conforme descritas no seu recurso. 12ª - Pelo que se deve manter na íntegra a sentença recorrida. Termina pedindo: Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, por não provado, com a consequente manutenção, na íntegra, da sentença recorrida. *** O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do regime aplicável à avaliação da matéria coletável através de métodos indiretos, concluindo, erradamente que a Administração fiscal não justificou a respetiva aplicação, como lhe competia. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: IV.1. Factos provados: Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos: 1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º ...73, a Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de ... levaram a cabo uma ação de inspeção à Impugnante, de âmbito parcial, em sede de IVA e IRC, que incidiu sobre os exercícios económicos de 2007 e 2008. – Cfr. fls. 246 e ss. do processo administrativo apenso (PA), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. Em 13.04.2010, após o cumprimento da audição prévia no âmbito da ação de inspeção referida em 1., foi elaborado o relatório de inspeção tributária, sancionado por despacho em 20.04.2010, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, destacando-se o seguinte: “(…) IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos 4.1 Omissão de vendas no exercício de 2007 1) Apuramento da MBL/PC global declarada MBL/PC declaradas A partir dos valores declarados de compras, existências e vendas calculamos as margens de comercialização declaradas pelo contribuinte nos exercícios de 2007 e 2008. (…) Como podemos ver no quadro acima exposto, o sujeito passivo declarou nos exercícios de 2007 e 2008 margens de comercialização sobre o custo de 15,61% e de 19,52%. 2) Apuramento da MBL/PC declarada por secção Para apuramento da margem declarada por secção repartimos as existências, as compras e as vendas por secções. Secções (2007): - Talho tradicional, Aves tradicionais, Talho LS, Aves LS, Charcutaria tradicional, Charcutaria LS, Frutos secos, Frutas legumes e plantas, Peixaria tradicional, Peixe congelado a granel, Imprensa jornais, Congelados, Boul/past pão, Bacalhau, Mercearia, D.P.H, Álcool, Outros líquidos, Casa, Gás em garrafa, Bar, Queijo corte, Pão e Pastelaria Industrial, Iogurtes (Lacticínios ultra-frescos), Leite+ovos+manteiga, Queijo LS, Gasolinas/chumbo98, Gasolinas/chumbo95, Gasóleo, Tabaco. Secções (2008): - Talho tradicional, Aves tradicionais, Talho LS, Aves LS, Charcutaria tradicional, Charcutaria LS, Frutas legumes e plantas, Peixaria tradicional, Peixe congelado a granel, Congelados, Boul/past pão, Bacalhau, Mercearia, D.P.H, Álcool, BNA/Cerveja, Vinhos+espumosos, Casa, Bar, Queijo corte, Pão e Pastelaria Industrial, Iogurtes (Lacticínios ultra-frescos), Leite+ovos+manteiga, Queijo LS. (…) 3) Realização de amostragens às diversas secções Para nos certificarmos se as vendas declaradas pelo contribuinte estão correctas fomos apurar as margens de comercialização para as diversas secções com base em amostragens obtidas a partir de ficheiros de vendas e compras fornecidos pelo sujeito passivo. Ficheiro de Vendas Solicitamos ao contribuinte ficheiro com o total de vendas e compras (quantidade e valor) por artigo. O sujeito passivo forneceu-nos um ficheiro em formato Excel designado por “... desde 28062007” que contém duas folhas, uma com as vendas do exercício de 2007 (...) e outro como total de vendas do exercício de 2008. (…) 4.2 Declaração de Rácios (Margens e rentabilidade fiscal) inferiores aos obtidos na unidade orgânica e a nível nacional No exercício de 2007, o sujeito passivo declarou rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos valores médios obtidos a nível desta unidade orgânica e a nível nacional, conforme se demonstra no quadro a seguir exposto: (…) No exercício de 2008, a margem de comercialização (margem bruta 1) declarada pelo contribuinte é inferior ao rácio nacional mas ligeiramente superior ao obtido na unidade orgânica. No que respeita à rentabilidade fiscal verificámos que o valor declarado pelo contribuinte é muito inferior ao obtido a nível da unidade orgânica e a nível nacional. (…) A declaração de margens de comercialização inferiores às obtidas a nível da unidade orgânica e a nível nacional sem razão aparente é também um indício de omissão de vendas. Se efectuarmos uma análise comparativa, verificamos que o exercício de 2007 é um ano em que se verifica uma redução significativa na margem de comercialização. Por outro lado em 2008, constatou-se o acentuar da diminuição da rentabilidade fiscal. (…) Conclusão: Da análise efectuada conclui-se que os registos contabilísticos dos exercícios de 2007 e 2008 não reflectem a totalidade da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo. Esta conclusão tem como suporte os seguintes fundamentos e indícios: - margens de comercialização declaradas inferiores às obtidas por amostragens realizadas a partir de ficheiros de compras e vendas do contribuinte; - declaração de rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos obtidos no sector em que a empresa se insere a nível de unidade orgânica e a nível nacional. Estas insuficiências impossibilitam a determinação dos valores efectivamente omitidos na contabilidade sendo, assim, impossível de quantificar de forma directa e exacta os resultados efectivamente obtidos. Deste modo, tendo em conta a impossibilidade de comprovar e quantificar directa e exactamente os elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável dos exercícios de 2007 e 2008, propõe-se a aplicação de métodos indirectos, dado que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no Art.º 52 do CIRC e na alínea b) do Art.º 87 e na alínea a) do Art.º 88 ambos da Lei Geral Tributária. V- Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos 5.1 Critérios Dada a impossibilidade de comprovar e quantificar directa e exactamente os elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável, estimamos vendas para o exercício de 2007 e 2008, com base nos seguintes critérios: Ano 2007 - correcção positiva no montante de 3.011,02 ao CMVMC da secção peixaria tradicional e correcção negativa no montante de 3.011,02 ao CMVMC da secção Frutas legumes e plantas por motivo de erro de lançamento das compras à taxa de 5% no dia 0610712007 (troca de contas); - aplicação das MBL/PC obtidas nas amostragens realizadas em cada secção (bacalhau, queijo corte, charcutaria tradicional, aves tradicionais, aves LS, peixaria tradicional, peixe congelado a granel, 1frutas legumes plantas, frutos secos, talho tradicional, talho LS, charcutaria LS, queijo LS, iogurtes, leite+manteiga+ovos, congelados ,mercearia, DPH, álcool, outros líquidos, casa) ao seu CMVMC; - aplicação da MBL/PC obtida na amostragem Padaria/pastelaria ao CMVMC das secções Boul/Past. Pão e Pastelaria Industrial; - consideramos que as vendas constantes da factura n.º ...16 no montante de 142.865,10+ 22.709,58 (IVA)=165.574,68 para o [SCom03...] foram efectuadas a preço de custo, dado esta venda ocorrer por motivo do trespasse do estabelecimento localizado no .... - estimamos vendas para as secções onde não realizamos amostragens (Bar, Super S/Chumbo 95, Super S/Chumbo 98, Gasóleo, Gás, Tabaco, Jornais) no mesmo montante dos valores declarados pelo contribuinte: (…) - ao valor total de vendas estimado deduzimos o valor dos descontos do cartão fidelidade cliente que somam o montante de 9.730,08. Ano 2008 - aplicação das MBL/PC obtidas nas amostragens realizadas em cada secção (bacalhau, queijo corte, charcutaria tradicional, aves tradicionais, aves LS, peixaria tradicional, peixe congelado a granel, frutas legumes+plantas+frutos secos, talho tradicional, talho LS, charcutaria LS, queijo LS, iogurtes, leite+manteiga+ovos, congelados, mercearia, DPH, álcool, BNA/Cerveja, Vinhos+espumosos, casa) ao seu CMVMC; - aplicação da MBL/PC obtida na amostragem Padaria/pastelaria ao CMVMC das secções Boul/Past. Pão e Pastelaria Industrial; - ao valor total de vendas estimado deduzimos o valor dos descontos do cartão fidelidade cliente que somam o montante de 9.730,08. - estimamos vendas para a secção Bar no montante de 43.425,77. Este valor coincide com o valor declarado pelo contribuinte, uma vez que não realizamos amostragem a esta secção por impossibilidade de realização, tal como referimos no ponto 4.1. - ao valor total de vendas estimado deduzimos o valor dos descontos do cartão fidelidade cliente que somam o montante de 19.751,52. 5.2 Cálculos Ano 2007 Vendas estimadas (2007)=(CMVMC secção - vendas [SCom03...] por secçãol) x MBL/PC (amostragem) + vendas [SCom03...]. Em face dos critérios apresentados no ponto anterior estimamos vendas para o exercício de 2007 no montante de 3.571.789,86, conforme se demonstra no quadro seguinte: (…) Em face das correcções propostas no exercício de 2007 por métodos indirectos às vendas e por métodos directos aos custos (amortizações), resulta uma correcção ao resultado líquido do exercício no montante de €168.412,96. (…) Ano 2008 Vendas estimadas (2008)=(CMVMC secção)x MBL/PC (amostragem) Em face dos critérios apresentados no ponto anterior estimamos vendas para o exercício de 2008 no montante de 4.122.510,91, conforme se demonstra no quadro seguinte: (…) Em face das correcções propostas no exercício de 2008 por métodos indirectos às vendas e por métodos directos aos custos (amortizações), resulta uma correcção ao resultado liquido do exercício no montante de €112.255, 14. (…).”. – Cfr. fls. 216 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 3. Pelo ofício n.º ...65, de 23.04.2010, foi a Impugnante notificada de que foi fixado o rendimento coletável para efeitos de IRC e de que foi fixado o IVA, ambos por métodos indiretos, referentes aos exercícios económicos de 2007 e 2008, com base no Relatório de Inspeção Tributária. – Cfr. fls. 747/751 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 4. A Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria coletável nos termos constantes de fls. 752/757 do PA, cujo teor se tem por reproduzido. 5. Em 02.07.2010, 07.07.2010 reuniram-se os peritos para a reunião do pedido de revisão da matéria tributável, tendo sido lavradas as atas n.ºs 19/10 e 19/10 (continuação), constante de fls. 758/760 do PA, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, dando-se aqui por integralmente reproduzido. 6. Em 12.07.2010, o Diretor de Finanças proferiu a seguinte decisão: “(…) DECISÃO (n.º 6 do artigo 92.º da LGT) Nos termos do n.º 6 do art.º 92.º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos. Assim, considerando que o perito da Administração Tributária defende a manutenção dos valores objecto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, manter os valores fixados, aqui, em discussão. (…)”. – Cfr. fls. 761 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzida. 7. Na sequência da ação inspetiva, a Administração Tributária emitiu os atos de liquidação adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios juntos a fls. 26/73 do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por uma questão de brevidade, com o valor global de € 32.364,00 euros. IV.2. Factos não provados: Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados e não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa. IV.3. Motivação: A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e juntos ao processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos. A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito. * II.2. Fundamentação de Direito Tal como se deixou sumariado acima, a Recorrente imputa à sentença erro de julgamento de direito, por, na sua tese, ali ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do regime legal aplicável à realização da avaliação indireta da matéria coletável. Contextualizando, em causa está o recurso da sentença que julgou procedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e correspondentes juros compensatórios relativos aos exercícios de 2007 e 2008 da Recorrida, por ali se ter concluído que a Administração fiscal não demonstrou a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável. Alega a Recorrente, em síntese, que as margens de comercialização, por secção, foram apuradas com base em amostragens obtidas a partir de ficheiros com a totalidade de vendas e compras fornecidos pela aqui impugnante, e que a sentença não especifica que dúvidas que se levantam quanto à valia das percentagens de lucro obtidas através dos testes efetuados. Vejamos então. Tal como suprarreferido, a sentença sob recurso julgou procedente a impugnação judicial em causa, por ali se ter concluído que as liquidações impugnadas padeciam de erro de direito nos pressupostos, por não ter sido demonstrada pela Administração fiscal a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável. Para tanto, entendeu o Tribunal a quo que na fase de aferição da existência dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiretos a Administração fiscal não pode, como sucedeu no caso em apreço, lançar mão de “testes, através de amostragens e outros” para sustentar a mesma, sendo certo que no caso a liquidação se sustentou formalmente na impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável por alegada inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal [cf. arts. 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea a) da LGT]. Ora, desde já se adianta que a sentença fez uma correta interpretação e aplicação ao caso concreto do direito aplicável, tal como resulta da respetiva fundamentação, que aqui se transcreve no extrato pertinente: (…) A Administração Tributária considerou verificar-se a omissão de vendas através de apuramento das margens de comercialização e através dos rácios da rentabilidade fiscal obtidos na unidade orgânica e a nível nacional. Com efeito, consta do relatório de inspeção as seguintes conclusões: “Conclusão: Da análise efectuada conclui-se que os registos contabilísticos dos exercícios de 2007 e 2008 não reflectem a totalidade da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo. Esta conclusão tem como suporte os seguintes fundamentos e indícios: - margens de comercialização declaradas inferiores às obtidas por amostragens realizadas a partir de ficheiros de compras e vendas do contribuinte; - declaração de rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos obtidos no sector em que a empresa se insere a nível de unidade orgânica e a nível nacional. Estas insuficiências impossibilitam a determinação dos valores efectivamente omitidos na contabilidade sendo, assim, impossível de quantificar de forma directa e exacta os resultados efectivamente obtidos. Deste modo, tendo em conta a impossibilidade de comprovar e quantificar directa e exactamente os elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável dos exercícios de 2007 e 2008, propõe-se a aplicação de métodos indirectos, dado que se encontram verificados os pressupostos estabelecidos no Artº 52 do CIRC e na alínea b) do Artº 87 e na alínea a) do Artº 88 ambos da Lei Geral Tributária. Portanto, como se constata, a AT concluiu pela impossibilidade de comprovação direta e exata da matéria tributável nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e alínea a) do artigo 88.º da LGT devido apenas e só às margens de comercialização apuradas pela Administração Tributária e pelos rácios de rentabilidade fiscal (ponto IV do relatório de inspeção tributária). Ou seja, Administração Tributária realizou testes para apurar as margens de lucro através de amostragens e constatou que eram superiores às declaradas, denotando, assim, a omissão de proveitos. Ora, estamos na fase da qualificação do procedimento de avaliação indireta da matéria coletável que se traduz na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiretos. A fase da quantificação vem depois e traduz-se no momento em que a Administração Tributária aplica o critério ou critérios que entendeu para apurar o lucro tributável. Portanto, proceder a testes, através de amostragens e outros, como pressuposto para o recurso à avaliação indireta, mais não representa do que a mistura entre os pressupostos da tributação por métodos indiciários e a quantificação da matéria tributável. De facto, importa notar que a margem de comercialização foi determinante quer para a consideração de que era impossível a comprovação direta e exata da matéria tributável, quer para a operação de determinação do quantum da matéria coletável, pois que pela aplicação das percentagens das margens de comercialização (mesmo as declaradas pelo contribuinte) é que a Administração Tributária configurou o montante das correções ao lucro tributável. Dá-se aqui uma inversão do raciocínio, pois enquanto o artigo 87.º e 88.º da LGT prevê as circunstâncias que legitimam a administração fiscal a lançar mão dos métodos indiciários, o artigo 90.º do mesmo diploma estabelece os critérios de quantificação da matéria tributável por métodos indiciários. E as percentagens apuradas pelos testes não são indício fundado de que a contabilidade não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido, mas antes servem como método para a operação de quantificação da matéria tributável a que devia estar subjacente um indício. Importa notar que se levantam várias dúvidas quanto à valia de percentagens de lucro obtidas por testes, como indicador de que existem proveitos omitidos que permitam assim à Administração Tributária afastar-se das declarações do sujeito passivo, e vir a apurar a matéria coletável por recurso a métodos indiciários. Se as percentagens de lucro obtidas em resultado de testes de amostragem se afiguram como critério adequado de quantificação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, sendo que esta posição menos favorável do contribuinte compreende-se «porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante» (cf. acórdão do TCA Sul de 01.02.2011, P. 4417/10), este raciocínio não é transponível para o momento anterior em que cabe à Administração Tributária encontrar os erros ou inexatidões da contabilidade ou recolher indícios fundados de que aquela não reflete a situação real da empresa. Ademais, enquanto técnica de pesquisa, as amostragens/percentagens admitem uma margem de erro e a verdade é que a verificação da existência dos pressupostos para o recurso a métodos indiciários não se compadece com “margens de erro”, já que estas afastam que os dados resultantes da amostragem se considerem indícios consolidados, revelando apenas como meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios. Nesta fase – a da qualificação – não se poderá fazer incidir sobre o contribuinte este risco – do erro da amostra – pois o sujeito passivo continua a ter do seu lado a presunção de veracidade das suas declarações. Acrescente-se que, ainda que se considere que as percentagens de lucro estimadas constituem um sintoma de que a escrita da Impugnante não reflete a sua verdadeira situação tributária, uma espécie de «sinal de alarme», uma razão para uma análise mais apurada, uma justificação para uma ação de fiscalização, não são fundamento bastante para abalar a credibilidade da escrita. As percentagens de lucro estimadas não representam um padrão de normalidade, ou seja, são sempre uma estimativa, que comporta desvios, incluindo dentro da própria amostra. E esses desvios, tal como os erros da amostra, poderão por si justificar as divergências que se encontram entre os proveitos declarados e os proveitos estimados. Assim, só poderão pôr em causa a credibilidade dos dados contabilísticos se, com recurso a outros elementos, não se encontrarem motivos para a existência de desvios à estimativa. E note-se que in casu a Impugnante alegou existirem justificações para as divergências encontradas, em resultado de ter praticado preços mais baixos do que os recomendados por razões de ordem económica e concorrencial como forma de atrair clientela, dada a fortíssima presença de outros concorrentes de relevância comercial. Um rendimento resultante da aplicação de percentagens de lucro estimadas (obtidas em testes/amostragens) continua a ser um rendimento presumidamente real para efeitos do artigo 75.º da LGT. Admitir o contrário seria concluir que as declarações e a escrita só beneficiam da presunção de verdade quando forem compatíveis com as percentagens de comercialização apuradas por amostragem, independentemente das especificidades da totalidade do universo do qual foi recolhida a amostra e das caraterísticas próprias da atividade desenvolvida. Concluímos, por isso, que as diferenças entre as margens de lucro declaradas e as apuradas pela Administração Tributária pela amostragem realizada, com a consequente diferença entre as prestações de serviços/vendas declaradas e as estimadas, não constituem um elemento objetivo e concreto que permitisse à Administração Tributária concluir que a contabilidade da Impugnante não refletia a sua real situação e que era inviável o apuramento direto. Portanto, este motivo invocado pela Administração Tributária não é suscetível de consubstanciar os pressupostos para o recurso aos métodos indiciários. (…) Com efeito, e como é corretamente referido na fundamentação da sentença, acabada de transcrever, a metodologia utilizada pela Administração fiscal não só não era adequada, como não era legalmente admissível. Aliás, nesse mesmo sentido se pronunciou já este Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão proferido em 2020-11-05, no proc. 004653/04 (disponível para consulta em www.dgsi.pt), no qual se entendeu que o recurso a margens médias do lucro líquido sobre as vendas é uma das metodologias ao dispor da Administração fiscal, mas apenas e só para, e uma vez verificados os pressupostos para a tributação pelos métodos indiretos, chegar à quantificação presumida da matéria coletável. O mesmo se diga relativamente à alegada “declaração de rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos obtidos no sector em que a empresa se insere a nível de unidade orgânica e a nível nacional” (cf. RIT, ponto 2, da fundamentação de facto), pois, e como se refere no supracitado aresto, “não existe qualquer princípio económico que dite que as empresas têm de ter um lucro constante ao longo dos seus vários exercícios de atividade”, por um lado, e por outro, não se vislumbra como é que a Administração fiscal pretende deduzir do mero afastamento dos “rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização (…) obtidos no sector” a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, pressuposto que estava obrigada a demonstrar. Por fim, e quanto à alegação de que a sentença não especifica quais as dúvidas existentes quanto à valia de percentagens de lucro obtidas por testes, também não tem a Recorrente razão, pois essas dúvidas, suscitadas pela Recorrida, não foram sequer a razão determinante para o sentido da decisão, pois como resulta claro da fundamentação da sentença, o que o Tribunal entendeu, e bem, foi que a metodologia usada apenas se adequa, e apenas é permitida pela lei para alcançar a quantificação presumida, após a constatação da existência dos requisitos para o recurso à avaliação através dos métodos indiretos, e já não para sustentar esta constatação. Tanto é quanto basta para que se conclua que não cabe razão à Recorrente. Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que nada há a censurar à sentença sob recurso, devendo o recurso ser julgado integralmente improcedente. *** Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: I. Cabe à Administração fiscal demonstrar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, constituindo essa demonstração requisito para que possa recorrer à avaliação indireta da matéria tributável. II. O recurso a margens médias do lucro líquido sobre as vendas é uma das metodologias ao dispor da Administração fiscal, mas apenas e só para, e uma vez verificados os pressupostos para a tributação pelos métodos indiretos, chegar à quantificação presumida da matéria coletável. III. O mesmo se diga relativamente à alegada “declaração de rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização inferiores aos obtidos no sector em que a empresa se insere a nível de unidade orgânica e a nível nacional”, pois não existe qualquer princípio económico que dite que as empresas têm de ter um lucro constante ao longo dos seus vários exercícios de atividade, por um lado, e por outro, não se vislumbra como é que a Administração fiscal pretende deduzir do mero afastamento dos “rácios de rentabilidade fiscal e de margens de comercialização (…) obtidos no sector” a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, pressuposto que estava obrigada a demonstrar. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso. Custas pela Recorrente. Porto, 8 de fevereiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Paulo Moura – Carlos de Castro Fernandes. |