Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00136/22.7BELSB
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR, REJEIÇÃO LIMINAR, NÃO VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS:
FALTA DE PROVISORIEDADE DA TUTELA CAUTELAR REQUERIDA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório

Nos presentes autos em que é Autor JS... e outros e Ré CAAJ - Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça e outros, todos neles melhor identificados, aqueles apresentaram, junto do TAC de Lisboa, petição inicial destinada a instaurar

intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, nos termos do art.º 109.º e ss. do CPTA.

Não obstante essa declaração inicial, intercalado no requerimento inicial, suscitaram a aplicação subsidiária de tutela cautelar, apesar de expressamente declararem que necessitam de tutela de mérito urgente, e que o eventual decretamento da tutela cautelar pode dar origem à inutilidade superveniente da lide no que respeita ao processo principal a instaurar.

Precavendo essa hipótese – de adoção da forma de processo cautelar, por convolação – vieram formular os seguintes pedidos:

2. Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que não se verificam os pressupostos enunciados no art. 109.º do CPTA, intime as rés, nos termos e para os efeitos do art. 112.º /2 - i) do CPTA, a absterem-se de:
a) na plataforma Citius, bloquear as designações da primeira autora, assim como de qualquer dos sócios-agentes de execução que a integre, para processos de execução;
b) na plataforma Citius, bloquear as designações da quarta autora, assim como de qualquer dos sócios-agentes de execução que a integre, para processos de execução;
c) na plataforma Citius, bloquear as designações da décima autora, assim como de qualquer dos sócios-agentes de execução que a integre, para processos de execução;
d) na plataforma Citius, bloquear as designações da segunda autora para processos de execução;

e) na plataforma Citius, bloquear as designações da terceira autora para processos de execução;

f) na plataforma Citius, bloquear as designações do quinto autor para processos de execução;

g) na plataforma Citius, bloquear as designações do sexto autor para processos de execução;

h) na plataforma Citius, bloquear as designações do sétimo autor para processos de execução;

i) na plataforma Citius, bloquear as designações da oitava autora para processos de execução;

j) na plataforma Citius, bloquear as designações da nona autora para processos de execução;

k) na plataforma Citius, bloquear as designações da décima primeira autora para processos de execução;
l) na plataforma Citius, bloquear as designações do décimo segundo autor para processos de execução;
m) na plataforma Citius, bloquear as designações do décimo terceiro autor para processos de execução;
n) na plataforma Citius, bloquear as designações da décima quarta autora para processos de execução;
o) na plataforma Citius, bloquear as designações do décimo quinto autor para processos de execução;
p) na plataforma Citius, bloquear as designações do décimo sexto autor para processos de execução;
q) na plataforma Citius, bloquear as designações da décima sétima autora para processos de execução;
r) praticar quaisquer atos administrativos que tenham por efeito a permissão de qualquer das rés impedirem as designações de qualquer dos autores para processos de execução, seja através de bloqueio informático no Citius, seja através de qualquer outro meio.
3. Ou, também subsidiariamente, e improcedendo o pedido subsidiário anterior, para a hipótese de se entender que o art. 1.º do Regulamento n.º 1094/2020, de 18 de dezembro, é uma norma imediatamente operativa, decrete a suspensão da sua eficácia, com efeitos circunscritos aos casos dos autores, nos termos e para os efeitos do art. 130.º do CPTA;
4. Ainda subsidiariamente, improcedendo o pedido subsidiário anterior, para a hipótese de se entender que “OG.LIQ.INF.027/CAAJ/21, de 10 de junho” constitui um ato administrativo eficaz, decrete a suspensão da sua eficácia, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 128.º
do CPTA.

Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi entendido não admitir o requerimento inicial de processo cautelar apresentado.

Desta vem interposto recurso pelos Autores.
Alegando, formularam as seguintes conclusões:
I. Formou-se caso julgado sobre o despacho do TACL que, ao convolar a ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias em processo cautelar, admitiu este, liminarmente.

II. Ao “não admitir o requerimento inicial de processo cautelar” (ao rejeitá-lo liminarmente), o Tribunal recorrido conheceu, de novo, de questão cujo conhecimento lhe estava precludido, por já ter sido resolvida, em sentido contrário, no mesmo processo, por decisão transitada em julgado (precisamente, a referida decisão do TACL).

III. Verifica-se, no caso dos autos, o pressuposto do periculum in mora – ou, pelo menos, não é manifesto que ele não se verifique –, quer porque há risco de ocorrência de uma situação de facto consumado (bloqueio de designações para processos de execução), quer porque há risco de produção de danos de difícil reparação (perda de clientela).

IV. Caso o tribunal entenda que não foram alegados factos essenciais concretizadores, deverá, sob pena de nulidade da sentença recorrida, proferir despacho pré-saneador de forma a conceder às partes oportunidade para suprir a insuficiência na alegação da matéria de facto.

V. A providência cautelar consistente na intimação das recorridas para se absterem de bloquear as designações dos recorrentes em processos de execução constitui mera antecipação parcial da tutela principal correspondente, o que assegura a sua provisoriedade.

VI. O Tribunal recorrido violou as normas dos arts. 620.º do CPC e 87.º/3, 110.º-A, 116.º/1 e 2 e 120.º/1 do CPTA.

Eis, pois, Senhores Juízes Desembargadores, expostas as razões pelas quais se requer a Vossas Excelências, julguem procedente o recurso e, em consequência, revoguem a sentença recorrida, determinando a baixa dos autos à primeira instância, a fim de, aí, ser ordenada a citação das requeridas.

Em sede de contra-alegações concluiu-se:

a. O presente recurso parece limitar-se à parte da sentença que recaiu sobre a providência cautelar antecipatória.
b. De facto, o que na sentença é decidido sobre a providência cautelar relativa ao “pedido subsidiário n.º 3”, como ali é designado, ou pedido cautelar subsidiário, como lhes chamam os Recorrentes, não é objeto de qualquer impugnação.

c. Ao que se crê, confundem os Recorrentes duas realidades: adequação processual, por um lado, e apreciação liminar, por outro.

d. Com base na natureza subsidiária da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, tal como resulta do n.º 1 do art. 109.º, o juiz do tribunal onde o procedimento deu entrada, entendeu “ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”.

e. Assim e “tendo ainda em conta o pedido subsidiário dos Requerentes, ‘para a hipótese de se entender que não se verificam os pressupostos enunciados no art. 109.º do CPTA’, Convolo a presente intimação em processo cautelar”.

f. Após esta decisão, o tribunal declarou-se territorialmente incompetente.


g. Poder-se-ia, porventura, questionar, se, sendo incompetente, o tribunal poderia ter procedido à convolação em causa. Poder-se-ia igualmente questionar sobre se deveria ter sido fixado prazo para que fosse substituído o requerimento inicial.

h. Todavia, os Recorrentes renunciaram ao recurso, pelo que a decisão referida transitou, mas nos exatos termos em que foi proferida: ao caso não cabe o meio processual da Intimação, mas o da providência cautelar.

i. Ou seja, a decisão não apreciou se se verificavam ou não os pressupostos para admissão da providência cautelar ou para o seu decretamento.

j. Recebido o processo, o TAF de Braga, procedeu, pela primeira vez, à análise do conteúdo da agora providência cautelar, proferindo a sentença objeto do presente recurso.

k. A interpretação dos Recorrentes de que a convolação supõe um “pressuposto positivo”, que consideram consistir em um “juízo prima facie de viabilidade da tutela cautelar”, não se mostra minimamente fundado.

l. A apreciação do TAC recaiu sobre a adequação do meio processual às pretensões e não sobre estas em si ou sua viabilidade.

m. Poderá até defender-se, numa situação de normalidade, que a convolação, por inútil, não deveria ocorrer quando há manifesta impossibilidade de preenchimento de algum dos pressupostos exigidos no art. 120.º do CPTA, como consta do acórdão citado pelos Recorrentes.

n. Mas em causa neste recurso não está a situação de convolação, pois sobre essa não houve recurso.

o. Assim, não se pode aceitar que tenha ficado impedida a apreciação do conteúdo da providência, sobre a qual, como se disse, já, não recaiu “outra decisão”, mas a primeira.

p. A presente providência vem suportada na eventual, mas indemonstrada perda de lucro, decorrente da igualmente indemonstrada diminuição de processos executivos em que os Requerentes podem ser nomeados, por força do vigente regime de contingentação.

q. Os Requerentes não sabem se virão a ficar bloqueados ou, se tal acontecer, quando ocorrerá. Por isso, este invocado “facto consumado” é meramente conjetural, o que lhe retira toda a relevância.

r. Por outro lado, os Requerentes não têm qualquer certeza de que, sem contingentação, seriam designados para mais processos executivos do que o número máximo base ou adicional de processos decorrente do regime da contingentação.

s. Sobre os danos, invocam os Requerentes como dano imediato a “perda dos rendimentos que cada um dos autores obteria com as designações omitidas”.

t. O simples facto de tais danos poderem ser indemnizados, no dizer dos Requerentes afasta-os da categoria de danos irreparáveis.

u. A remuneração dos agentes de execução na condução dos processos executivos não decorre essencialmente do número de processos para que são designados, mas do valor dos mesmos, pois são remunerados essencialmente pelo valor recuperado ou garantido.

v. Os rendimentos que os Requerente pudessem deixar de receber não impõem que as suas despesas não possam ser suportadas por outros rendimentos – profissionais, prediais, etc - ou por outros meios – poupanças, empréstimos… E sequer existe qualquer princípio de prova de que não tenham, ou não possam ter, outros rendimentos.

w. Várias das Recorrentes são sociedades de AE e solicitadores, desconhecendo-se a parte dos rendimentos que decorrem de uma ou outra das atividades. Por outro lado, os AE têm que ser solicitadores ou advogados, pelo que sempre poderão exercer tais atividades, na maior parte dos casos sem necessidade de suspenderem a atividade de agente de execução.

x. Igualmente não há qualquer prova de que a invocada perda de rendimentos implica a impossibilidade de suportar as despesas profissionais e pessoais/familiares dos Requerentes.

y. Sem “prejuízo” não há “prejuízo irreparável”, requisito exigido por lei para o decretamento da providência.

z. Invocam ainda os Recorrentes o que denominam de danos mediatos: implicações da sucessiva perda de designações no futuro profissional daqueles danos que em nada vêm concretizados.

aa. E a jurisprudência considera relevantes apenas os prejuízos que resultem direta, imediata e necessariamente da execução do ato, tornando-se necessário estabelecer um nexo de causalidade entre a execução do ato e esses prejuízos, os quais deverão consistir em prejuízos concretos e reais, e não em danos de verificação meramente eventual no futuro.

bb. Decidiu-se na sentença pela inexistência da provisoriedade que a cautela cautelar solicitada implica.

cc. Isto mesmo foi invocado pelos Recorrentes, no art. 177.º a 181.º do r.i., para justificarem o que denominaram de “impossibilidade da tutela meramente cautelar”.

dd. Obviamente que não há qualquer violação do caso julgado, confundindo os Recorrentes a decisão com a sua fundamentação.

Termos em que o presente recurso não pode merecer provimento, mantendo-se a decisão recorrida.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
Atente-se no discurso fundamentador da sentença:

Em análise liminar ao requerimento inicial apresentado, pelo referido TAC de Lisboa foi proferida decisão que:
a) Convolou a intimação em processo cautelar, por considerar que não estavam preenchidos os pressupostos a que se refere o art.º 109.º do CPTA; e
b) Ato contínuo, declarou a sua incompetência territorial para conhecer do pedido cautelar, ordenando a remessa dos autos a este TAF de Braga.


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Segundo o disposto no art.º 110.º-A do CPTA, no seu n.º 1, “quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.

Não foi, no caso concreto, ordenada a substituição da petição, porquanto, tanto quanto é possível inferir

da tramitação dos autos, o requerimento inicial já contemplava a hipótese de tutela cautelar.

Assim sendo, e porque há que seguir os termos do processo cautelar, como diz a parte final do n.º 1 do art.º 110.º-A do CPTA, cumpre, antes de mais, tomar decisão sobre a admissão liminar do requerimento
inicial.


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Acerca das causas de rejeição liminar do requerimento inicial de providência cautelar, rege o art.º 116.º, n.º 2, do CPTA, nos seguintes termos:
2 – Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento:

a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;
b) A manifesta ilegitimidade do requerente;

c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida;

d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada;

e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar;

f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal.

Pois bem, os/as Requerentes instauraram a intimação (convertida em processo cautelar) tendo em vista reagir contra uma deliberação [que, por outro lado, afirmam que não sabem se existe sequer, e, se existe, é ineficaz] que fixou um determinado número base de processos executivos que podem ser aceites pelos agentes de execução.
Deliberação que – se existir – tem por base a norma do art.º 1.º do Regulamento n.º 1094/2020, de 18.12, o qual, por sua vez, convoca como norma habilitante o art.º 167.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Solicitados e dos Agentes de Execução [OSAE], aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14.09.
Pois bem.

Como é sabido, a concessão de tutela cautelar depende da verificação de três requisitos cumulativos,

extraíveis da leitura do art.º 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA: o periculum in mora; o fumus boni iuris; e a ponderação dos interesses em presença (ou juízo de proporcionalidade).
Coloca-se o problema logo quanto ao primeiro requisito, permitindo cogitar a aplicação da previsão

do art.º 116, n.º 2, al. e), do CPTA.

Na verdade, constata-se que os/as Requerentes dedicam muito pouco espaço à análise deste requisito;

de facto, numa petição que conta 65 páginas e mais de 200 artigos, dedicam apenas 11 itens a este pressuposto, a todos eles encerrando meros juízos conclusivos.
Circunstância que não se deve a um qualquer desmazelo ou desinteresse, muito menos menor empenho em construir a petição inicial (aliás, toda ela formalmente bem construída, no que ao direito respeita, i. e., quanto às causas de invalidade), mas antes à constatação inultrapassável de que é muito difícil reconhecer nesta sede a produção de prejuízos de difícil reparação ou de um facto consumado.

Por isso, a primeira tese dos/das Requerente é a de que cada designação bloqueada (e cada designação

não feita por causa da proximidade do bloqueio) corresponde a uma situação de facto consumado,irremediavelmente consumado.

Ora, sendo certo que a designação não pode ser recuperada, tal circunstância não dá origem a um facto consumado, mas sim a prejuízos de ordem patrimonial. Pressupondo que os/as Requerentes são cumpridores de todos os deveres deontológicos que sobre si impendem, exercendo as suas funções à luz das normas legais e regulamentares aplicáveis (em particular, considerando o art.º 162.º, n.º 3, do Estatuto da OSAE), o que retiram dos respetivos processos são os honorários que remuneram os seus serviços.
Por isso mesmo, o que cada omissão de designação gera são, na verdade, meros prejuízos patrimoniais, facilmente ressarcíveis mediante a demonstração do número de designações que foram bloqueadas no portal Citius, ou daquelas que, em antecipação, ocorreu informação sobre a impossibilidade de designação. No plano dos factos, essa perda patrimonial em que se traduz a perda da designação é reintegrável.
É isso mesmo que resulta da alegação contida nos artigos 194 e ss. do requerimento inicial; nesse item 194 afirma-se, de modo expresso, que o bloqueio de designações (que antes fora tido como facto consumado) dá, afinal, azo a dois tipos de danos: os imediatos e os mediatos [utilizando, claro está, a nomenclatura contida no requerimento inicial], que os/as Requerentes procuram depois justificar como sendo irreparáveis, mas
apenas no que aos danos mediatos diz respeito (veja-se o item 197 do requerimento inicial).

Tais danos mediatos traduzem-se, de acordo com o alegado, na “sucessiva perda de designações no

futuro profissional dos autores”; portanto, um juízo profundamente conclusivo (e que, no final de contas, é o mesmo do chamado dano imediato, v.g., a perda de designações). Este dano remata-se com outro juízo profundamente conclusivo, vertido no item 198 do requerimento inicial, apenas se alegando que aquela circunstância “implica e determina uma absoluta reconversão do horizonte profissional dos autores, o redimensionamento radical da estrutura organizacional que os apoia, que terá de ser reduzida, e a frustração e desaproveitamento dos investimentos feitos tendo em vista o volume de negócios preexistente e das legítimas expectativas do seu crescimento”. No que se traduz em concreto tudo isto, é desconhecido e não está alegado.

De notar, ainda a este respeito: a falta de danos concretamente alegados para cada um dos/das Requerentes. Ou seja, estamos em presença de 17 autores/autoras, e em relação a nenhum deles se alega uma hipotética situação de insolvência, a impossibilidade de sustentar a sua vida pessoal, etc… De concreto, rigorosamente nada.
O que assume particular relevo quando se constata que as situações alegadas são bastante diferentes,como resulta dos itens 57 e ss. do requerimento inicial. Assim, enquanto, por exemplo, as primeira, segunda e terceira autoras alegam que o número máximo de processos foi atingido em 15.07.2021 [item 61 do requerimento inicial], já as quarta autora e os quinto a nono autores alegam que tal apenas sucedeu em 11.11.2021, ou seja, praticamente no final do ano; também no caso da décima autora e dos 11.º a 13.º autores se alega que o número foi atingido em Novembro de 2021, pouco sobrando do ano para receber processos; o mesmo para a décima quarta autora. O décimo quinto autor obteve os 134 processos em 27.09.2021, o décimo sexto autor em Julho de 2021 (127 processos), e a décima sétima autora em Maio de 2021 (mas neste caso com algo de diferente, porque, por exemplo, em 2019 contava com apenas 9 processos, em 2018, com 5 processos, em 2017, com 22 processos, em 2016 com 4 processos).

Isto significa que a maior parte dos autores e autoras nem sequer é grandemente afetado pelo número máximo de processos, já que, em 2021, atingiram esse número quase no final do ano (Novembro). E nenhum deles está sem trabalho, em especial se atendermos a que os números fixados não se reputam de grosseiramente desrazoáveis. Do que, em suma, se poderá dizer que o processo cautelar justifica-se pela mera defesa do lucro (ou de mais algum lucro), e nunca pelo risco de um prejuízo irreparável.
Competindo aqui recordar o seguinte. A limitação em causa limita-se aos processos de execução (apenas a esses de refere o art.º 1.º do Regulamento citado, quando a norma do art.º 167.º, n.º 1, do Estatuto da OSAE é bem mais ampla), pelo que não invalida todas as outras competências passíveis de serem exercidas pelos agentes de execução, tais como citações (em processos não executivos), notificações (nomeadamente avulsas), e etc…, atendendo ao número de competências dispersas em lei.
Também não é despiciendo dizer que em causa está a atribuição de um certo número de processos no ano em causa, pelo que não invalida (de forma alguma) que os autores e as autoras continuem a trabalhar nos processos que já se lhe encontram atribuídos, retirando daí os respetivos benefícios económico-profissionais.
Assim sendo, revela-se manifesto que a situação em causa no requerimento inicial não justifica a necessidade de conceder qualquer tutela cautelar, por inexistir qualquer espécie de situação que possa dar origem a um facto consumado ou a prejuízos de difícil reparação – o que se subsume ao art.º 116.º, n.º 2, al. e), do CPTA.


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Outro aspeto que se coloca logo em sede liminar – menos relevante, apesar de tudo – é a falta de

provisoriedade que a tutela cautelar solicitada implica. Nisto, há que concordar com o que os autores escrevem no requerimento inicial, ao justificar a necessidade de tutela definitiva.
Como se sabe, a tutela cautelar tem como característica própria a provisoriedade, v.g., destina-se a acautelar a utilidade da ação a proferir na ação principal.

Ora, no caso concreto, e uma vez que o número de processos é fixado anualmente, se for decretada qualquer das providências requeridas, é certo que o processo principal jamais terá decisão até ao final de 2022. Do que resultaria que, findo o ano em causa, aquela ação principal seria inútil, já que a posição dos autores e autoras estaria definitivamente tutelada, ou seja, não era possível retirar-lhes as designações nos processos em causa e anular todos os atos que praticaram. Nem mesmo por via (que nem se concebe…) da devolução dos honorários.

O mesmo é dizer: obteriam os autores, pela tutela cautelar, o efeito que só devia resultar de uma decisão de mérito: poder receber, em 2022 (e esta é a pedra de toque, i. e., o ato esgota os seus efeitos em 2022 de forma automática), um número ilimitado de processos executivos. Só uma decisão de mérito, célere, poderia acautelar essa situação.

Seja como for, apesar desta constatação, não é o elemento mais relevante em sede liminar, mas sempre seria um fator de recusa da concessão da tutela cautelar pretendida, associada à anteriormente referida, e subsumível à mesma norma.

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Particularmente no que diz respeito ao pedido subsidiário n.º 3, este tem por base a hipótese de a norma do art.º 1.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1094/2020, de 18.12, ter natureza imediatamente operativa, v.g., cujos efeitos jurídicos se produzem de forma direta e imediata na esfera jurídica dos respetivos destinatários, sem a intermediação ou necessidade de ato administrativo de aplicação.

Só que este pressuposto é manifestamente inexistente (como até os/as Requerentes afirmam, e bem). A norma do art.º 1.º, n.º 1, em questão não oferece dificuldade interpretativa alguma no que a esse aspeto diz respeito. Com efeito, aí se estabelece o seguinte:
1 - A CAAJ divulgará no seu sítio institucional até 15 de junho de cada ano e depois de ouvido o conselho profissional dos agentes de execução, o número máximo base de processos executivos para os quais os agentes de execução ou as sociedades que integram possam ser designados a qualquer título.
Quer dizer: é nítido do teor da norma, e do seu sentido, que a limitação apenas existirá mediante

deliberação da CAAJ, através dos respetivos órgãos. Se esta entidade não proferir qualquer deliberação sobre o assunto, pura e simplesmente não há qualquer limite, porque a norma não o prevê; como nada diz (porque tudo remete para um ato administrativo) sobre qualquer espécie de critério ou forma supletiva. Na realidade, o n.º 2 fixa apenas uma fórmula (que competirá à CAAJ aplicar), mas não um efeito automático de limitação,
i. e., somente com a intervenção da CAAJ prevista no número anterior se pode tornar efetiva a limitação.

Se tal decorre da mera leitura da norma regulamentar, mais lapidar se torna mediante a análise da norma tida como habilitante, ou seja, o art.º 167.º, n.º 1, do mencionado Estatuto da OSAE, segundo o qual “[a] CAAJ pode fixar, até 15 de junho de cada ano, o número máximo e espécie de processos para os quais os agentes de execução ou as sociedades que integrem podem ser designados a qualquer título, depois de ouvido o conselho profissional dos agentes de execução.” – sublinhado nosso. Uma vez que a norma regulamentar tem de ser interpretada à luz da norma habilitante (e se dúvidas existissem, que não cremos que teriam sequer espaço), resulta claro que é por deliberação da CAAJ que se fixa o valor processual de referência aplicável.
Neste caso, em cumulação com a causa de rejeição já apurada, seria de aplicar o disposto no art.º 116, n.º 2, al. d), do CPTA, na medida em que é manifesto que o pressuposto da pretensão deduzida – existência de
norma imediatamente operativa – não existe.


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Mediante o exposto até este ponto, impõe-se concluir pela não admissão do requerimento inicial de processo cautelar, nos termos do disposto no art.º 116.º, n.º 2, alíneas d) e e) do CPTA, designadamente por: ser manifesta a desnecessidade de tutela cautelar quanto ao risco de constituição de situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, bem como quanto à (falta de) provisoriedade da tutela cautelar requerida; ser manifesto que falta fundamento quanto ao pedido subsidiário do ponto 3, quanto à inexistência de qualquer norma imediatamente operativa.

O que, em conformidade, se decide.

X
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, vejamos:
O presente recurso limita-se à parte da sentença que recaiu sobre a providência cautelar antecipatória.
De facto, o que na sentença é decidido sobre a providência cautelar relativa ao “pedido subsidiário n.º 3”, como ali é designado, ou pedido cautelar subsidiário, como lhes chamam os Recorrentes, não é objeto de qualquer impugnação.
Da invocada violação do caso julgado -
Os Recorrentes parecem confundir duas realidades: adequação processual, por um lado, e apreciação liminar, por outro.
Com efeito, apresentaram um requerimento inicial de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias; sobre esse procedimento versam os artigos 1.º a 181.º do r.i. e n.º 1 do petitório.
Porém, a título subsidiário, os Recorrentes apresentam requerimento de procedimento cautelar, “em lugar do meio processual (principal) urgente” – providência cautelar antecipatória, nos termos e para os efeitos do art. 112.º, n.º 2, al. i) do CPTA, sobre que versam os artºs 185.º a 198.º do r. i. e ponto 2 do petitório.
Mas os Recorrentes apresentam ainda um terceiro meio processual, “subsidiário em segundo grau”, qual seja providência cautelar de suspensão da eficácia de norma regulamentar e ato administrativo, a que dedicam os artºs 202.º a 206.º do r.i. e ponto 3 do petitório.
Com base na natureza subsidiária da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, tal como resulta do n.º 1 do artº 109.º, o Senhor Juiz do Tribunal onde o procedimento deu entrada, entendeu “ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”.
Lê-se na decisão “Afigura-se-nos, desde logo, que não ocorre uma situação de impossibilidade ou insuficiência do recurso ao meio processual normal (ação administrativa), combinado com o decretamento de uma providência cautelar adequada às circunstâncias do caso”.
Assim e “tendo ainda em conta o pedido subsidiário dos Requerentes, ‘para a hipótese de se entender que não se verificam os pressupostos enunciados no art. 109.º do CPTA’, convolo a presente intimação em processo cautelar”.
Após esta decisão, o Tribunal declarou-se territorialmente incompetente.
Poder-se-ia, porventura, questionar, se, sendo incompetente, o tribunal poderia ter procedido à convolação em causa. Poder-se-ia igualmente questionar sobre se deveria ter sido fixado prazo para que fosse substituído o requerimento inicial, em aplicação do disposto no artº 110.º-A do CPTA.
Todavia, os Recorrentes renunciaram ao recurso, pelo que a decisão referida transitou, mas nos exatos termos em que foi proferida: ao caso não cabe o meio processual da Intimação, mas o da Providência Cautelar. Ou seja, a decisão não apreciou se se verificavam ou não os pressupostos para admissão da providência cautelar ou para o seu decretamento. Recebido o processo, o TAF de Braga, procedeu, pela primeira vez, à análise do conteúdo da agora providência cautelar, proferindo a sentença objeto do presente recurso.
Na mesma, como resulta da sua transcrição, procedeu-se à apreciação liminar, concluindo-se pela rejeição liminar, ao abrigo do disposto no artº 116.º, n.º 2, al. e) do CPTA, para a providência de suspensão de ato administrativo, por falta de verificação evidente do requisito do periculum in mora.
Quanto à providência cautelar subsidiária, foi a mesma rejeitada pelo mesmo fundamento e ainda, em cumulação, com o disposto no artº 116.º, n.º 2, al. d), por ser manifesta a inexistência do pressuposto da pretensão deduzida.
A interpretação dos Recorrentes de que a convolação supõe um “pressuposto positivo”, que consideram consistir em um “juízo prima facie de viabilidade da tutela cautelar”, não se mostra minimamente fundada.
De facto, a apreciação do Tribunal recaiu sobre a adequação do meio processual às pretensões e não sobre estas em si ou a sua viabilidade.
Poderá até defender-se, numa situação de normalidade, que a convolação, por inútil, não deveria ocorrer quando há manifesta impossibilidade de preenchimento de algum dos pressupostos exigidos no artº 120.º do CPTA, como consta do Acórdão citado pelos Recorrentes.
Mas em causa neste recurso não está a situação de convolação, pois sobre essa não houve recurso.
E a decisão subsequente de incompetência também altera os dados da questão, em relação à situação subjacente ao Acórdão citado pelos Recorrentes.
Assim, não se aceita que tenha ficado impedida a apreciação do conteúdo da providência, sobre a qual, como já se disse, não recaiu “outra decisão”, mas a primeira.
Inútil será fazer seguir uma providência com manifesta inviabilidade para só assim decidir a final - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Da não verificação do pressuposto do periculum in mora -
Como ensina Mário Aroso de Almeida, em O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2007, pág. 260, “ela (a providência cautelar) deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (...) A providência deve também ser concedida (...) quando, embora não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.”.
E, continua o autor, “à fórmula tradicional do ‘prejuízo de difícil reparação’, (…) é, assim, acrescentada, neste domínio, uma outra, que surge colocada em alternativa e faz apelo ao ‘fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado’ (...)”. Da conjugação das duas expressões resulta a clara rejeição do apelo, neste domínio, a critérios fundados na suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu carácter variável aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo vir a ser julgado procedente.”.
Como salienta Isabel da Fonseca, “o periculum in mora não é um perigo genérico de dano, pelo contrário, é o prejuízo de ulterior dano marginal que deriva do atraso da providência definitiva resultante da inevitável lentidão do processo ordinário. Este periculum in mora é em regra qualificado pelo legislador e aferido numa perspectiva funcional: só tem - ou devem ter - relevância os prejuízos que coloquem em risco a efectividade da sentença proferida no processo principal. O periculum in mora traduz, por conseguinte, um tipo de urgência. É, portanto, uma urgência: somente se atende pela tutela cautelar à urgência referente à demora do processo principal. Nem toda a urgência de tutela jurisdicional tem guarida na tutela cautelar. Não deve, pois, confundir-se tutela cautelar preventiva - que se decreta perante a ameaça de lesão e antes de esta se consumar -, nem tutela cautelar com tutela urgente - que emite com celeridade. Há entre elas uma «relação de género e espécie» que origina a que surjam «procedimentos e providências de urgência sem carácter cautelar” (“A Urgência na Reforma do Processo Administrativo”, Reforma do Contencioso Administrativo, Vol. I, pág. 343).
De acordo com a Jurisprudência, o requisito do periculum in mora “encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” (Ac. do STA de 14/7/2008, Proc. nº 0381/08, citado no Ac. do STA de 28/10/2009, Proc. 826/09).
A presente providência vem suportada na eventual, mas indemonstrada perda de lucro, decorrente da igualmente indemonstrada diminuição de processos executivos em que os Requerentes podem ser nomeados, por força do vigente regime de contingentação.
De facto, o bloqueio em si mesmo, logo que os Recorrentes atinjam o número máximo adicional para que podem ser designados, só releva para estes na sua vertente de diminuição de lucro, consequência da falta de distribuição.
Invocam os Requerentes “cada designação bloqueada (e cada designação não feita por causa da proximidade do bloqueio) corresponde a uma situação de facto consumado” (artº 193.º).
Os Requerentes não sabem se virão a ficar bloqueados ou, se tal acontecer, quando ocorrerá. Por isso, este invocado “facto consumado” é meramente conjetural, o que lhe retira, naturalmente, toda a relevância. Por outro lado, os Requerentes não têm qualquer certeza de que, sem contingentação, seriam designados para mais processos executivos do que o número máximo base ou adicional de processos decorrente do regime da contingentação. Não o dizem, não podiam fazê-lo, o que torna novamente conjetural o que invocam.
Como referem Mário Aroso e Carlos Cadilha (em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pp. 970] “o juízo sobre o risco dessa ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseada na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não uma mera conjectura, de verificação apenas eventual”. Ou, como refere Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., pág. 103), “Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões.
Ora, a redução de processos executivos num ano, sempre permitirá, em abstrato, aumentar o número de processos no ano seguinte, o que igualmente afasta a verificação de facto consumado. Pois que, de acordo com o regime de contingentação vigente, a extinção de maior número de processos executivos num ano, constitui bonificação para o número máximo de processos a receber no ano seguinte (artº 4.º, n.º 1 do Regulamento).
E com menos processos num ano, mais tempo os Requerentes podem dedicar aos processos dos anos anteriores, diligenciando pela sua extinção, e assim recebendo os respetivos honorários.
Como se disse já, o bloqueio não releva em si mesmo, como perda de remuneração; ora, a simples perda (ou diminuição) de rendimento jamais geraria uma situação de facto consumado. Ou seja, quanto muito haverá, se houver, diminuição de rendimentos dos Requerentes - mas também do trabalho, ao que invocam -, mas sempre será impossível concluir pela verificação de facto consumado.
Sobre os danos, invocam os Requerentes como dano imediato a “perda dos rendimentos que cada um dos autores obteria com as designações omitidas”.
Sucede que o simples facto de tais danos poderem ser indemnizados, no dizer dos Requerentes afasta-os da categoria de danos irreparáveis. Sobretudo, tais danos são meramente conjeturais, como se salientou já.
A remuneração dos agentes de execução na condução dos processos executivos não decorre essencialmente do número de processos para que são designados, mas do valor dos mesmos, pois são remunerados essencialmente pelo valor recuperado ou garantido.
E como é jurisprudência unânime, só os danos atuais e não os conjeturais são indemnizáveis e não reúnem tais características os invocados prejuízos decorrentes do eventual bloqueio que não se sabe se existirá e, a existir, quando tal ocorrerá e, sobretudo, se do mesmo resultará qualquer prejuízo para os Recorrentes. Por outro lado, no periculum in mora assente em perda de rendimentos, como é manifestamente o caso, exigia-se que fosse invocado e concretizado:
Quais os prejuízos,
Quais as despesas, pessoais e profissionais,
Que os rendimentos auferidos como AE são os únicos a suportar tais despesas,
Que os rendimentos em causa, sendo únicos, não permitem cobrir tais despesas. Pois que, como tem sido jurisprudência pacífica, quer antes, quer após o CPTA, os prejuízos resultantes da execução de actos administrativos que se traduzem na privação de vencimentos, porque economicamente quantificáveis, só deverão ser considerados como de difícil reparação, para efeitos de preenchimento deste requisito, se ficar indiciariamente demonstrado que essa diminuição de rendimentos põe em risco a satisfação de necessidades básicas do requerente ou do seu agregado familiar.
Ora, nada disto vem invocado.
Os rendimentos que os Requerentes pudessem deixar de receber não impõem que as suas despesas não possam ser suportadas por outros rendimentos - profissionais, prediais, etc. - ou por outros meios - poupanças, empréstimos…
E sequer existe qualquer princípio de prova de que os Requerentes não tenham, ou não possam ter, outros rendimentos.
Por um lado, várias das Recorrentes são sociedades de agentes de execução e solicitadores, desconhecendo-se a parte dos rendimentos que decorrem de uma ou outra das atividades. Por outro, os agentes de execução têm que ser solicitadores ou advogados, pelo que sempre poderão exercer tais atividades, na maior parte dos casos sem necessidade de suspenderem a atividade de agente de execução.
Igualmente não há qualquer prova de que a invocada perda de rendimentos implica a impossibilidade de suportar as despesas profissionais e pessoais/familiares dos Requerentes.
De facto, como qualquer profissional liberal que os Requerentes reclamam ser, estes têm que organizar a sua vida profissional e pessoal de forma a ter meios de subsistência para situações de diminuição de rendimentos.
Em qualquer caso, nenhuma invocação é feita sobre as despesas dos Requerentes, profissionais ou pessoais, e quem ou como contribui para as suportar.
De sublinhar, ainda, que é igualmente jurisprudência constante a de que só os prejuízos diretos poderiam ser atendidos.
Não se sabendo de onde decorrem os rendimentos das sociedades Recorrentes, se só da atividade dos agentes de execução, se da atividade de solicitadores, ou, sendo de ambas, em que percentagens, não podem considerar-se prejuízos diretos a invocada redução de rendimentos decorrentes do bloqueio.
Ademais, não há “prejuízo irreparável”, requisito exigido por lei para o decretamento da providência.
Invocam ainda os Recorrentes o que denominam de danos mediatos: implicações da sucessiva perda de designações no futuro profissional daqueles. Invocam que tais danos se traduzem na “absoluta reconversão do horizonte profissional dos autores”, o que pode acontecer a qualquer momento, designadamente aos profissionais liberais, e já terá acontecido a todos os AE, que iniciaram a sua vida profissional como solicitadores ou advogados, no “redimensionamento radical da estrutura organizacional que os apoia que terá de ser reduzida”, o que depende apenas do número de processos que em cada ano entrem nos tribunais, e não do bloqueio, ou ainda na “frustração e desaproveitamento dos investimentos feitos em vista do volume de negócios preexistentes, e das legítimas expetativas de seu crescimento”, investimentos, volume de negócios e expetativas que se desconhecem, por não virem invocados e, logo, não poderem ser provados, e que, por isso, não se podem avaliar.
Reitera-se: são de desconsiderar os prejuízos aleatórios ou conjeturais e os indiretos, como resulta, entre outros, dos Acórdãos do STJ, de 15/2/05, Proc. nº 3140/04, de 18/10/12, Proc. nº 81/12.4YFLSB e de 27/1/16, Proc. nº 151/15.7YFLSB.
E o STA também tem entendido, de modo uniforme e pacífico, que não relevam para efeitos de preenchimento do apontado requisito, os prejuízos meramente eventuais, hipotéticos ou conjeturais, como resulta, entre outros, dos Acórdãos de 4/1/96, Proc. nº 39270, 13/8/97, Proc. nº 42700 e 3/11/99, Proc. nº 44036.
Em suma, a jurisprudência considera relevantes apenas os prejuízos que resultem direta, imediata e necessariamente da execução do ato, tornando-se necessário estabelecer um nexo de causalidade entre a execução do ato e esses prejuízos, os quais deverão consistir em prejuízos concretos e reais, e não em danos de verificação meramente eventual no futuro.
Da falta de provisoriedade -
Assenta a decisão no seguinte fundamento: como a presente providência respeita à contingentação para o ano de 2022 e como o processo principal jamais terá decisão até ao final de 2022, este tornar-se-ia inútil, assim levando a que os Recorrentes obtivessem pela providência efeito que só poderia resultar de uma decisão de mérito.
Impugnam os Recorrentes esta decisão invocando que “o que eles requereram foi que o Tribunal intimasse as requeridas a abster-se de boquear as suas designações, sem limite de tempo”.
Porém, assim não foi, nem assim pode ser.

Desde logo, porque não é perante uma intimação que nos encontramos.

Obviamente que não há qualquer violação do caso julgado, confundindo os

Recorrentes a decisão com a sua fundamentação.

Em conclusão:
Estabelece o n.º 1 do artigo 112.º do CPTA:

“Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”

E dispõem os nºs 1 a 3 do artigo 113º do CPTA:

“1 – O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo.

2 – O processo cautelar é um processo urgente e tem tramitação autónoma em relação ao processo principal, sendo apensado a este.

3 – Quando requerida a adoção de providências antes de proposta a causa principal, o processo é apensado aso autos logo que aquela seja intentada.”

Os processos cautelares servem para transportar providências que, de acordo com as suas características, são orgânica e materialmente judiciais, têm natureza preventiva e urgente, tendo em vista evitar o periculum in mora, são instrumentais e dependentes, uma vez que estão necessariamente ligadas a uma acção da qual constituem preliminar ou incidente, são provisórias, cessando com a decisão final ou com a sua execução, e apresentam-se com uma estrutura simplificada (cfr. Maria dos Prazeres Beleza em parecer publicado na Rev. Direito e Justiça. Vol. XI. 1997, tomo I, pág. 342).

As providências cautelares destinam-se a impedir que durante a pendência de uma ação administrativa se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos que pela sua gravidade coloquem em perigo, no todo ou em parte, a utilidade da decisão que se pretende obter no processo principal.

Como decorre das disposições legais supra mencionadas, os processos cautelares caracterizam-se pela instrumentalidade, pela provisoriedade e pela sumariedade. Nestas três características reside a essência desta categoria de processos.

Afirmam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4.ª edição, Almedina, págs. 912 a 914:

“Como expressamente resulta do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, a tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a adoção de medidas cautelares adequadas. A garantia da possibilidade da adoção de providências cautelares adequadas é, na verdade, essencial à realização da justiça. Por mais eficaz que possa ser o combate à morosidade da justiça, os processos judiciais não podem deixar de demorar o seu tempo até serem concluídos

[…]

É, por isso, indispensável assegurar que, sempre que tal seja necessário e possível, os tribunais possam adotar, em momento anterior àquele em que o processo vem a ser decidido, providências cautelares, destinadas a dar uma regulação provisória aos interesses envolvidos no litígio.

[…]

Como refere o n.º 1, as providências cautelares existem para assegurar a utilidade das sentenças a proferir nos processos judiciais.

[…]

Logo do n.º 1 do artigo em anotação, transparece, assim, o principal traço característico da tutela cautelar, que é a sua instrumentalidade: ela existe em função dos processos em que se discute o fundo das causas, em ordem a assegurar a utilidade das sentenças a proferir no âmbito desses processos, que, por isso, são qualificados como processo principais, por contraponto aos processos cautelares”.

Nesta senda, no referente à provisoriedade, os mesmos autores, acrescentam que:

“Em princípio, as providências cautelares caracterizam-se pela sua provisoriedade, que consiste no facto de a regulação que elas estabelecem se destinar a vigorar apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença a proferir nesse processo virá dizer em que termos fica definida a matéria controvertida.

A provisoriedade da tutela cautelar impede que o tribunal adote, como providência cautelar, uma regulação que dê resposta à questão de fundo, sobre a qual versa o litígio, desse modo inutilizando o processo em que ele é objeto de discussão”

No que respeita à sumariedade, ensina Mário Aroso de Almeida em Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, pág. 443:

“O último traço característico dos processos cautelares e das providências a cuja adopção eles se dirigem é o da sumariedade. Como o que está em causa em sede cautelar é obviar, em tempo útil, as ocorrências que possam comprometer a utilidade do processo principal, para decidir se se confere ou não tutela cautelar, o tribunal deve proceder a meras apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal. Com efeito, a tutela cautelar só é efectiva se os tribunais forem capazes de a proporcionar em tempo útil; e essa capacidade será tanto menor quanto maior for o tempo consumido na indagação de questões que, em sede cautelar, não devem ser objecto de uma análise aprofundada, mas apenas apreciadas de modo perfunctório”

A característica da sumariedade decompõe-se na tramitação célere do processo e na imposição de uma análise perfunctória (e não aprofundada) dos requisitos de decretamento da providência cautelar (periculum in mora, fumus boni iuris e ponderação de interesses).

Os processos cautelares não se destinam a decidir o litígio que divide as partes na ação principal, mas a apreciar e a ponderar a globalidade dos interesses em presença (os prejuízos na demora da decisão para os interesses envolvidos a par da aparência do bom direito da pretensão deduzida no processo principal), tendo em vista avaliar da necessidade de tomada de uma providência que assegure a utilidade da decisão que vier a ser tomada na ação principal, evitando, ou, pelo menos, atenuando os efeitos negativos que advêm da morosidade da ação principal.

Daí, que os requisitos para o decretamento das providências cautelares sejam o periculum in mora, o fumus boni iuris e a supremacia dos interesses do Requerente relativamente aos demais interesses públicos e privados em presença (cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 120º do CPTA).

E precisamente porque os processos cautelares pretendem apenas dirimir provisoriamente e de forma sumária ou perfunctória os interesses envolvidos (no sentido de acautelar o efeito útil da ação intentada e não de a decidir) os tribunais não devem adotar atos processuais que tendo por objetivo aprimorar a apreciação da questão de direito que está em jogo no processo principal, impliquem uma demora excessiva da ação cautelar.

In casu, como se sentenciou, outro aspeto que se coloca logo em sede liminar é a falta de provisoriedade que a tutela cautelar solicitada implica. Nisto, há que concordar com o que os autores escrevem no requerimento inicial, ao justificar a necessidade de tutela definitiva.

Ora, no caso concreto, e uma vez que o número de processos é fixado anualmente, se for decretada qualquer das providências requeridas, é certo que o processo principal jamais terá decisão até ao final de 2022. Do que resultaria que, findo o ano em causa, aquela ação principal seria inútil, já que a posição dos autores e autoras estaria definitivamente tutelada, ou seja, não era possível retirar-lhes as designações nos processos em causa e anular todos os atos que praticaram. Nem mesmo por via (que nem se concebe…) da devolução dos honorários.

O mesmo é dizer: obteriam os autores, pela tutela cautelar, o efeito que só devia resultar de uma decisão de mérito: poder receber, em 2022 (e esta é a pedra de toque, i. e., o ato esgota os seus efeitos em 2022 de forma automática), um número ilimitado de processos executivos. Só uma decisão de mérito, célere, poderia acautelar essa situação.

Seja como for, apesar desta constatação, não é o elemento mais relevante em sede liminar, mas sempre seria um fator de recusa da concessão da tutela cautelar pretendida, associada à anteriormente referida, e subsumível à mesma norma.
E continuou: impõe-se concluir pela não admissão do requerimento inicial de

processo cautelar, nos termos do disposto no art.º 116.º, n.º 2, alíneas d) e e) do CPTA, designadamente por: ser manifesta a desnecessidade de tutela cautelar quanto ao risco de constituição de situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, bem como quanto à (falta de) provisoriedade da tutela cautelar requerida; ser manifesto que falta fundamento quanto ao pedido subsidiário do ponto 3, quanto à inexistência de qualquer norma imediatamente operativa.

Naufragam, assim, as Conclusões das alegações.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique e DN.

Porto, 29/4/2022

Fernanda Brandão
Hélder Vieira (com a seguinte declaração: vota apenas a decisão)
Alexandra Alendouro (com a seguinte declaração: vota apenas a decisão)