Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02579/15.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/17/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACIDENTE RODOVIÁRIO; VIA MUNICIPAL; PARALEPÍPEDO NA VIA;
ARTIGOS 13º, 16º, ALÍNEA B), E 18º, Nº 1, ALÍNEA 9) DA LEI Nº 159/99, DE 14.09; ARTIGO 96º, Nº 1, DA LEI Nº 169/99, DE 18.09, ALTERADA PELA LEI Nº 5/2002, DE 11.01; ARTIGOS 7º E 9º DA LEI Nº 67/2007, DE 31.12.
Sumário:Tendo-se provado que o acidente de viação ocorreu devido à existência de um paralelepípedo na via municipal e não se tendo provado qualquer culpa por parte do condutor do veículo ou de terceiro, ou a existência de caso fortuito ou de força maior a determinar a ocorrência do acidente, é município o exclusivo responsável pelos danos resultantes desse acidente, dada a obrigação que sobre o mesmo impende de fiscalização e sinalização de uma obra, que o município devia fiscalizar, nos termos dos artigos 13º, 16º, alínea b), e 18º, nº 1, alínea 9) da Lei nº 159/99, de 14.09, que determinam que a gestão da rede viária municipal compete ao Município respectivo, conjugadas com o artigo 96º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18.09, alterada pela Lei nº 5/2002, de 11.01, que determina que as autarquias locais respondem civilmente perante terceiros por ofensa dos direitos destes ou de disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultante de actos ilícitos culposamente praticados, pelos respectivos órgãos ou agentes, no exercício das suas funções ou por causa desse exercício, a sua omissão de fiscalização e sinalização viola os artigos 7º e 9º da Lei nº 67/2007, de 31.12..*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Infraestruturas de Portugal
Recorrido 1:I.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Infraestruturas de Portugal, S.A. veio interpor RECURSO JURIDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 08.09.2020, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa de responsabilidade civil extracontratual que lhe moveu I. para pagamento da importância de 5.136€88, acrescida de juros de mora, como indemnização pelos prejuízos sofridos num acidente de viação ocorrido na A20, ao Km 10,7, no dia 18.09.2014.

Invoca para tanto a recorrente que a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, contradição entre os fundamentos de facto e de direito e falta de fundamentação - alíneas b), c) e d) do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo; em todo o caso, sustenta cumpriu a sua obrigação contratual, pelo que deveria o Tribunal ter julgado a acção improcedente por se ter ilidido a presunção de culpa, e não o fazendo, violou o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º do artigo Lei n.° 24/2007 de 18.07.

A Recorrida contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I – A Recorrida pretende a condenação da Recorrente por esta não ter evitado que aquela, ao circular na A20, ao km 10+700, no dia 18 de setembro de 2014, pelas 18:10h fosse surpreendida pelo súbito aparecimento na via de um paralelepípedo de grandes dimensões, de forma tal que lhe não foi possível evitar a colisão frontal.

II - Conjugando os factos dados como provados e os depoimentos da Recorrente e do agente da PSP, é razoável e plausível que o paralelo tenha invadido a via momentos antes do embate pelo veículo da Recorrida, pois não é comportável, que, atenta a dimensão do mesmo, a que acresce o facto de nem todos os carros que circulam na A20 serem do tipo SUV (jipes), que o mesmo depois de caído na plataforma da estrada aí permanecesse por muito tempo, sem que fosse atingido por um ou mais veículos tendo em conta o tráfego intenso, concentrado e caótico que naquele momento e lugar ocorria.

III - Portanto, atenta a prova produzida não pode o tribunal deixar de dar como provado que:
- O paralelepípedo invadiu a plataforma da autoestrada nos momentos que antecederam o acidente.

IV – Sem prescindir, o tribunal ao questionar a monitorização segundo critérios por si estabelecidos, está a pronunciar-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, criando uma justiça à sua medida, ou melhor, à medida de cada caso concreto.

V - Além disso, conjugando os factos provados, como sejam, a hora da última passagem da viatura da Recorrente no local (16:06h), a hora do acidente (18:10h) e o regime de patrulhamento (24h/365 dias, com intervalos nunca superiores a 4 horas (limite máximo), é inquestionável que não se descortina qual o incumprimento legal ou contratual invocado pelo tribunal.

VI – Acresce, que a arbitrariedade da decisão do tribunal é evidente quando não identifica uma norma legal ou contratual violada pela Recorrente, ou seja, não fundamente de direito a decisão.

VII - Assim, interpretar-se a alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º do artigo Lei n.° 24/2007 de 18 de julho, no sentido de que o cumprimento das obrigações da entidade exploradora da via deverá ser aferida de acordo com os critérios fixados pelo tribunal e não de acordo com as cláusulas contratuais previstas no contrato de concessão, é inconstitucional, por violação do constante nos artigos 2.º, 18.º e 202.º, n.º 1 e 2, todos da CRP, o que desde já se deixa aqui invocado, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1 e 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua redação atual.

VIII- Sem prescindir, dando-se como provado que “O paralelepípedo invadiu a plataforma da autoestrada nos momentos que antecederam o acidente.” e admitindo-se a possibilidade, absurda, de passagem de a viatura da Recorrente no local de 10 em 10 minutos, mesmo assim, nunca se poderia evitar o embate pois sempre se desconheceria o momento e local em que iria surgir o objeto na plataforma da estrada.

IX - Assim sendo, nunca à Recorrente poderia ser imputado a omissão da obrigação de fiscalização da via, a não ser que tivesse tido conhecimento do facto e não tivesse actuado ou se as viaturas passassem no local e não tivessem removido o objecto estranho da via.

X - Só nestas duas últimas hipóteses é que seria possível penalizar a actuação da Recorrente, mas como tal não sucedeu, pois a Recorrente fez prova de ter cumprido a sua obrigação, deveria o Tribunal ter julgado a acção improcedente por se ter ilidido a presunção e culpa.

XI – Concluindo a sentença é nula por violação do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, sendo que a provar-se que “O paralelepípedo invadiu a plataforma da autoestrada nos momentos que antecederam o acidente.” e que a Recorrente cumpriu a sua obrigação contratual, deveria o tribunal ter julgado a acção improcedente por se ter ilidido a presunção de culpa, e não o fazendo, violou o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º do artigo Lei n.° 24/2007 de 18 de julho.
*

II –Matéria de facto.

Entende a recorrente que se deveria dar como provado o seguinte facto:

- O paralelepípedo invadiu a plataforma da autoestrada nos momentos que antecederam o acidente.

Apresenta, para o justificar, o seguinte arrazoado:

“13. Da prova produzida não foi possível identificar o responsável pela existência do paralelepípedo na via, isto é, se teria caído de um camião ou até projetado por estranhos.

14. O que se provou é que se tratava de um paralelepípedo que, segundo o agente da PSP responsável pela elaboração do auto participação de acidente de viação, seria equivalente aos maiores da calçada da cidade do Porto.

Depoimento de E. (15-07-2020):

59:42 fui chamado ao local porque um carro tinha embatido num paralelo … 1:00:03 1:00:30. Fui ao local porque tive de fazer o croqui do sítio onde ele estava … aquilo é dos paralelos maiores que há aqui na cidade do Porto 25 a 30 cm e 15 por 15 é de calçada é dos maiores que há Porto 1:01:10.

15. Confirmou-se assim que o objeto estranho não fazia parte integrante da plataforma da estrada (cfr: artigo 40.º da PI)

16. Já quanto ao momento do seu surgimento na plataforma da estrada é inquestionável que terá ocorrido momentos antes do embate pelo veículo da Recorrida, tal como parece ser admitido pelo tribunal na página 15 da sentença:

Assim, para que o caso fortuito possa afastar a presunção de culpa, é necessário que se demonstre que a Ré dispõe de todos os meios necessários para exercer as suas atribuições, e que mesmo assim, o facto – de tão imprevisível que é (como poderá ter sido a queda de um paralelepípedo de um camião minutos antes do embate) não seria evitável. (cfr: página 15 da sentença)

17. Contudo tal facto não foi dado como assente, o que deveria ter sucedido.

18. Na verdade, considerando:

a) a dimensão do paralelo (dos maiores da cidade do Porto = 25 a 35 por 15 por 15);
b) o elevado volume de tráfego na A20 a anteceder o radar no sentido Arrábida – Freixo;
c) o que se agrava ao final do dia, como seja, antes, durante e depois das 18h:10m (hora do acidente admitida por acordo cfr: artigo 18.º, 19.º e 20.º da PI)
d) que a Autora seguia rodeada de trânsito (n.º 2 dos factos assentes);
e) que o trânsito no momento do embate era caótico (ponto 6. dos factos dados como provados) e depoimento da Recorrida ver infra
f) que chovia com intensidade (ponto 2 dos factos dados como provado

19. Considerando, ainda, que os factos acima indicados foram confessados pela Recorria de modo livre e espontâneo, como se comprova pelo seu depoimento:

(15-07-2020) - 00:16:00: (autora) muito trânsito, dia caótico, final do dia, aquela autoestrada é muito complicada o que ainda agrava o trânsito e toda as condições … (magistrada) como era a visibilidade (autora) estava a ficar escuro podia ter menos visibilidade devido à … o céu estava muito carregado exatamente por causa da chuva que era intensa nessa altura (magistrada) iluminação naquele local (autora) naquela zona eu não me lembro de existir (magistrada) provavelmente as luzes não estavam ligadas (autora) possivelmente… em setembro ainda não estavam ligadas a essa hora (magistrada) como era o estado da via recorda-se (autora) não me lembro de nada a que me chama-se à atenção, nem sinalização de obras, nem mais nada porque o trânsito estava bastante concentrado portanto não dava para perceber nada de diferente digamos assim (magistrada) portanto não estava em obras naquela via e antes de embater no paralelo que alegadamente surgiu na via ia no pára-arranca ou ia normal (autora) ia normal (magistrada) então explique-me lá como é que aconteceu este acidente (autora) eu ia levar… na altura estava a passar por uma doença oncológica tinha feito cirurgia na mama retirei a mama estava afazer tratamento de quimio e o meu namorado veio-me dar apoio na altura e entretanto eu decidi levá-lo à estação de Campanhã porque ele é de Lisboa e entretanto íamos numa situação normal até porque tendo em consideração toda a envolvência do próprio dia e mesmo do trânsito íamos a uma velocidade normalíssima e entretanto quando eu vejo o carro da frente está a avançar normalmente e eu vejo um objeto no chão e não consegui evitar (magistrada) tem a perceção do acidente de que antes de embater ia um carro à sua frente próximo de si, é isso? (autora) a uma distância normal (magistrada) mas que passou normalmente por esse obstáculo e então depois não conseguiu evitar (autora) não consegui evitar, não consegui perceber o que era, mas vi algo, e como já tinha carros na lateral também não consegui evitar desviar exatamente por causa do trânsito e então passei, quando passei, no momento que passei senti um embate muito forte dentro do carro, por baixo do carro, e então eu fiquei assustadíssima porque não estava a contar com aquilo, nunca imaginei que fosse um objeto sólido daquela dimensão e que causasse aquele estrago, então olho pelo retrovisor para tentar perceber o que é que aconteceu na realidade porque fui apanhada de surpresa e vejo o objeto que era enorme a salta debaixo do carro a uma velocidade enorme também e tive uma altura que aquilo saiu de pressão, deve ter sido apanhado pela parte debaixo e quase que pedi aos policias para irem lá porque eu queria mesmo ter aquela prova que o objeto estava lá e os polícias foram incansáveis comigo eles foram lá tiramos fotografias para realmente que o objeto estava lá … (magistrada) voltando aqui quanto ao carro … 22:50 36:08 (autora) não sei como ele (paralelo) foi parar à berma se foi outro veículo que entretanto teve outro embate e que deitou mesmo para a berma se foi logo diretamente para a berma não sei 36:19 42:00 (autora) o paralelo era bem visível à distância eu consegui identificá-lo era perfeitamente visível o tamanho dele era perfeitamente visível 42:22 43:03 (mandatário Recorrente) ao mudar de fila é que se apercebe (autora) não, eu ia na minha faixa só depois de haver o embate faço o desvio da saída … sei que ele foi projetado a alta velocidade 43:47 44:08 (autora) já venho com essa decisão (sair no desvio) aparece quando o veículo da frente passa e imediatamente esse objeto vi lá uma coisa grande e escura mas nunca pensei que era uma pedra … o que ia à frente era um SUV muito mais alto ele conseguia passar por cima perfeitamente é tipo um jipe consegue passar perfeitamente ao contrário de mim o meu carro é um carro baixo … eu não tinha como fugir dele eu tinha carros dos dois lado o trânsito estava intenso estava a chover eu não conseguia desviar … eu não tenho memória de ter visto nenhum camião à frente apenas iam veículos ligeiros 45:50.

20. Assim, conjugando todos os factos acima exposto e dados como provados, é razoável e plausível que o paralelo tenha invadido a via momentos antes do embate pelo veículo da Recorrida, pois não é comportável, que, atenta a dimensão do mesmo, a que acresce o facto de nem todos os carros que circulam na A20 serem do tipo SUV (jipes), que o mesmo depois de caído na plataforma da estrada aí permanecesse por muito tempo, sem que fosse atingido por um ou mais veículos do tráfego intenso, concentrado, caótico que ocorria.

Vejamos.

O que a recorrente pretende dar como provado não passa de uma afirmação genérica, vaga, uma conjectura que não tem sequer qualquer colagem com a prova produzida, incluindo a que aqui é indicada pela própria.

Se “não foi possível identificar o responsável pela existência do paralelepípedo na via, isto é, se teria caído de um camião ou até projetado por estranhos”, com afirma a própria recorrente, de igual modo não se pode determinar quando o paralelepípedo ali foi parar.

Na página 15 da sentença o Tribunal faz uma mera conjectura e por isso o faz – e bem – no enquadramento jurídico e não na matéria de facto.

Por outro lado, dos factos que a recorrente alinha no ponto 18 não se pode retirar, por imperativo lógico, quando é que o paralelo foi parar à via, se foi segundos antes do embate, minutos antes do embate ou horas antes do embate nem quantas horas.

Não é possível concluir quando é que o paralelo foi parar à via, dos factos de o paralelo ser grande, o tráfego ser caótico e haver pouca visibilidade na altura.

Bastava que os veículos que ali passaram fossem um pouco mais altos que o da Autora ou que tivessem passado por cima do paralelo em ponto mais alto do veículo para não se dar o embate.

Apenas se pode conjecturar, o que não é matéria de facto.

Deveremos assim dar como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

1. A Autora é proprietária do automóvel ligeiro da marca Mercedes Mercedes Benz com a matrícula XX-XX-XX, de cor preta. (cfr. folha 155 do SITAF).


2. Foi elaborada participação policial pelo CM PRT – Divisão de Trânsito do Porto, de onde consta que a Autora, em 18.09.2014, descreveu o acidente de forma manuscrita de onde constava que “circulava eu pela A20 junto ao radar (ao lado do dragão caixa) na faixa mais à direita da autoestrada quando me deparo surpreendentemente com um paralelo de pedra no meio da via. Não podendo me desviar e nem travar porque estava rodeada de trânsito e chovia com muita intensidade, levando a más condições do piso, fui obrigada a passar por cima do paralelo. Mais à frente parei a viatura para ver se está tudo bem e foi quando tentei colocar a marcha atrás e não consegui, esta completamente bloqueada impedindo-me de circular em segurança.” (cfr. documento nº. 1 junto com a petição inicial).

3. O veículo acima identificado, foi atingido na sua parte inferior, por um paralelepípedo, de dimensões consideráveis (superior a um paralelepípedo da calçada), quando circulava na A20 (cfr. documento nº. 14 junto com a petição inicial e prova testemunhal).

4. O paralelepípedo identificado em 3 não se encontrava sinalizado na via, que no dia do acidente não se encontrava em obras (cfr. prova testemunhal).

5. Em 05.11.2014, a Autora deu conhecimento do sinistro à Ré através de reclamação, onde deu conta do acidente devido a um objeto estranho na via, peticionando a resolução da situação (cfr. folha 62 do processo físico).

6. A Autora deu conhecimento do sinistro à Ré através de reclamação, de onde se extrai que “(…) o acidente foi provocado por um paralelepípedo de pedra, de grandes dimensões, que se encontrava no meio da via. Tudo ocorreu no meio de trânsito caótico e chuva intensa, impedindo de evitar o objeto em segurança. (…) imediatamente que pôde a expoente/reclamante, e em segurança, parou a viatura para verificar o resultado/consequência do acidente e quando tenta imobilizar a viatura constata que a marcha atrás não entrava. Alguns minutos passados era visível o óleo a escorrer por baixo da viatura. (…) É de referir a extrema importância que a exponente tem na recuperação da sua viatura, dadas as suas condições de saúde e por não ter condição financeira para suportar tais despesas (…)” (cfr. documento nº. 5 junto com a petição inicial).

7. Em 11.12.2014 a Ré deu resposta à reclamação aí referindo que não iria assumir a responsabilidade do acidente (cfr. documento nº. 6 junto com a petição inicial).

8. Em 29.05.2015 o Centro Hospitalar de São João EPE, emitiu declaração onde referiu que a Autora esteve presente no serviço de H. Dia Quimioterapia entre os dias 19.09.2014 e 29.04.2015, por dezoito vezes (cfr. documentos nºs. 7, 8 e 9 junto com a petição inicial).

9. Em 25.09.2014 a S., L.da emitiu um orçamento de reparação do veículo com a matricula XX-XX-XX, no montante de €3.990,83, cujas peças/operações se dão por integralmente reproduzidas (cfr. documento nº. 2 junto com a petição inicial).

10. Em 22.10.2014, a S., L. da, emitiu factura relativamente à viatura com a matrícula XX-XX-XX, modelo A180 CDI, no montante de €2.793,23, cujas peças/operações se dão por integralmente reproduzidas, tendo o pagamento ocorreu no mesmo dia. (cfr. documentos nºs. 10 e 11 junto com a petição inicial).

11. Em 29.11.2014, a S., L. da, emitiu um orçamento de reparação, relativamente à viatura com a matrícula XX-XX-XX, modelo A180 CDI, no montante de €1343,65, cujas peças/operações se dão por integralmente reproduzidas (cfr. documento nº. 12 junto com a petição inicial).

12. Em 18.09.2014, a Autoridade Nacional de Proteção Civil, emitiu o aviso nº. 22/2014, prevendo para as próximas 24 horas desse dia “aguaceiros pontual e localmente fortes (>20mm/h), acompanhados da queda de granizo, especialmente em todos os distritos do litoral e, gradualmente, de Norte para Sul ao longo do dia de hoje; vento forte no litoral e nas terras altas (…)” (cfr. folhas 75 do processo físico).

13. Deste aviso consta como “efeitos expectáveis” “piso escorregadio e eventual formação de lençóis de água; possibilidade de cheias rápidas em meio urbano, por acumulação de águas pluviais ou insuficiências dos sistemas de drenagem (…)” (cfr. folhas 75 do processo físico).


14. Em 18.09.2014, a UMIA efetuou uma passagem no local do acidente pelas16H06 (cfr. folhas 73 do processo físico e prova testemunhal).

15. O automóvel, da propriedade da Autora não foi integralmente reparado, nomeadamente o charriot. (prova testemunhal).

16. O charriot detém uma marca do impacto do paralelepípedo que dificilmente é percetível (prova testemunhal).

17. A Ré dispõe de meios de controlo de fiscalização da autoestrada, nomeadamente através de uma empresa subcontratada, cujo patrulhamento é feito através de duas viaturas, cuja periodicidade de passagem pelo mesmo local é feita de 4:00 em 4:00 horas (prova testemunhal).
*
III - Enquadramento jurídico.

1. Nulidades da sentença.

1.1. O excesso de pronúncia. A monitorização da via (conclusão IV das alegações).

Invoca neste ponto a recorrente:

“Sem prescindir, o tribunal ao questionar a monitorização segundo critérios por si estabelecidos, está a pronunciar-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, criando uma justiça à sua medida, ou melhor, à medida de cada caso concreto”.

A recorrente aqui critica ao Tribunal o que devia elogiar.

Na verdade, a Justiça feita por Juízes e não por autómatos, é feita para o caso concreto. Aplicar a lei aos contornos do caso concreto, isso é que é fazer Justiça. Não o contrário.

Quanto à afirmação, essencial, de que o Tribunal tomou conhecimento de uma questão que não lhe competia conhecer é obviamente infundada a afirmação da recorrente.

Determina a alínea d) do n.º1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º 2, do artigo 608º, do mesmo diploma “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer ou conheceu de questão de que não devia conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação, excesso ou omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea d), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.

Esta nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie ou ultrapasse as questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do Código de Processo Civil de 2013 (artigos 659º e 660º do Código de Processo Civil de 1995).

Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, e pode (deve) ir além dessas considerações, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).

No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.

O trecho da sentença que a recorrente ataca neste ponto é tão-só, este:

“Cenário distinto, seria o de a Ré ter provado que tinha efetuado a fiscalização naquele local em hora mais próxima ao acidente, a não ter sido assim, verifica-se efetivamente que os serviços da Ré funcionaram de forma anormal ou pelo menos, abaixo dos padrões exigíveis, desde logo, porque um serviço zeloso e cumpridor teria diligenciado de em hora de ponta numa autoestrada com a dimensão e tráfego da A20 a monitorização dos perigos da via serem feitos com outra periodicidade.

Pelo que, também se encontra preenchido o pressuposto da culpa”.

Como qualquer destinatário medianamente inteligente consegue perceber, a afirmação feita quanto à monitorização dos perigos da via não assume, neste contexto, qualquer autonomia. É apenas o argumento para reforçar a conclusão de que se verificou o pressuposto “culpa”.

A questão tratada neste ponto foi uma das questões essenciais a resolver no pleito, saber se existiu ou não culpa da recorrente na eclosão do acidente.

O Tribunal conclui - e bem, adianta-se – pela afirmativa, expondo, para além do mais, que houve deficiência na monitorização da via.

Com o que a recorrente, percebe-se, não concorda. Mas a recorrente não concordar com este fundamento da sentença, não fere esta de nulidade.

Não se verifica, pois, esta nulidade da sentença.

1.2. A contradição entre os factos dados como provados e a decisão final (pontos 44 e 45 conjugados com a conclusão XI das alegações).

Veio dizer a recorrente a este propósito:

“…conjugando os factos provados, como sejam, a hora da última passagem da viatura da Recorrente no local (16:06h), a hora do acidente (18:10h) e o regime de patrulhamento (24h/365 dias, com intervalos nunca superiores a 4 horas (limite máximo), é inquestionável que não se descortina qual o incumprimento legal ou contratual invocado pelo tribunal.

“Também aqui, estamos perante uma contradição entre os factos dados como provados e a decisão final. (cfr: alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA).

Também aqui sem nenhuma razão.

A recorrente confunde aqui, claramente, contradição na fundamentação da sentença com a contradição entre a fundamentação que o Tribunal, na sua liberdade de decidir, entende ser a adequada ao caso e o enquadramento que a recorrente entende que devia ser feito.

A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil é uma incongruência lógica ou jurídica.

Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.

Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.

A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p. 670).

“Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.

O Tribunal a quo não fez referência a qualquer norma legal ou contratual violada pela recorrente porque entendeu que “existe funcionamento anormal do serviço, quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.” (vide, artigo 7º, nº. 4 do RRCEE”).

Invocou portanto, o disposto no artigo 7º, n.º4, do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas, para concluir pela verificação do pressuposto “culpa” no caso concreto.

Preceito que prescinde, na óptica do Tribunal, que não está vinculada à óptica da recorrente, de qualquer violação de norma legal ou contratual, mas tem em conta apenas as “circunstâncias e a padrões médios de resultado”.

Não existe esta nulidade.

1.3. A falta de fundamentação.

Neste ponto a recorrente expeliu nas suas alegações, contra a decisão do Tribunal “a quo”:

“Por último, a arbitrariedade da decisão o tribunal é evidente quando não identifica uma norma legal ou contratual violada pela Recorrente, ou seja, não fundamente de direito a decisão (cfr. alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA).

Também aqui é evidente a falta de razão da recorrente.

Apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. c), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).

A sentença não só indica os factos e as normas jurídicas que entende aplicáveis como o faz de forma exaustiva. Pode não se concordar com o todo ou com uma ou outra parte, mas está bem fundamentada, de facto e de direito.

A recorrente confunde aqui, claramente, falta de fundamentação da sentença com a falta de fundamentação que a própria entende que devia existir.

O Tribunal não fez referência a qualquer norma legal ou contratual violada pela recorrente porque entendeu que “existe funcionamento anormal do serviço, quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.” (vide, artigo 7º, nº. 4 do RRCEE”).

Invocou portanto, o disposto no artigo 7º, n.º4, do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas, para concluir pela verificação do pressuposto “culpa” no caso concreto.

Preceito que prescinde, na óptica do Tribunal, que não está vinculada à óptica da recorrente, de qualquer violação de norma legal ou contratual, mas tem em conta apenas as “circunstâncias e a padrões médios de resultado”.

Também esta nulidade não se verifica.

2. O acerto da decisão.

A questão que aqui se coloca é, em resumo, saber quem deve suportar os prejuízos verificados com o acidente ocorrido na A20, ao Km 10,7, no dia 18.09.2014, traduzido no embate de uma viatura que ali circulava com um paralelepípedo que ali apareceu, inopinadamente: se a proprietária do veículo sinistrado se a concessionária.

A resposta é evidente, para quem tiver um mediano sentido de justiça: a recorrente, como bem decidiu o Tribunal a quo.

A haver alguém responsável pelos danos emergentes do sinistro objecto dos presentes autos esse alguém é a ré, ora recorrente Infraestruturas de Portugal, S.A., por ser concessionária da A20, onde o sinistro ocorreu.

Por força do disposto no artigo 1º, nº 5, do anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, está submetida às normas aplicáveis à responsabilidade civil das entidades públicas, competindo-lhe entre outras funções a manutenção e a prestação do serviço público no local onde o sinistro ocorreu, como aliás decorre da Base IV aprovada pelo Decreto-Lei nº 189/2002, de 28.08.

A ré, ora recorrente, no âmbito da concessão tem poderes administrativos, regulados por normas e princípios de direito administrativo, pelo que não há dúvidas de que lhe é aplicável o regime de responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas – cfr. relativamente à EP – Estradas de Portugal, S.A., mas cuja argumentação é transponível para a situação em apreço, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.05.2013, Proc. nº 017.13.

Nos termos do artigo 7º do Anexo à Lei nº 67/2007, de 31.12, “o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa por causa desse exercício”.

Decorre dos artigos 7º a 10º do Regime em análise e é jurisprudência assente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pressupõe a verificação dos mesmos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil para as relações jurídico-privadas.

Assim a ré, ora recorrente, será responsável na medida em que se encontrem verificados os pressupostos; facto, ilícito, culposo, gerador de danos e verificação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, apurado segundo um juízo de causalidade adequada.

Vem imputada à ré, ora recorrente, uma actuação omissiva – não tomada de providências no sentido de assegurar a segurança da circulação dos veículos automóveis na A20, em concreto não ter assegurado que não ia parar à autoestrada, como foi, um paralelepípedo, o que esteve na origem do acidente.

Da matéria dada como provada não resulta que a ré tivesse actuado no sentido de avisar os condutores da presença desse obstáculo nem de a evitar.

E não basta, nem releva, para afastar a ilicitude da sua conduta omissiva, que a concessionária vigie regularmente a auto-estrada.

A Ré teria de demonstrar que o paralelepípedo ali foi colocado ou foi parar por facto que lhe é alheio ou por motivo fortuito ou de força maior, o que não logrou fazer.

Está, pois, preenchido o pressuposto primeiro pressuposto legal da responsabilidade da ré, a culpa, dado não ter afastado a presunção de culpa que resulta do no artigo 493.º, n.º1 do Código Civil:

“Quem tiver em seu poder coisa móvel o imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

E, ao contrário do que pretende a ré, também recorrente, não se verifica circunstância que afaste esta culpa presumida.

A recorrente não logrou provar que a existência do paralelepípedo na via se deveu a conduta de terceiro, a caso fortuito ou de força maior que não pudesse ter evitado.

Apenas ficou provada a existência do obstáculo (não sinalizado) na via.

Não se trata aqui de responsabilidade objectiva ou pelo risco, porque esta prescinde da prova da culpa de quem quer que seja. Trata-se antes de inverter o ónus da prova. Deve ser a concessionária a provar que não teve culpa. O que no caso não logrou fazer.

O 2º pressuposto é a ilicitude.

A Lei nº 24/2007, de 18.07 veio definir “direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis” (artigo 1º).

O artigo 12º do referido diploma estabelece o seguinte:

“1. Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.

3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afectem as actividades de concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.”

O legislador resolveu no artigo 12º a problemática da repartição do ónus da prova dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar: quando esteja em causa um sinistro numa auto-estrada concessionada, provocado, como no caso, pela existência de um objecto na via, a entidade concessionária fica onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar, cabendo-lhe, portanto, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança.

Conforme já decidiu o Tribunal Constitucional, esta opção legislativa não está desprovida de fundamento material bastante, já que o legislador cometeu “o ónus em causa à parte que se encontra em melhores condições para antecipadamente poder lançar mão dos meios ou instrumentos materiais aptos à prova dos factos, quer pelo domínio material que tem sobre as auto-estradas e os meios de equipamento e de infra estruturas adequadas a conferir maior segurança na circulação rodoviária, quer pela sua capacidade económica para se socorrer desses meios” – acórdão do Tribunal Constitucional nº 596/2009; cfr. também acórdão do mesmo Tribunal com o nº 629/2009.

No mesmo acórdão citado, o Tribunal Constitucional sustenta que “o tipo de bens oferecido através da oferta da via das auto-estradas, diferentemente do que se passa com as demais estradas, pressupõe níveis elevados e especiais de segurança, traduzidos desde logo na concepção, construção, manutenção e exploração das vias segundo padrões materiais ou normativos de grande exigência, e que a sua utilização é feita em termos massivos e mediante o pagamento de uma taxa (ainda que nas SCUT esta seja assumida pelo Estado), não se vê que possa considerar-se existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade ao atribuir-se ao concessionário da auto-estrada o ónus de demonstrar que cumpriu, em concreto relativamente a cada utilizador, a obrigação de segurança cuja pressuposta existência real se apresenta como determinante para que uma grande massa de consumidores opte pela sua utilização.”

E acrescenta que “estando-se perante especiais actividades económicas geradoras de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, muitas vezes ínsitos ao próprio tipo de bens cuja aquisição se oferece, afigura-se como previsível que o legislador possa submeter essa actividade concreta a especial regime de responsabilidade e isso principalmente quando ela é levada a cabo em regime de concessão pública, pois dela poderá sobrar para o Estado a emergência de ter de suprir as consequências danosas para os utilizadores desses bens, mormente através do cumprimento dos deveres de prestação dos serviços de saúde e de segurança social.”

Conclui que “a norma constante do artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, na acepção segundo a qual, «em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é de todo imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento», não padece de inconstitucionalidade.”

Descendo de novo ao caso concreto, a recorrente não logrou provar que a existência do obstáculo causador do acidente não lhe é imputável.

Pelo que, não se discutindo aqui os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, se impõe manter a decisão recorrida.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.
*

Porto, 17.12.2021



Rogério Martins
Fernanda Brandão
Hélder Vieira