Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00244/22.4BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PROIBIÇÃO DE REPETIÇÃO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:1-Decretada a caducidade de uma providência cautelar ou julgada a mesma como injustificada, o requerente fica impedido de, no âmbito do mesmo processo, solicitar medida de conteúdo idêntico.

2-A proibição de repetição da providência tem por fim evitar a repetição de atos, com as consequências negativas daí decorrentes para a economia e a celeridade processuais e, por outro lado, para a autoridade e prestígio das decisões, prevenindo-se eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objeto, tendo subjacente fundamentos de natureza similar aos que estão presentes no instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º do CPC.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1. LM..., NIF (…), residente na Av. (…), intentou a presente providência cautelar contra a Ordem dos Médicos, com sede na Av. (…), na qual requereu a suspensão do ato emanado em 08.04.2019 e do ato emanado em 30.01.2020, formulando o seguinte pedido:
“Nestes termos, e nos demais que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, se requer se digne mandar citar a R. na modalidade urgente, seja a presente providência cautelar de suspensão de atos administrativos julgada procedente por provada, com decretamento provisório e todas as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos desta até final, sem prejuízo de:
a) Adotar a tramitação prevista nos artigos 128.º, e/ou subsidiariamente, 131.º do CPTA, decretando-se provisoriamente a presente providência cautelar de suspensão de eficácia dos atos administrativos nos autos de forma automática, seguindo-se os ulteriores termos até final;
b) Sem prescindir, e caso o pedido de decretamento provisório da providência venha a ser indeferido, ou no caso de não ser possível a sua apreciação em tempo útil atenta a natureza urgente da providência requerida, seja promovida a citação pessoal e urgente, nos termos julgados adequados e previstos do artigo 561º do CPC, para os efeitos previstos no artigo 128º, nº 1 e/ou 131.º do CPTA.”.

1.2. Em 03.02.2022, o TAF de Braga, proferiu despacho de apreciação liminar, ao abrigo do disposto no artigo 116º nº1 do CPTA, do seguinte teor:
« Postula o artigo 116.º, n.º 2 do CPTA, que sobre o requerimento de providência cautelar recai despacho liminar, sendo de rejeitar o mesmo quando:
«a) falte qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprido na sequência de notificação para o efeito;
b) seja manifesta a ilegitimidade do requerente;
c) seja manifesta a ilegitimidade da entidade requerida;
d) seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada;
e) seja manifesta a desnecessidade da tutela cautelar;
f) seja manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal.».
Sobre o despacho liminar, aduzem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha Fernandes, in “Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista, Almedina, 2010, pp. 777/778, o seguinte:
“(...) a haver despacho liminar, justifica-se que seja em processos como os cautelares, que são processos urgentes, na medida em que, uma vez recebido o requerimento, este deve ser apresentado ao juiz sem mais delongas e que, por outro lado, ao juiz, no despacho liminar, não só cumpre evitar o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso (...).
O despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impendem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.”.
O despacho liminar de rejeição destina-se a eliminar ab initio os processos cautelares que não reúnam condições mínimas de viabilidade, evitando o inútil prosseguimento de um processo inevitavelmente condenado ao insucesso (vide a este respeito, entre outros, ob. citada, p. 585).
Pode identificar-se, pelo menos, uma dupla função na rejeição inicial do processo cautelar prevista no artigo 116.º n.º 2 do CPTA: i) uma, a de favorecer a economia processual, obstando ao desenvolvimento dos trâmites processuais que se revelariam inúteis face à inevitabilidade do fracasso do pedido cautelar; ii) outra, a de evitar a utilização abusiva da tutela cautelar com vista a obter, injustificadamente, o benefício dos mecanismos de proteção provisória previstos na lei, mormente o da proibição provisória da execução de ato administrativo a que alude o artigo 128.º do CPTA, quando é notório que o decretamento da providência cautelar está votada ao fracasso.
Naturalmente, o requerimento inicial de uma providência cautelar apenas deve ser rejeitado ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA quando a falta de fundamento da pretensão cautelar formulada seja manifesta ou evidente. Mas se for de constatar logo perante o requerimento inicial da providência, pela manifesta falta de fundamento da pretensão, como sucede no caso, como veremos melhor infra, então impõe-se ao juiz que rejeite a mesma - Esse foi o sentido em que se decidiu no Ac. do TCA Sul de 22.08.2017, proferido no proc. n.º 569/17.0BELSB, in www.dgsi.pt, cuja fundamentação aderimos sem reservas.
Isto posto, importa frisar que, por via do processo cautelar, visa salvaguardar-se o efeito útil de uma ação administrativa já intentada ou ainda a intentar, impedindo-se a formação de uma situação irreversível ou de facto consumado, ou que sejam causados danos de tal modo gravosos na esfera jurídica da Requerente que ponham total ou parcialmente em causa tal efeito útil, na pendência daquela ação.
Tratando-se de um processo urgente (cfr. artigo 36.º, n.º 1, alínea f), do CPTA), e de natureza instrumental, provisória, necessária e sumária relativamente à ação principal, exige-se uma apreciação meramente perfunctória e sumária dos seus pressupostos, mormente da legitimidade das partes (cfr. artigo 112.º do CPTA) e dos requisitos previstos no artigo 114.º do mesmo diploma legal.
Assim sendo, e primeiro que tudo, não podemos olvidar que entre nós tem sido adotado um conceito de causa de pedir conforme à teoria da substanciação, devendo entender-se como tal o facto jurídico concreto, devidamente consubstanciado no espaço e no tempo, de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a ação.
De facto, ao requerente de uma providência cautelar incumbe, desde logo, o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.
O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5.º do CPC, aqui aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.
O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e, por conseguinte, a adoção da providência requerida – cfr. Acs. do TCA Sul de 17.06.2004, proferido no proc. n.º 00166/04; de 10.08.2015, proferido no proc. n.º 12424/15, disponíveis in www.dgsi.pt; cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 114 ss.
No caso sub judice, a Requerente requer a suspensão dos atos emanados pela Ordem dos médicos em 08.04.2019 e em 30.01.2020, decorrendo do alegado no requerimento inicial que já correu termos neste tribunal sob o processo 2372/20.1BEBRG uma providência cautelar, na qual, foi requerida a suspensão destes dois atos administrativos (pontos 1, 2. e 3. dos factos assentes).
Ora, como está bom de se ver, não pode vir a Requerente interpor nova providência cautelar, referente aos mesmos atos, conforme preceitua o artigo 362.º, n.º 4 do CPC que dispõe que «[N]ão é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.».
Compulsado o processo 2372/20.1BEBRG, denota-se que foi proferida sentença em 31.07.2021 que improcedeu a providência cautelar, tendo a Requerente interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que proferiu acórdão em 17.12.2021 que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, negando provimento ao mesmo (factos provados 1, 2. e 3).
Esta norma (artigo 362.º, n.º 4) tem o efeito e alcance prático do caso julgado previsto no artigo 580.º do CPC, pois esta exceção não se aplica às providências cautelares.
Temos então de ver se neste novo procedimento cautelar os sujeitos são os mesmos e com se é o mesmo objeto (pedido idêntico fundado em idêntica causa de pedir).
A identidade de sujeitos consiste em as partes serem as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial.
A identidade de pedidos verifica-se quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.
A identidade de causa de pedir consiste em a pretensão deduzida em ambas as causas proceder do mesmo facto jurídico, tendo presente que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação de factos constitutivos do direito.
Isto posto, volvemos ao caso em apreço e vejamos se existe a referida tríplice de identidade.
Quanto à identidade de sujeitos, não existem dúvidas que a mesma se verifica, apesar de nesta ação, a Requerente indicar um contrainteressado, que, no caso, não se verifica.
Com efeito, prevê o artigo 57.º do CPTA que «Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.».
Está em causa um processo disciplinar que apenas afeta a pessoa em causa e a procedência da ação não prejudica diretamente ninguém (a não ser o próprio) nem existe alguém que tenha legítimo interesse na manutenção do ato impugnado para além naturalmente, da Entidade Requerida, no caso.
Logo, considerando que o contrainteressado é parte ilegítima na presente providência cautelar, as partes são as mesmas do que no processo cautelar 2372/20.1BEBRG.
Relativamente ao pedido, também existe identidade.
Na petição inicial da providência cautelar do processo 2372/20.1BEBRG consta como pedido o seguinte:
“Nestes termos, e nos demais que V.” Ex.” doutamente suprirá, se requer se digne:
a. Adoptar a tramitação prevista no artigo 131.º do CPTA, decidindo pelo decretamento provisório da presente providência cautelar de suspensão de eficácia dos atos administrativos nos autos;
b. Caso o pedido de decretamento provisório da providência venha a ser indeferido, ou no caso de não ser possível a sua apreciação em tempo útil - atenta a natureza urgente da providência requerida - promover a citação pessoal, nos termos julgados adequados e previstos do artigo 239º do CPC, para os efeitos previstos no artigo 128º, nº 1 do CPTA;
c. Julgar procedente, por provada, a presente providência e ser a mesma julgada com todas as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos até final.”.
Na presente ação o pedido é:
“Nestes termos, e nos demais que V.” Ex.” doutamente suprirá, se requer se digne mandar citar a R. na modalidade urgente, seja a presente providência cautelar de suspensão de actos administrativos julgada procedente por provada, com decretamento provisório e todas as legais consequências, seguindo-se os ulteriores termos desta até final, sem prejuízo de:
a) Adoptar a tramitação prevista nos artigos 128.º, e/ou subsidiariamente, 131.º do CPTA, decretando-se provisoriamente a presente providência cautelar de suspensão de eficácia dos atos administrativos nos autos de forma automática, seguindo-se os ulteriores termos até final;
b) Sem prescindir, e caso o pedido de decretamento provisório da providência venha a ser indeferido, ou no caso de não ser possível a sua apreciação em tempo útil atenta a natureza urgente da providência requerida, seja promovida a citação pessoal e urgente, nos termos julgados adequados e previstos do artigo 561º do CPC, para os efeitos previstos no artigo 128º, nº 1 e/ou 131.º do CPTA.”.
Ora, da leitura de ambos os pedidos denota-se que são idênticos.
Quanto à causa de pedir, também é a mesma pois, os fundamentos jurídicos alegados são os mesmos nas duas providências cautelares, ou seja, rodam à volta da existência de processos criminais, do direito de defesa (diligências probatórias que deviam ter sido realizadas) e da falta de fundamentação do ato.
O que a Requerente pretende é a suspensão do ato proferido em 08.04.2019 pois, o ato emanado em 30.01.2020, mais não é, do que o indeferimento do recurso da decisão de 08.04.2019, pois o Conselho Geral da Ordem dos Médicos considerou que o mesmo foi apresentado intempestivamente.
No sentido vindo de referir, quanto à repetição de providências cautelares vide, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 22.03.2011, no processo 274/09.1TBLRA-B.C1, cujo trecho aqui se transcreve e que aqui sufragamos, com a devida vénia (artigo 8.º, n.º 3 do CC):
“(...)1 - Em primeiro lugar, vejamos se ocorre uma situação de caso julgado ou, então, uma situação de repetição da providência já julgada improcedente.
Começando pela hipótese do caso julgado, desde já se adianta que esta figura não é apropriada ao caso das providências cautelares, devido aos pressupostos destes procedimentos e natureza das suas decisões.
Com efeito, a providência cautelar, como nos dizem os autores Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, porque se destina a «...prevenir o perigo da demora inevitável no processamento normal da acção (...) necessita de ter uma estrutura bastante mais simplificada, em consonância com o seu fim específico.
Ao apreciar os pressupostos da providência, o juiz não poderá exigir, na prova da existência e da violação do direito do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da acção.
De contrário, o remédio nenhuma eficácia teria no combate à doença que se propõe debelar.
Em lugar da prova do direito, o juiz deverá contentar-se nestes casos, como a própria lei (art. 401.º,1) afirma em termos gerais, com uma probabilidade séria da existência do direito; e, em vez da demonstração do perigo de dano invocado, bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão».
Além disso, a sorte do procedimento depende da sorte da acção, pelo que, se esta for julgada improcedente, a decisão tomada no procedimento cautelar que tenha sido procedente, caducará.
Resulta do exposto que a decisão tomada na providência cautelar não tem autonomia, dependendo sim do processo principal. Por outro lado, esta não é uma decisão sobre o mérito da causa, pois é meramente provisória e destina-se tão-só a acautelar os efeitos úteis da acção, enquanto a decisão definitiva não é tomada.
Por conseguinte, a decisão em causa não tem capacidade para formar caso julgado nem dentro, nem fora do processo.
Nas palavras de Lebre de Freitas, «...o efeito do caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni iuris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (art. 386.º do CPC). Quanto ao juízo sobre o periculum mora, não envolve qualquer decisão sobre a relação de direito material, pelo que, não integrando uma decisão de mérito, não poderia dar lugar ao efeito de caso julgado; por outro lado, ao inverso do juízo sobre o fumus boni iuris, está condicionado pelas circunstâncias de facto ocorrentes ao tempo da sua emissão, constituindo um juízo temporalmente limitado. Finalmente, o juízo sobre a adequação da providência cautelar solicitada é um juízo de carácter tipicamente processual (cf. art. 199.º CPC).
O preceito do artigo 387.º-1 do C.P.C. explica-se pela inadequação do conceito de caso julgado à figura da providência cautelar: por ele é proibida a repetição do requerimento de providência quando esta for julgada injustificada ou caducar porque, de outro modo, da não atribuição da eficácia de caso julgado à decisão proferida resultaria a admissibilidade do requerimento de nova providência, ainda que com o mesmo objecto».
Sustenta ainda este autor que devido à inaplicabilidade do conceito de caso julgado ao campo das providências cautelares, o disposto no n.º 4 do artigo 381.º do Código de Processo Civil, recorre a um conceito de repetição da providência cautelar semelhante ao do artigo 498.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (repetição da causa), «...o que implica que só não pode ter lugar um novo procedimento cautelar entre os mesmos sujeitos e com o mesmo objecto (pedido idêntico fundado em idêntica causa de pedir)». Face ao que fica referido, é de afastar a figura do caso julgado, pois o legislador pretendendo alcançar os mesmos efeitos práticos, senão todos, pelo menos alguns, previu a figura da repetição da providência no n.º 4 do artigo 381.º do Código de Processo Civil, onde se diz que «Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado».
Cumpre, pois, verificar se há repetição da providência.
A resposta é afirmativa.
(...) “
Deste modo, por tudo que ficou dito e na esteira do entendimento vertido no citado aresto, com as devidas adaptações e com os normativos atuais, verifica-se que existe a repetição de providência cautelar.
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As custas são da responsabilidade da Requerente, porque é parte vencida, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e artigos 6.º e 13.º do RCP, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
*
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, rejeito liminarmente o presente requerimento cautelar por ter sido julgada uma outra providência cautelar cujo objeto é sobreponível ao do presente procedimento cautelar.
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Condeno a Requerente no pagamento das custas.»
1.3. Inconformada com o despacho de rejeição liminar da providência requerida, a Apelante intentou o presente recurso jurisdicional, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes Conclusões:

«A. O presente recurso vem interposto da decisão do Exm.º Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e do teor, fundamentos e conclusões constantes dessa sentença notificada a 04/02/2022 (ref.ª n.º 006532631) nos autos, no qual a Mm.ª julgadora a quo, decide pela (i) ilegitimidade do contra-interessado e da (ii) absoluta identidade de partes e matéria relativamente a outras providências cautelares que correram termos até Acórdão desse Venerando TCAN e nos autos.
B. Analisada a sentença / despacho de recusa liminar ora recorrida, é lapidar constatar-se que a mesma é crassamente errada na apreciação liminar e nos seus fundamentos, de forma com a qual a Recorrente não se pode conformar e que permanece particularmente lesiva e gravosa.
C. Note.se que se discute nos autos principais e pela primeira vez interpostos, a suspensão de eficácia de dois actos administrativos proferidos pela Ordem dos Médicos (a saber, de ato administrativo datado de 8.04.2019 e de 30.01.2020, este do Conselho Geral da Ordem dos Médicos) e em si mesmo suscetíveis de determinar desde logo a suspensão de toda a atividade profissional da Recorrente, pelo período de seis meses, a saber e conforme identificado claramente no articulado inicial;
D. Atos inequivocamente conexos são e que produzem efeitos distintos na esfera da Recorrente e que, a não serem imediatamente suspensos de efeitos, ditarão a utilidade da acção principal interposta por terra, para além de causarem de forma direta e necessária um grave, evidente e imediato dano na esfera patrimonial e reputacional daquela, que se verá administrativamente impedida de exercer a profissão que lhe garante a subsistência há mais de 35 anos, sem mácula.
E. A providência cautelar anterior e o recurso que daquela foi interposto provinha de uma decisão anterior que sustentou (sic), “tudo sopesado, os autos cautelares dispõem já dos elementos necessários à apreciação da causa cautelar”, dispensando a produção de prova testemunhal requerida (cfr. pág. 3 da sentença cautelar anteriormente recorrida), o que deixou a Recorrente numa posição ainda mais fragilizada processual e substantivamente, negando-lhe em flagrante violação constitucional do seu direito de defesa direitos de demonstração da sua tese e prova, ao mesmo tempo que conclui que a mesma não faz prova das suas alegações!
F. Tivemos o cuidado de deixar bem claro no nosso petitório inicial, e é secundado pela abundante jurisprudência (cfr. exemplificativamente o disposto em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0b904b178c7937e880257b24004eb6b4?OpenDocument ), o julgador tem toda a discricionariedade para avaliar a manifesta alteração de circunstâncias ao nível (i) das partes novas, (ii) da realidade judicial a defender (a tramitação e efeito útil da acção administrativa) e (iii) de toda a matéria e prova que foi dispensada em detrimento da Recorrente e que nenhuma instância se dignou ordenar produzir.
G. A não ser assim, assistir-se-ia ao mais bizarro paradoxo judicial e gritante denegação da Justiça que se viu nos últimos tempos: ao mesmo tempo que o Tribunal considera que a Recorrente não apresentou defesa no processo disciplinar, quando a mesma efetivamente a apresentou, conforme resulta dos autos, vindo agora rejeitar liminarmente a apresentação de nova providência cautelar já na pendência de uma acção judicial destinada à impugnação dos atos administrativos que lesam os seus direitos, incluindo todas as partes e contra-interessados, podendo e devendo reapreciar a nova realidade dos factos e pretensões, prefere decidir que tudo permanece na mesma, e que assim deve ficar.
H. Sumarizado o que nos traz à presença de V.ªs Ex.ªs, apenas revogando a sentença ora recorrida e substituindo-a por outra em sentido contrário que efetivamente proteja cautelarmente a esfera jurídica da Recorrente e assim reponha a Justiça material à situação sub judice se fará devida justiça, o que desde já e expressamente se requer.
I. Sobre os efeitos suspensivos do presente recurso, dispõem os números 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA que os mesmos devam ser concedidos quando se preencham estes pressupostos, e no requerimento inicial - desta feita acompanhado da interposição da acção principal (uma das muitas que já interpusemos em 22 anos de profissão plena (i.e. como Advogado), com taxas de sucesso respeitáveis) -, a ora Recorrente sempre articulou e concretizou os graves e irreversíveis danos que a não atribuição de efeitos suspendendos nos autos produzirão inelutavelmente na sua esfera, conforme escalpelizamos no corpo das presentes alegações.
J. Sempre com devida vénia, dúvidas não restam que (i) a Recorrente não só alegou e demonstrou suficientemente o preenchimento dos pressupostos do artigo 124.º e 120.º do CPTA ao contrário do que a rejeição liminar ora parece querer insinuar, como para efeitos do presente recurso (ii) se deve considerar que os pressupostos previstos no n.º 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA se encontram perfeitamente preenchidos ab initio, devendo o Venerando Tribunal decidir pela atribuição imediata de efeito suspensivo dos atos administrativos suspendendos até decisão final, uma vez que facilmente se conclui pela simples leitura dos autos que nenhum dano resulta para o Estado e/ou para a saúde pública – bem pelo contrário -, com a manutenção ao serviço da Recorrente enquanto médica anestesiologista, até decisão final.
K. Para efeitos do presente requerimento de atribuição de efeitos suspensivos ao recurso, releve-se ainda que os presentes autos disciplinares não decorrem de nenhum processo de negligência médica, ou de quaisquer factos que indiciem ou apontem qualquer má prática objetiva à Recorrente, o que mais releva para se concluir junto do Venerando Tribunal também para o preenchimento reforçado dos pressupostos constantes do n.º 5 do artigo 143.º do CPTA, e pela necessidade de atribuição de imediatos efeitos suspensivos dos atos administrativos suspendendos neste recurso, até prolação de decisão final nos autos, o que desde já e com a devida vénia se requer.
L. Sobre os eixos principais desta rejeição liminar que ora colocamos em crise, é desde logo evidente que – partindo do princípio que conhecemos o disposto no artigo 362.º do CPC e não temos qualquer intenção de praticar atos inúteis perante os Tribunais e/ou os representados –, também é pacífico e assente que esta providência cautelar é a primeira dependente de uma ação já pendente, e destinada a acautelar provisoriamente os efeitos da pronúncia jurisdicional definitiva em curso.
M. Desta feita, e na necessidade de aferir da correspondência com a pretensão/objeto da ação administrativa principal, é a primeira vez que a mesma está assim conformada, quer quanto às partes, e forma definitiva e mais perfeita (no sentido de idêntica com os ditos autos principais), raciocínio que deve necessariamente ser estendido ao pedido e à «causa petendi» e o preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 120.º do CPTA, uma vez que qualquer produção de caso julgado não pode pretender fugir à regra “rebus sic standibus”.
N. Por outras palavras, o Tribunal a quo pode – e deve –, pronunciar-se sobre a providência nos autos já que é evidente a alteração das circunstâncias processuais, de partes e de alegação que estiveram na base da anterior decisão, como aliás dispõe o artigo 124.º do CPTA.
O. E, a nosso ver, (i) o facto da providência cautelar anterior e o recurso terem entendido que não foram alegados factos susceptíveis de enquadramento nos pressupostos do artigo 120.º do CPTA, (ii) a diferença na identidade das partes e (iii) a alteração no circunstancialismo de direito (a saber, a interposição da acção administrativa de impugnação de actos) constitui uma alteração substantiva evidente que mais uma vez o Tribunal a quo está a desvalorizar, violando frontalmente o princípio da tutela jurisdicional efetiva enquanto direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) e que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para efectiva defesa de direitos individuais, não podendo a utilização das normas que supostamente regulam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível, ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
P. O Tribunal deve manifestar independência (artigo 203.º e 216.º da CRP), e julgar de acordo com princípio do juiz natural (artigo 32.º, n.º 9 da CRP), não podendo a razoável dose de discricionariedade do julgador exorbitar o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), e no respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, in fine, extensivo, por paridade de fundamento, a todas as formas de processo).
Q. Tudo circunstâncias que, considerando como considerou e decidindo como decidiu, a Mm.ª julgadora viola frontalmente, reforçando a manifesta injustiça e denegação de Justiça anteriormente praticadas pelas decisões transitadas, que indeferiram e inviabilizaram a produção de prova adicional, testemunhal requerida (cfr. pág. 3 da anterior sentença recorrida nos autos) e toda a demais que no decurso dos autos se demonstrasse oportuna e admissível, suficiente e adequada para consagrar pelo menos indiciariamente a completude e legalidade da atuação da Recorrente e infirmar cabalmente o errado pressuposto segundo o qual esta não apresentou defesa e/ou requereu produção de prova em sede do processo disciplinar (e muito antes do recurso apresentado), a qual lhe foi e vem sendo sucessivamente negada.
R. Quanto à identidade de sujeitos, entende a Mm.ª julgadora que “...não existem dúvidas que a mesma se verifica, apesar de nesta ação, a Requerente indicar um contrainteressado, que, no caso, não se verifica.;...”.
S. Com o devido respeito, não se percebe como é que (i) se pode entender que as partes são as mesmas existindo expressamente a inclusão e pedido de citação da Ordem dos Médicos enquanto contrainteressado, e (ii) como é que se pode concluir que esse contrainteressado, autor dos actos administrativos e parte na acção principal “não se verifica”, a não ser em exercício de negação da evidência para sustentar a rejeição liminar, ainda que em crassa violação dos direitos da Recorrente.
T. É que não só as partes são necessariamente diversas, como não existe forma legalmente admissível e coerente de concluir que a Ordem dos Médicos, autora dos actos administrativos nos autos não é interessada.
U. Pelo que também por estes motivos deve ser a sentença recorrida revogada, e substituída por outra em sentido contrário, o que se requer.
V. Seguidamente, quanto à identidade da causa de pedir e do pedido, a coerência profissional que nos caracteriza ao longo destes 22 anos obriga-nos a não poder discordar completamente,
W. Mas há que respeitosamente fazer notar que a providência cautelar liminarmente rejeitada está modelizada, na causa de pedir e no pedido, pela primeira vez de forma completamente identitária com os autos principais, o que deve ser considerado a par dos restantes pressupostos e modificações,
X. Desde logo (i) a não identidade de sujeitos, (ii) o facto de ser a primeira vez que a mesma é apresentada simultaneamente com os autos principais, (iii) e demais pressupostos de preenchimento dos requisitos constantes do artigo 124.º do CPTA, o que ora se requer do Venerando Tribunal para efeitos do presente recurso.
Y. Finalmente, refere ainda a Mm.ª julgadora o seguinte: “... O que a Requerente pretende é a suspensão do ato proferido em 08.04.2019 pois, o ato emanado em 30.01.2020, mais não é, do que o indeferimento do recurso da decisão de 08.04.2019, pois o Conselho Geral da Ordem dos Médicos considerou que o mesmo foi apresentado intempestivamente. ...”, lavrando em novo erro conforme resulta evidente dos autos principais.
Z. A Recorrente sabe bem o que quer, e foi clara no que expressou e peticionou: quer a suspensão do ato administrativo de 08.04.2019, e da decisão de 08.04.2019 do Conselho Geral da Ordem dos Médicos, que lhe indeferiu o recurso do primeiro ato, porque ambos são ilegais, preenchem os pressupostos para serem suspendidos nos seus efeitos, e estão correntemente a ver a sua legalidade sindicada nos autos principais.
AA. Também aqui andou mal a Mm.ª julgadora ao substituir-se voluntariamente à clareza do pedido da Recorrente, e desconsiderando a amplitude do seu pedido, o que deve ser imediatamente corrigido pelo Venerando Tribunal e desde já se requer, admitindo-se a providência cautelar cuja apreciação foi rejeitada liminarmente.
BB. Atento todo o exposto, não pode de forma alguma concordar-se com os fundamentos, teor e sentido da decisão recorrida, que remetem a Recorrente e consagram na letra da Digm.ª juiz a quo, requerendo-se desde já do Venerando Tribunal seja essa conclusão e decisão integralmente revertida, apreciando-se a providência cautelar interposta nos termos e para efeitos do art. 124.º do CPTA.
CC. Com a devida vénia, Venerandos Desembargadores, a assim não suceder tal significaria subtrair toda a certeza jurídica pretendida pelo legislador do regime jurídico das providências cautelares, a qual é estabelecida a favor do administrado mais fraco, e que os Venerandos Desembargadores seguramente reconhecerão que aqui é a Recorrente cujos direitos de defesa foram e são sucessivamente colocados em causa em violação de um real acesso ao Direito e à Justiça.
DD. Cumpre assim que os Venerandos Desembargadores concluam que a Recorrente agiu conforme ao Direito e se dignem revogar a sentença recorrida, decidindo pelo deferimento e apreciação da providência cautelar cuja sentença recorrida liminarmente rejeita, restaurando a Boa e Sã Justiça que se impõe, porquanto a Lei é feita para todos e a todos defende, e a douta Sentença Recorrida na sua fundamentação e sentido viola claramente o disposto no artigo 124.º do CPTA, na sua redação atual, bem como a independência dos Tribunais (artigo 203.º e 216.º da CRP), e o princípio do juiz natural (artigo 32.º, n.º 9 da CRP), não podendo a razoável dose de discricionariedade do julgador exorbitar o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), e no respeito pelo princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5, in fine, extensivo, por paridade de fundamento, a todas as formas de processo).
EE. Com a revogação da douta Sentença Recorrida, com os fundamentos que antecedem, a qual desde já e expressamente se requer substituindo-se esta por decisão superior suscetível de repor a integral Justiça aos presentes autos farão Sã e Integral Justiça.
Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer se digne seja o presente recurso recebido e, por procedente, seja anulada e revogada a Sentença Recorrida, e substituída por outra que, nos termos melhor alegados fará a acostumada Justiça!»

1.4. O Apelado contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões:

«I. O objeto do recuso interposto pela recorrente incide sobre o despacho de indeferimento liminar da providência cautelar por aquela intentada.
II. A referida providência foi indeferida em virtude do Tribunal a quo considerar, e bem, que a mesma violava o n.º 4, do artigo 362.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA, e que determina que “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.”
III. Isto porque, correu termos no Tribunal a quo, sob o n.º de processo 2372/20.1BEBRG, um processo cautelar de suspensão dos atos administrativos praticados pela requerida/recorrida, já transitado em julgado, e no qual, as partes, o pedido e causa de pedir eram iguais às constantes do presente processo cautelar.
IV. No essencial, o presente processo cautelar é uma repetição do processo cautelar referido no ponto anterior e que foi declarado improcedente por sentença e acórdão transitados em julgado.
Posto isto,
V. Para que se considere existir uma repetição do processo cautelar é necessário que exista uma identidade de sujeitos processuais, da causa de pedir e do pedido, o que, no caso em apreço verifica-se.
VI. No que concerne à identidade dos sujeitos processuais, inexistem dúvidas que as partes (requerente e requerida) são as mesmas em ambos os processos cautelares, sendo certo que, a recorrente indicou um contrainteressado (a entidade empregadora da recorrente) na presente providência cautelar e processo principal, não o tendo feito no anterior no processo cautelar que correu termos sob o n.º de processo 2372/20.1BEBRG.
VII. Acontece, porém, que o contrainteressado é parte ilegítima na relação material.
VIII. Para o efeito, o artigo 57.º do CPTA, determina, que “Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”
IX. Ora, é obvio que a entidade empregadora da recorrente não pode ser prejudicada pela procedência da ação, visto que a procedência da mesma implicaria a anulação do ato administrativo que condena a recorrente numa pena de suspensão do exercício da profissão.
X. Por outro lado, supomos, que aquela entidade empregadora não tem qualquer interesse legitimo na manutenção do ato impugnado.
XI. Conclui-se, portanto, que existe identidade das partes nos dois processos cautelares.
XII. Acresce que, também a causa de pedir é a mesma, uma vez que os fundamentos jurídicos alegados pela recorrente nas duas providências cautelares são a violação do direito de defesa por não realização de diligências instrutórias supostamente essenciais, a existência de processos criminais e o efeito jurídico dos mesmos no processo disciplinar, bem como, a falta de fundamentação do ato administrativo.
XIII. Por fim, também os pedidos são idênticos, bastando, para tal, confrontar os pedidos constantes de ambas as providências cautelares para alcançar tal conclusão.
XIV. Pelo exposto, sendo as partes em ambos os processos cautelares os mesmos, sendo a causa de pedir e o pedido idênticos, e, tendo a primeira providência cautelar sido julgada improcedente, conclui-se existir caso julgado, e como tal, deve a presente providência ser indeferida.
XV. Acresce que, não importa para o caso, designadamente, para a aplicação do n.º 4 do artigo 362.º do CPC, a mera circunstância de a primeira providência cautelar ter sido intentada previamente à entrada da ação principal e de a segunda providência ter sido intentada em simultâneo com a entrada da petição inicial, visto que, tal faculdade configura um direito da recorrente, mas sem qualquer efeito jurídico sobre o valor do caso em julgado daquela providência.
XVI. Do mesmo modo, é totalmente irrelevante, o disposto no artigo 124.º do CPTA, que, a nosso ver, não tem qualquer aplicação no caso dos presentes autos.
XVII. Mais se sublinha que não colhe o argumento de que o indeferimento da providência cautelar, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 362.º do CPTA, viole, afete, ou restrinja o princípio de tutela jurisdicional efetiva da recorrente.
XVIII. Como sabemos, o referido princípio tem limites processuais e não se compagina com o acesso aos tribunais de modo ilimitado, desde logo, é restringido pelos prazos processuais, pelos limites às instâncias de recurso, que contam com regras próprias, com o trânsito em julgado, com a caducidade do direito de ação, entre outros.
XIX. Certo é que, a recorrente, tem e teve, forma de reagir contra os atos praticados pelo recorrido, tanto mais que deu pleno uso à via cautelar no processo sob o n.º 2372/20.1BEBRG, contudo, como se disse, a referida providencia foi julgada improcedente, tendo a referida sentença e posterior acórdão, transitado em julgado.
XX. Por este motivo, uma vez que a providência cautelar que deu origem ao presente processo, por versar sobre as mesmas partes, causa de pedir e pedido, não pode ser apreciada por consubstancia ruma repetição de uma providencia já julgada.
XXI. Precisamente por este motivo é que o Tribunal a quo rejeitou liminarmente a providencia cautelar intentada pela recorrente, decisão esta que não é merecedora de qualquer censura pelos motivos expostos.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, assim se fazendo
JUSTIÇA!»

1.5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

1.6. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.1. Assentes nas enunciadas premissas, as questões a decidir passam por saber se o despacho de rejeição liminar da providência cautelar requerida ao abrigo do disposto no artigo 362.º, n.º4 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito, conquanto, no caso, não se verificam os pressupostos para que possa afirmar-se que a presente providência cautelar constitui repetição de uma outra providência cautelar já decidida por sentença, confirmada por acórdão deste TCAN, já transitada em julgado.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO.

3.1. A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
«1. Correu termos neste tribunal um processo cautelar de suspensão do ato proferido em 08.04.2019 pela Ordem dos médicos, sob o n.º 2372/20.1BEBRG.
- Cfr. certidão junta aos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e mediante consulta pelo SITAF.
2. No processo referido em 1. a providência cautelar foi julgada improcedente.
- Cfr. certidão junta aos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e mediante consulta pelo SITAF.
3. A Requerente apresentou recurso da decisão proferida em 2. para o Tribunal Central Administrativo Norte que negou provimento ao recurso, confirmando a decisão proferida em 1.ª instância em 17.12.2021.
- Cfr. certidão junta aos presentes autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e mediante consulta pelo SITAF.
4. A ordem dos médicos emanou uma decisão datada de 30.01.2020, da qual se extrai o seguinte segmento:
“Matéria de direito
Preliminarmente, importa apreciar as questões prévias, nulidades e exceções que impeçam a apreciação do mérito da causa. In casu, importa aferir da tempestividade do recurso. Vejamos.
Dispõe o art.º 62.º, do Regulamento Disciplinar, aprovado pelo Reg. 631/2016, de 6 de julho (RD), que “O prazo para a interposição dos recursos é de quinze dias a contar da notificação da decisão final, ou de trinta dias a contar da afixação do edital”.
Por sua vez, prescreve o art. 13.º, 2, idem, que “Os prazos para a prática de atos processuais são contados em dias úteis, nos termos do Código do Procedimento Administrativo”.
No caso concreto, consta a fls. 630 cópia do oficio ref. DR sc/2019/718 que notifica a ora recorrente do direito a recorrer, mencionando o prazo de quinze dias para os referidos efeitos.
O referido registo, que tinha ínsito a notificação ora em apreciação, sendo esta a data da notificação para efeitos de contagem do prazo de interposição de recurso, foi objeto de entrega a 10.04.2019 (cf. fls. 636 verso).
Face ao disposto no citado art. 62.º, RD, o termo do prazo para apresentar o recurso ocorria no dia 03.05.2019.
Ora, não obstante diversas vicissitudes, dos quais, a final, resulta a inexistência de despacho de prorrogação do referido prazo, o certo é que apenas a fls. 722 encontramos o requerimento de interposição de recurso, tendo, em anexo, as respetivas motivações e conclusões. Tal requerimento foi apresentado por correio eletrónico, com data de 06.05.2019, tendo-lhe sido aposto carimbo de entrada, no canto superior direito, que marca 07.05.2019.
Ora, não obstante considerarmos a data de 06.05.2019 como boa, certo é que, nesta altura, o prazo de interposição do recurso já se tinha esgotado, pois a data limite era o dia 03.05.2019.
Face ao presente, compulsados os autos, declaramos intempestivo o recurso apresentado, face ao disposto no art. 62.º, RD.
Termos em que, e sem mais considerandos, o presente recurso não pode ser admitido por ter sido intempestivamente interposto.
Face ao decidido, ficam prejudicadas todas as questões levantadas em sede de alegações de recurso.
Proposta de decisão
Atento ao supra exposto, sou de propor que seja negado provimento ao recurso, por intempestivo, por aplicação do positivado nos art. 62.º, RD, mantendo-se o decidido.
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, com interesse para a boa decisão da causa.”.
- Cfr. doc. 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
**
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da apreciação crítica e conjugada do teor dos documentos juntos ao processo 2372/20.1BEBRG e juntos aos autos, assim como dos factos alegados pela Requerente, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nas respetivas alíneas do probatório.»
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III.B.DE DIREITO

Vem o presente recurso jurisdicional interposto contra o despacho de indeferimento liminar da providência cautelar intentada pela Apelante, por via da qual o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a providência cautelar requerida, considerando que a mesma violava o disposto no n.º 4, do artigo 362.º do CPC, aplicável, ex vi, artigo 1.º do CPTA, e que determina não ser “ admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.”
O Tribunal a quo considerou que, tendo corrido termos sob o processo n.º 2372/20.1BEBRG, um processo cautelar de suspensão dos atos administrativos praticados pela requerida, ora recorrida, já transitado em julgado, e no qual, as partes, o pedido e causa de pedir eram iguais às constantes do presente processo cautelar, este mais não era do que uma repetição desse primeiro processo cautelar que foi julgado improcedente por sentença, da qual foi interposto recurso para este TCAN, que confirmou essa sentença, entretanto, transitados em julgado, pelo que o presente processo não podia prosseguir termos.
Entende a Recorrente que a decisão em causa errou ao assim decidir, não se conformando com o despacho de indeferimento liminar da providencia cautelar, e com o indeferimento do segundo pedido, nomeadamente a citação da entidade requerida nos termos do disposto no art.128º do CPTA bem como o não decretamento provisório da providência nos termos do estatuído no art.131º do CPTA.
Para tanto alega, em síntese, que, pela primeira vez, foi intentada a ação principal e que na providência cautelar ora requerida se discute a suspensão de eficácia de dois atos administrativos proferidos pela Ordem dos Médicos (a saber, de ato administrativo datado de 8.04.2019 e de 30.01.2020, este do Conselho Geral da Ordem dos Médicos), em si mesmo suscetíveis de determinar desde logo a suspensão de toda a atividade profissional da Recorrente, pelo período de seis meses, pretendendo que em relação à anterior providência cautelar que foi julgada improcedente, houve alteração de circunstâncias ao nível das partes novas, da realidade judicial a defender (a tramitação e efeito útil da ação administrativa) e de toda a matéria e prova que foi dispensada em detrimento da Recorrente e que nenhuma instância se dignou ordenar produzir.
Sustenta ademais e em termos inovadores – vide conclusão J- que não só alegou e demonstrou suficientemente o preenchimento dos pressupostos do artigo 124.º e 120.º do CPTA ao contrário do que a rejeição liminar ora parece querer insinuar, como para efeitos do presente recurso (ii) se deve considerar que os pressupostos previstos no n.º 4 e 5 do artigo 143.º do CPTA se encontram perfeitamente preenchidos ab initio, devendo o Venerando Tribunal decidir pela atribuição imediata de efeito suspensivo dos atos administrativos suspendendos até decisão final, uma vez que facilmente se conclui pela simples leitura dos autos que nenhum dano resulta para o Estado e/ou para a saúde pública – bem pelo contrário -, com a manutenção ao serviço da Recorrente enquanto médica anestesiologista, até decisão final.
Quanto ao disposto no artigo 362.º do CPC, que alega não desconhecer e não ser seu propósito praticar atos inúteis, advoga que no caso, é pacífico e assente que esta providência cautelar é a primeira dependente de uma ação já pendente, e destinada a acautelar provisoriamente os efeitos da pronúncia jurisdicional definitiva em curso, sendo a primeira vez que a mesma está assim conformada, quer quanto às partes, e forma definitiva e mais perfeita (no sentido de idêntica com os ditos autos principais), raciocínio que deve necessariamente ser estendido ao pedido e à «causa petendi» e o preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 120.º do CPTA, uma vez que qualquer produção de caso julgado não pode pretender fugir à regra “rebus sic standibus”.
Conclui que (i) o facto da providência cautelar anterior e o recurso terem entendido que não foram alegados fatos suscetíveis de enquadramento nos pressupostos do artigo 120.º do CPTA, (ii) a diferença na identidade das partes e (iii) a alteração no circunstancialismo de direito (a saber, a interposição da ação administrativa de impugnação de atos) constitui uma alteração substantiva evidente que mais uma vez o Tribunal a quo está a desvalorizar, violando frontalmente o princípio da tutela jurisdicional efetiva enquanto direito fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) e que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para efetiva defesa de direitos individuais, não podendo a utilização das normas que supostamente regulam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível, ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
Não compreende como pode o Tribunal a quo entender que as partes são as mesmas quando se pede a citação da Ordem dos Médicos como contrainteressada, como não existe forma legalmente admissível e coerente de concluir que a Ordem dos Médicos, autora dos atos administrativos nos autos não é interessada, pelo que, também por estes motivos deve ser revogado o despacho recorrido.
No que concerne à identidade da causa de pedir e do pedido observa que a providência cautelar liminarmente rejeitada está modelizada, na causa de pedir e no pedido, pela primeira vez de forma completamente identitária com os autos principais, o que deve ser considerado a par dos restantes pressupostos e modificações: (i) a não identidade de sujeitos, (ii) o facto de ser a primeira vez que a mesma é apresentada simultaneamente com os autos principais, (iii) e demais pressupostos de preenchimento dos requisitos constantes do artigo 124.º do CPTA, o que ora se requer do Venerando Tribunal para efeitos do presente recurso.
Vejamos.
Prima facie, e como bem nota o apelado nas contra-alegações e aponta o Senhor Procurador Geral Adjunto no douto parecer que emitiu nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, a recorrente, no requerimento inicial que apresentou, não fundou a sua pretensão nos termos do art.124º do CPTA, conquanto não só aí não lhe faz qualquer menção, como não decorre do pedido final a revogação ou alteração do acórdão proferido pelo TCAN, no processo n.º 2372/20.1BEBRG, que confirmou a sentença proferida pela 1.ª Instância que julgou a providência de suspensão de eficácia deduzida contra o mesmo ato punitivo, improcedente.
Efetivamente, só nesta instância recursiva, é que a Apelante invoca o disposto no artigo 124.º do CPTA, e daí que o despacho recorrido não se tenha pronunciado sobre essa matéria. Por outro lado, não foram invocados como fundamento do requerimento cautelar, a alteração dos pressupostos de facto e de direito, inicialmente existentes no processo nº 2372/20.1BEBRG, ou seja, não foi invocada alteração superveniente de direito e/ou de facto.
“É certo que foi invocado um despacho de arquivamento proferido em processo de inquérito, posterior à decisão cautelar inicial e outras decisões judiciais.
Porém, no que concerne ao despacho de arquivamento, sempre se dirá que sendo diversas os pressupostos, para deduzir arquivamento ou acusação crime, daqueles que levam à aplicação sanção disciplinar, não se vislumbra em que medida no caso concreto estaríamos perante uma alteração factual superveniente.
Assim sendo, não se poderá entender que se está perante um novo facto superveniente, suscetível de alterar ou revogar a anterior decisão jurisdicional, tanto mais que no requerimento inicial, não se refere de que modo tal decisão do Ministério Público, era passível de factualmente alterar a decisão cautelar.
No que respeita às outras decisões judiciais nem se quer se vislumbra, qual o seu objeto e em que medida as mesmas poderiam fundamentar a alteração da decisão cautelar.
Assim sendo, contrariamente ao invocado pelo recorrente, a sentença ora escrutinada, não violou o disposto no art. 124º do CPTA “ ( cfr. parecer do Senhor Procurador Geral Adjunto).
Não ignoramos que a demora de um processo judicial não deve prejudicar a parte que tem razão, devendo o processo garantir ao autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide. E as providências cautelares são precisamente os mecanismos processuais que o legislador disponibiliza para impedir que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao autor (requerente no processo cautelar), perca toda a sua eficácia ou parte dela.
Conforme sublinha Manuel Andrade, através do mecanismo próprio dos procedimentos cautelares pretendeu "a lei seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo" -Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 10;
Na mesma linha, já Alberto dos Reis- Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, p. 624-, asseverava que "convém que a justiça seja pronta; mas, mais do que isso, convém que seja justa. O problema fundamental de política processual consiste exatamente em saber encontrar o equilíbrio razoável entre as duas exigências: a celeridade e a justiça".
As providências cautelares são, por conseguinte, o género de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista assegurar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito e “ visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica”- Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A).
Parafraseando novamente Alberto dos Reis dir-se-á que «o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade de dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa.
(…)O perigo especial que o processo cautelar remove é este: periculum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto.
(…)Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê-se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita-se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim»- Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45;
Nos termos da lei adjetiva administrativa aplicável, o decretamento de providências cautelares, independentemente da sua natureza, encontra-se sujeito aos critérios cumulativos previstos no n.º 1 e no n.º 2 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a saber:
(i)que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora);
ii) que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris), e,
iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença se conclua que os danos resultantes da concessão da providência não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência).
Como se sabe, o artigo 120.º do CPTA sofreu uma profunda alteração por força da revisão operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, tendo-se eliminado a diferença de requisitos para a adoção de providências antecipatórias e providências conservatórias, e passado a prever-se critérios comuns para ambos os tipos de providências. Ademais, deixou também de prever-se a possibilidade/critério da adoção de uma providência em função da probabilidade séria, evidente ou manifesta da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado, declarado nulo ou inexistente.
São, portanto, em regra, três os requisitos de que depende a concessão de providências cautelares em processo administrativo, sendo que, perante a verificação da falta de um dos requisitos necessários ao seu decretamento, veja-se, do
periculum in mora, será inútil aferir do preenchimento dos demais requisitos, atinentes ao fumus boni iuris e à ponderação dos interesses, necessários para ser decretada a providência cautelar à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, conquanto os requisitos em causa são de verificação cumulativa.
O primeiro desses critérios é o
periculum in mora. Este requisito encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio: (i) seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; (ii) seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
O fundado receio há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível ou justificada» a cautela que é solicitada.

Segundo Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha “deve considerar-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que os factos concretos alegados pelo requerente permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente”- Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 970-972 (anotação 2. ao art.º 120º).
Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”. E como assinala Abrantes Geraldes, o fundado receio a que a lei se refere é o receio (…) apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjeturas ou receios meramente subjetivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja ainda face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões”- Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume III, 3ª edição, Almedina, pág. 103.
Daí que se quanto ao juízo de probabilidade da existência do direito invocado (
fumus boni iuris) se admite que o mesmo possa ser de mera verosimilhança, já quanto aos critérios a atender na apreciação do periculum in mora os mesmos devem obedecer a um maior rigor na apreciação dos factos integradores de tal requisito visto que a qualificação legal do receio como fundado visa restringir as medidas cautelares, evitando a concessão indiscriminada de proteção meramente cautelar com o risco inerente de obtenção de efeitos que só podem ser obtidos com a segurança e ponderação garantidas pelas ações principais- Cfr. Ac. do TCAN, de 14/03/2014, proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A.
Significa tal que, sobre o requerente impende o ónus de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência. O requerente não está desonerado de provar os factos integradores dos referidos pressupostos, para o que deve alegar, de forma concreta, a causa petendi em que fundamenta a sua pretensão cautelar- Cfr. entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14/07/2008 (proc. n.º 0381/08), de 19/11/2008 (proc. n.º 0717/08) e de 22/01/2009 (proc. n.º 06/09); assim como os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/02/2011 (proc. n.º 01533/10.6BEBRG), de 08/04/2011 (proc. n.º 01282/10.5BEPRT-A), de 08/06/2012 (proc. n.º 02019/10.4BEPRT-B), de 14/09/2012 (proc. n.º 03712/11.0BEPRT), de 30/11/2012 (proc. n.º 00274/11.1BEMDL-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 02253/10.7BEBRG-A), de 25/01/2013 (proc. n.º 01056/12.9BEPRT-A), de 08/02/2013 (proc. n.º 02104/11.5BEBRG), de 17/05/2013 (proc. n.º 01724/12.5BEPRT), de 31/05/2013 (proc. n.º 00019/13.1BEMDL), de 14/03/2014 (proc. n.º 01334/12.7BEPRT-A), de 17/04/2015 (proc. n.º 03175/14.8BEPRT) ,de 31/08/2015 (proc. n.º 00370/15.6BECBR) e de 20.10.2017 (proc. N.º 01565/16.0BEBRG-A).
Da consideração conjunta do regime prescrito nos artigos 112º, n.º 2, alínea a), 114º, n.º 3, alíneas f) e g), 118º e 120º do CPTA não resulta prevista nenhuma presunção
iuris tantum quanto à existência dos aludidos requisitos como mera decorrência da execução dum ato.
Conforme se sumariou em Acórdão deste TCAN- Cfr. Ac. do TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT-:
«I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (…)
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.»(…)».
Porém, tal não significa que se exija ao requerente em sede cautelar um esforço titânico de alegação e prova de factos que consubstanciem o fundado receio de que o processo principal, uma vez decidido, se torne inútil para a defesa dos interesses do requerente.
A verificação do preenchimento do periculum in mora tem de fazer-se tendo em conta a alegação e a prova de factos, pelo requerente, que permitam ao julgador, com base numa análise conscienciosa, assente num juízo de razoabilidade, antever que as consequências referidas, verificar-se-ão, com um grau de probabilidade suficiente para fundar a procedência da providência cautelar. Alguma doutrina tem vindo a considerar que esta exigência tem sido, na nossa jurisprudência, exagerada.
Quanto ao requisito do fumus boni iuris, ou aparência do bom direito, o n.º 1 do art.º 120º do CPTA, exige, para a concessão da providência cautelar, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal venha a ser julgada procedente.
Trata-se, portanto, de um juízo positivo, ainda que perfunctório, sobre o bem fundado da alegação que o requerente da tutela cautelar pretende fazer valer no processo principal- Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2014, pág. 477.
Assim, ainda que em termos sumários, o juiz tenha o poder e o dever de avaliar a probabilidade da procedência da ação principal, avaliando a existência do direito invocado pelo requerente ou da ilegalidade que ele diz existir, uma vez que a referência do legislador ao fumus visa exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais-Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Justiça Administrativa – Lições”, 15ª edição, Almedina, 2016, pp. 318 e 321.
Não obstante, o grau de probabilidade da existência do fundamento material da providência não poderá servir para anular o caráter sumário do processo em que a mesma deverá ser julgada, e muito menos significa uma antecipação do juízo a formular em sede de processo principal.
Por fim, e como a concessão da providência cautelar não depende apenas do preenchimento dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, torna-se ainda necessário efetuar uma ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, como impõe o n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, de forma a acautelar-se o princípio da proporcionalidade, podendo o juiz recusar a providência cautelar requerida se entender que a sua concessão provocará danos ao interesse público ou a interesses de terceiros superiores aos que resultam, para a esfera jurídica do requerente, em caso do seu indeferimento.
Considerando a natureza urgente dos processos cautelares, o legislador nacional estabeleceu no artigo 116.º, n.º1 do CPTA, a obrigatoriedade de despacho liminar, por meio do qual o juiz poderá rejeitar o requerimento ( n.º2), convidar o requerente a aperfeiçoa-lo (n.º5) ou ordenar a citação. Adicionalmente poderá ainda o juiz, oficiosamente ou a pedido do requerente, proceder ao decretamento provisório da providência requerida ou outras que se lhe afigurarem adequadas, tudo nos termos do n.º5 do artigo 131.º do CPTA.
Nos termos do artigo 131.º, n.º1 do CPTA “Quando reconheça a existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o juiz, no despacho liminar, pode, a pedido do requerente ou a título oficioso, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 48 horas, seguindo o processo cautelar os subsequentes termos dos artigos 117.º e seguintes. (...)”.
Assentes nestas premissas, revertendo ao caso em análise, urge verificar se, como foi entendido pelo Tribunal a quo, a presente providência cautelar, foi antecedida de uma outra providência cautelar, em que se solicitava precisamente a suspensão dos efeitos dos mesmos atos administrativos visados nesta providência, que correu igualmente termos no TAF de Braga sob o nº 2372/20.1BEBRG, a qual foi indeferida por sentença proferida em 1ª Instância, da qual foi interposto recurso para este TCA Norte, tendo sido proferido Acórdão em 17/12/2021, que lhe negou provimento, confirmando a sentença de primeira instância. E por conseguinte, se o despacho recorrido que rejeitou liminarmente a presente providência ao abrigo do disposto no artigo 362º, nº4, do CPC, aplicável ex vi art.1º do CPTA, enferma de erro de julgamento.
Nos termos do artigo 362.º, n.º4 do CPC, como supra se referiu e reafirma « Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado».
Ou seja, decretada a caducidade de uma providência cautelar ou julgada a mesma como injustificada, o requerente fica impedido de, no âmbito do mesmo processo, solicitar medida de conteúdo idêntico. Tal não impede que seja solicitada providência de conteúdo diferente ou destinada a tutelar interesses diferentes daqueles que se visaram com a providencia anterior – cfr. Teixeira de Sousa, in https://blogppc.blogspot.com,24-1-15). Também fica a salvo a apresentação de novo procedimento desde que sustentado noutros factos- cfr.Ac. do STJ, de 08/01/2015, processo n.º 3589/08.
A proibição de repetição da providência tem por fim evitar a repetição de atos, com as consequências negativas daí decorrentes para a economia e a celeridade processuais e, por outro lado, para a autoridade e prestígio das decisões, prevenindo-se eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objeto, tendo subjacente fundamentos de natureza similar aos que estão presentes no instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º do CPC -Cfr. se defende no Ac. do STJ de 07.07.1999, proferido no proc. nº 99B563, disponível em www.dgsi.pt. Ou seja, a proibição visa impedir a formulação de uma pretensão que tem a mesma finalidade que a providência julgada injustificada ou declarada caducada, ainda que não seja ipsis verbis a sua cópia, no âmbito do mesmo litígio ou questão a decidir.
Assim, para que se esteja perante a repetição de providência é necessário se possa afirmar que ocorre uma “semelhança essencial”, o que se verificará, naturalmente, se as partes, os fundamentos e o pedido forem os mesmos. Mais concretamente, importará analisar se o receio é o mesmo, se é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, se é o mesmo o direito provavelmente existente.
Conforme se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08/09/2015, proferido no processo n.º 2560/10:
«1. Verifica-se a repetição de providência cautelar quando ocorra semelhança essencial, pelo que importará analisar se o receio é o mesmo, se é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, se é o mesmo o direito provavelmente existente - art.º 362º, n.º 4, do CPC.
2. Com a referida estatuição pretende-se, por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, a autoridade e prestígio das decisões (prevenção de eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objeto).
3. A proibição que dela decorre assenta, pois, em fundamentos algo semelhantes aos subjacentes ao instituto do caso julgado, traduzidos na repetição de uma causa, para a qual a lei exige a verificação da chamada tripla identidade plasmada no art.º 581º, do CPC».
No caso, perante os elementos disponíveis, dúvidas não restam de que estamos perante a repetição de providência anteriormente requerida.
Na verdade, cotejando a providência referida em 1, 2 e 3 da fundamentação de facto da decisão recorrida, com a presente providência cautelar, é indubitável que aquela surgiu entre as mesmas partes como preliminar de ação a propor, teve pedido e fundamento essencialmente idênticos aos da presente providência e o receio era o mesmo, idêntica era a possibilidade de lesão do direito e a dificuldade de reparação e o mesmo era o direito provavelmente existente.
Concretizando, no que concerne à identidade dos sujeitos processuais, inexistem dúvidas que as partes (requerente e requerida) são as mesmas em ambos os processos cautelares, sendo certo que, a recorrente indicou um contrainteressado (a entidade empregadora da recorrente) na presente providência cautelar e processo principal, não o tendo feito no anterior no processo cautelar que correu termos sob o n.º de processo 2372/20.1BEBRG, que, como entendeu o Tribunal a quo, é parte ilegítima na relação material.
Com efeito, dispõe o artigo 57.º do CPTA que: Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”
No caso, é manifesto que a entidade empregadora da recorrente não pode ser prejudicada pela procedência da ação, visto que a procedência da mesma implicaria a anulação do ato administrativo que condena a recorrente numa pena de suspensão do exercício da profissão.
Ademais, como bem observa o apelado, a entidade empregadora não tem qualquer interesse legitimo na manutenção do ato impugnado, e daí que, só possa concluir-se que existe identidade das partes nos dois processos cautelares.
No que concerne à causa de pedir, é inequívoco que estamos perante a mesma causa de pedir em ambas as providências cautelares, conquanto são os mesmos os fundamentos jurídicos alegados pela recorrente nas duas providências cautelares, a saber, a violação do direito de defesa por não realização de diligências instrutórias supostamente essenciais, a existência de processos criminais e o efeito jurídico dos mesmos no processo disciplinar, bem como, a falta de fundamentação do ato administrativo.
Relativamente ao pedido, os mesmos também são idênticos, bastando, para tal, confrontar os pedidos constantes de ambas as providências cautelares para alcançar tal conclusão.
Em face do exposto, só pode naturalmente concluir-se estarmos perante uma situação de repetição de providência cautelar, o que, de per si, poderia conduzir à rejeição do procedimento em análise, tal como, de resto, foi suficientemente evidenciado na fundamentação da decisão sob censura.
Acresce que, não importa para o caso, designadamente, para a aplicação do n.º 4 do artigo 362.º do CPC, a mera circunstância de a primeira providência cautelar ter sido intentada previamente à entrada da ação principal e de a segunda providência ter sido intentada em simultâneo com a entrada da petição inicial, visto que, tal faculdade configura um direito da recorrente, mas sem qualquer efeito jurídico sobre o valor do caso em julgado daquela providência.
Do mesmo modo, não colhe o argumento de que o indeferimento da providência cautelar, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 362.º do CPTA, viole, afete, ou restrinja o princípio de tutela jurisdicional efetiva da recorrente, expressamente previsto no artigo 2.º, do CPTA e no artigo 20.º da CRP.
Como sabemos, o referido princípio tem limites processuais e não se compagina com o acesso aos tribunais de modo ilimitado, desde logo, é restringido pelos prazos processuais, pelos limites às instâncias de recurso, que contam com regras próprias, com o trânsito em julgado, com a caducidade do direito de ação, entre outros. Na verdade, esse princípio não impede que a « dedução de certos meios específicos de pretensões continue a depender do preenchimento de determinados pressupostos processuais, impostos no propósito de proteger outros valores que cumpre articular com o do interessado em lançar mão da via judicial.
(…) Uma coisa é, na verdade, a possibilidade que os interessados têm de deduzir, qua tale, as pretensões cuja dedução em juízo seja necessária à obtenção de uma tutela jurisdicional efetiva(…) e outra é a eventual imposição de condicionamentos ao exercício do direito de acesso à justiça, justificados pela necessidade de acautelar outros interesses, como os da segurança e certeza jurídica ou da própria economia processual- Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, pág. 50.
Certo é que, a recorrente, tem e teve, forma de reagir contra os atos praticados pelo recorrido, tanto mais que deu pleno uso à via cautelar no processo sob o n.º 2372/20.1BEBRG, contudo, como se disse, a referida providencia foi julgada improcedente, tendo a referida sentença e posterior acórdão, transitado em julgado.
Por este motivo, uma vez que a providência cautelar que deu origem ao presente processo, por versar sobre as mesmas partes, causa de pedir e pedido, não pode ser apreciada por consubstanciar uma repetição de uma providencia já julgada.
Precisamente por este motivo é que o Tribunal a quo rejeitou liminarmente a providencia cautelar intentada pela recorrente, decisão esta que não é merecedora de qualquer censura pelos motivos expostos.

Termos em que se impõe negar provimento ao recurso interposto, e confirmar o despacho recorrido.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 29 de abril de abril de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa