Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02676/21.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR, PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA INVESTIMENTO, SIS (SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA),
RAZÕES DE SEGURANÇA E ORDEM PÚBLICA PARA O INDEFERIMENTO DA PROVIDÊNCIA, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

RO..., casada, cidadã de nacionalidade Brasileira, natural de Brasília, residente na Rua (…), contribuinte fiscal n.º (…), portadora do Passaporte n.º (…), emitido em 02.02.2017, pela República Federativa do Brasil, válido até 01.02.2027, instaurou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA e a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, SERVIÇO DE INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA, Intimação para a protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, pedindo a condenação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a
i) deferir o seu pedido de autorização de residência para investimento e emitir o título de residência num prazo máximo de 10 dias e, ii) caso se entenda não estarem reunidos os pressupostos da intimação, emitir e entregar à requerente um título de residência provisório que lhe permita permanecer, entrar e sair do território nacional sem quaisquer obstáculos.
Por despacho de fls. 745 e ss. do SITAF, foi a Autora notificada para substituir a p.i. apresentada por requerimento de adopção da providência cautelar, nos termos do artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, visto não estarem preenchidos os pressupostos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Em cumprimento do despacho referido, a Autora requereu a adopção de providência cautelar de “reconhecimento, provisório e até ao trânsito em julgado da decisão definitiva, do pedido de autorização de residência para o investimento, apresentado pela requerente e a condenação do SEF a emitir e entregar à requerente um título de residência provisório que a permita permanecer, entrar e sair do território nacional sem quaisquer obstáculos”.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi decidido assim:
a) julgar procedente a excepção de ilegitimidade processual da requerida Presidência do Conselho de Ministros e, em consequência, absolvê-la da instância;
b) julgar improcedente o presente processo cautelar e, em consequência, absolver do pedido o requerido Ministério da Administração Interna.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões:

A. A douta sentença recorrida padece, com o devido respeito, de nulidades que importa invocar em sede recursiva.


B. Desde logo, o despacho que antecedeu a sentença e pelo qual o tribunal a quo veio recusar a produção da prova requerida pela Recorrente, encontra-se desprovido de qualquer fundamentação suficiente para que se possa aceitar (ou entender) a decisão do Tribunal – assim se violando o disposto no n.º 5 do artigo 118.º do CPTA.

C. A sentença recorrida incorreu também em nulidade adjetiva relevante e em omissão de pronúncia porquanto se absteve de conhecer e proferir decisão sobre os factos alegados pela aqui Recorrente no seu requerimento cautelar – mormente, os alegados nos artigos 47.º, 48.º, 53º a 59.º, 63.º a 99.º - e que deveriam forçosamente ter sido apreciados e conhecidos pelo Tribunal no seu julgamento de facto – assim se violando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC.

D. Omitem-se os factos que não foram dados por provados…

E. … e merecerá também reparo a sentença recorrida no plano da sua fundamentação porque dela se omite por completo a valoração crítica da prova que terá sido determinante para a boa decisão da causa.

F. Tudo para se dizer, logo liminarmente, que a douta sentença padece das indicadas nulidades.

G. Também no plano do mérito, errou a sentença, ao desconsiderar por completo os vícios assacados ao ato pelo qual veio o SEF negar à Recorrente o seu direito a obter uma autorização de residência.

H. A sentença recorrida assumiu, assim, na perspetiva da Recorrente, uma visão amplamente redutora dos direitos fundamentais em tutela e que nos parece profundamente questionável.

I. É inequívoco que nestes autos pretende efetivar-se uma defesa direta dos seguintes direitos, liberdades e garantias da Recorrente: o direito ao desenvolvimento da personalidade, bem como o direito à capacidade civil (cf. artigo 26.º da CRP), o direito à liberdade (cf. artigo 27.º da CRP); o direito à integridade psíquica (cf. artigo 25.º da CRP), o princípio da equiparação dos estrangeiros, consagrado no art.º 15.º, n.º 1, da CRP, o direito a um procedimento justo e equitativo (cf. artigo 20.º da CRP); o direito a uma decisão que cumpra o dever de fundamentação dos atos administrativos (cf. artigo 266.º, n. º 2 da CRP), o princípio da presunção da inocência (cf. artigo 32.º da CRP); o direito à estabilidade no trabalho – cf. 47.º e 58.º da CRP; o direito fundamental à livre circulação.

J. Direitos e liberdades jus-fundamentais que foram direta e inequivocamente atingidos pela decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência da Recorrente, por força dos vícios que se seguem.

K. Comecemos a este propósito por notar que o Tribunal parte de um equívoco manifesto quando vem dizer que a Recorrente não colocou em causa a legalidade do caráter confidencial da informação do SIS. Na verdade, a partir do momento em que os “fundamentos” da decisão do SEF se escoram na “informação classificada” resulta dessa relação, assim determinada e incorporada pelo SEF, uma integração direta da fundamentação no ato sindicado nestes autos, nos termos claros do artigo 153.º, n.º 1 do CPA.

L. É, por isso, completamente falacioso, dizer que a Recorrente não colocou em causa tal classificação ou informação, sendo certo que, com tal conclusão, o Tribunal a quo viola o artigo 153.º/1 do CPA.

M. Errou também o Tribunal no juízo que expendeu a respeito da apreciação do vício resultante da preterição do direito de audiência prévia do Recorrente.

N. Na verdade, não se pode aceitar, nem entender, a conclusão do Tribunal quando afirma sobre este ponto – cf. pp. 24 e ss. da douta sentença – que: «tal direito foi assegurado no procedimento…»

O. Com efeito, é inequívoco que não foi cumprida a fase de audiência prévia contanto que o CPA é explícito na imposição dos elementos que devem ser dados a conhecer para o exercício de tal direito, como serão, desde logo, «… o projeto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo pode ser consultado.» - cf. n.º 2 do artigo 122.º do CPA.

P. No caso vertente, tal disposição foi claramente violada pelo entendimento da sentença recorrida, pois não foi transmitido à Recorrente pois esta desconhece, até à presente data, quais as razões de segurança que obstarão ao seu pedido de autorização de residência.

Q. Realce-se, ademais, que o direito de audiência prévia é, à face da lei, a regra em qualquer procedimento administrativo e só em casos muito excecionais a lei consente na sua dispensa. Concretamente, os casos de dispensa de audiência dos interessados encontram-se tipificados no artigo 124.º do CPA, sendo absolutamente apodítico que não consta em nenhum dos casos aí enumerados qualquer norma habilitante que permitisse ao SEF dispensar a realização da mesma neste caso.

R. Do que resulta que não estava sequer à face da lei o SEF habilitado a dispensar tal fase procedimental essencial.

S. De resto, cremos que a fase da audiência prévia era aqui de imperativa realização pois que, estando em causa o exercício de uma liberdade jus-fundamental da Recorrente e o direito a um procedimento justo e equitativo, a negação do direito de audiência prévia equivaleu in casu à violação de direitos fundamentais da Recorrente, com a consequente nulidade do procedimento e de qualquer decisão final aí exarada.

T. Ora, para excluir a conclusão antecedente e que, como se viu, se ampara na letra e no espírito da lei, pretende o Tribunal a quo na sentença recorrida justificar o modo como foi cumprida (ou, melhor dizendo, omitida!) a fase de audiência prévia com a circunstância de a informação ser confidencial e de, perante tal qualificação, o SEF não estar legalmente obrigado a transmiti-la à Recorrente.

U. Com o devido respeito, tal interpretação edifica uma narrativa que não se compadece minimamente com a plena proclamação da garantia fundamental do direito de audiência prévia e, em casos com esta natureza, de verdadeiro direito de defesa.

V. Efetivamente, se o fim legal da audiência prévia é o de proporcionar aos interessados a possibilidade efetiva de se pronunciarem sobre o projeto de decisão, para isso, os destinatários da mesma devem conhecer na plenitude todos os aspetos que foram relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito. Daí que, no caso vertente e embora o Tribunal a quo venha negá-lo, não oferece a menor dúvida que os motivos reais para o indeferimento nunca tenham sido dados a conhecer à Recorrente.

W. Como se viu acima, a lei (no CPA) consagra os termos da dispensa da audiência prévia em moldes absolutamente excecionais daí que não possa o SEF erigir novos casos, nela não previstos, para pura e simplesmente denegar um direito procedimental tão fundamental para a Recorrente.

X. Portanto, se a lei, como diz o Tribunal a quo, habilita o SEF a não divulgar a informação confidencial, é essa mesma lei, a não permitir ao SEF dispensar a fase da audiência prévia no caso vertente, impondo-lhe, em termos bem claros, que notificasse à Recorrente os fundamentos concretos e específicos para o indeferimento da sua pretensão.

Y. Tal não tendo ocorrido – ou, tendo ocorrido em direta violação da lei e por recurso a chavões conclusivos como “razões de segurança” –, torna-se evidente que a audiência prévia foi aqui completamente precludida, com a consequente conclusão de que foram assim violados pelo SEF e pela sentença recorrida os artigos 121.º, 122.º e 124.º do CPA.

Z. No mesmo erro incorreu a sentença recorrida, agora por violação dos artigos 10.º e

38.º do CPA, já que os autos elegem que tais normativos e o princípio da boa-fé e

da proteção da confiança foram neste caso violados pela decisão do SEF que, de forma brusca e sem audiência prévia da Recorrente, colocaram termo final ao procedimento, bem antes do trânsito em julgado no processo de intimação e que correu termo no TAF do Porto sob o Processo n.º 1400/21.8BEPRT.

AA. Acresce que, à semelhança do que sucedeu no direito de audiência prévia, a decisão recorrida incorreu numa renovada confusão dos planos quando correlaciona o dever de fundamentação no âmbito deste procedimento com o caráter secreto da informação disseminada pelo SIS.

BB. Mais uma vez foi pelo apelo ao secretismo da informação que a sentença recorrida afirmou que não ocorreu qualquer violação do dever de fundamentação.

CC. Mas, uma vez mais, em total violação da lei, desta feita dos artigos 266.º da CRP e dos artigos 151.º, 152.º e 153.º do CPA.

DD. O Tribunal a quo veio, por um lado, invocar que ocorreu fundamentação quando é absolutamente cristalino que a Recorrente não conhece as razões concretas para o indeferimento da sua pretensão. É, como tal, absolutamente inadmissível dizer que há fundamentação quando os fundamentos são incógnitos, secretos ou velados.

EE. É assim bem evidente que não foi cumprido o dever de fundamentação expressa!

FF. Depois, tenho em conta que estaremos perante um ato que claramente nega e extingue direitos fundamentais da Recorrente, à face do artigo 152.º, n.º 1, alínea a) do CPA, tal dever era de concretização imperativa por se impor nos atos administrativos em que se: «neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções;»

GG. A conjugação dos dois preditos preceitos torna evidente que uma fundamentação amparada em motivos incógnitos e teleologicamente insondáveis não é nem pode legalmente equivaler ao conceito de fundamentação. Nem cremos que seja necessário de resto um grande esforço de retórica para o reconhecer, tal é a evidência da “obscuridade” de uma fundamentação assente em informação
“confidencial”.

HH. O que implica reconhecer que: a lei não prescinde da fundamentação num ato desta natureza justamente porque, como acima se disse, é manifesto que a Recorrente pretende ver efetivados neste procedimento direitos e liberdades fundamentais.

II. Em suma: porque o ato de indeferimento (bem como a sentença que o confirmou) atingiu diretamente direitos fundamentais da Recorrente e não respeitou o dever de fundamentação, deve o Tribunal ad quem reconhecer que a sentença violou frontalmente o disposto nos artigos 151.º, 152.º e 153.º do CPA.

JJ. Outrossim, a decisão recorrida também se mostra incompatível com o direito a um procedimento justo e equitativo (cf. artigo 20.º da CRP).

KK. Outro tanto ocorrendo com o direito à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que a sentença recorrida, ao abster-se de indagar sobre tais fundamentos, acaba por negar à Recorrente a possibilidade de com efetividade sindicar judicialmente este ato administrativo.

LL. Efetivamente, se é verdade que a lei prevê a existência de regimes que impliquem a confidencialidade de certas informações, já não se pode aceitar que o uso de informação confidencial possa ser de tal modo irrestrito e absoluto que se atinjam direitos e liberdades fundamentais de forma tão intensa, contundente e ablativa.

MM. A natureza constitucional dos direitos e liberdades da Recorrente impunham que um procedimento desta natureza – e que, como os autos bem elegem, visa claramente concretizar tais direitos e liberdades jus-fundamentais por via da residência da Recorrente em Portugal –, prestasse uma plena proclamação à justiça e equidade de uma decisão, a qual, para se achar conforme com o padrões minimamente exigíveis num Estado de Direito Democrático, não podem surgir anunciadas com tais vestes persecutórias.

NN. A Recorrente considera-se por isso vítima de um procedimento injusto e persecutório que, sem lhe explicar por quê, lhe nega de forma perentória a possibilidade de se estabilizar no nosso País.

OO. E não há como entender a decisão do Tribunal quando, ao arrepio do que diz a Constituição, afirma sem mais que a “segurança do Estado” deve prevalecer sobre todos os direitos que a Recorrente invoca. Tanto mais que o Tribunal chega a tal conclusão sem sequer curar de saber o que está sequer em causa…

PP. Há, por isso, em toda esta sentença, uma ideia de negação de justiça precisamente porque se deixa a Recorrente refém de uma decisão que a incrimina e condena, sem esta sequer saber se existe uma razão plausível para assim se concluir…

QQ. O direito à tutela jurisdicional efetiva fica inequivocamente atingido, pois ao Tribunal, como se vê, nenhuns direitos da Recorrente serão prevalecentes sobre a mera conclusão de uma informação secreta e sigilosa, que reputa sem fundamentos conhecidos a Recorrente de criminosa...

RR. A Recorrente entende-se assim atingida no âmago do que considera o valor fundamental da justiça e, mais grave, desprovida de uma tutela judicial que lhe foi negada sem ainda conhecer a Recorrente a razão e o verdadeiro fundamento.

SS. A tudo se soma que o Princípio da Proporcionalidade, constitucionalmente inscrito como padrão essencial da legalidade de qualquer ato administrativo, foi também atingido por esta sentença.

TT. A sentença recorrida afirma de forma absolutamente incompatível com tal princípio o seguinte: «… a não concessão de autorização de residência por razões de ordem e segurança públicas, além de se revelar como adequada e necessária à luz dos interesses que se pretende salvaguardar, prevalece necessariamente sobre os interesses da requerente, pelo que o princípio da proporcionalidade não se mostra violado.» (cf. p. 28 da sentença recorrida).

UU. Causa estranheza à Recorrente que o Tribunal enuncie uma tal conclusão, quando desconhece por completo os fundamentos ou razões de segurança concretas para assim se concluir…

VV. … não há como negá-lo: nenhuma ponderação foi feita pelo Tribunal a quo quando este não conheceu tais motivos concretos!

WW. Por outro lado, avista-se nesta conclusão uma inaceitável prevalência do desconhecido sobre um conjunto de direitos e liberdades fundamentais, tudo desconforme com as nótulas de razoabilidade que caracterizam o Princípio da Proporcionalidade.

XX. Na verdade, para que se pudesse reconhecer aqui a presença do Princípio da Proporcionalidade impunha-se que o Tribunal tivesse procedido a uma efetiva confrontação dos direitos e liberdades da Recorrente face às concretas razões de segurança e isso, claramente, não sucedeu.

YY. Por isso, a conclusão do Tribunal é manifestamente insuficiente e desligada de um juízo efetivo e real.

ZZ. É que, se essa ponderação depender pura e simplesmente de uma prevalência meramente formal e irrestrita, não cabe a menor dúvida que nenhuma ponderação existe…

AAA. Enfim, estaremos perante uma sentença claramente desequilibrada, porquanto não se pode, sem mais e de forma tão conclusiva, denegar-se liberdades e direitos fundamentais da Recorrente com um procedimento tão kafkiano e, diremos mesmo, de cariz persecutório...

BBB. Mais a mais quando, como a Recorrente provou, não é esta arguida em qualquer processo crime nem tem qualquer antecedente criminal!

CCC. Por fim, diremos que um processo conduzido nestes termos deve entender-se como violador do princípio da presunção da inocência, desde logo porque se estará, pela via administrativa, a antecipar uma pena à Recorrente e uma limitação aos seus direitos fundamentais, partindo da presunção que esta é culpada, ainda que não se saiba do quê… A pena aqui é clara e bem evidente: condiciona e priva a Recorrente de direitos e liberdades fundamentais.

DDD. Por conseguinte, entende a Recorrente que o Tribunal a quo errou na sentença de que se recorre, impondo-se a esta instância superior revogar a sentença, proclamando a necessária justiça com a procedência integral da presente ação cautelar.


***

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue integralmente procedente a ação cautelar deduzida pela Recorrente nos presentes autos.

O Requerido juntou contra-alegações, concluindo:

A) O recurso interposto pela Recorrente não se encontra expressamente delimitado quanto ao seu objeto, mas extrai-se das alegações e conclusões apresentadas que a decisão de absolvição da instância da Presidência do Conselho de Ministros, ora Recorrida, não integra o objeto do recurso interposto.

B) Em consequência, na presente data, essa decisão não recorrida já transitou em julgado.

C) Com o trânsito em julgado, consolidou-se a ilegitimidade passiva da Recorrida para a causa, incluindo, a ilegitimidade passiva para o presente recurso.

D) Nestes termos, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º, in fine, do CPTA, «os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo».

E) Em particular, admitido o recurso pelo Tribunal a quo e fazendo-o subir, está este douto Tribunal impedido de se pronunciar sobre a decisão não recorrida de absolvição da instância, estando vedada, a fortiori, quanto a esta decisão, uma reformatio in peius.

F) Caso se entenda que o recurso interposto abrange também a decisão de absolvição da instância por ilegitimidade da ora Recorrida, reitera esta a fundamentação já aduzida na sua Oposição, e que foi confirmada na sentença recorrida.

G) A Recorrida não é parte legítima da relação material controvertida tal como configurada pela Requerente/Recorrente (artigo 10.º, n.º 1, do CPTA), pois os atos e efeitos peticionados pela Recorrente integram-se na estrita competência do SEF (artigo 81.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual), pelo que a sua pretensão não pode ser satisfeita pelo SIS (serviço integrado na Presidência do Conselho de Ministros).

H) A Recorrida também não assume a posição de contrainteressada, por o processo em causa não a prejudicar diretamente e por não deter um interesse legítimo na manutenção do ato em crise.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá:

(i) Este douto Tribunal abster-se de apreciar a decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que absolve a Recorrida da instância por ilegitimidade passiva, por

não integrar esta decisão o objeto do recurso, tendo a mesma transitado em julgado; ou

(ii) Se assim não se entender, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que absolve a Recorrida da instância por ilegitimidade passiva.

E, assim, farão Vossas Excelências,

Justiça!

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO


Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:

A. A requerente é uma cidadã de nacionalidade brasileira – cfr. doc. 1 junto com o r.i..

B. Em 24.08.2020, a requerente apresentou junto da Direcção Regional do Porto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras uma candidatura nos termos e ao abrigo do artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, à qual foi atribuída o n.º 4 570 665 – cfr. doc. 2 junto com o r.i..

C. A requerente instruiu a sua candidatura com os seguintes documentos - cfr. fls. 1 a 71 do PA:
1- Passaporte;

2 – Visto;

3- Bilhetes de avião com ligação Rio de Janeiro – Lisboa e Lisboa – Porto;

3 – Condições particulares de apólice de seguro onde a requerente figura como tomadora do seguro;
4 – Certidão de antecedentes criminais, emitida pela Ministério da Justiça e Segurança Pública e

“Comprovante de Situação Cadastral no CPF”

5 Escritura de compra e venda de um imóvel celebrada entre em 14-02-2020, entre CM…, na qualidade de procuradora da sociedade “PS…, Lda.” e a requerente, em que a primeira declara vender à segunda a “fração autónoma designada pelas letras “EC”, habitação nº 6203, o Bloco 6, no segundo andar T3, acesso pelo nº 227 da Rua (…), descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número (…), aí registado a favor da sociedade representada da primeira outorgante pela inscrição Ap. Mil cento e três de vinte e cinco de março de dois mil e dezanove, afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição Ap. Dois mil trezentos e noventa e seis de onze de Outubro de dois mil e dez, inscrito na matriz sob o artigo (...) da União de Freguesias de (…), de com o valor patrimonial de € 231.476,54.”
6 Declaração emitida pelo Banco Comercial Português, S.A., onde se refere que “ a conta de depósitos à ordem n.º 45580260716, aberta junto da sucursal (…), titulada pelo nosso cliente RO..., (…) foi entre os dias 17 de outubro 2019 e 16 janeiro 2020, mediante operação de transferência internacional efetivamente recebida, creditada pelo valor global de EUR 1627206,71 (…) Mias declara que por ordem do nosso mencionado cliente, foi efetuado o seguinte movimento: - Cheque Bancário a favor de PS… Lda, Compensado a 14/02/2020, no valor de EUR 520.000,00 (…)
7 Certidão da conservatória do registo predial referente ao imóvel referido em 5 e caderneta predial urbana;
8 Declaração sob Compromisso de Honra, pela qual declarou que cumprirá os requisitos quantitativos e temporais mínimos (5 anos) da atividade de investimento em Território Nacional;
9 Certidão da situação tributária regularizada, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

10 – Declaração de situação contributiva regularizada, emitida pelo Instituto da Segurança

Social, I.P.;

11 Autorização da requerente para recolha de dados biométricos;

12 Requerimento com autorização para a consulta do Registo Criminal Português.


D. Em 21.10.2020, a requerente foi notificada pela Direcção Regional do Norte do

SEF para instruir a sua candidatura com “fotocópia certificada dos títulos aquisitivos” e “prova da situação contributiva regularizada mediante apresentação de declaração negativa de dívida emitida, com uma antecedência máxima de 45 dias, pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pela Segurança Social ou, na sua impossibilidade, declaração de não existência de registo junto destas entidades” – cfr. doc. 3 junto com o r.i..

E. A requerente remeteu à requerida escritura de compra e venda celebrada em

14.02.2020, declaração emitida pela Segurança Social e certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira – cfr. doc. 4 junto com o r.i..

F. Em 10.02.2021, a Inspetora Coordenadora da Direcção Regional em suplência emitiu despacho de concordância com o “Relatório de Instrução” que apresenta o seguinte teor – cfr. fls. 99 do PA:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


G. Com data de 24.05.2021, foi remetida à requerente uma proposta de indeferimento do seu pedido com despacho de concordância do Director Regional do Norte, assente na seguinte informação: «3. Aquando da remessa do pedido para despacho superior foi integrada nos autos, a pág. 101, a informação confidencial 01108DB0821 de 08-01-2021, do Sistema de Informações de Segurança, cujo original se encontrava arquivado no Posto de Controlo. Documentos classificados como confidenciais e cujas regras que presidem ao dever de sigilo que lhes subjaz, resultam da Lei. Essa informação constitui fundamento legal para o indeferimento do pedido por razões de segurança e ordem pública face ao exposto no n.º 2 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho na sua redação atual, ao prever, como requisito geral para a concessão de autorizações de residência: “Sem prejuízo das disposições especiais aplicáveis, pode ser recusada a concessão de autorização de residência por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública.” 4. Face ao exposto, propomos o indeferimento do pedido de autorização de residência em apreço, notificando a requerente e os seus mandatários para pronúncia, nos termos do artigo 121.º do Código do Procedimento
Administrativo.» - cfr. doc. 5 junto com o r.i..

H. A requerente requereu ao Inspector da Direcção Regional do Norte “(…) a consulta da Informação Confidencial 01102DB0821, de 08.01.2021, do Sistema de Informações de Segurança, que se encontra arquivado no Posto de controlo
(…)” – cfr. doc. 6 junto com o r.i..


I. Em 28.05.2021, foi remetida à requerente resposta ao seu requerimento, referindo que «[n]o caso concreto, foi tomado em linha de conta o relatório do qual constam informações com classificação de segurança emitidas pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS) no âmbito da Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), aprovado pela Lei n.º 30/84, na redação introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 13/8. O direito de acesso aos documentos administrativos não é um direito ilimitado, antes existindo limites expressamente enunciados na lei tal como no caso em apreço, pelo que decai qualquer obrigação do SEF em facultar o documento (confidencial) que integra o processo administrativo.» – cfr. doc. 7 junto com o r.i..

J. Face à posição assumida pelo SEF, a requerente instaurou, em 04.06.2021, processo de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, contra o SEF e o Ministério da Administração Interna, peticionando que a requerida fosse condenada a “prestar as informações solicitadas pela requerente, no prazo de 10 dias, com disponibilização integral da informação já solicitada, ou seja e nos termos do seu requerimento: a informação constante do procedimento administrativo, na p. 101 - a informação Confidencial 01108DB0821 de 08.01.2021 do Sistema de Informações de Segurança e cujo original se encontra arquivado no Posto de Controlo” – cfr. doc. 8 junto com o r.i..

K. O processo correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com o

n.º 1400/21.8BEPRT – doc. 9 junto com o r.i..


L. Em 09.06.2021, a requerente veio apresentar requerimento onde refere “que apresentou no passado dia 7.6.2021 um r.i. pelo qual veio pedir expressamente uma prorrogação do prazo para exercer o seu direito de audiência prévia (…) até à presente data, a requerente não foi notificada de qualquer decisão quanto a esse seu pedido de prorrogação de prazo. (…) perante a ausência de uma resposta, a Requerente vê-se assim forçada a exercer o seu direito de audiência prévia para que não fique precludido este seu direito, o que faz de forma meramente condicional e cautelar” – doc. 11 junto com o r.i..

M. Em 23.06.2021, foi proferido despacho pelo Director Regional do Norte, notificado à requerente em 29.06.2021, concordando com o teor da seguinte informação – cfr. fls. 306-311 do PA:


[imagem que aqui se dá por reproduzida]

N. Em 15.09.2021, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do

Porto, julgando improcedente o pedido de intimação e, em consequência, a absolvição da entidade requerida do pedido, com os seguintes fundamentos – cfr. doc. 9 junto com o r.i..:
«(…)

Estamos no âmbito do direito à informação procedimental na medida em que a informação cuja consulta a autora pretende integra o procedimento administrativo em que a mesma é requerente.
(…)

Assim, embora o direito à informação constitua um direito fundamental, tem limites e restrições, contanto que necessárias e adequadas a acautelar outros interesses fundamentais, nomeadamente do Estado (por exemplo, a segurança e a ordem pública), como também resulta da parte final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, na referência às matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, bem como da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que também consagra, no artigo 41.º, n.º 2, alínea b), o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial. Uma dessas restrições prende-se com o segredo de Estado. A Lei n.º 30/84, de 05 de Setembro, que estabelece as bases gerais do Sistema de Informações da República Portuguesa, dispõe, no seu artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 que são abrangidos pelo segredo de Estado os dados e as informações cuja difusão seja suscetível de causar dano aos interesses fundamentais do Estado tal como definidos na lei que estabelece o regime do segredo de Estado assim como os registos, documentos, dossiers e arquivos dos serviços de informações relativos a tais matérias, não podendo ser requisitados ou examinados por qualquer entidade estranha aos serviços, sem prejuízo do disposto nos artigos 26.º e 27.º
Está em causa o acesso a documento classificado como “confidencial”, tendo o Director do Serviço de Informações de Segurança informado o Tribunal, após notificação para o efeito, que tal confidencialidade resulta do disposto nos artigos 32.º e 32.º-A da Lei n.º 30/84, de 05 de Setembro, por se tratar de documento produzido por aquele serviços, sendo classificado como segredo de Estado.
(…)

Ante o exposto, e nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, a informação em causa (“Informação Confidencial 01102DB0821, de 08.01.2021, do Sistema de Informações de Segurança”) está sujeita a interdição de acesso por ter sido classificada através do regime do segredo de Estado, pelo que não pode a entidade demandada facultar à requerente o acesso à mesma, deste modo improcedendo o pedido de intimação.»

O. Da decisão referida em N. a requerente interpôs recurso, em 06.10.2021, para o Tribunal Central Administrativo Norte – cfr. doc. 10 junto com o r.i.

P. Em 26.10.2021, foi remetida à requerente notificação de decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência para investimento, conforme “despachos exarados aos 14/10/2021 pelo Exmo. Senhor Director Regional do Norte na Informação de Serviço 28/2021/URAJ e a 19/10/2021 pelo
Exmo. Senhor Director Nacional do SEF” – cfr. doc. 13 junto com o r.i..


Q. A Informação de Serviço 28/2021/URAJ, referida em P., e sobre a qual o Director Regional do Norte proferiu despacho de concordância, refere o seguinte - cfr. doc. 13 junto com o r.i.:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

R. O despacho proferido pelo Director Nacional do Norte, referido em P., tem o seguinte teor:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


S. Em 03.11.2021, foi admitido o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo – cfr. SITAF fls. 450, proc.
1400/21.8BEPRT.

T. Em 03.12.2021, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte, negando provimento ao recurso – cfr. fls. 332-337 do PA.

U. A requerente reside em Portugal – acordo.

V. A requerente é mãe de NR… Filho, menor – cfr. doc. 14 junto com o r.i..

W. O filho da requerente encontra-se a frequentar, no ano lectivo 2021/2022, o Lycée Français International no Porto – cfr. doc. 15 junto com o r.i.

X. O filho da requerente frequenta, também, aulas de apoio ao ensino e aulas de piano, estando também a ser acompanhado com consultas no psicólogo – cfr. docs. 16, 17 e 36 juntos com o r.i..

Y. A requerente é sócia-gerente da sociedade CL…, Lda, – cfr.

doc. 40 junto com o r.i..

X

O Tribunal acrescentou:
Factos não provados -
Não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
E consignou que formou a sua convicção na análise dos documentos constantes dos autos e no acordo das partes, conforme referido em de cada uma das alíneas do probatório.

DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que acolheu a leitura da Entidade Requerida.
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim:
Do seguinte Despacho -
Uma vez que as partes arrolam testemunhas e atento o disposto no n.º 1 do artigo 118.º do CPTA – nos termos do qual pode haver lugar a produção de prova quando o juiz a considere necessária -, cabe aferir da necessidade da produção da prova testemunhal requerida, tendo em conta ainda o disposto no n.º 5 do mesmo artigo, no qual se estabelece que “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”
Importa considerar que estamos no âmbito de um processo urgente, que se caracteriza por uma apreciação sumária do direito que a requerente pretende acautelar e em que a prova se apresenta como indiciária. Assim, e considerando a causa de pedir, a prova documental constante dos autos e a posição assumida pelas partes no processo, julgo desnecessária a produção de prova testemunhal, pelo que a indefiro.
X
Vejamos,

Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Começa a Recorrente por suscitar a nulidade do despacho que antecedeu a

sentença, pelo qual o Tribunal indeferiu a produção da prova testemunhal requerida (indicou 2 testemunhas), atento o facto de tal despacho não se encontrar suficientemente fundamentado, tendo-se limitado o Tribunal a fazer um juízo conclusivo sobre a desnecessidade de produção de prova sem explicar as concretas razões dessa desnecessidade, levando esse despacho a que não tenham sido dados como provados factos que a Recorrente alegou com relevância para a decisão, assim tendo sido violado o artigo 118.º, n.º 5, do CPTA.

Todavia, saber se o Tribunal errou ao ter julgado inexistirem factos controvertidos a reclamar produção de prova adicional para além da constante dos autos não contende com qualquer nulidade da sentença, mas com um erro de julgamento, pelo que não se verifica a nulidade apontada.

De resto, entendeu a Senhora Juíza e, quanto a nós bem, que da prova documental já junta aos autos e considerando as alegações das Partes, resulta que os factos alegados e que se consideram relevantes para a decisão a proferir, já se encontram provados por documento.
Donde de acordo com o disposto no artigo 118.º, n.º 5, do CPTA, considerou desnecessária, para o apuramento indiciário dos factos, a prestação da prova requerida.
A Recorrente discorda deste entendimento.
Todavia, reitera-se, sem razão.
De salientar que o recurso não se alicerça em erro de julgamento de facto.
Ora, como é sobejamente sabido, a necessidade de inquirição de testemunhas indicadas pelas partes deverá ser ponderada pelo juiz não havendo qualquer imposição legal relativamente a essa formalidade, mormente em sede cautelar, em face do que a dispensa de inquirição de testemunhas não pode considerar-se a preterição de uma formalidade legal, desde que a prova produzida e disponível se mostre suficiente para firmar um juízo meramente sumário e perfunctório acerca da realidade factual trazida a juízo.
No caso, os documentos juntos aos autos e PA não podiam deixar de ser valorizados (e não desprezados) pelo Tribunal a quo.
De seguida, suscita a Recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, uma vez que esta não considerou factos alegados no requerimento cautelar atinentes à situação pessoal da Recorrente, à sua ligação à comunidade portuguesa e ao respectivo enraizamento na mesma e à ausência de antecedentes criminais, não constando tais factos nem do leque dos factos provados nem do leque dos factos não provados, assim tendo sido violado o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC.

Mais uma vez, tal razão apenas poderia configurar um erro de julgamento relativamente à fixação da matéria de facto e não uma qualquer nulidade da sentença.

Em último lugar, invoca a Recorrente a nulidade da sentença por omissão de valoração crítica da prova, tanto no que respeita aos factos provados, como no que concerne aos factos omitidos da decisão de facto, tendo-se limitado o Tribunal a elencar factos sem explicar os motivos nem os elementos probatórios que lhe permitiram adoptar a decisão que adoptou.

Cabe notar, a esse propósito, que o exame crítico da prova pressupõe que o juiz esclareça quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma, devendo indicar fundamentos suficientes para que se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento dos factos como provados ou não provados, não precisando, porém, tal exame de ser exaustivo.

Ora, analisando a sentença, são, aí, indicados os factos indiciariamente provados com relevância para a decisão da causa e, bem assim, feita menção à inexistência de outros factos indiciariamente provados com interesse para a decisão, para além de ser mencionado, a propósito de cada uma das alíneas do probatório, a respectiva motivação, baseada no acordo das partes ou nos documentos constantes dos autos, conforme legalmente exigido, pelo que não se verifica a nulidade assinalada pela Recorrente.

E o que dizer do demais?
O presente recurso tem por objeto a impugnação da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no âmbito do processo cautelar requerido pela ora Recorrente, contra o Ministério da Administração Interna e a Presidência do Conselho de Ministros, Serviços de Informação de Segurança.

Peticionou a então Requerente nesse processo cautelar (i) o reconhecimento provisório do pedido de autorização de residência para atividade de investimento (ARI) e (ii) a condenação do SEF à emissão e entrega de um título de residência provisório.

Tendo, para tal, demandado as seguintes entidades:

(i) O Ministério da Administração Interna, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), tendo em conta a decisão de indeferimento do pedido de ARI da Requerente, proferida por despacho do Diretor Regional do Norte do SEF; e

(ii) A Presidência do Conselho de Ministros, Serviços de Informações de Segurança (SIS), pois essa decisão fundamentou-se em razões de segurança e de ordem pública, sustentadas em informação classificada como
“confidencial” pelo SIS e que se encontra em poder deste.

A ora Recorrida apresentou oposição na lide cautelar, com os seguintes fundamentos:

(i) Alegou a sua ilegitimidade processual passiva, por os atos controvertidos se integrarem nas competências do SEF, não tendo o processo cautelar sido dirigido a impugnar qualquer ato administrativo praticado pelo SIS;

(ii) Subsidiariamente, e por mera cautela de patrocínio, admitiu a Requerida, ora Recorrida, que lhe fosse reconhecida a posição de contrainteressada, por o indeferimento do pedido de autorização de residência assentar em informação tratada, interpretada, armazenada e classificada pelo SIS como “confidencial”; e

(iii) Nesta hipótese subsidiária, aderiu à oposição apresentada pelo Ministério da Administração Interna, que concluía pela improcedência da providência cautelar.

O Tribunal a quo considerou procedente a exceção de ilegitimidade passiva da Requerida, ora Recorrida, absolvendo-a da instância - negando-lhe inclusivamente a posição de contrainteressada.

Por outras razões, decidiu o Tribunal a quo pela improcedência da pretensão da Requerente, ora Recorrente, absolvendo o requerido Ministério da Administração Interna do pedido.

Não se conformando com esta decisão, a Recorrente interpôs este recurso.

O recurso interposto pela Recorrente não se encontra expressamente delimitado quanto ao seu objeto. Porém, das alegações e conclusões apresentadas, depreende-se que não se impugna a decisão de absolvição da instância da Presidência do Conselho de Ministros, ainda que esta, juntamente com o Ministério da Administração Interna, tenha sido notificada para contra-alegar.

A decisão de absolvição da instância da Presidência do Conselho de Ministros corresponde, assim, a parte não recorrida da sentença, tendo, em consequência, na presente data, transitado em julgado. Com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal a quo de absolvição da Presidência do Conselho de Ministros da instância, consolidou-se a ilegitimidade passiva desta para a causa, aí se incluindo a ilegitimidade passiva para o presente recurso.

Pelo que:

(i) Em respeito do caso julgado formado, e por força do disposto no artigo 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.º, in fine, do CPTA, «os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo»; e

[ii] a decisão não recorrida que absolveu da instância a ora Recorrida não integra o objecto do recurso, nada se apresentando no presente recurso para dela conhecer.
E o que dizer dos pressupostos da providência solicitada?
Como é sabido, os critérios de decisão de que depende a concessão das providências cautelares encontram-se, fundamentalmente, fixados no art.º 120º do CPTA, que dispõe:
“1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 – Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” (…)
São, pois, requisitos do procedimento cautelar:
a) Fumus Boni iuris (a aparência de bom Direito), sendo que neste preceito a probabilidade de a pretensão formulada ou a formular no processo principal vir a ser julgada procedente, é essencial para sua concessão.
b) Periculum in mora, que se traduz no “(…) fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (…)”
c) Critério da Proporcionalidade, ou Ponderação de Interesses consagrado no art.º 120.º/2, o qual se manifesta quando “…devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa…” - requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e /ou privados) - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
Do Fumus Boni Iuris -
Requisito do fumus boni iuris (aparência do bom direito) e fumus non malus iuris, do n.º 1 do art.º 120.º -
Este critério visa aferir da evidência da procedência da ação ou da manifesta falta de fundamento da pretensão do requerente, bastando-se a norma com um juízo perfunctório, necessariamente sumário e provisório, sobre a bondade da pretensão formulada ou a formular no processo principal (vide Acórdão do STA de 11/09/2012, no proc. 437/2012).
Voltando ao caso concreto, como sentenciado, Quanto ao pressuposto do fumus boni iuris, alega a requerente que a decisão de indeferimento do seu pedido de autorização de residência viola os direitos ao desenvolvimento da personalidade, à liberdade à integridade psíquica, a um procedimento justo e equitativo, a uma decisão que cumpra o dever de fundamentação dos actos administrativos, o direito à estabilidade no trabalho, o direito à livre circulação e os princípios da equiparação dos estrangeiros e da proporcionalidade.

Como resulta da matéria de facto indiciariamente provada, a pretensão da requerente, consubstanciada no pedido de autorização de residência para actividade de investimento, foi indeferida por razões de segurança e ordem pública, com fundamento na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 01 de julho, face à existência de uma informação confidencial do Sistema de Informações de Segurança (SIS). Cabe, a este propósito, referir que a requerente peticionou junto deste Tribunal, a intimação do requerido à prestação dessa informação, tendo sido indeferida a sua pretensão por se tratar de informação sujeita a interdição de acesso face à classificação através do regime de segredo de Estado.

Como se disse, a requerente começa por sustentar que a decisão de indeferimento do pedido de autorização provisória de residência viola, nomeadamente, o direito ao desenvolvimento da personalidade e o direito à capacidade civil, consagrados no n.º 1 do artigo 26.º, da CRP, o primeiro por potenciar uma eventual saída forçada da requerente do território nacional, limitando a sua liberdade de acção; e o segundo por comprometer a capacidade de a requerente se relacionar juridicamente com os outros.
Acontece que tais direitos não são ilimitados, comportando restrições legais, como previsto no n.º 4 do referido artigo 26.º. Por outro lado, no caso concreto, o que limita a liberdade de acção da requerente e a sua capacidade de se relacionar juridicamente com outros em Portugal é a falta de preenchimento de todos os requisitos legais por parte da mesma para que lhe seja legalmente concedida autorização de residência no nosso país de modo a exercer em pleno tais liberdades, sendo certo que a informação do SIS – cuja legalidade do carácter confidencial não foi posta em causa pela requerente – se mostra apta, em abstracto, a sustentar o indeferimento da autorização de residência, não só nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, mas também nos termos do seu n.º 2.

Alega ainda a requerente que a não concessão de autorização de residência em Portugal põe em causa o seu direito ao trabalho porque, estando ilegal, não pode exercer a sua actividade profissional com plenitude. Todavia, neste ponto a requerente não concretiza minimamente tal restrição ao seu direito ao trabalho, ficando sem se saber em que medida o seu exercício fica comprometido.

Aduz também a requerente que o princípio da equiparação dos estrangeiros, consagrado no artigo 15.º da CRP acaba por ser contundentemente atingido pela decisão de indeferimento do seu pedido ao impedi-la de aceder aos seus plenos direitos aqui em Portugal.
Quanto ao princípio consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da CRP, a equiparação dos estrangeiros aos cidadãos portugueses - também chamada de «tratamento nacional» dos estrangeiros - consiste num tratamento pelo menos tão favorável como o concedido ao cidadão do país, designadamente no que respeita a um certo número de direitos fundamentais - cfr. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da
República Portuguesa Anotada, vol. I, Almedina, 4.ª edição, p. 357. Mas tal princípio pressupõe que os estrangeiros estejam em situação regular, ou seja, em conformidade com a lei portuguesa, em situação legal (cfr. JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição, tomo 1, pp. 266 e 267). Com efeito, não existe um direito dos estrangeiros a entrarem e fixarem-se em Portugal, como não gozam de um direito absoluto de permanecerem em território nacional - cfr. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Almedina, 4.ª edição, p. 531. No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do

Tribunal Central Administrativo Sul de 10.10.2019, proferido no processo n.º 2073/12.4BELSB, in www.dgsi.pt.
Assim, e na medida em que a não equiparação da requerente ao cidadão nacional decorre da falta de autorização de residência por parte da mesma e que tal falta assenta em informação que, por razões de segurança e ordem pública, obsta à concessão de autorização de residência - sem que, reafirma-se, a legalidade do carácter confidencial da informação esteja posta em causa -, conclui-se que não se encontra violado o princípio em análise.

A requerente invoca, ainda, a violação do direito de audiência prévia por entender que a notificação do projecto de decisão de indeferimento não indica os fundamentos concretos que levaram ao sentido da decisão, o que inquina de nulidade a decisão em causa, por violação do direito a um procedimento justo e equitativo. Argumenta, ainda, que após a instauração da acção de intimação para acesso a informação e que correu termos no TAF do Porto, o SEF se auto vinculou a suspender o procedimento e a conceder-lhe nova audiência prévia após resolução da questão prejudicial pendente no processo em causa, o que não foi feito, na medida em que, sem que a decisão tivesse transitado em julgado, veio a considerar que o procedimento deveria prosseguir, sem dar oportunidade à requerente para o exercício do contraditório. Vejamos.
Resulta da matéria de facto que a requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência por ter sido junta ao processo “informação confidencial 01108DB0821 de 08.01.2021 do Sistema de
Informações de Segurança”, o que constituía fundamento para o indeferimento do pedido face ao disposto no n.º 2, artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho [facto G)]. Perante a recusa em fornecer-lhe a informação solicitada, a requerente intentou acção no TAF Porto, com vista à intimação do requerido à disponibilização da informação em causa [facto J)]. Após a instauração da acção, a requerente apresentou requerimento junto da requerida, solicitando a prorrogação do prazo para exercer o direito de audiência prévia e, face à falta de resposta, exerceu, em 09.06.2021, o direito de audiência prévia [facto C)]. Em 23.06.2021, foi proferido despacho pelo Director Regional do Norte, suspendendo o procedimento até à decisão proferida no âmbito da intimação para consulta de documentos e passagem de certidões, nos termos do artigo 38º do CPA e “submetendo o pedido a decisão final caso a requerente veja negada em sede judicial a sua pretensão à informação confidencial, depois de exercer a faculdade de apresentar (novas) alegações” [facto M)]. Em 15.09.2021, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, julgando improcedente o pedido de intimação e assim, o acesso da requerente à informação confidencial referida [facto N)].
Da decisão em causa, a requerente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, em 06.10.2021 [facto O)]. Posteriormente à interposição do recurso, a requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência para o investimento, estando referido, na informação em que a mesma assenta, que “(…) não tendo a requerente vindo aos autos acrescentar qualquer outra factualidade desde as alegações de defesa que à cautela proferiu a 09-06-2021; tendo o Tribunal negado provimento ao pedido de acesso à informação confidencial; e porque, independentemente do interesse e do eventual prejuízo para a requerente, à Administração - no caso ao SEF, só resta acautelar o interesse público que decorre da salvaguarda da natureza confidencial da informação do SIS e das razões de segurança e de ordem pública que lhe subjazem, propomos a remessa do presente relatório ao Exmo. Senhor Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para prolação de eventual decisão de indeferimento final do pedido (…) com fundamento no disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do art.º 77º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual” [factos P), Q) e R)]. Em 03.12.2021, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Norte a negar provimento ao recurso
[facto T)].

Apesar de ter sido proferida decisão final sem que tivesse transitado em julgado a decisão relativa à intimação para consulta de documentos e passagem de certidões, não se verifica, no caso em pareço, qualquer violação do princípio de audiência prévia.
O artigo 267.º, n.º 5, da CRP impõe à Administração Pública a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito e a audiência dos interessados constitui uma garantia constitucional (direito de participação), visando, na vertente procedimental, concretizar o direito de participação e de colaboração, com vista a que a Administração encontre a melhor solução, a evitar decisões surpresa, facultando aos particulares uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e argumentação no procedimento, assim como auxiliar a administração a decidir melhor, de modo mais consensual e em conformidade com o bloco de legalidade (artigos 11.º, 12.º e 121.º do CPA).
In casu, tal direito foi assegurado no procedimento em momento anterior à prolação da decisão pelo Tribunal respeitante ao processo de intimação para consulta de documentos e passagem de certidões. Aliás, o artigo 124.º, n.º 1, alínea e), do CPA, dispensa a audiência dos interessados quando os mesmos já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas. A isso mesmo alude a Informação de Serviço 28/2021/URAJ em que assentou a decisão de indeferimento ao referir que “não tendo a requerente vindo aos autos acrescentar qualquer outra factualidade desde as alegações de defesa que à cautela proferiu a 0906-2021”. Assim, tendo já tido oportunidade para se pronunciar, conclui-se, num juízo de summaria cognitio, que o direito em causa não se encontra violado.

Quanto à invocada violação do dever de fundamentação, a exigência legal de fundamentação dos actos administrativos decorre do artigo 268.º da Constituição. Esta exigência (i) Permite ao cidadão conhecer o percurso cognoscitivo e volitivo que levou a Administração a decidir naquele sentido, e não noutro, podendo aquele conformar-se com o acto ou impugnar o mesmo pela via administrativa ou judicial; (ii) Obriga a Administração a ponderar os factos e a uma melhor aplicação do direito, de modo a convencer o administrado da validade dos seus fundamentos e da decisão. Podemos falar em fundamentação em sentido formal e fundamentação em sentido material. A primeira traduz-se na exigência de indicação de factos que levaram a Administração a decidir em determinado sentido e que deve ser suficiente, clara e congruente, de modo a poder ser entendida pelo administrado; caso contrário, estaremos perante um vício de forma, tendo como consequência a anulação do acto que, não obstante, poderá ainda ser renovado sem o vício. A segunda tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade "stricto sensu" do próprio acto; a sua falta conduz também à anulação do acto, o qual não pode ser renovado.
No presente caso, a decisão de indeferimento do pedido de autorização de residência baseou-se numa informação que, à luz do regime aplicável (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 30/84, de 05 de Setembro), reveste carácter confidencial, tendo sido dados a conhecer à requerente os motivos que determinaram o indeferimento – a existência dessa informação –, pelo que não se encontra violado dever de fundamentação do acto uma vez que, como este Tribunal havia decidido em sede de intimação para consulta de documentos e passagem de certidões, e confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, dado o carácter confidencial da informação em causa, a mesma não poderia ser fornecida à requerente sob pena de violação de segredo de Estado. Por outro lado, foi dado a conhecer à requerente o fundamento legal pelo qual o requerido entendeu que a requerente não reunia as condições para a concessão de autorização de residência temporária pois na decisão de indeferimento é mencionado que o fundamento reside em razões de segurança e ordem pública, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho.

A requerente defende, ainda, que se encontra aqui violado o direito a um procedimento justo e equitativo, direito este que decorre, nomeadamente, do princípio da participação, do direito à fundamentação e do princípio da justiça consagrados nos artigos 266.º, n.º 2, 267.º e 268.º da CRP, concretizando-se no facto de os procedimentos deverem ser estruturados no sentido de garantir, nomeadamente, a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam respeito, com respeito pelo contraditório. Ora, como já se adiantou, não se alcançam evidências de violação do dever de fundamentação nem do direito de participação no âmbito do procedimento aqui em causa, pelo que o direito a um procedimento justo e equitativo também não se mostra aqui beliscado.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, 2.ª parte, da CRP, e no artigo 5.º, n.º 2, do CPA, o que o mesmo proíbe é o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares, pelo que as medidas restritivas devem ser necessárias, adequadas e proporcionadas ao bem público que se pretende alcançar ou ao mal público que se pretende evitar. Por obediência ao princípio da proporcionalidade, a Administração deverá escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes de que disponha aqueles que sejam menos gravosos ou que causem menos danos. Estamos aqui no domínio do princípio da intervenção mínima por forma a que se consiga compatibilizar o interesse publico e os direitos dos particulares, de modo a que o princípio da proporcionalidade jogue como um factor de equilíbrio, garantia e controlo dos meios e medidas.
Ora, a não concessão de autorização de residência por razões de ordem e segurança públicas, além de se revelar como adequada e necessária à luz dos interesses que se pretende salvaguardar, prevalece necessariamente sobre os interesses da requerente, pelo que o princípio da proporcionalidade não se mostra violado.

Por último, e quanto ao princípio da presunção da inocência, uma das garantias do processo criminal constitucionalmente consagradas é a de que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…).” – cfr. artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, pelo que uma decisão administrativa que assenta em factos constantes de decisão de condenação não transitada em julgado, carece de substracto factual. Acontece que a decisão em causa – de indeferimento de concessão de autorização de residência – não assentou em qualquer condenação da autora não transitada em julgado, mas, antes, em informação confidencial que, por razões de segurança e ordem pública, determinou o indeferimento. Por conseguinte, também não se descortina qualquer infracção ao referido princípio constitucional.

Aqui chegados, concluímos que a requerente não logrou demonstrar a probabilidade de procedência da pretensão por si formulada no processo principal na medida em que as ilegalidades que invoca não se mostram aptas a inquinar a decisão de indeferimento contra a qual se insurge. Deste modo, não se mostra provável a procedência da pretensão formulada no processo principal.
Pelo exposto, não está preenchido in casu o requisito do fumus boni iuris, o que determina a improcedência do presente processo cautelar, na medida em que os requisitos para a concessão de providência cautelar são de verificação cumulativa. (sublinhados nossos).
Em suma:

Dispõe o artigo 112º/1 do CPTA que “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”.
A redacção deste artigo, na sua parte final, expressa o propósito essencial da tutela cautelar, que se reconduz a assegurar a utilidade da lide principal, ou seja, a salvaguardar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de acção principal, que pela sua cognição plena poderá comportar um período mais longo até ser definitivamente decidida.
Tal equivale a dizer que a providência cautelar está intimamente ligada aos autos principais, sendo nestes que a pretensão do requerente irá ser analisada e decidida com a profundidade necessária, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida mediante a adopção de medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfunctória do caso.
Daí que ao julgador de um processo deste tipo se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao acto ocorrem ou não.

Deste modo, o julgador, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de procedência da acção principal, terá de indagar e ajuizar se existem ou não razões para temer que tal decisão venha a tornar-se inútil, sem qualquer alcance prático, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos dificilmente reparáveis para quem dela pretende beneficiar, que obstem à reconstituição natural ou à reintegração da esfera jurídica do beneficiado com a sentença.
Na redacção actual, dada pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro, o fumus boni iuris apresenta-se sempre sob a formulação positiva (condizente com a formulação que na redacção anterior se encontrava plasmada na al. c) do n° 1 do artº 120° do CPTA).
Ponderada a tutela cautelar em função dos critérios agora estatuídos no artigo 120°/1, a análise da verificação da aparência do bom direito assume particular relevância nos presentes autos, na medida em que é necessário que se verifique uma forte probabilidade de procedência da pretensão principal.
A “formulação positiva do fumus boni iuris é-nos dada pela introdução na redacção do n. ° 1 do artigo 120. ° do CPTA do substantivo “provável”, que imprime uma maior rigidez ao conceito. Assim, do direito convocável para subsumir os factos descritos, tem de ser possível chegar-se à probabilidade do êxito da acção; tem de se verificar uma aparência de que o requerente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa.
Na situação dos autos, afastado o fumus boni iuris/a aparência do direito, sempre estaria comprometido o êxito da providência. Aqui chegados, concluímos que a requerente não logrou demonstrar a probabilidade de procedência da pretensão por si formulada no processo principal na medida em que as ilegalidades que invoca não se mostram aptas a inquinar a decisão de indeferimento contra a qual se insurge. Deste modo, não se mostra provável a procedência da pretensão formulada no processo principal.
O aresto recorrido enfrentou, assim, de forma clara e cabal, o cerne da questão, questão essa que a Recorrente vem aqui novamente trazer, e alicerçou-se na Doutrina e na Jurisprudência que sufragamos.
Refira-se, e no que respeita à suposta sentença claramente desequilibrada, que não pactuamos com essa versão, até porque, a não concessão de autorização de residência por razões de ordem e segurança públicas, além de se revelar como adequada e necessária à luz dos interesses que se pretende salvaguardar, prevalece necessariamente sobre os interesses da requerente, pelo que não se vislumbra qualquer intuito persecutório (aliás não demonstrado) nem ofensa a qualquer princípio, mormente o da proporcionalidade.
Refira-se, que os interesses da Requerente não estão tutelados na Lei de Estrangeiros e/ou na CRP, não se vislumbrando qualquer violação dos princípios que regem a atividade administrativa, mas e somente, o estrito cumprimento dos princípios da legalidade, proporcionalidade e boa-fé, bem como, das normas que regem os procedimentos administrativos - dado o carácter confidencial da informação em causa, a mesma não poderia ser fornecida à requerente sob pena de violação de segredo de Estado. Por outro lado, foi dado a conhecer à requerente o fundamento legal pelo qual o requerido entendeu que a requerente não reunia as condições para a concessão de autorização de residência temporária pois na decisão de indeferimento é mencionado que o fundamento reside em razões de segurança e ordem pública, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 77.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho -.

Refira-se, e no que respeita à suposta violação de princípios de natureza Constitucional, que a Recorrente não cumpriu o ónus de prova a que, a esse respeito, estava obrigada.
Na realidade, se é certo que se não vislumbra a violação de qualquer dos princípios enunciados, mormente de natureza Constitucional, ainda assim, sempre teria a Recorrente que densificar, de modo mais eficaz, em que se consubstanciariam tais violações.
Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu - cfr. o Acórdão do STA nº 00211/03, de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.
De todo o modo, como já foi apreciado no Acórdão deste TCAN aludido em T) do probatório - proc.1400/21.8 - “A Recorrente, sem questionar a aplicação que o T.A.F. do Porto fez das normas convocadas, alegou que a sentença recorrida violou o direito a um procedimento equitativo e justo, o direito à integridade psíquica, o princípio da presunção da inocência e o princípio da proporcionalidade, para depois concluir que se impõe concluir pela inconstitucionalidade dos preceitos invocados na sentença, concretamente os artigos 32º e 32º-A da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro.

Uma vez mais a Recorrente não refere porque é que a sentença recorrida violou o direito a um procedimento equitativo e justo, o direito à integridade psíquica, o princípio da presunção da inocência, o que limita a apreciação da invocada constitucionalidade das referidas normas da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro, sempre se dirá, contudo, o seguinte: em relação ao direito a um procedimento equitativo e justo entende-se que o mesmo não foi violado, dado que o procedimento de “autorização de residência para actividade de investimento” foi tramitado pelo S.E.F. vindo a ser indeferido porque foi integrada nos autos a informação confidencial 01108DB0821 de 08 de Janeiro de 2021 do Sistema de Informações de Segurança que impediu o deferimento da pretensão formulada, com fundamento no nº 2 do artigo 77º da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, sendo que, no caso em apreço, não se coloca a questão do direito invocado pela Recorrente, mas sim o direito ao exercício da informação procedimental, direito esse que, nos termos decididos pelo T.A.F. do Porto sofre uma compressão ou limitação motivada na circunstância de tal informação ser classificada.

Por outro, no que concerne à violação do direito à integridade psíquica a mesma não se mostra minimamente sustentada, o que impede o Tribunal de a apreciar, o mesmo sucedendo quanto ao princípio da presunção de inocência, que também não parece mostrar-se violado dado estar em causa o direito de informação procedimental e não a referida garantia basilar do processo penal.

Por último, no que concerne à violação do princípio da proporcionalidade, as limitações ao direito de informação procedimental que se encontram plasmadas nos artigos 32º e 32º-A da Lei nº 30/84, de 5 de Setembro – diploma que estabelece as bases gerais do Sistema de Informações da República Portuguesa – preceitos relativos ao segredo de Estado – mostram adequadas e necessárias para protecção dos fins que as mesmas visam alcançar, nomeadamente a segurança e ordem pública, pelo que não se mostra violado o princípio da proporcionalidade.

Como bem se refere no douto parecer do M.P.:

(…)

“Os direitos fundamentais não são direitos ilimitados ou ilimitáveis.

E tal decorre do dever de proteger os direitos fundamentais de outras pessoas ou garantir bens jurídicos de relevo específico, tal como a segurança e ordem pública.
O nº 2 do artº 268º da CRP, é simultaneamente uma norma conformadora e restritiva, na medida em que por um lado concretiza um direito e por outro baliza os limites desse direito, ou seja, comprime o seu âmbito de protecção.
É a própria CRP que faz a compressão de outros direitos constitucionais (compressão interna de direitos constitucionais), quando está em causa garantir bens jurídicos de relevo específico- a segurança interna e externa- e fê-lo dando prevalência à segurança interna e externa relativamente a direitos constitucionais com ela conflituantes. Ou seja, foi o legislador constitucional que na introdução da referida excepção avaliou, fez uma restrição imediata, tendo em conta o princípio da proporcionalidade, entre um bem jurídico com determinado relevo e os diversos direitos constitucionais com ele conflituantes, tendo dado supremacia à segurança interna e externa, por se tratar de um interesse nacional que supera os direitos de cada um dos cidadãos.
O não respeito por tal confidencialidade poderá pôr em risco interesses fundamentais do Estado. E, uma vez que alguém tenha acesso a tais documentos é evidente que os objectivos pretendidos com essa confidencialidade deixam de estar garantidos. É que, desprezadas as razões de segurança que determinaram a confidencialidade de tais documentos, poderá estar em causa a segurança interna e externa do Estado e, consequentemente, a segurança dos cidadãos.”

É precisamente este confronto entre o direito à informação procedimental e o regime de segredo de Estado que torna legítimo, no caso concreto, a compressão do referido direito, limitação que a Lei Fundamental consagra, ao prever, no nº 2 do artigo 268º, que “[O]s cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias de segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”, não padecendo, pelos motivos aduzidos, os supra referidos preceitos da inconstitucionalidade invocada pela Recorrente, pelo que improcede a pretensão recursiva.”

Da nulidade da sentença -
Vejamos,

Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Retomando o caso posto não se vislumbra a menor sombra de nulidade na sentença ou no Despacho proferido e acima assinalado.

De facto, não obstante a argumentação expendida, analisadas as questões colocadas pela Recorrente na fundamentação do presente recurso, apenas encontramos o seu inconformismo com o sentido da decisão proferida, nada de novo tendo trazido a Recorrente para a fundamentação do mesmo.
Nestes termos, pese embora o recurso à prova testemunhal seja um direito/dever processual que assiste ao Requerente, de acordo com os n.ºs 1 e 4 do artigo 118.º do CPTA, tal como decidido, não se deteta em que medida a audição das testemunhas arroladas pudesse alterar o sentido da decisão.
Assim, não impõe a lei a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra) conferindo ao juiz, no uso dos seus poderes de direção e de julgamento do processo, o poder de ajuizar da necessidade da sua produção face aos factos e ao direito invocados.
O que realizará de acordo com a sua íntima e fundada convicção, face às alegações das partes, provas constantes dos autos e requeridas, no contexto da questão jurídica que lhe cabe apreciar e decidir.
Donde se conclui que não padece o despacho recorrido de nulidade por ausência de fundamentação.
Também no que se refere à alegada nulidade da sentença esta não se deteta.
Esta contém o enunciado dos factos provados e a menção de outros não provados acompanhada da respectiva motivação.
Em síntese:
Compulsado o teor da decisão recorrida, constata-se que o Tribunal se pronunciou quanto aos factos que sustentam a decisão, motivando e explicando a sua convicção, remetendo para os documentos que sustentam e alimentam os factos provados e que suportam o segmento decisório.
Revemo-nos, pois, na leitura efectuada, nada mais se justificando afirmar a não ser que o Tribunal a quo decidiu bem.

Mantêm-se, assim, na ordem jurídica quer o aresto quer o despacho objecto de censura.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique e DN.

Porto, 13/05/2022

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro