Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00537/10.3BECBR |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 02/17/2022 |
Tribunal: | TAF de Coimbra |
Relator: | Paulo Moura |
Descritores: | TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA; BASE TRIBUTÁVEL DISTINTA DA TRIBUTAÇÃO OPERADA NA AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC; PROVA DOCUMENTAL |
Sumário: | I - O artigo 81.º do CIRC (atual artigo 88.º) contempla uma norma de incidência objetiva de tributação autónoma e, no que concerne a despesas não documentadas, não admite prova testemunhal para ser elidida, mas apenas prova documental a apresentar pelo contribuinte. II - Sendo a tributação autónoma avulsa e lateral ao lucro tributável, que é como quem diz, à matéria coletável, não é necessário anular a liquidação do IRC efetuada com base na matéria coletável, nem emitir liquidação adicional, na medida que que na tributação autónoma, a base tributável é distinta da tributação operada na autoliquidação de IRC. |
Votação: | Unanimidade |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: A FAZENDA PÚBLICA, interpõe recurso da sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida pela sociedade N., S.A., contra as liquidações de IRC e juros compensatórios de 2007, por entender que a decisão enferma de erro nos seus pressupostos de facto, por a Impugnante não ter assumido despesa suscetível de tributação autónoma nos termos do art. 81.º (atual art. 88.º do CIRC). Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: 1 – O Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação, nos autos acima identificados, por ter considerado que liquidação de IRC do ano de 2007 em causa enferma de erro nos seus pressupostos de facto, por a impugnante não ter assumido despesa susceptível de tributação autónoma nos termos do art. 81.º (actual art. 88.º do CIRC), determinando a anulação da correcção em análise. 2– Por ter entendido que, em primeiro lugar, a inscrição do montante de € 488.505,75, na conta do Plano Oficial de Contabilidade (POC) 2681012-Conta Correcção Depósitos à ordem, do qual a AT entende dever ocorrer tributação autónoma, não reflecte qualquer custo suportado pela empresa, mas apenas o débito, a entidade(s) não identificada(s), dos montantes nela inscritos, ficando a impugnante com um crédito sobre essas entidades não identificadas. 3– Mas que, na situação concreta, a contabilização efectuada não espelha a realidade, conforme elementos constantes de contestação/reconvenção deduzida na acção cível que corre termos na Vara Mista– 2ª Secção da Vara Mista e Juízos Criminais de, sob o n.º /11.1TB, em que a impugnante alega a existência de um aditamento ao contrato-promessa, do qual consta que a mesma sabia não existirem na Classe de Disponibilidades os valores constantes do balanço anexo ao contrato promessa, mas que acordaram em manter nas contas da sociedade os saldos em causa, renunciando expressamente a promitente compradora a reclamar ou receber as quantias em causa, dos promitentes vendedores. 5– Pelo que, a sociedade assumiu um custo ou despesa, mas que não pode aceitar-se que a mesma é confidencial, pois é possível identificar o respectivo beneficiário, o seu anterior sócio-gerente e promitente vendedor, Dr. M.. 6– No entanto, tal conclusão assenta, com todo o respeito pela douta sentença proferida e reconhecendo a profunda análise efectuada pela Mma. Juiz, num erro na apreciação da prova. 7– -Com efeito, relativamente à questão da contabilização do montante de € 488.505,75 na conta 268 do POC, efectuada pela impugnante, esta só é de aceitar fiscalmente, se forem identificados os terceiros sobre os quais é assumido o crédito e exista documentação de suporte. Um crédito de € 488.505,75 sobre alguém não identificado e sem qualquer documento de suporte, não pode ser fiscalmente relevado como tal, mas antes e como foi correctamente entendido na acção inspectiva e na decisão da reclamação graciosa como uma despesa não documentada, face ao disposto no art. 81.º (actual art. 88.º do CIRC). 8– -Quanto aos factos considerados provados, em face da certidão junta aos autos, extraída da acção cível que corre termos na Vara Mista e Juízos Criminais de sob o n.º /11.1TB (alínea L) da matéria de facto dada como provada), que conduziram à conclusão de o montante de € 488.505,75, consistir num custo em que é identificado o respectivo beneficiário, tais elementos não deviam ter sido considerados provados, por constarem de uma peça processual apresentada por uma das partes (contestação/reconvenção da impugnante), sem que exista trânsito em julgado da referida acção. 9– Pois os documentos anexos, à petição inicial e contestação/reconvenção, nomeadamente o referido aditamento ao contrato promessa, não constam da certidão e nunca antes haviam sido referidos quer em sede da acção inspectiva, quer da reclamação graciosa, quer dos presentes autos. 10– Se, doutamente, fosse considerado que a acção cível em causa constituía causa prejudicial para a decisão dos presentes autos, poderia ter sido ordenada pelo tribunal a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do referido processo cível, nos termos do disposto no art. 276.º, n.º 1 al. c) e 279.º 1 e 2 do CPC, pois pode a sentença que nele venha a ser proferida (ou entretanto tenha sido proferida) ser desfavorável à pretensão da impugnante na contestação/reconvenção e dar como não provados, os factos considerados como provados no presentes autos de impugnação. 11– Pois da alínea a) do pedido reconvencional consta expressamente “Serem todo os Reconvindos condenados solidariamente à Ré Reconvinte quantia equivalente à reclamada pela Fazenda Nacional que se encontra em execução de € 383.070,00” não existindo na p.i. de interposição da referida acção assunção da existência do aditamento ao contrato – promessa (cfr. art. 102.º e 103.º da mesma). 12– Pelo que, salvo melhor opinião, nos parece existir a referida prejudicialidade da causa cível, relativamente aos presentes autos. Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que conclua pela verificação dos pressupostos de facto, que fundaram a tributação autónoma em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do montante em causa, enquadrável na previsão legal do art. 81.º do CIRC (actual art. 88.º) ou tal não sendo doutamente entendido, que considere existir causa prejudicial, em julgamento no P.º /11.1 TB da Vara de Competência Mista – 2.ª Secção da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de, assim se fazendo JUSTIÇA A Impugnante apresentou contra-alegações, nas quais concluiu da seguinte forma: 1. O Recurso interposto pela Fazenda Pública contra a decisão proferida nos autos de procedência da impugnação, deve ser julgado improcedente, em virtude da respectiva fundamentação não apresentar qualquer elemento susceptível de abalar o sentido da decisão recorrida. 2. Não procede o argumento aduzido pelo Fisco de que a contabilização de créditos na conta 268 só é de aceitar se forem identificados os devedores das quantias em causa, sob pena de serem consideradas despesas não documentadas, porquanto se trata de uma afirmação subjectiva não fundamentada legal ou factualmente, que nem sequer se compreende. 3. A conta 268 é uma conta do activo. Logo, não é movimentada com despesas. 4. O registo de um crédito, mesmo que seja sobre desconhecidos, não significa que tenha ocorrido uma despesa – ou um custo. Significa que há um crédito, nada mais. 5. A conclusão do Fisco de que não aceita tal registo, pelo facto de o devedor ser desconhecido se trata de uma despesa não apresenta sequer um nexo de causalidade compreensível. 6. Logo, no que toca ao anteriormente referido não merece censura a decisão recorrida, devendo o recurso interposto pela Fazenda Pública ser liminarmente indeferido. 7. É igualmente incompreensível o argumento do Fisco de que o registo contabilístico de um crédito na conta 268, em que o devedor é desconhecido, deve ser equipado a uma despesa não documentada. 8. Tal argumentação não apresenta igualmente qualquer nexo apresentando-se como obscura, subjectiva e sem qualquer base legal. 9. Ao contrário do invocado pelo Fisco, andou bem a Sentença recorrida ao indicar que um registo contabilístico na conta 268 não significa só por si a existência de uma despesa não documentada, pois trata-se de uma conta do activo representando um crédito e não uma despesa. 10. Note-se que se trata de um mero registo contabilístico e não da saída de valores da sociedade. 11. Assim, também por este motivo o recurso do Fisco deve ser julgado improcedente. 12. Falece igualmente razão ao Fisco ao invocar que a decisão recorrida incorreu em erro ao não considerar prejudicial a acção pendente na Vara Mista e Juízos Criminais de sob o n.º /11.1TB, porquanto na referida acção não é julgado se o movimento contabilístico tem subjacente uma despesa não documentada. 13. Tal acção judicial trata de despedimentos considerados ilegais, direitos a indemnizações e juros e o pagamento à Recorrida pelos anteriores sócios gerentes da mesma do imposto que ora se encontra a ser exigido à Recorrida. 14. Quer em tal processo seja aceite ou negado o reconhecimento da divergência de saldos na contabilidade da Recorrida, imputado ou não aos anteriores sócios gerentes da Recorrida, a decisão vertente não será afectada, pois tais decisões de nada relavam para se saber se um registo contabilístico na conta 268, sem indicação do devedor do saldo, é uma despesa não documentada tributada autonomamente 15. Logo inexiste prejudicialidade entre as acções. 16. Por outro lado, ao contrário do invocado pelo Fisco, a decisão recorrida andou bem ao indicar que os devedores do crédito referente ao lançamento contabilístico na conta 268 não são desconhecidos, tratando-se dos anteriores sócios gerentes da Recorrida, aceitando o que a mesma invoca em sede de contestação/reconvenção apresentada nos autos do supra referido processo n.º /11.1TB, porquanto esse facto já antes era do conhecimento do Fisco e tal não tem que ser objecto de mais prova nessa acção judicial. 17. A afirmação constante da mencionada contestação/reconvenção, de que os devedores do crédito referente ao lançamento contabilístico na conta 268 são os anteriores sócios gerentes da Recorrida foi conhecido pelo Fisco na acção de inspecção, tendo motivado que, no primeiro Projecto de Relatório elaborado pelo Fisco fosse preconizado que a regularização de saldos constante da conta 268, consubstanciava uma distribuição de lucros. 18. Logo também tal argumento de recurso deve ser julgado improcedente e ser mantida a decisão recorrida. 19. Contudo, caso por absurdo assim não se entenda, e seja dado provimento ao recurso da Fazenda, hipótese académica levantada à cautela por estrito dever de patrocínio, ainda assim a liquidação impugnada deveria ser anulada por ininteligibilidade e vício de forma, ao contrário do decidido na Sentença recorrida. 20. É incorrecto indicar que o Relatório de Inspecção contém todas as operações de lançamento objectivo e subjectivo da liquidação e a determinação da colecta, pois não apresenta, quanto ao apuramento do IRC do período, a taxa ou colecta adicional de imposto. 21. Por outro lado, pese embora se condescenda que a demonstração da liquidação retrata o acto de liquidação stricto sensu e não se confunde com o mesmo, ao contrário do invocado na decisão recorrida, as ilegalidades da notificação inquinam igualmente de ilegalidade a liquidação, nos termos do disposto nos arts. 36.º n.º 1 do CPPT e 45.º n.º 1 da LGT. 22. Mais é apodíctico que o acto de liquidação não consta do Relatório de Inspecção. 23. Sendo ilegal a notificação da liquidação é também ilegal o acto de liquidação propriamente dito. 24. No caso vertente a demonstração da liquidação não é uma acto suficiente, pois se a liquidação está apenas na mesma é ilegal por duplicação de colecta já que é apurada não só sobre a matéria colectável corrigida à Recorrida, mas também sobre a matéria colectável que já foi alvo de liquidação, por efeito da apresentação da declaração modelo 22 de 2007, em autoliquidação. 25. A demonstração de acerto de contas não se compreende, pois contempla operações matemáticas em que a subtracção dá adição e vice-versa. 26. Ao contrário do invocado na decisão recorrida a jurisprudência não vai no sentido de que a falta de notificação da liquidação apenas pode ser apreciada no âmbito da oposição à execução, sendo aceite apreciá-la em sede de impugnação judicial – nesse sentido veja-se entre outros, AC. STA de 28/9/2011, no Rec. 0473/11; Ac. TCA do Sul de 7/4/2011, no Rec. 04622/11, in www.dgsi.pt. 27. Ao contrário do referido na Sentença recorrida com a anulação parcial da liquidação impugnada, após a decisão da reclamação graciosa os actos de notificação da liquidação não se tornam irrelevantes, pois foi essa a notificação da parte da liquidação não anulada. 28. A decisão recorrida erra ao considerar que a Recorrida pretendia que a notificação da liquidação contivesse a fundamentação legal da mesma, sendo que o invocado pela Recorrida foi o facto de a fundamentação constante do Relatório de Inspecção ordenar a realização de uma liquidação adicional de IRC à Recorrida, quando ao invés o acto praticado foi de mera liquidação, que se trata de um acto distinto, com vício de fundamentação para o acto praticado. 29. A liquidação ora impugnada não tem por base apenas o adicional de imposto constate do Relatório de Inspecção mas a soma do mesmo com o imposto resultante da modelo 22 de 2007 apresentada pela ora Recorrida, não configurando um acto de liquidação adicional. 30. Assim, são patentes os vícios de ininteligibilidade, fundamentação e de forma que devem conduzir à anulação da liquidação impugnada, ao contrário do sustentado na decisão recorrida. 31. No entanto, caso por absurdo também assim não se entendesse, hipótese igualmente académica levantada também à cautela por dever de patrocínio, então o processo deveria baixar novamente ao TAF de Coimbra para serem conhecidos os restantes vícios apontados na Impugnação e que não foram analisados, a saber, a violação: da proibição da aplicação da analogia; do ónus ad aprova e do princípio da especialização de exercícios. 32. Porém, caso por absurdo também assim não se entendesse, e não se considerasse de fazer baixar o processo ao TAF de Coimbra, então ainda assim a liquidação impugnada teria que ser anulada pelas violações da proibição da aplicação da analogia; do ónus da aprova e do princípio da especialização de exercícios. 33. Perante a tela factual supra resulta evidente que a liquidação impugnada é também inconstitucional por aplicação analógica da tributação autónoma das despesas não documentadas ao registo contabilístico efectuado, em violação do disposto no n.º 4 do art. 11.º da LGT, na sequência do comando constitucional prescrito pela al. i) do n.º 1 e o n.º 2 ambos do art. 165.º da CRP 34. O Fisco sabe que a Impugnante não incorreu em 2007 em quaisquer despesas, muito menos não documentadas, mas presume-as e analogicamente considera-as sujeitas a tributação autónoma, por as presumir não documentadas 35. O Fisco parte de uma transferência contabilística de saldos de contas do activo presumindo que tal transferência é “equiparada” a uma despesa não documentada. 36. Ao fazer tal equiparação a despesas não documentadas a Administração Fiscal encontra-se a aplicar analogicamente o regime das despesas não documentadas à transferência de saldos supra referida, em violação das antes mencionadas disposições legais e constitucionais, o que deverá conduzir à anulação da tributação autónoma determina no exercício de 2007. 37. O movimento de saldos registado em 2007 não se reporta a qualquer realidade ocorrida nesse exercício. Trata-se de uma correcção realizada em 2007, devido a movimentos ocorridos em exercícios anteriores, não reconhecidos no momento devido na contabilidade. 38. O acerto dos saldos de disponibilidades das contas bancárias, como no caso da conta bancária no Banco I e noBanco II, fica a dever-se ao facto de já em 2005 os valores constantes da contabilidade não corresponderem à realidade. 39. O acerto de saldos foi realizado em 2007, pois foi nesse momento detectada a discrepância entre os valores da contabilidade e os valores reais. 40. A Administração Fiscal indica que em 2007, a Impugnante incorreu em despesas, mas não o prova, em violação do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT. 41. Ainda que a transferência de saldos se tratasse de despesas, que conforme se demonstrou não acontece, ainda assim, as mesmas não poderiam nunca originar qualquer correcção em 2007, pelo facto de não se reportarem a factos ocorridos nesse exercício. 42. Nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 18.º do CIRC os proveitos e custos são tributados e consideram-se realizados quando ocorrerem e nunca quando forem contabilizados. 43. Caso o CIRC se baseasse no registo contabilístico e não nos factos, bastaria ao contribuinte omitir o seu registo para que os mesmos nunca tivessem qualquer impacto tributário 44. Assim, a fundamentação das presentes correcções encontra-se inquinada por total desconsideração dos factos tributários e do momento da sua verificação. 45. Não se reportando qualquer valor dos saldos transferidos para a conta 2681 a factos ocorridos em 2007, os mesmos não poderiam de forma alguma ser alvo de correcção naquele exercício. 46. O único motivo para o Fisco corrigir a Recorrida no exercício de 2007 é o facto de ter aberta uma ordem de inspecção para esse exercício. 47. O Fisco invoca que o registo contabilístico do crédito na conta 268 é uma despesa não documentada mas não indica no Relatório de Inspecção os momentos em que ocorreram saídas de dinheiro das contas bancárias da sociedade. 48. Donde é manifesto que a liquidação de IRC e juros compensatório ora impugnada é totalmente ilegal no tocante à tributação autónoma o que também deverá conduzir à sua anulação. TERMOS EM QUE DEVE SER RECUSADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA OU, CASO POR ABSURDO ASSIM NÃO SE ENTENDER DEVE SER ANULADA A DECISÃO RECORRIDA E A LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA, ATENTOS OS VÍCIOS DE ININTELIGIBILIDADE E FORMA OU SE POR ABSURDO TAMBÉM ASSIM NÃO SE ENTENDER, DEVE SER MANDADOS BAIXAR OS AUTOS AO TAF DE COIMBRA PARA SEREM ANALISADOS OS VÍCIOS DA LIQUIDAÇÃO NÃO APRECIADOS NA SENTENÇA RECORRIDA, ATENTA A PREJUDICIALIDADE DA DECISÃO DE ANULAÇÃO OU AINDA, SE POR ABSURDO TAMBÉM ASSIM NÃO SE ENTENDER, DEVE SER ANULADA A LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA POR VIOLAÇÃO DO PROIBIÇÃO DA APLICAÇÃO ANALÓGICA EM MATÉRIA FISCAL; POR VIOLAÇÃO DO ÓNUS DA PROVA E POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DE EXERCÍCIOS O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente, cujo teor integral se reproduz: Com o presente recurso a AT ataca a sentença do tribunal recorrido por ter considerado que liquidação de IRC do ano de 2007, em causa, enferma de erro nos seus pressupostos de facto, por a impugnante não ter assumido despesa susceptível de tributação autónoma nos termos do art. 81.º (actual art. 88.º do CIRC), determinando a anulação da correcção em análise. Como fundamento da sentença, considerou a Mma Juíza a quo que a inscrição do montante de € 488.505,75, na conta do Plano Oficial de Contabilidade (POC) 2681012-Conta Correcção Depósitos à ordem, do qual a AT entende dever ocorrer tributação autónoma, não reflectir qualquer custo suportado pela empresa, mas apenas o débito, a entidade(s) não identificada(s), dos montantes nela inscritos. E que, por outro lado, o movimento contabilístico em causa não permite, por si só, conclusão que houve desvio para fins não empresariais ou que a impugnante assume um dispêndio dos seus recursos, mas apenas que as contas bancárias não apresentavam o saldo evidenciado na contabilidade e que o facto de debitar essas quantias a outros devedores ou credores, redunda na assunção de que sobre eles detém um crédito, demonstrando, em conclusão, a operação contabilística, que a sociedade tem um crédito no montante de C 488.505,75 sobre terceiros não identificados. Considerando ainda que o movimento contabilístico não pode ter o enquadramento pretendido pela AT, já que o mesmo não espelha a realidade, pois na contestação/reconvenção deduzida pela impugnante no Processo contra ela movido pelo seu antigo sócio gerente, que corre termos na Vara Mista – 2ª Secção da Vara Mista e Juízos Criminais de, sob o n.º /11.ITB (conforme a alínea L) dos factos dados como provados), esta alega que foi elaborado um aditamento ao contrato promessa de compra e venda das acções da empresa, do qual consta que a impugnante sabia não existirem na Classe das Disponibilidades os valores constantes do balanço anexo ao contrato promessa, acordaram em manter nas contas da sociedade os saldos em causa, renunciando expressamente a promitente compradora a reclamar ou receber as quantias em causa dos promitentes vendedores. Parece-nos, porém, que a sentença recorrida não deve ser mantida. Com efeito, como sustenta a recorrente AT, no que concerne à questão da contabilização do montante de € 488.505,75 na conta 268, só é de aceitar fiscalmente tal contabilização se forem identificados os terceiros sobre os quais é assumido o crédito. Inexistindo documentos de suporte de tal contabilização, como resultou da acção inspectiva e da reapreciação efectuada pela inspecção tributária, não é possível concluir que a mesma tem um crédito sobre terceiro. Um crédito de tão avultado montante sobre alguém não identificado e sem qualquer documento de suporte, não pode ser fiscalmente relevado como tal, mas antes e como uma despesa não documentada, face ao disposto no art. 81.º do CIRC (actual art. 88.º). Por outro lado também não se pode aceitar que a convicção do tribunal recorrido se tenha estribado na certidão extraída da acção cível que corre termos na Vara Mista e Juízos Criminais de sob o n.º /11.1TB referida na alínea L) da matéria de facto dada como provada, que conduziu à conclusão de que o montante de € 488.505,75, consiste num custo em que é identificado o respectivo beneficiário. Ora, os elementos constantes dessa certidão não deviam ter sido considerados provados, por constarem de uma peça processual apresentada por uma das partes (contestação/reconvenção da impugnante), sem que exista trânsito em julgado da referida acção. Se a dita a acção cível em causa constituía causa prejudicial para a decisão dos presentes autos, poderia ter sido ordenada pelo tribunal a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do referido processo cível, nos termos do disposto no art. 276.º, n.º 1 al. c) e 279.º 1 e 2 do CPC. Para além disso, da certidão junta aos autos, a fls. 277 a 368, extraída da referida acção cível não constam os documentos anexos, nomeadamente o invocado aditamento ao contrato promessa de compra e venda das acções, que a contabilização efectuada não assenta nesse aditamento. Acresce que o mesmo nunca foi apresentado, nem invocado em sede da acção inspectiva, do respectivo direito de audição, da reclamação graciosa deduzida pela impugnante, da p.i dos presentes autos, bem como das alegações apresentada pela impugnante. Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso. As partes foram ouvidas sobre eventual aplicação do disposto no artigo 665.º do CPC, na medida em que a Sentença, ao abrigo do n.º 2 do então artigo 660.º do CPC, deixou por apreciar o conhecimento das questões atinentes à violação da proibição da analogia, do princípio do ónus da prova e de especialização dos exercícios, por as considerar prejudicadas, em função da solução dada ao litígio. A Fazenda Pública pronuncia-se no sentido de que procedendo o seu recurso, haverá que conhecer os demais fundamentos invocados pela Impugnante, sobre os quais já teve oportunidade de se pronunciar na contestação, considera legal o ato impugnado, devendo a impugnação ser julgada improcedente. A Impugnante entende que os demais vícios alegados se verificam, o que também deverá conduzir à anulação da liquidação de IRC e juros compensatórios, tendo concluído da seguinte forma: 1. As correções na base da liquidação impugnada são inconstitucionais por aplicação analógica da tributação autónoma das despesas não documentadas ao registo contabilístico efectuado, em violação do disposto no n.º 4 do art. 11.º da LGT, na sequência do comando constitucional prescrito pela al. i) do n.º 1 e o n.º 2 ambos do art. 165.º da CRP. 2. A AT sabe que a Recorrida não incorreu em 2007 em quaisquer despesas, muito menos não documentadas, mas presume-as e analogicamente considera-as sujeitas a tributação autónoma, por as presumir não documentadas. 3. A AT parte de uma transferência contabilística de saldos de contas do activo presumindo que tal transferência é “equiparada” a uma despesa não documentada. 4. Ao fazer tal equiparação a despesas não documentadas a AT encontra-se a aplicar analogicamente o regime das despesas não documentadas à transferência de saldos supra referida, em violação das antes mencionadas disposições legais e constitucionais, o que deverá conduzir à anulação da tributação autónoma determina no exercício de 2007. 5. O movimento de saldos registado em 2007 não se reporta a qualquer realidade ocorrida nesse exercício. Trata-se de uma correcção realizada em 2007, devido a movimentos ocorridos em exercícios anteriores, não reconhecidos no momento devido na contabilidade. 6. O acerto dos saldos de disponibilidades das contas bancárias, como no caso da conta bancária no Banco e noB II, fica a dever-se ao facto de já em 2005 os valores constantes da contabilidade não corresponderem à realidade. 7. O acerto de saldos foi realizado em 2007, pois foi nesse momento detectada a discrepância entre os valores da contabilidade e os valores reais. 8. A AT indica que em 2007, a Recorrida incorreu em despesas, mas não o prova, em violação do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT. 9. Ainda que a transferência de saldos se tratasse de despesas, que conforme se demonstrou não acontece, ainda assim, as mesmas não poderiam nunca originar qualquer correcção em 2007, pelo facto de não se reportarem a factos ocorridos nesse exercício. 10. Nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art. 18.º do CIRC os proveitos e custos são tributados e consideram-se realizados quando ocorrerem e nunca quando forem contabilizados. 11. Caso o CIRC se baseasse no registo contabilístico e não nos factos, bastaria ao contribuinte omitir o seu registo para que os mesmos nunca tivessem qualquer impacto tributário 12. Assim, a fundamentação das presentes correcções encontra-se inquinada por total desconsideração dos factos tributários e do momento da sua verificação. 13. Não se reportando qualquer valor dos saldos transferidos para a conta 2681 a factos ocorridos em 2007, os mesmos não poderiam de forma alguma ser alvo de correcção naquele exercício. 14. O único motivo para o Fisco corrigir a Recorrida no exercício de 2007 é o facto de ter aberta uma ordem de inspecção para esse exercício. 15. A AT invoca que o registo contabilístico do crédito na conta 268 é uma despesa não documentada mas não indica no Relatório de Inspecção os momentos em que ocorreram saídas de dinheiro das contas bancárias da sociedade. 16. Donde é manifesto que a liquidação de IRC e juros compensatórios contestada é totalmente ilegal no tocante à tributação autónoma o que também deverá conduzir à sua anulação. Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se o movimento refletido na contabilidade pode ser equiparado a despesas não documentadas e, nessa sequência, ser alvo de tributação autónoma. Caso se entenda ser possível aplicar o regime da tributação autónoma, cumpre conhecer os vícios alegados e julgados improcedentes na sentença, pois muito embora a Recorrida não tenha expressamente ampliado o recurso, assim se deve entender, em função das contra-alegações – n.º 1 do artigo 636.º do CPC. Para a eventualidade de improcederem esses vícios, compete apreciar a matéria que ficou prejudicada, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, como seja a violação da proibição da analogia, do princípio do ónus da prova e o da especialização dos exercícios. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: III. Fundamentação i) De Facto Atenta a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão: A) A impugnante foi alvo de um procedimento de inspeção interno, que incidiu sobre IRC dos anos de 2006 e 2007, no âmbito do qual foi elaborado o projeto de relatório, parcialmente junto aos autos, de fls. 152 a 158, que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte: «(...) I.3 DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO Da acção de inspecção levada a efeito ao sujeito passivo aos anos de 2006 e 2007, em sede de IRC, foi corrigida a matéria tributável para os seguintes valores:
II OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO II.1 Credencial e período em que decorreu a acção Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200900886 para os anos de 2006 e 2007, iniciada em 2009.07.09, procedeu-se à elaboração do presente relatório. II.2 Motivo, âmbito e incidência temporal Teve origem a presente acção, na sequência da alteração da empresa de sociedade por quotas para sociedade anónima, e em simultâneo, a sua venda. Foi a acção de âmbito parcial, circunscrevendo-se ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas dos anos de 2006 e 2007. (...) Analisados os Balancetes de Apuramento dos anos de 2006 e 2007 (Anexo 2), nomeadamente as contas de Depósitos à Ordem, verificamos que possuíam os seguintes saldos: (...) Confrontado o Técnico Oficial de Contas, sobre a variação dos valores de 2006 para 2007, foram solicitados os mapas de reconciliação bancária bem como os respectivos extractos, informando o mesmo que não possuía os mapas bem como a maioria dos extractos bancários. Pelo Balancete de 2007, concluímos que a regularização de saldos das contas do mapa acima, foram feitas através da conta 2681 – Outros Devedores e Credores Diversos – Contas Correcção, com os seguintes valores em saldo: (...) Também pelo referido Balancete, se verificou que as contas de Clientes 211016 – SS (...) e 211017 – AS (...) que no ano de 2006 tinham os saldos credores de € 1 646,57 e 20 241,15, respectivamente, totalizando € 21 891,72, foram saldadas no ano de 2007 sem relevância material na contabilidade. Sendo a correcção efectuada aceite pelas normas contabilísticas em vigor, já para efeitos fiscais deve a mesma estar sujeita às regras de tributação. Assim, é a regularização efectuada no valor de € 693 904,48 (€ 672 012,76 + € 21 891,72) equiparada a distribuição de lucros, logo sujeita a tributação nos termos da al. h) do nº 2 do artº 5º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), estando sujeita a retenção na fonte à taxa de 20%, conforme al. c) do nº 3 do artº 71º do CIRS. Pelo descrito, deveria o SP após o encerramento das contas do ano de 2007 e depois de elaborada a respectiva acta, efectuar a retenção na fonte no valor de € 138 780,90 (€ 693 904,48 x 20%) e fazer em devido tempo o pagamento.» B) Em 06/10/2009, foi elaborado o projeto de relatório de fls. 5 a 12 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido e do qual se destaca o seguinte: «(...) II OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO II.1 Credencial e período em que decorreu a acção Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200900 para os anos de 2006 e 2007, iniciada em 2009.05.18, procedeu-se à elaboração do presente relatório. II.2 Motivo, âmbito e incidência temporal Teve origem a presente acção, na sequência da alteração da empresa de sociedade por quotas para sociedade anónima, e em simultâneo, a sua venda. Foi a acção de âmbito parcial, circunscrevendo-se ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas dos anos de 2006 e 2007. (...) III. 2 – Outras Correcções Analisados os Balancetes de Apuramento dos anos de 2006 e 2007 (Anexo 2), nomeadamente as contas de Depósitos à Ordem, verificamos que possuíam os seguintes saldos:
Pelo Balancete do ano de 2007, concluímos que a regularização dos saldos das contas do mapa acima, foram feitas através de contas de terceiros, 2681 – Outros Devedores e Credores Diversos – Contas Correcções, criadas expressamente para este efeito, conforme relação que segue e com diversas derivações, suportadas em documentos internos, sem qualquer apelo a prova documental externo/bancário e por conseguinte sem aderência à realidade, com os seguintes valores em saldo: (...) Também pelo referido Balancete, se verificou que as contas de Clientes 211016 – SS (...) e 211017 – AS (...), tinham no ano de 2006 saldos credores de € 1 646,57 e € 20 241,15, respectivamente, totalizando € 21 891,72, tendo sido saldadas no ano de 2007 sem relevância material na contabilidade. Ora, estas operações contabilísticas de carácter interno e sem suporte documental legal, sendo aceitáveis no plano contabilístico no sentido de pretender ajustar as Demonstrações Financeiras à realidade, não poderão deixar de ter o subsequente tratamento no âmbito fiscal. Nestes termos, afigura-se-nos adequado no plano fiscal que a situação exposta, face à falta de documentação legal e fundamentada, seja equiparada a despesas não documentadas, tendo enquadramento no artº 81º do CIRC – Tributação Autónoma. Sendo o objectivo do referido artigo, evitar o desvio de verbas para fins não empresariais, uma vez que tem subjacente toda uma estrutura que gerou custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, deve o valor não documentado de € 693 904,48 (€ 672 012,76 + € 21 891,72), ser tributado autonomamente no montante de € 346 952,24 (€ 693 904,48 x 50%), o qual deve ser incluído no Cálculo de Imposto do Q. 10 da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC do ano de 2007, como a seguir se demonstra: (...).» C) Em 30 de Outubro de 2009, foi elaborado outro projeto de relatório, de fls. 20 a 26 do p.a., que também se dá aqui por reproduzido e do qual se destaca o seguinte: «(...) I.3 DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO I. 3.1 - Da acção de inspecção levada a efeito ao sujeito passivo aos anos de 2006 e 2007, em sede de IRC, foi corrigida a matéria tributável para os seguintes valores:
I. 3.2 – Independentemente da matéria tributável ser nula, conforme descrito no ponto III.2 do presente relatório, foi apurado como tributação autónoma, nos termos do artº 81º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) o valor de € 346 952,24. Assim, deve o valor da tributação a pagar ser de € 347 408,88, apurada como a seguir se indica: sede de IRC, foi corrigida a matéria tributável para os seguintes valores:
II.1 Credencial e período em que decorreu a acção Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200900 para os anos de 2006 e 2007, iniciada em 2009.05.18, procedeu-se à elaboração do presente relatório. II.2 Motivo, âmbito e incidência temporal Teve origem a presente acção, na sequência da alteração da empresa de sociedade por quotas para sociedade anónima, e em simultâneo, a sua venda. Foi a acção de âmbito parcial, circunscrevendo-se ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas dos anos de 2006 e 2007. II. 3 Outras Situações / Enquadramento e Situação Fiscal (...) Do registo comercial respectivo, constam designadamente os seguintes dados: - Pela inscrição 1, Ap. 01/19810513 – Contrato de Sociedade e designação de membros de órgãos sociais, é registada a sociedade por quotas R . LDA, (...), com o objecto de Exploração de Centro de Hemodiálise e o capital de € 5 000,00. (...) - Conforme inscrição 3, Ap. 8/20071126, da Conservatória do Registo Comercial de, foi averbado o aumento de capital, alterações ao contrato de sociedade, transformação em sociedade anónima e designação de membros de órgãos sociais (...). Pela mesma inscrição, passou a sociedade a designar-se N. SA, (...). III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL III. 1 – Correcções Técnicas no Apuramento de Mais e Menos Valias III.1.1 – Ano de 2006 Analisados os elementos contabilísticos do ano acima referido, nomeadamente o Mapa de Reintegrações e Amortizações, verificamos que não foi acrescido no Q.7 “Apuramento do Lucro Tributável” da declaração mod. 22 de IRC, o valor de € 4 318,04, considerado como reintegrações e amortizações não aceites, tendo em conta o referido no nº 1 do artº 12º do Decreto Regulamentar 2/90 de 12 de Janeiro, calculadas como a seguir se indica: (...) III.1.2 – Ano de 2007 Analisado o mapa das Mais e Menos Valias do ano de 2007, no que respeita à venda de viaturas, verificamos que não foi tido em conta no valor de realização, o preconizado na Portaria n.º 383/2003 de 14 de Maio, dado que os valores de realização declarados foram: (...) Seguindo o referido na Portaria, foi apurado como valor de realização das viaturas, os seguintes montantes: (...) Pela venda do imobilizado, foi originada a mais valia contabilística acima descrita (€ 21 659,49), pelo que deverá a conta 79 – Proveitos e Ganhos Extraordinários ser influenciada naquele valor. Pela venda das viaturas XX-XX-XX e XX-XX-XX, declarou o SP no Balancete Analítico do ano de 2007, como custo na conta 6942 – Alienação de Imobilizado Corpóreo e Incorpóreo, o valor de € 19 045,76, proveniente das menos valias contabilísticas apuradas. Declarou ainda no mesmo Balancete, como proveito na conta 79 – proveitos e Ganhos Extraordinários, o valor de € 5 314,81, proveniente de mais valias contabilísticas, calculadas pela venda de uma garagem e das viaturas XX-XX-XX e XX-XX-XX. Considerando os valores agora apurados e descritos no anexo 1, foi calculada a mais valia contabilística de € 21 659,49, pelo que o valor a crescer no Q. 7, deve ser de € 35 390,44, apurado como a seguir se demonstra: (...) III.1.3 – Apuramento do Resultado Fiscal Como consequência, deve o Resultado Fiscal dos anos de 2006 e 2007 ser alterado, para os valores a seguir indicados: (...) III. 2 – Outras Correcções Analisados os Balancetes de Apuramento dos anos de 2006 e 2007 (Anexo 2), nomeadamente as contas de Depósitos à Ordem, verificamos que possuíam os seguintes saldos:
Pelo Balancete do ano de 2007, concluímos que a regularização dos saldos das contas do mapa acima, foram feitas através de contas de terceiros, 2681 – Outros Devedores e Credores Diversos – Contas Correcções, criadas expressamente para este efeito, conforme relação que segue e com diversas derivações, suportadas em documentos internos, sem qualquer apelo a prova documental externo/bancário e por conseguinte sem aderência à realidade, com os seguintes valores em saldo: (...) Também pelo referido Balancete, se verificou que as contas de Clientes 211016 – SS (...) e 211017 – AS (...), tinham no ano de 2006 saldos credores de € 1 646,57 e € 20 241,15, respectivamente, totalizando € 21 891,72, tendo sido saldadas no ano de 2007 sem relevância material na contabilidade. Ora, estas operações contabilísticas de carácter interno e sem suporte documental legal, sendo aceitáveis no plano contabilístico no sentido de pretender ajustar as Demonstrações Financeiras à realidade, não poderão deixar de ter o subsequente tratamento no âmbito fiscal. Nestes termos, afigura-se-nos adequado no plano fiscal que a situação exposta, face à falta de documentação legal e fundamentada, seja equiparada a despesas não documentadas, tendo enquadramento no artº 81º do CIRC – Tributação Autónoma. Sendo o objectivo do referido artigo, evitar o desvio de verbas para fins não empresariais, uma vez que tem subjacente toda uma estrutura que gerou custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, deve o valor não documentado de € 693 904,48 (€ 672 012,76 + € 21 891,72), ser tributado autonomamente no montante de € 346 952,24 (€ 693 904,48 x 50%), o qual deve ser incluído no Cálculo de Imposto do Q. 10 da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC do ano de 2007, como a seguir se demonstra: (...).» D) Consequentemente, foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRC n.º 20098310018865, respeitante ao ano de 2007, de fls. 85 do p.a., que também se dá por reproduzida. E) A impugnante foi notificada da Demonstração da liquidação e da Demonstração do Acerto de Contas, de fls. 26 e 28, que se dão por integralmente reproduzidas. F) Contra a liquidação supra referida, a impugnante foi deduziu reclamação graciosa, conforme requerimento de fls. 54 a 61 do p.a., em que, além do mais, pediu a determinação do montante da garantia a prestar para efeito de suspensão da execução fiscal. G) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa foi emitida a Informação de fls. 173 a 178 do p.a., de que se destaca o seguinte: «(...) 4. Da análise dos factos Analisada a substância formal e material dos elementos e fundamentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de reclamação graciosa cumpre-nos referir o seguinte: Item 1: Conforme se pode constar através dos extractos e registos contabilísticos relevados no Anexo I à presente Informação o saldo a débito no montante de 488.505,75 €, relevado na conta 2681012 - Conta Correcção Depósitos à Ordem, resulta da transferência dos saldos existentes em duas contas de depósitos à ordem (conta 121 - B1com um saldo devedor de 105.641,85 € e conta 128 - B com um saldo devedor de 382.864,40 €). Através da regularização supra referida o sujeito passivo reclamante assume, no exercício fiscal de 2007, a inexistência de um saldo bancário no montante global de 488.505,75 €, circunstância que se traduz na ocorrência de um dispêndio e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou despendido. Pelo que, face ao exposto, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81 ° do CIRC. A assunção desse dispêndio e diminuição de disponibilidades é assumida pelo sujeito passivo no decurso do exercício fiscal de 2007, pelo que, sendo certo que o processo de reconciliação de saldos constitui um procedimento contabilístico que desse ocorrer em todos os exercícios fiscais, a eventual ocultação invocada pelo reclamante, ao longo de diversos exercícios fiscais, do verdadeiro saldo das disponibilidades, não poderá resultar em benefício do próprio, na medida em que, só com a realização do acto da regularização do saldo bancário em discussão (488.505,75 €), o mesmo assume formalmente, que o valor das respectivas disponibilidades não se encontra em seu poder ou domínio, desconhecendo-se para todos os efeitos o respectivo beneficiário do mesmo. O sujeito passivo invoca que a regularização contabilística foi efectuada exclusivamente entre contas do activo, pelo que, não havendo qualquer reflexo em contas do passivo, não existe qualquer dispêndio. Todavia, essa conclusão é precipitada, por força do procedimento contabilístico supra referido revelar-se incompleto face à realidade dos factos assumidos pelo próprio sujeito passivo reclamante. Senão vejamos, o sujeito passivo ao creditar as contas de disponibilidades (121 e 128) pela circunstância do seu saldo a débito não ser real, tendo por contrapartida o débito de uma conta de terceiros (2681012), sem mais nada fazer, tem como consequência a manutenção de uma imagem inexacta e inadequada da sua posição financeira, dado que o saldo a débito relevado na conta 2681012 apesar de se encontrar a valorizar positivamente o activo da empresa, para todos os efeitos não existe, logo, e sem prejuízo da respectiva tributação autónoma em sede de IRC, o seu valor deverá ser objecto de regularização por contrapartida da diminuição de uma conta de capital próprio. Donde, constitui uma falácia concluir-se que a inexistência de um saldo de disponibilidades no montante de 488.505,75€, facto assumido pelo sujeito passivo reclamante, corresponde a uma mera transferência de saldos entre contas da activo uma vez que, como se encontra demonstrado no parágrafo anterior, a mesma tem implicações negativas na situação líquida da empresa, tendo, em última análise, representado uma saída de fundos que beneficiou um ou mais agentes não identificados. Relativamente à problemática de violação do princípio da especialização dos exercícios, a mesma não merece no caso em discussão acolhimento válido. Conforme se pode constatar pela análise do extracto contabilístico da conta 128 relevado nas folhas 1 e 2 do Anexo II à presente Informação, o saldo da conta foi no decurso do exercício fiscal de 2007 objecto de incremento, pelo que, o exercício fiscal em causa também contribuiu para a sua ocorrência. No que reporta aos extractos bancários apresentados pelo sujeito passivo reclamante (a este respeito vide, a título exemplificativo, fotocópias dos mesmos relevados nas folhas 3 a 6 do Anexo II à presente Informação), constata-se que a conta bancária identificada pelo nº 5907, se encontra em nome do Dr. M., logo, extrínseca à esfera jurídica e fiscal do sujeito passivo reclamante. De acordo com o preceituado no artigo 63°-C da Lei Geral Tributária, os sujeitos passivos de IRC estão obrigados a possuir contas bancárias exclusivamente destinadas a movimentos financeiros (pagamentos e recebimentos) respeitantes à actividade empresarial desenvolvida, obrigação que não é cumprida no domínio da conta particular identificada com o nº 5907. Conforme se pode comprovar através da análise efectuada aos extractos bancários apresentados (vide a título exemplificativo folha 4 do Anexo II à presente Informação), à referida conta encontram-se afectas determinadas aplicações financeiras cuja titularidade e natureza em nada têm haver com a realidade financeira da reclamante, a saber: Poupança Habitação e Plano Poupança Reforma. Do exposto, conclui-se que, o montante de 488.505,75 €, resultante de movimentos lançados a débito na conta de bancos, ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num dispêndio, e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou despendido. Tendo em consideração essa circunstância, e concretamente no que reporta ao valor de 488.505,75 €, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 2: Relativamente ao saldo a débito relevado na conta 2681121 -Conta Regularização Bancos, no valor de 2.000,86 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo III à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. O montante de 2.000,86 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num dispêndio, e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou despendido. Pelo que, face ao exposto, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do n01 do artigo 81° do CIRC. Item 3: Em relação ao saldo a débito relevado na conta 2681 -Conta Correcções Clientes, no valor de 122.260,37 €, o mesmo foi originado em anos anteriores ao exercício fiscal de 2007 (vide Anexo IV à presente Informação), pelo que, relevando-se o seu saldo inexistente e sem qualquer substância formal ou material, e não se tratando de uma conta de disponibilidades, logo, não adstrita a qualquer dispêndio, deverá manifestar-se contabilisticamente como uma variação patrimonial susceptível de influenciar negativamente uma conta de capital próprio, não se encontrando, portanto, reunidas, as condições para que o valor a débito em discussão seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81 ° do CIRC. Item 4: No que reporta ao saldo a crédito relevado na conta 268122 -Conta Regularizações Pessoal, no valor de 20.024,85 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo V à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. Todavia, o montante de 20.024,85 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num aumento dos recursos da empresa, e não num dispêndio, correspondendo a uma variação patrimonial susceptível de influenciar positivamente uma conta de capital próprio, logo, não se encontram reunidas as condições para que o valor de 20.024,85 € espelhado a crédito na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 5: No que reporta ao saldo a débito relevado na conta 2681221 - Conta Correcções Fornecedores, no valor de 15.537,97 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo VI à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. O montante de 15.537,97 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num dispêndio, e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou despendido. Pelo que, face ao exposto, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81 ° do CIRC. Item 6: No que reporta ao saldo a crédito relevado na conta 2681240 - Correcções - Contas 2421 e 2422, no valor de 1.491,59 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo VII à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. Todavia, o montante de 1.491,59 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num aumento dos recursos da empresa, e não num dispêndio, correspondendo a uma variação patrimonial susceptível de influenciar positivamente uma conta de capital próprio, logo, não se encontram reunidas as condições para que o valor de 1.491,59 € espelhado a crédito na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 7: No que reporta ao saldo a crédito relevado na conta 2681242 - Conta Regularizações, no valor de 44,89 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo VIII à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. Todavia, o montante de 44,89 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num aumento dos recursos da empresa, e não num dispêndio, correspondendo a uma variação patrimonial susceptível de influenciar positivamente uma conta de capital próprio, logo, não se encontram reunidas as condições para que o valor de 44,89 € espelhado a crédito na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 8: No que reporta ao saldo a crédito relevado na conta 2681245 - Conta Regularizações Seg Social, no valor de 305,43 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo IX à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. Todavia, o montante de 305,43 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num aumento dos recursos da empresa, e não num dispêndio, correspondendo a uma variação patrimonial susceptível de influenciar positivamente uma conta de capital próprio, logo, não se encontram reunidas as condições para que o valor de 305,43 € espelhado a crédito na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 9: No que reporta ao saldo a débito relevado na conta 2681261 - Conta Correcções Fornecedores de Imobilizado, no valor de 2.367,57 €, o mesmo foi originado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo X à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. O montante de 2.367,57 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num dispêndio, e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou dispendido. Pelo que, face ao exposto, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 10: No que reporta ao saldo a débito relevado na conta 2681262 - Conta Regularizações Fornecedores Servo Diversos, no valor de 2.427,06 €, o mesmo foi gerado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo XI à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. O montante de 2.427,06 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num dispêndio, e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou despendido. Pelo que, face ao exposto, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de. tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81° do CIRC. Item 11: No que reporta ao saldo a débito relevado na conta 2681270 - Conta Regularizações Outro Pessoal, no valor de 17.046,42 €, o mesmo foi gerado no decurso do exercício fiscal de 2007 (vide Anexo XII à presente Informação), não tendo o sujeito passivo apresentado no âmbito do processo de reclamação qualquer argumento em relação a esta conta. O montante de 17.046,42 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num dispêndio, e diminuição dos recursos da empresa sem que tal facto tenha resultado na identificação do beneficiário do valor pago ou despendido. Pelo que, face ao exposto, encontram-se reunidas as condições para que o dispêndio espelhado na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº 1 do artigo 81º do CIRC. Item 12: No que reporta ao saldo a crédito relevado na conta 211016 - Conta Cliente SS (...), no valor de 1.646,57 €, o mesmo foi gerado em períodos anteriores ao exercício fiscal de 2007 (vide Anexo XIII à presente Informação). Para além desse facto constata-se que, o montante de 1.646,57 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num aumento dos recursos da empresa, e não num dispêndio correspondendo a uma variação patrimonial susceptível de influenciar positivamente uma conta de capital próprio, pelo que, não se encontram reunidas as condições para que o valor de 1.646,57 € espelhado a crédito na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81º do CIRC. Item 13: No que reporta ao saldo a crédito relevado na conta 211017 - Conta Cliente AS (...), no valor de 20.241,15 €, o mesmo foi originado em períodos anteriores ao exercício fiscal de 2007 (vide Anexo XIV á presente Informação). Para além desse facto constata-se que, o montante de 20.241,15 € ao revelar-se inexistente e sem qualquer substância formal ou material, traduz-se num aumento dos recursos da empresa, e não num dispêndio, correspondendo a uma variação patrimonial susceptível de influenciar positivamente uma conta de capital próprio, pelo que, não se encontram reunidas as condições para que o valor de 20.241,15 € espelhado a crédito na contabilidade seja objecto de tributação autónoma nos termos do nº1 do artigo 81º do CIRC. 5. Da conclusão Atendendo ao exposto nos subpontos anteriores, e uma vez que, existem determinadas evidências documentais que demonstram parte do invocado pelo sujeito passivo reclamante, somos de parecer de que os fundamentos que substanciam a reclamação ora descrita são parcialmente atendíveis, pelo que se apresenta a seguinte proposta de correcção em sede do cálculo de tributações autónomas adstritas ao exercício fiscal de 2007: (...) No que reporta às correcções ocorridas em sede de matéria tributável no montante de 26.669,40 €, subjacentes ao recalculo de Mais e Menos Valias Fiscais declaradas pelo sujeito passivo, não se vislumbra, pela análise das páginas 4 a 8 do Relatório de Inspecção lavrado no âmbito da 01200900886, qualquer ininteligibilidade que possa por em causa a compreensão dos cálculos apresentados. Aliás, o fundamento de ininteligibilidade abundantemente invocado pelo sujeito passivo reclamante não tem razão de ser, na medida em que, as liquidações que foram processadas tiveram por base os fundamentos legais e materiais adstritos às correcções efectuadas e descritas no âmbito do Projecto de Relatório de Inspecção e do Relatório de Inspecção Definitivo, as quais foram devidamente notificadas ao sujeito passivo. Sendo certo que, o contribuinte possui um Técnico Oficial de Contas responsável pela sua contabilidade habilitado para efectuar o cálculo do imposto a pagar em sede dos vários tributos aos quais a empresa se encontra sujeita. (...).» H) Por despacho de fls. 240, que se baseou na Informação de fls. 217 a 228 do p.a., dando-se ambos por integralmente reproduzidos, a reclamação graciosa foi parcialmente deferida, sendo que o valor sujeito a imposto foi reduzido para 527.885,63€ e a tributação autónoma para 263.942,82€. I) Por contrato de 14/04/2010, a impugnante constitui penhor sobre o direito de crédito emergente do Depósito a Prazo n.º 247591, no valor de 484.445,64€, para garantia de pagamento das responsabilidades até ao montante de 481.445,64€, sob a forma de Garantia Bancária – fls. 208. J) Por força da redução do valor da liquidação objeto destes autos, através do aditamento ao contrato referido na alínea antecedente, datado de 5 de Maio de 2011, o penhor passou a garantir o pagamento das responsabilidades emergentes da mesma operação de crédito até ao limite de 383.070,68€ - fls. 208. K) A conta n.º (…), doBanco …, apresentava os seguintes saldos: a) em 31/01/2005, 38.649,77€ - fls. 91 do p.a.; b) em 28/12/2005, 35.702,95€ - fls. 93 do p.a.; c) em 31/01/2006, 6.393,53€ - fls. 115 do p.a.; d) em 29/12/2006, 3.436,07€ – fls. 134 do p.a.; e) em 31/01/2007, 7.433,88€ - fls. 135 do p.a.; e f) em 31/12/2007, 38.185,93€ - fls. 155 do p.a. L) O anterior sócio gerente da impugnante intentou contra esta a ação de processo ordinário que corre termos na Vara Mista e Juízos Criminais de sob o n.º/11.1BE – fls. 278 a 307. M) A impugnante contestou a ação referida na alínea antecedente, conforme requerimento de fls. 308 a 368 que se dá por integralmente reproduzido, deduzindo pedido reconvencional contra o seu anterior sócio gerente pedindo a sua condenação no pagamento de 383.070,00€, quantia equivalente à reclamada pela Fazenda Nacional e que se encontra em execução. Com interesse para a decisão não se provaram outros factos. * A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes.** Apreciação jurídica do recurso.Alega a Fazenda Pública que se deve manter a tributação autónoma, na medida em que as despesas não estão documentadas e os documentos da ação cível, nomeadamente o aditamento ao contrato promessa, não constam de certidão, nunca foram referidos na ação inspetiva, nem na reclamação graciosa, nem nestes autos. Por sua vez, a Impugnante diz que os registos contabilísticos não são factos tributários e o que sucedeu é que a empresa acertou vários saldos bancários, referentes a exercícios anteriores, que há vários anos se encontravam com valores errados, não tendo ocorrido em 2007 quaisquer despesas, muito menos despesas não documentadas e que o Fisco pretende transformar, por analogia, um crédito (pois que a conta 268 – outros devedores e credores – é uma conta do ativo), em despesa não documentada e que tal movimento contabilístico não significa a existência de uma despesa pela sua realização, não havendo saída de verbas, tratando-se antes de uma mera transferência contabilística de valores. Refere, igualmente, que o argumento de que se tratam de despesas por o devedor não ser identificado, é apenas apresentado em sede de alegações de recurso, não estando invocado no Relatório de Inspeção. Mais alega que, pelo facto de não se conhecer o devedor, a cobrabilidade do crédito não fosse segura, nem por isso o registo de um crédito pode ser entendido como uma despesa. A sentença decidiu esta questão, com base no seguinte discurso argumentativo: (págs. 20 a 22 da sentença) «c) A impugnante discorre sobre a exclusão do recurso à aplicação analógica em direito fiscal, entende que a tributação autónoma aparece arrimada numa pretensa aplicação analógica da lei, pois que a AT sabe não ter ela incorrido, no ano de 2007, em quaisquer despesas, muito menos não documentadas, já que não registou no referido exercício quaisquer despesas não suportadas documentalmente, nem a AT o invoca e, de resto, apenas apurou uma mera transferência de saldos entre contas do ativo contabilístico da empresa, sendo que o facto de tal transferência não ter qualquer documento de suporte externo não implica que se trate de uma despesa, nem a AT prova que assim seja. Conclui que, ao equiparar aqueles movimentos contabilísticos a despesas não documentadas, a AT encontra-se a aplicar analogicamente o regime das despesas não documentadas à transferência de saldos em causa. Resulta do relatório inspetivo que: «Pelo Balancete do ano de 2007, concluímos que a regularização dos saldos das contas do mapa acima, foram feitas através de contas de terceiros, 2681 – Outros Devedores e Credores Diversos – Contas Correcções, criadas expressamente para este efeito, conforme relação que segue e com diversas derivações, suportadas em documentos internos, sem qualquer apelo a prova documental externo/bancário e por conseguinte sem aderência à realidade, com os seguintes valores em saldo: (…) Também pelo referido Balancete, se verificou que as contas de Clientes 211016 – SS (...) e 211017 – AS (...), tinham no ano de 2006 saldos credores de € 1 646,57 e € 20 241,15, respectivamente, totalizando € 21 891,72, tendo sido saldadas no ano de 2007 sem relevância material na contabilidade. Ora, estas operações contabilísticas de carácter interno e sem suporte documental legal, sendo aceitáveis no plano contabilístico no sentido de pretender ajustar as Demonstrações Financeiras à realidade, não poderão deixar de ter o subsequente tratamento no âmbito fiscal. Nestes termos, afigura-se-nos adequado no plano fiscal que a situação exposta, face à falta de documentação legal e fundamentada, seja equiparada a despesas não documentadas, tendo enquadramento no artº 81º do CIRC – Tributação Autónoma. Sendo o objectivo do referido artigo, evitar o desvio de verbas para fins não empresariais, uma vez que tem subjacente toda uma estrutura que gerou custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros (…)». Ademais, em sede de reclamação graciosa, a AT aceitou que, relativamente aos valores de € 122.260,37, € 20.024,85, € 1.491,59, € 44,89, € 305,43, € 1.646,57 e € 20.241,15, não se encontram reunidas as condições para que sejam objeto de tributação autónoma. Diferentemente, quanto ao valor de 488.505,75€ (respeitante ao saldo a débito na conta 2681012 – Conta Correção Depósitos à Ordem), entende dever ocorrer tributação autónoma na medida em que, através da regularização, a impugnante assume, no exercício de 2007, a inexistência de saldo bancário naquele montante, o que se traduz na ocorrência de um dispêndio e diminuição dos recursos da empresa, sem identificação do respetivo beneficiário. Mais sustenta que a eventual ocultação, ao longo dos diversos exercícios, do verdadeiro saldo das disponibilidades, não poderá resultar em benefício da impugnante. De facto, a conta 268 (outros devedores e credores) é uma conta do ativo, que não reflete qualquer custo suportado pela empresa, mas apenas o débito, a entidade(s) não identificada(s), dos montantes nela inscritos. Por outro lado, o movimento contabilístico em causa também não permite, por si só, a conclusão de que houve desvio de verbas para fins não empresariais ou que a impugnante assume um dispêndio dos recursos da empresa. O que ela assume é, tão somente, que as contas bancárias não apresentavam o saldo que a contabilidade evidenciava e o facto de debitar essas quantias a outros devedores ou credores, redunda na assunção de que sobre eles detém um crédito. Portanto, a operação contabilística em causa não demonstra qualquer dispêndio de recursos da empresa mas, antes, que a empresa tem um crédito, no montante referido, sobre terceiros que não identificados. Acontece que o referido movimento contabilístico não espelha a realidade. Com efeito, na contestação/reconvenção deduzida pela impugnante na ação contra ela movida pelo seu anterior sócio gerente, aquela alega que foi elaborado um aditamento ao contrato promessa de compra e venda das ações da empresa do qual consta que a impugnante sabia não existirem na Classe de Disponibilidades os valores constantes do balanço anexo ao contrato promessa, mas acordaram em manter nas contas da sociedade tais saldos, renunciando expressamente a promitente compradora a reclamar ou receber dos promitentes vendedores tais quantias. Significa isto que, na realidade, a impugnante assumiu um custo, de valor correspondente ao dos saldos das contas bancárias relevados na contabilidade, e renunciou ao recebimento dessa quantia. Mais resulta da contestação/reconvenção da impugnante que esta imputou o recebimento dos valores (que, afinal, não existiam nas contas bancárias) ao seu anterior sócio gerente. É certo que, entretanto, veio exigir daquele sócio gerente o montante do imposto e acréscimos que contava virem-lhe a ser tributados na sequência da ação inspetiva que originou a presente liquidação, mas este valor não coincide com o dos saldos bancários inexistentes, nem são estes que ela reclama. Portanto, definitiva e efetivamente, a impugnante assumiu o dito custo ou despesa, mas, ainda assim, não pode aceitar-se que aquela seja confidencial porquanto é possível identificar o respetivo beneficiário. Como se refere no sumário do Acórdão do STA de 12/04/2012, proferido no recurso n.º 077/12, «O legislador criou as taxas de tributação autónoma com vista a penalizar a realização de determinadas despesas uma vez que devem ser tributadas na pessoa/empresa que suporta o respectivo custo, dada a impossibilidades de o serem na pessoa que recebe as importâncias, pois se assim não fosse estaríamos a aceitar que fosse recebido rendimento que não pode ser tributado quer em sede de IRC quer em sede de IRC, por se desconhecer o destinatário.». Nesta medida, perante a possibilidade de identificação do destinatário da despesa ou custo assumido pela impugnante, não estamos face a despesas confidenciais. Em suma, a impugnante não assumiu despesa suscetível de ter o tratamento previsto no Art. 81.º (atual Art. 88.º) do CIRC e, assim, de tributação autónoma nos termos deste normativo. Nesta conformidade, a liquidação em causa enferma de erro nos seus pressupostos de facto, conforme decorre do alegado pela impugnante, e de direito, devendo a correção em análise ser anulada, bem como a consequente tributação autónoma, restando prejudicado o conhecimento das questões atinentes à violação da proibição da analogia e do princípio do ónus da prova e de especialização dos exercícios (Art. 660.º, n.º 2, do CPC).» Fim de citação. Ora, se bem interpretamos a situação em apreço, a quantia em causa havia sido contabilizada no POC na conta de clientes e disponibilidades (e Bancos, mas os valores não estavam lá) e foi recolocada na conta «2681 – Outros devedores e credores» (consiste numa conta do ativo da empresa, onde estão registados valores que tem direito a receber). Esta operação não implicou qualquer alteração do ativo e passivo da Impugnante, pois limitou-se a mudar o valor que estava numa conta do ativo, para outra conta do ativo, através de uma transferência de saldos entre contas da contabilidade, pois não tinha entrado o dinheiro na empresa e alguém era devedor do mesmo. Resulta da sentença recorrida, na parte em que decidiu sobre a questão da tributação autónoma, que o referido movimento contabilístico não espelha a realidade, considerando que estava identificado o destinatário da despesa ou custo assumido pela Impugnante, por isso não se estava perante despesas confidenciais. Conclui a sentença que, não sendo despesas confidenciais, não era possível ter procedido à tributação autónoma. Analisando. Em primeiro lugar, compete referir que a situação que levou o Tribunal recorrido a decidir pela impossibilidade de tributação autónoma, foi encontrada no invocado na contestação/reconvenção deduzida pela Impugnante na ação contra ela movida pelo seu anterior sócio gerente – vide alíneas L) e M) da matéria de facto. Isto, sem que tenha sido aditado à matéria de facto aquela invocação ou mencionado qualquer documento onde conste a verificação daquela conclusão. Aliás, diga-se que nem sequer se encontra junto a estes autos o referenciado aditamento ao contrato promessa de compra e venda de ações da empresa. Desta forma, não era possível que a sentença pudesse ter afirmado haver um destinatário conhecido da despesa, e, por isso, não ser admissível a tributação autónoma. Até porque, a Impugnante, nesta Impugnação, não é muito assertiva sobre quem terá sido o beneficiário da quantia em causa, conforme se pode ver pelo que refere, quer na sua Petição Inicial, quer nas contra-alegações de recurso, em que diz sempre que a quantia, possivelmente será devida pelos anteriores gerentes. Veja-se, a título de exemplo, o que diz na alínea qqq. das contra-alegações deste recurso, quando refere que à partida a quantia que está em causa, será devida pelos anteriores gerentes, referindo que tal decorrerá do depoimento da 1.ª e 2.ª testemunhas (sem indicar as passagens da gravação). Portanto, a Impugnante nunca é muito consistente nesta afirmação, para além de que faz esta sugestão de invocação apenas com base em depoimentos testemunhais, sem mencionar exatamente o que disseram em concreto nos seus depoimentos. Ora, o que o Tribunal Tributário deve ter em consideração é o que a parte alega neste processo e não em qualquer outro processo, tanto mais que se trata de uma mera alegação numa ação em que não estava em discussão a contabilidade da Impugnante e sobre a qual ainda não era conhecida sequer uma decisão judicial. Para além disso, o Tribunal Tributário deve ter em consideração o tipo de prova que deve ser realizada nas situações de tributação autónoma. Importa então decidir, em primeiro lugar, se a tributação autónoma é possível na situação em apreço; e, em segundo lugar, caso o seja, se é necessário obter uma decisão final no processo judicial que opôs a Impugnante aos anteriores gerentes. Para análise da primeira situação, compete fazer um enquadramento do regime da tributação autónoma. Para o efeito vamos aludir ao que a jurisprudência e a doutrina já disseram sobre o assunto. Cita-se o que escreve o Prof. Casalta Nabais, em Direito Fiscal, 6.ª ed. (2010, Almedina), a pág. 614: «58.1 A tributação das despesas não documentadas Originalmente com base no art. 4.º do DL n.º 192/90, de 9 de Junho e, depois da Lei n.º 30-G/2000, com base nos arts. 73.º, n.º 1, do CIRS e 88.º, n.os 1 e 2, do CIRC, as despesas não documentadas efectuadas pelos sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades empresariais e profissionais, ou por sujeitos de IRC, são objecto de tributação autónoma em IRS ou IRC, consoante os casos. Uma tributação que não obstante assentar numa taxa de 50%, não prejudica a sua sujeição a IRC, quando realizadas por empresas colectivas, ou a IRS, quando realizadas por empresas singulares, pois, nos termos dos arts. 46.º, n.º 1, al. g), e 88.º, n.º 1 do CIRC (aplicável ao IRS por força do art. 32.º do CIRS), tais despesas não são consideradas gastos, não sendo assim dedutíveis na determinação do lucro tributável do IRC. Trata-se de uma tributação (sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento) que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.». Refira-se, ainda, que o Prof. Casalta Nabais classifica a tributação autónoma também como tributação avulsa das empresas, segundo o qual: «as tributações avulsas que têm vindo a ser crescentemente criadas e que afectam as empresas, podemos referir, de um lado, as previstas nos códigos do IRC e do IRS, como são as tributações autónomas, em crescente ampliação nos últimos anos, a derrama estadual, a sobretaxa de solidariedade em IRS, aplicada de 2010 a 2014, e a taxa adicional de solidariedade em IRS, enquanto reportadas ao rendimento empresarial, e, de outro lado, as que constam de legislação avulsa, como a contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o sector energético, a taxa de segurança alimentar e a contribuição sobre a indústria farmacêutica. Assim e no concernente às tributações autónomas, designadas curiosamente pelo legislador por «taxas de tributação autónoma», que se encontram previstas no art. 88.º do Código do IRC (bem como, para as empresas singulares, no art. 73.º do Código do IRS), devemos dizer que as mesmas começaram por se reportar a situações susceptíveis de elevado risco de evasão fiscal, como as relativas à tributação das despesas confidenciais e não documentadas , configurando as normas que as previam não verdadeiras normas de tributação, mas antes normas que, directamente, tinham por função o acompanhamento, vigilância e fiscalização da actuação fiscal dos contribuintes e, por conseguinte, de luta contra o crescente fenómeno de evasão fiscal. Todavia, com o andar do tempo, a função dessas tributações autónomas, que, entretanto, se diversificaram extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se profundamente passando a ser progressivamente a de obter receitas fiscais, assumindo, assim, como efectivos impostos sobre a despesas e bem que enxertados, em termos totalmente anómalos, na tributação do rendimento.». Vide, Introdução do Direito Fiscal das Empresas, José Casalta Nabais, 3.ª edição, Almedina, 2018, págs. 180 e 181. Veja-se, igualmente, o que escreveu sobre o assunto o Prof. Saldanha Sanches, no Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed. (Coimbra Editora, 2001), a págs. 288 e 289: «X – 10. As tributações autónomas Como um caso particular da tributação de certas situações de facto com uma taxa específica, criando um novo objecto tributário a latere do lucro tributável temos as chamadas tributações autónomas que têm lugar quando certos custos das empresas são transformados, eles próprios, em factos tributários; É o que acontece como consequências das previsões contidas no art. 81.º E o primeiro desses factos tributários é constituído pelas “despesas confidenciais ou não documentadas tributadas autonomamente à taxa de 50%” não sendo também consideradas como custos do exercício. E aqui a intenção da norma é primeiro penalizar fortemente essas despesas de modo a evitar um leque de comportamentos que pode ir a da distribuição oculta de lucros até outras despesas indocumentáveis como subornos. E em segundo lugar, caso elas ainda assim tenham lugar é tributá-las com uma taxa maior que as taxas combinadas do IRC mais IRS.». Em relação à tributação autónoma, a jurisprudência já trabalhou o assunto, como se pode ver, por exemplo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27/09/2017, proferido no processo n.º 0146/16 (disponível em www.dgsi.pt), cuja parte com interesse para a nossa análise se transcreve: «Na verdade, estas surgiram (Em 1990, com o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.) como meio de sancionar as despesas não documentadas e confidenciais (Tais despesas situam-se na fronteira da ilicitude e elisão fiscais.), relativamente às quais o desconhecimento da natureza da despesa ou do beneficiário determina a impossibilidade de dedução na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC; mas, ulteriormente, e não sendo alheio ao seu propósito a obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi-se alargando a despesas susceptíveis de dedução. Visou-se, com tal alargamento, fazer face às dificuldades suscitadas pelas despesas de “linha cinzenta”, i.e., aquelas despesas realizadas pelos sujeitos passivos no âmbito das suas actividades, mas cuja justificação do ponto de vista empresarial se afigurava total ou parcialmente duvidosa e, por outro lado, eram susceptíveis de integrar atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, provocando desse modo uma erosão da base tributável (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pág. 407, realça que com as tributações autónomas «o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros». No mesmo sentido, RUI MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, 2014, pág. 172, afirma que o objectivo terá sido o de tentar evitar que, através dessas despesas, «o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis […]; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes […]. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto».). As tributações autónomas em causa nos autos inserem-se nesta última categoria, ou seja, referem-se a despesas susceptíveis de dedução. Relativamente a estas, o legislador parece ter admitido, em tese, que as despesas, pelo menos em parte, poderão ter sido incorridas em ordem à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC e, por isso, são dedutíveis. Certo que só o deveriam ser na parte em que se reportam a fins empresariais, mas, atentas as dificuldades em destrinçar, relativamente a essas despesas, a proporção entre fins empresariais e fins pessoais, o legislador optou por lhes impor uma tributação autónoma para minimizar a eventual perda de receita, que poderá ocorrer por duas vias: por a despesa não ser integralmente empresarial e por a despesa constituir uma atribuição a terceiros de rendimentos não tributados (maxime, benefício concedido a trabalhador, os denominados fringe benefits, não tributado em IRS). Seja como for, afigura-se-nos que existe uma ligação intrínseca entre as tributações autónomas e os impostos sobre o rendimento, sendo que aquelas, na modalidade considerada, visarão obviar à erosão da base tributável, à diminuição do rendimento tributável operada através da realização dessas despesas. Como salienta SALDANHA SANCHES, «Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação» (Ob. cit., pág. 407.). Esta imbricação entre o IRC e as tributações autónomas não significa, contudo, que as tributações autónomas possam considerar-se imposto sobre o rendimento, que manifestamente não são, como melhor veremos adiante. Dito isto, regressemos à questão que importa solucionar, qual seja a de saber se os encargos suportados com as tributações autónomas em causa podem, ou não, ser deduzidos para efeitos de determinação do rendimento tributável. Como sabemos, o art. 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC dispunha: «1- Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: […] f) De natureza fiscal e parafiscal; […]». É ao abrigo desta disposição legal que a Recorrente sustenta dever ser-lhe admitida a dedução dos encargos fiscais que suportou com as tributações autónomas, que são inequivocamente gastos de natureza fiscal. Mais sustenta a Recorrente que as referidas tributações autónomas não são subsumíveis à previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, que dispunha: «Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros; […]»; e, para justificar que as tributações autónomas em causa não integram esta excepção, argumenta com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, que afirmou que as mesmas incidem, não sobre lucros, mas sobre despesas. É certo que o Supremo Tribunal Administrativo (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 6 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 281/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ba7837d0a2a6ca1f802578cb0037cf09; - de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 757/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d3d7ea3cf3b5bc8680257a2b00378678.), apreciando a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, na parte em que fez retroagir a 1 de Janeiro de 2008 a alteração do art. 81.º, n.º 3, alínea a), do CIRC (que agravou a taxa de 5% para 10%), consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, por violação do princípio da retroactividade, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República, afirmou que «[a] tributação autónoma sobre encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação incide sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período respectivo». Em suma, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que enquanto no IRC o facto tributário é de formação sucessiva, só estando integralmente concretizado a 31 de Dezembro do ano em causa, na tributação autónoma cada despesa corresponde a um facto tributário autónomo e de formação instantânea. Não se trata, pois, de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas. Por isso, não podem ser invocados, na análise das questões de retroactividade no contexto da tributação autónoma de encargos, argumentos semelhantes àqueles que são aplicados relativamente aos impostos periódicos. Salientou aquela jurisprudência que, embora a tributação autónoma de encargos esteja formalmente inserida no Código do IRC e o respectivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, a tributação autónoma é uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC. O apuramento do montante tributável em sede de tributação autónoma é uma mera soma de valores correspondentes a factos tributários autónomos (cada despesa ou encargo), para efeitos da aplicação da taxa de tributação autónoma legalmente prevista. Deste modo, na tributação autónoma não existe um facto tributário de formação sucessiva – que apenas está completo no fim do período de tributação, como ocorre nos impostos periódicos –, mas sim um facto tributário de formação instantânea. Ulteriormente, o Supremo Tribunal Administrativo reafirmou essa posição (Vide os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 21 de Março de 2012, proferido no processo n.º 830/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0570c7d083a301ba802579de0031fbc9; - de 12 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 77/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3857c019a634084e802579f000352329.). Também o Tribunal Constitucional, no âmbito da mesma questão da violação do princípio da irretroactividade, após uma primeira decisão no sentido da não inconstitucionalidade (Referimo-nos ao acórdão n.º 18/2011, de 12 de Janeiro de 2011, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110018.html. ), mas em que o voto de vencido do conselheiro Vítor Gomes (Voto expressamente referido na jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acima referida, e cujo entendimento foi aí seguido. ) salientava que, no âmbito da tributação autónoma «não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta. A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período. Deste modo, o agravamento da taxa vai agravar a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa do passado (as despesas de representação foram pagas ao seu beneficiários, os encargos com viaturas ligeiras foram suportados ou contraídos, etc.). É certo que esta parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC. Porém, a determinação do valor global da matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma no fim do período tributário é o mero somatório das diversas despesas dessa natureza, a que se aplica a taxa agora agravada. Essa operação de apuramento do montante tributável a este título não espelha um facto tributário de formação sucessiva, mas a mera agregação dos valores sobre que incide a alíquota do imposto», considerou, de acordo com este, que a tributação autónoma de encargos, embora formalmente inserida no CIRC e o respectivo montante seja liquidado no âmbito daquele imposto, constitui uma imposição fiscal materialmente distinta da tributação em IRC (Referimo-nos à jurisprudência que veio a reconhecer a inconstitucionalidade, designadamente os acórdãos: - n.º 310/2012, de 20 de Junho de 2012, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120310.html, - n.º 382/2012, de 12 de Julho de 2012, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120382.html; e que culminou com a respectiva declaração de inconstitucionalidade por violação do princípio da retroactividade, operada pelo seguinte acórdão, proferido em Plenário: - n.º 617/2012, de 19 de Dezembro de 2012, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120617.html.). Também a doutrina tem vindo a afirmar que as tributações autónomas constituem tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento (Neste sentido, entre outros, os seguintes Autores: - CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 7.ª edição, 2012, pág. 543; - RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 202/203; - JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 427/428.). Não significa isto, a nosso ver, que daí possa retirar-se, sem mais, que os encargos fiscais suportados com as tributações autónomas devem ter-se por dedutíveis, para efeitos de cálculo da base de incidência do IRC, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, que previa, como gastos dedutíveis «os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: […] f) De natureza fiscal e parafiscal». Recordemos que o art. 45.º do mesmo Código, no seu n.º 1, alínea a), excluía dessa dedutibilidade os gastos incorridos com «[o] IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros». Será que basta a conclusão a que chegamos acima, de que as tributações autónomas, substancialmente, não constituem imposto sobre o rendimento, para considerarmos que a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais não pode ter-se por excepcionada, relativamente às tributações autónomas, pela alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRS? Afigura-se-nos que não. Desde logo, porque, apesar de, como deixámos dito, as tributações autónomas constituírem uma imposição tributária distinta do IRC, a verdade é que, pelo menos desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – que, nos seus próprios termos, reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando, para além do mais, o CIRC –, sempre as tributações autónomas foram incluídas neste Código. Ou seja, formalmente, sempre as tributações autónomas foram tratadas no âmbito do IRC, dentro do Código que regula este imposto, sendo liquidadas simultaneamente com este. Essa situação, por si só, poderá ter convencido o legislador da desnecessidade de consagrar expressamente na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC as tributações autónomas (A inclusão das tributações autónomas nesse conceito de IRC, aliás, nunca foi objecto de controvérsia até que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, na esteira do mencionado voto de vencido lavrado no acórdão n.º 18/2011 do Tribunal Constitucional, veio salientar a natureza distinta das tributações autónomas relativamente ao IRS.). Tanto mais que, a nosso ver, a teleologia das tributações autónomas impõe a recusa da dedutibilidade dos encargos fiscais suportados com as mesmas. Essa recusa é evidente relativamente àquelas despesas que não são, elas mesmas, dedutíveis para efeitos de determinação da matéria tributável, como é o caso das despesas não documentadas e quanto às importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal privilegiado. Mas também nos casos – como o de que ora nos ocupamos – em que as tributações incidem sobre encargos fiscalmente dedutíveis, mal se compreenderia que a intenção do legislador, que é a de atenuar ou mesmo anular o efeito financeiro decorrente da dedução, fosse depois contrariada pela dedução dos encargos com essas tributações. Se a tributação autónoma serve, nestes casos, para fazer face à dificuldade de controlo rigoroso de despesas de carácter empresarial e de carácter pessoal, desincentivando a realização das mesmas, e para compensar a perda de receita fiscal decorrente dessa realização, constituindo, ao final, uma redução do montante dos custos dedutíveis na determinação da matéria tributável, não faria sentido que, depois, fosse permitir a dedução dos encargos com a tributação autónoma. A não ser assim, estaria afinal (e ao arrepio da apontada natureza das tributações autónomas como imposição tributário sobre despesas) a permitir-se que as tributações autónomas influíssem na determinação da base tributável para efeitos de tributação em IRC. Tenha-se presente que na interpretação da lei é de considerar, para além do mais, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas [cfr. art. 9.º, n.º 3, do Código Civil (CC)]. Podemos, pois, admitir que o pensamento do legislador era o de que no conceito de IRC (se bem que exclusivamente dum ponto de vista formal) utilizado na alínea a) do n.º 1 do art. 45.º cabiam ainda as tributações autónomas, interpretação que respeitaria o mínimo de correspondência verbal, apesar de imperfeitamente expresso, exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do CC. Isto porque aquelas tributações estavam, como estão, previstas no Código do IRC. Finalmente, temos de ter em conta que o art. 23.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 2/2014, lei que, do mesmo passo, revogou o art. 45.º daquele Código, veio solucionar expressamente a questão, afirmando: «1-Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros; […]». Pese embora a sua incorrecção terminológica, na medida em que parece reconduzir a espécie tributária tributações autónomas ao IRC (persistindo no erro), é hoje seguro que os encargos suportados com as tributações autónomas não são susceptíveis de dedução.». Fim de citação. Ora, conforme ensina o Prof. Casalta Nabais, a tributação autónoma, corresponde a uma tributação sobre a despesa ou consumo e não sobre o rendimento. Por sua vez, segundo refere o Prof. Saldanha Sanches, a tributação autónoma cria um novo objeto tributário a latere do lucro tributável, que corresponde a certos custos das empresas que são transformados, eles próprios, em factos tributários, sendo objetivo da norma penalizar fortemente essas despesas. Portanto, a doutrina tem vindo a afirmar que as tributações autónomas constituem tributação sobre a despesa e não sobre o consumo ou o rendimento, tais como despesas confidenciais ou não documentadas, que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos, sendo consideradas elas próprias como factos tributários. Por seu turno, conforme referido no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo: na tributação autónoma cada despesa corresponde a um facto tributário autónomo e de formação instantânea. Não se trata, pois, de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas. Em função do que fica exposto, podemos concluir que o regime da tributação autónoma funciona no exato momento em que ocorre o facto que a lei prevê para esse tipo de situação. Se estamos diante da uma tributação de uma despesa, é no momento em que se opera (se efetua ou contabiliza) essa despesa que a tributação ocorre. Se se está diante de um crédito sobre terceiros, o facto tributário ocorre quando o crédito é lançado na contabilidade, na medida em que não existe qualquer documento comprovativo de que esse crédito remonte a qualquer outro período ou que se refira à atividade comercial da empresa. Ora, a Administração Tributária aceita que as operações em causa (transferências de saldos entre contas na contabilidade), possam ser realizadas, enquanto operações internas no plano contabilístico, mas entende que por falta de fundamentação para o efeito e de documentação, deve ser aplicada tributação autónoma. Para este efeito, no Relatório de Inspeção, refere-se, ainda, o seguinte: «Sendo o objectivo do referido artigo, evitar o desvio de verbas para fins não empresariais, uma vez que tem subjacente toda uma estrutura que gerou custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, deve o valor não documentado de € 693 904,48 (€ 672 012,76 + € 21 891,72), ser tributado autonomamente no montante de € 346 952,24 (€ 693 904,48 x 50%), o qual deve ser incluído no Cálculo de Imposto do Q. 10 da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC do ano de 2007, como a seguir se demonstra:». Na ocasião da elaboração do Relatório da Inspeção era desconhecido da Administração Tributária o beneficiário das verbas em apreço, na medida em que não existia suporte documental na contabilidade que mencionasse o que quer que fosse em relação à contabilização do valor em causa. Aliás, em sede de apreciação da Reclamação Graciosa, a Administração Tributária continua a dizer que desconhece o beneficiário do valor pago ou despendido, conforme se pode ver pela transcrição efetuada na alínea G) da matéria de facto supra, na análise ao Item 1. E o mesmo temos de concluir nesta sede judicial, uma vez que não está demonstrada a ténue intenção de alegação da Impugnante de que provavelmente os beneficiários dos valores em questão teriam sido os anteriores gerentes. Tendo em conta que o então artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRC se aplicava a despesas confidenciais ou não documentadas (o mesmo diz hoje o n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, em relação às despesas não documentadas), tem de se concluir que sobre o assunto apenas é admissível prova documental. Isto porque, o preceito é claro a referir-se a despesas não documentadas, pelo que, a contrario, apenas admite a exclusão da tributação autónoma, quando haja um documento que justifique a sua não aplicação. Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 392.º e 393.º do Código Civil, não é admissível a prova testemunhal, quando a lei determina a que algum facto apenas possa ser provado por documento. Rezam assim estes artigos: ARTIGO 392.º (Admissibilidade) A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada. ARTIGO 393.º (Inadmissibilidade da prova testemunhal) 1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal. 2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. 3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento. Em anotação ao artigo 393.º, Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, vol. I, 4.º ed., Coimbra Editora, pág. 342), referem: «Se a lei exige apenas que a declaração se prove por documento, está expressamente afastada a prova testemunhal.». No sentido de que a prova documental nestas situações não pode ser substituída pela prova testemunhal, já assim também decidiu o TCA Sul no Acórdão proferido em 07/02/2012, no processo n.º 04690/11 (em www.dgsi.pt), cuja parte do sumário com interesse para o assunto aqui em análise se transcreve: http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6030b736a6601b7802579a00056ad55?OpenDocument «1. Em sede de I.R.C, atento o disposto nos artºs.17, nº. 3, e 98, do C.I.R.C., no que respeita às obrigações contabilísticas a que estão submetidos todos os sujeitos passivos de imposto, para se concluir quanto ao efectivo suporte de custos constante de documento interno, teria o contribuinte que fazer prova documental dos mesmos, nomeadamente das facturas e recibos emitidos que possibilitassem a comprovação definitiva do pagamento a terceiros das despesas associadas a cada um dos contratos em que foi parte. Mais se dirá que um único depoimento testemunhal não pode fazer prova do efectivo suporte dos custos em causa, atenta a natureza e força probatória da prova testemunhal (cfr. artºs. 392 e 393, do C. Civil). 2. Os custos ou perdas da empresa constituem os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr. artº. 23, do C.I.R.C.). A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico. 3. Desta forma nos aparecem, devido à rigidez da lei fiscal, os encargos que, embora classificados e contabilizados como custos, não assumem essa natureza em sede de I.R.C., razão por que não são considerados para efeitos de determinação do lucro fiscal. Esses encargos são os constantes do artº. 41, do C.I.R.C. A al. h), do nº.1, deste preceito (artº. 41, do C.I.R.C.), concretamente, não permite a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados. Despesas não documentadas são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico. Por sua vez, as despesas não devidamente documentadas serão aquelas cujo suporte documental não obedece aos requisitos legalmente exigidos, embora permita identificar os beneficiários e a natureza da operação. 4. Os encargos identificados no nº. 3 não podem ser dedutíveis como custos para efeitos de determinação do lucro tributável do sujeito passivo de imposto, e sobre os mesmos devendo incidir a tributação autónoma prevista no citado artº. 4, do Dec.-Lei 192/90, de 9/6. (…)» Por ter pertinência para a situação em apreço, transcreve-se a seguinte parte deste Acórdão: «Mais se dirá que devem considerar-se despesas confidenciais ou não documentadas as que não especificam a sua natureza, origem ou finalidade, sendo, por essência, indocumentadas (cfr. ac. S.T.A.-2ª. Secção, 3/12/2003, rec.1283/03; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.219 e seg.). “In casu”, da análise da matéria de facto provada, deve concluir-se que a sociedade impugnante/recorrida não apresentou os documentos que suportavam os lançamentos efectuados na sua contabilidade, na conta POC nº. 6223200 - Contratos de Exploração, os quais perfaziam € 3 380.399,07 (cfr.nº.5 da matéria de facto provada). De tal factualidade facilmente se conclui que os custos em causa se devem considerar não documentados, porquanto o único suporte documental existente (um documento interno) não obedece aos requisitos legalmente exigidos, mais não tendo sido suprida tal falta de prova por qualquer outro meio probatório, contrariamente ao defendido pela recorrida. De facto, as despesas em causa devem considerar-se não documentadas, dado não se encontrarem acompanhadas das facturas e recibos respectivos, porquanto somente com estes documentos contabilísticos seria possível a verificação da efectiva execução da despesa. Demonstrada que ficou a falta destes elementos, deve ter-se por comprometida a comprovação da veracidade das operações subjacentes, assim se violando, nomeadamente, o disposto nos artºs.17, nº. 3, e 98, do C.I.R.C., no que respeita às obrigações contabilísticas a que estão sujeitos todos os sujeitos passivos de I.R.C. Nestes termos, não podem os encargos sob apreciação ser dedutíveis como custos para efeitos de determinação do lucro tributável da empresa impugnante/recorrida, tendo, portanto, a Fazenda Pública procedido nos termos da lei ao decidir neste sentido, e sobre os mesmos devendo incidir a tributação autónoma prevista no citado artº.4, do Dec.-Lei 192/90, de 9/6, assim se apurando imposto em falta no montante de € 1.081.727,70 (cfr. nº.5 da matéria de facto provada).». O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre a necessidade de existirem documentos para comprovar a contabilidade, mormente nas situações em que é aplicável o regime das despesas não documentadas do Código do IRC. Veja-se o acórdão do STA de 02/02/2022, proferido no processo n.º 02421/15.5BEPRT (em www.dgsi.pt), cuja parte do mesmo se transcreve: O artigo 88.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação em vigor ao tempo dos factos, estipula: «1- As despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo da sua não consideração como gastos nos termos do artigo 23.º». A letra da lei é clara no sentido de que a tributação autónoma incide sobre despesas não documentadas. O que se deve entender por despesas não documentadas não é questão nova neste Tribunal, que tem vindo a afirmar que despesa não documentada é aquela a que falta em absoluto o comprovativo documental (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/04/2017, proferido no processo 01320/16). A despesa é contabilizada pelo sujeito passivo sem suporte documental. Ora, esta não é manifestamente a situação dos autos em que as despesas foram registadas na contabilidade com apoio em documentos (vendas a dinheiro e faturas), o que é, aliás, reconhecido pela Recorrente, que acaba, em defesa da sua tese, por sustentar que a documentação se deve reportar à saída dos bens da empresa, designadamente quanto ao destinatário, e que se assim não acontecer, a despesa documentada deve ter-se por não documentada. Ora, falando a lei em despesa não documentada, está a reportar-se à documentação do ato pelo qual o sujeito passivo suporta a despesa que é suscetível de afetar o resultado líquido do exercício, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC, não relevando nesse âmbito a documentação do destino da despesa, ou da identificação do seu beneficiário. Despesa não documentada é uma despesa sem documento e só estas o legislador sujeitou a tributação autónoma. Naturalmente que apesar de a despesa estar documentada e, por isso, não estar sujeita à tributação autónoma, tal não significa que passe o crivo da “indispensabilidade”, ao ponderar-se a atividade do sujeito passivo, a natureza e valor dos bens adquiridos para “oferta”, e a não identificação dos beneficiários desses bens, e seja aceite como gasto ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (cf. o n.º 1 do citado artigo 88.º do Código do IRC), como bem entendeu o Tribunal recorrido dando nesta parte razão à Administração Tributária. Tendo em conta que não existe qualquer documento para suportar a operação contabilística que a Impugnante efetuou, não é admissível que essa falha documental possa ser suprida por prova testemunhal ou por uma alegação vaga neste ou noutro processo judicial. Sendo que, uma alegação, nada prova. Significa isto, que a tributação autónoma em apreço, não admite prova testemunhal, como tal a sua elisão não pode ser efetuada com base em depoimentos testemunhais, nem com base em alegações num qualquer processo judicial, sob pena de se perverter todo o regime da tributação autónoma. Aliás, a tributação autónoma acontece, precisamente porque se desconhece o destinatário de determinados montantes e/ou não existe suporte documental que justifique aquela situação. E o suporte documental é elemento essencial para que a situação seja devidamente apreciada, de forma a se perceber se no momento em que o facto ocorre, corresponde ou não a alguma realidade empresarial. Conforme referido no primeiro Acórdão do STA acima transcrito, a tributação autónoma aplica-se a factos instantâneos, pelo que sobre tal factualidade mostra-se pertinente que haja documentação, até porque tratando-se de um facto simples, não será muito difícil existir um documento que o explique. Ora, a elisão deste, assim designado, facto tributário, apenas pode ser efetuada através de prova documental, na medida em que foi contabilizado um crédito sem que estivesse identificado o devedor, nem alguma vez tivesse sido junto qualquer documento diante do qual se possa perceber a que se refere esse crédito. Ainda que fossem designadas por despesas confidenciais, vale o mesmo raciocínio, ou seja, para deixar de ser confidencial, era necessário que existisse prova documental relativo à realização da despesa ou ao lançamento a crédito da quantia em apreço. Ou seja, é necessário sempre um documento, que não pode ser substituído por prova testemunhal, que no fundo é o que ocorre com uma alegação numa peça processual numa ação judicial, mormente quando se continua a não sustentar o alegado em qualquer documento que suporte a inscrição da quantia naquela conta. Isto porque, se o objetivo da tributação autónoma é o de desincentivar a fraude e evasão fiscal, então permitir que essa tributação ceda perante uma alegada identificação do suposto beneficiário da quantia contabilizada, sem qualquer documento que o comprove e após o prazo de caducidade do IRS que deveria ser liquidado àquele, seria distorcer todo o regime, na medida em que então ninguém pagaria nada. Ou seja, a tributação autónoma funciona nas situações em que não é possível tributar de outra forma, algo ou alguém, num determinado momento. Se está contabilizado um crédito sobre terceiros, é porque esse terceiro é supostamente devedor à sociedade desse montante. Ou seja, a Impugnante alegadamente tem um crédito sobre terceiros, sem que exista qualquer documento que o confirme. Não existe qualquer documento em como essa dívida de terceiro se refira a algum fornecimento ou a qualquer atividade da empresa, pelo que não se trata de um crédito sobre um cliente ou sobre alguém que esteja identificado na contabilidade como devedor de algum serviço prestado no âmbito da atividade empresarial, pois nesse caso existiria a correspondente faturação. Ora, o normal é que um valor da ordem de grandeza como o que aqui está em causa, ou seja, € 488.505,75, seja contabilizado devido a um motivo empresarial e que esteja demonstrado documentalmente. O que já não é normal, é que um valor daquela grandeza não tenha identificado o suposto devedor, pois nenhuma empresa (mesmo mal gerida), poderia deixar de identificar suposto devedor de tal avultada quantia. Assim, se não há um motivo empresarial para tal crédito, significa que alguém beneficiou daquele valor. E era a Impugnante que competia demonstrar que era credora da quantia em causa, através dos competentes documentos de suporte da contabilidade. Não o fazendo, resta concluir que saiu efetivamente dinheiro da empresa, ou se não entrou o dinheiro na empresa, vale o mesmo, pois alguém beneficia de uma verba que não é sua, mas da empresa, pelo que alguém foi beneficiário desse valor: o tal terceiro desconhecido. Daqui resulta que não basta colocar a verba em questão numa conta do ativo, para que deixe de haver um benefício de alguém, até porque a Impugnante não tomou a iniciativa de cobrar tal crédito. Desta forma, seja por falta de documento, seja por se tratar de despesa confidencial, certo é que na data em que ocorreu aquela operação ou a contabilização daquele valor, a Impugnante já sabia que carecia de suporte documental para o efeito, não o tendo, deve ser aplicado o regime de tributação autónoma. E não se diga, como sugere a Impugnante, nas suas contra-alegações que o argumento deduzido pela AT, de que se tratam de despesas por o devedor não ser identificado, é apenas apresentado em sede de alegações de recurso, não estando invocado no Relatório de Inspeção. Sobre isto, cremos que o Relatório responde satisfatoriamente na seguinte passagem: Sendo o objectivo do referido artigo, evitar o desvio de verbas para fins não empresariais, uma vez que tem subjacente toda uma estrutura que gerou custos fiscalmente dedutíveis, ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes, deve o valor não documentado de € 693 904, 48 (€ 672 012,76 + € 21 891,72), ser tributado autonomamente no montante de € 346 952,24 (€ 693 904,48 x 50%), o qual deve ser incluído no Cálculo de Imposto do Q. 10 da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC do ano de 2007, como a seguir se demonstra: (…)». (Pág. 10 do Relatório). O Relatório não diz expressamente que há um terceiro não identificado, mas ao referir que são pagas remunerações a terceiros, com evasão aos impostos que seriam devidos por estes e que o valor não está documentado, acaba por referir o mesmo, por outra palavras. Pois que se o pagamento a terceiros implica evasão aos impostos, é porque o terceiro é desconhecido, pois que se fosse identificado, já poderia ser tributado. Resulta, ainda, que a Administração Tributária já não poderia vir a tributar o IRS de 2007, a quem quer que tenha beneficiado da quantia em apreço, na medida em que, para além de estar ultrapassado o prazo de caducidade, não bastava a declaração de um contribuinte, de que outro contribuinte supostamente beneficiou daquela verba, para se poder tributar este último. Não é suficiente essa ténue insinuação (pois que nem alegação consistente logra ser), sendo necessária uma melhor prova para que tal possa acontecer, como a prova documental. Pelo exposto, estes autos não são prejudiciais da ação cível que opõe a Impugnante aos anteriores gerentes ou sócios. Em resumo, o artigo 81.º do CIRC (atual artigo 88.º) contempla uma norma de incidência objetiva de tributação autónoma e não admite prova testemunhal para ser elidida, mas apenas prova documental. Do exposto, resulta, que a sentença não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser revogada. * Em face da revogação do segmento que foi julgado procedente na sentença, cumpre apreciar o recurso ampliado.Alega a Impugnante, nas suas contra-alegações de recurso, que a liquidação devia ser anulada por ininteligibilidade e vício de forma, ao contrário do decidido na sentença. Para o efeito refere que é incorreto indicar que o Relatório de Inspeção contém todas as operações de lançamento objetivo e subjetivo da liquidação e a determinação da coleta, pois não apresenta, quanto ao apuramento do IRC do período, a taxa ou coleta adicional de imposto. Mais alega que, pese embora se condescenda que a demonstração da liquidação retrata o ato de liquidação stricto sensu e não se confunde com o mesmo, ao contrário do invocado na decisão recorrida, as ilegalidades da notificação inquinam igualmente de ilegalidade a liquidação, nos termos do disposto nos artigos 36.º n.º 1 do CPPT e 45.º n.º 1 da LGT. Invoca, ainda, que a demonstração da liquidação não é um ato suficiente, pois se a liquidação está apenas na mesma é ilegal por duplicação de coleta já que é apurada não só sobre a matéria coletável corrigida à Recorrida, mas também sobre a matéria coletável que já foi alvo de liquidação, por efeito da apresentação da declaração modelo 22 de 2007, em autoliquidação e que a demonstração de acerto de contas não se compreende, pois contempla operações matemáticas em que a subtração dá adição e vice-versa. A este respeito, a sentença afirmou o seguinte: «Conforme refere José Casalta Nabais, «A liquidação stricto sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável e 4) as (eventuais) deduções à colecta.». No caso vertente, as operações de lançamento objetivo e subjetivo e a determinação da coleta constam do relatório inspetivo, onde se identifica o sujeito passivo do imposto, determina a matéria coletável e taxa aplicável e, ainda, a determinação da coleta; ou seja, todas as operações essenciais do ato tributário de liquidação estão inseridos no relatório inspetivo. Ora, não restam dúvidas em como a impugnante compreendeu, em toda a linha, todas aquelas operações, já que deduziu a presente impugnação, de forma consistente, revelando uma correta apreensão dos fundamentos invocados pela AT para proceder à liquidação em crise. A demonstração da liquidação é um documento que engloba todos os elementos considerados para o cálculo do imposto e na Demonstração do Acerto de Contas é apurado o montante a pagar, considerando as liquidações (prévia e adicional) operadas para o mesmo período de imposto. Portanto, estes dois documentos são atos posteriores e consequentes ao de liquidação e não se confundem com este, limitando-se a levar ao conhecimento do contribuinte o montante final de imposto a pagar relativamente a determinado período de tributação. Uma vez que as demonstrações da liquidação e do acerto de contas, como se viu, são atos distintos e autónomos relativamente ao ato de liquidação, considerando que o objeto desta impugnação é o ato de liquidação adicional e este é inteligível, manifestamente, a liquidação não enferma do vício em análise. a) 1. Por outro lado, conforme constitui jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores, o ato de liquidação não se confunde com o da respetiva notificação e a falta de notificação da liquidação apenas contende com a exigibilidade desta e já não com a sua validade substancial. Assim, mesmo que ocorresse a alegada falta de notificação da liquidação impugnada, o que apenas pode ser apreciado em sede de oposição à execução, nos termos da alínea i), do n.º 1, do Art. 204.º do CPPT, desde que a liquidação tivesse sido realizada dentro do prazo de caducidade do direito correspondente, nunca tal omissão poderia ter efeitos na legalidade da liquidação. a) 2. Na perspetiva da impugnante, a liquidação em crise enferma de irregularidade formal por: falsa indicação de que junto da suposta liquidação é remetida nota demonstrativa, sendo a demonstração da liquidação um documento singelo, sem mais; indicação de que se trata de mera liquidação e não liquidação adicional, em violação do disposto no Art. 91.º do CIRC; falta de indicação do prazo de pagamento. Sucede que, por um lado, as descritas “irregularidades” respeitam à notificação do ato de liquidação que, como já foi referido, não se identifica com esta; acresce que, em face da anulação parcial da liquidação, em sede de reclamação graciosa, os atos de notificação em causa tornaram-se juridicamente irrelevantes, para todos os efeitos, uma vez que o ato de liquidação vai ser retificado e, consequentemente, serão emitidas novas notas de cobrança/demonstrações da liquidação e, eventualmente, de acerto de contas. Dito de outro modo, as alegadas irregularidades respeitam à notificação e não ao ato de liquidação sendo que, por força da revogação parcial da liquidação, as notificações em causa (e eventuais irregularidades que encerrem) deixaram de ter qualquer relevo. * Entende, ainda, a impugnante que a liquidação enferma de falta de fundamentação porque, ao propor-se corrigir a matéria coletável declarada, a AT fundamenta a realização de uma liquidação adicional e não uma mera liquidação de imposto. Como já foi aflorado e consta, expressamente, da demonstração da liquidação, os fundamentos desta constam do relatório inspetivo e da demonstração da liquidação apenas têm de constar os elementos considerados para o cálculo do imposto (que, no caso, em nada divergiram do que já estava mencionado no relatório inspetivo), não tendo que dela constar os seus fundamentos, no caso de já terem sido notificados ao contribuinte, como acontece no caso vertente. A fundamentação do ato de liquidação está, pois, inserida no relatório inspetivo e, se a impugnante não se considerava suficientemente esclarecida quanto aos fundamentos da liquidação, o meio adequado de reação era o pedido de notificação ou de certidão a que se refere o Art. 37.º, n.º 1 do CPPT. * Pelo facto de, na notificação da liquidação, não constar a menção de que se trata de uma liquidação adicional, entende a impugnante que ocorre duplicação de coleta pois que, relativamente ao ano de 2007, foram emitidas duas liquidações e nenhuma delas foi anulada. O Art. 205.º, n.º 1, do CPPT dispõe que «haverá duplicação de coleta para efeitos do disposto no artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.». Está, assim, prevista, fundamentalmente, como uma causa de inexigibilidade da obrigação tributária e não como vício do ato tributário. Mas pode acontecer que uma segunda liquidação seja efetuada após ter sido cobrada a quantia nela indicada, com base numa liquidação anterior, caso em que a segunda liquidação será ilegal, estando afetada de vício de duplicação de coleta, por a lei não permitir efetuá-la. No caso vertente, porém, a impugnante não demonstra que a primeira liquidação visou os mesmos factos tributários e, por força dela, se encontra integralmente pago o tributo aqui impugnado. Naturalmente, não o faz porque, como bem sabe, a liquidação aqui em causa é a adicional que resultou das correções à matéria coletável por si declarada para o ano de 2007 e, nessa medida, a primeira e a segunda liquidações não visam os mesmos factos tributários nem coincidem no valor. Em suma, a liquidação também não enferma dos vícios em causa. b) Na ótica da impugnante, a correção aos prejuízos fiscais realizada pela AT é, ainda, ininteligível por total impossibilidade de compreensão da determinação do seu valor, pois a AT indica que corrige um valor de 35.390,44€ mas acaba por indicar que a correção é de 26.669,40€, não se percebendo como alcançou este valor, o que inquina a correção em causa de vício de forma por falta de fundamentação. O direito à fundamentação, em relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da 1ª parte da nossa Lei Fundamental (Art. 268.º), bem como na lei ordinária (Art. 21.º e 80.º do CPT, ao tempo em vigor e hoje no Art. 77.º da LGT). Ademais, como têm vindo a entender, de forma pacífica, reiterada e uniforme, quer a doutrina quer a jurisprudência, a fundamentação há-de ser expressa, através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. Acresce que a fundamentação há-de, ainda, ser coeva ou contemporânea do acto, irrelevando a que lhe seja posterior. É também aceite que a fundamentação possa ser feita por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo, já que este integra, nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma. Por último, é também pacificamente aceite que é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição, ou insuficiência não esclareça, concretamente, a motivação do acto por forma a permitir ao seu destinatário a apreensão do iter valorativo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticá-lo com o sentido decisório que lhe conferiu. Na situação vertente, temos que a fundamentação das correcções em causa, foi expressa nos termos já transcritos na matéria de facto assente e que, por não ser demais repetir, aqui, novamente, se deixa consignado, na parte relevante: «(…) Tendo em conta os valores de realização propostos das viaturas, foi apurada a mais-valia contabilística de € 21 659,49 e a mais-valia fiscal de € 19 088,49, conforme anexo I. Pela venda do imobilizado, foi originada a mais valia contabilística acima descrita (€ 21 659,49), pelo que deverá a conta 79 – Proveitos e Ganhos Extraordinários ser influenciada naquele valor. Pela venda das viaturas XX-XX-XX e XX-XX-XX, declarou o SP no Balancete Analítico do ano de 2007, como custo na conta 6942 – Alienação de Imobilizado Corpóreo e Incorpóreo o valor de € 19 045,76, proveniente das menos valias contabilísticas apuradas. Declarou ainda no mesmo Balancete, como proveito na conta 79 – Proveitos e Ganhos Extraordinários, o valor de € 5 314,81, proveniente de mais-valias contabilísticas, calculadas pela venda das viaturas XX-XX-XX e XX-XX-XX. Considerando os valores agora apurados e descrito no anexo 1, foi calculada a mais valia contabilística de € 21 659,49, pelo que o valor a crescer no Q. 7, deve ser de € 35 390,44, apurado como a seguir se demonstra:
Ora, como decorre do transcrito excerto do relatório de inspeção, a AT procedeu a duas correções: uma, à conta 69, na qual a impugnante havia feito constar, como custo, a menos valia de 19.045,76€ (respeitante à alienação de viaturas), quando, efetivamente, havia obtido mais-valias contabilísticas e fiscais, e outra, à conta 79, em que a impugnante apenas havia considerado proveitos e ganhos extraordinários no montante de 5.314,81€ quando, afinal, esse valor ascendia a 21.659,49€, nos termos melhor descritos no anexo 1 ao relatório. Temos, assim, que as correções em causa estão devidamente fundamentadas e são de acessível apreensão para qualquer cidadão medianamente dotado de capacidade de entendimento. De resto, não se alcança a incongruência apontada pela impugnante de a AT acabar por indicar que a correção é de 26.669,40€, pois que tal valor não consta do relatório inspetivo nem da decisão que deferiu parcialmente a reclamação graciosa, sendo certo que o documento 4, para o qual a impugnante remete, não foi por ela junto aos autos. Deste modo, também não se verifica o apontado vício de forma por falta de fundamentação.». Fim de citação. Ora, antes de continuarmos, compete dizer que na Petição Inicial, a Impugnante apenas havia alegado a ininteligibilidade e vício de forma da liquidação (artigos 66.º a 76.º da PI), não invocando que o Relatório de Inspeção enfermava de falta de fundamentação. Daqui resulta, que a Impugnante entendeu o Relatório de Inspeção, de tal forma que rebate os seus fundamentos. Não obstante, para além de concordarmos com o decidido na sentença a este respeito, sempre se dirá que o Relatório de Inspeção (que consta a fls. 18 a 26 do processo administrativo apenso) explica os motivos pelos quais são efetuadas as alterações ao IRC. Antes de mais, cumpre referir que apenas está em causa a impugnação do IRC do ano de 2007, conforme resulta do artigo 1.º da Petição Inicial, sendo que apenas resultou de imposto a pagar por aplicação do regime da tributação autónoma e correspondentes juros. No que concerne ao ano de 2007, o Relatório de Inspeção explica que na venda de viaturas não foi tido em conta o valor de realização referido na Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio. Depois apresenta o valor declarado e o valor de realização proposto, concluindo que foi apurada uma mais valia contabilística e explica o entendimento sobre a alienação do imobilizado, com os respetivos cálculos de correção. De seguida apresenta um quadro em que indica as alterações efetuadas ao apuramento do lucro tributável, indicando as correções a realizar. Posteriormente identifica outras correções que tem a ver com os saldos das contas na contabilidade, conforme consta dos quadros demonstrativos dessas contas. Mais esclarece os motivos da tributação autónoma. Ora, a liquidação fundamenta-se no Relatório de Inspeção, o que é admissível em face do disposto no n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, que a decisão pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização tributária. No que concerne à alegação de que quanto ao apuramento do IRC, não é apresentado o período, a taxa ou coleta adicional de imposto, compete dizer que a liquidação efetuada apenas teve em consideração a tributação autónoma e respetivos juros. Assim, a liquidação impugnada, somente liquida tributação autónoma e juros compensatórios, devidos na sequência desta tributação autónoma. Ainda que tenha havido correção a prejuízos fiscais, desta correção não resultou qualquer liquidação (que nesse caso, sim, seria adicional), conforme, aliás, a Impugnante refere na sua Petição Inicial (vide artigos 60.º a 63.º da PI). Ora, a matéria alvo de tributação autónoma está identificada no relatório de inspeção e tal forma que a Impugnante na Reclamação Graciosa a rebateu, tintim por tintim e obteve provimento parcial. Daqui resulta, que a liquidação está fundamentada e é percetível. Por sua vez, no que concerne à duplicação de coleta, por alegadamente a liquidação impugnada, não corresponder a uma liquidação adicional e não ter sido anulada a autoliquidação, compete referir que para poder funcionar o regime da duplicação de coleta é necessário que estejam preenchidos três pressupostos cumulativos, conforme referido no recente Acórdão deste TCA Norte de 13/01/2022, proferida no processo n.º 2857/06.2BEPRT; e que são: a) Unicidade dos factos tributários; b) Identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige; c) Coincidência temporal entre o tributo pago e o que de novo se pretende cobrar. Vide, ainda o Acórdão do STA de 05/02/2015, proferido no processo n.º 0993/14, disponível em www.dgsi.pt. Conforme já referido, apenas foi liquidado IRC, em virtude da tributação autónoma, a qual, conforme acima se deixou expresso sobre esta temática, apenas tributa um ato específico e não leva em conta a matéria coletável. Desta forma, não era necessário emitir nenhuma liquidação adicional, pois a coleta do IRC não foi alterada, ou se se quiser, não acresceu liquidação de IRC fora da tributação autónoma. Por isso, não era necessário anular a autoliquidação de IRC, nem emitir uma liquidação adicional. Respigue-se, para melhor enquadramento da questão, o que ficou acima referido, citando-se, por exemplo, o que refere o Prof. Saldanha Sanches, segundo o qual a tributação autónoma cria um novo objeto tributário a latere do lucro tributável, que corresponde a certos custos das empresas que são transformados, eles próprios, em factos tributários, sendo objetivo da norma penalizar fortemente essas despesas. Esclareça-se, ainda, que o Prof. Casalta Nabais classifica a tributação autónoma também como tributação avulsa das empresas, conforme acima referido. Portanto, sendo a tributação autónoma avulsa e lateral ao lucro tributável, que é como quem diz, à matéria coletável, não é necessário anular a liquidação do IRC efetuada com base na matéria coletável, na medida em que na tributação autónoma, a base tributável é distinta da tributação operada na autoliquidação de IRC. Daqui resulta, também, que não há unicidade do ato tributário, por isso é impossível poder haver duplicação de coleta, uma vez que a base tributável não é a mesma; como tal, também não era necessário emitir uma liquidação adicional. Por seu turno, relativamente à notificação da liquidação, que a Impugnante reputa por ilegal, e com isso também enferma de ilegalidade a liquidação, compete dizer que a notificação é uma condição de eficácia do ato e não de validade intrínseca do ato. Condição de eficácia e de garantia de defesa do contribuinte, sendo que no caso dos autos, não se deteta nenhuma diminuição dos diretos de defesa, em virtude da falta de notificação. Neste sentido tem decidido a jurisprudência, conforme se pode ver, por exemplo no Acórdão do supremo Tribunal Administrativo, proferido em 02/03/2011, no processo n.º 0967/10 (em www.dgsi.pt), cujo sumário segue: I – O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância. II – Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (art. 36.º, n.º 1 do CPPT). Veja-se, ainda, o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 23/01/2020, proferido no processo n.º 00447/09.7BEVIS (igualmente disponível em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor: I – O artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário só tem a ver com a notificação dos actos tributários, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências das notificações e não o regime dos vícios dos actos notificados, daí que, no âmbito desse artigo 37.°, a Administração apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. Face ao exposto, não se verificam os alegados vícios em análise. * Compete analisar as questões que ficaram prejudicadas pela decisão da sentença, como seja a alegada violação da proibição da analogia, do princípio do ónus da prova e o da especialização dos exercícios.No que concerne à questão da analogia, cremos que já acima ficou claro que a tributação autónoma não se socorreu de qualquer analogia entre ativos e despesas. Ou seja, a alegação de que «ao equiparar aqueles movimentos contabilísticos a despesas não documentadas, a AT encontra-se a aplicar analogicamente o regime das despesas não documentadas à transferência de saldos em causa», não pode colher, na medida em que não é pelo facto de ser colocado na conta de ativos, que as coisas mudam de figura, pois o que realmente conta é aquilo que de concreto se passou. E isso, conforme a Impugnante sabe, foi o benefício que um terceiro retirou da empresa em determinando montante, sem que houvesse qualquer documento a justificar o motivo pelo qual a empresa era supostamente credora. Relativamente ao ónus da prova, ao contrário do alegado pela Impugnante é sobre si que impende, na medida em que lhe compete apresentar documentação sobre a transferência de verbas de respetivo beneficiário, conforme também já acima referenciado. Por fim, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, compete referir que sendo a tributação autónoma, a tributação de um ato, ou de um facto avulso, a mesma ocorre quanto esse ato ou facto é passível de assim ser tributado. Portanto, nada tem a ver com o ano económico ou o exercício fiscal propriamente dito em sede de IRC, mas com um ato concreto ou uma operação que foi realizada. Ora, apenas com a “colocação” em 2007 do montante em apreço na conta de terceiros desconhecidos, é que passou a ser possível realizar a tributação autónoma, pois só nessa ocasião foi verificado que alguém não identificado beneficiou de uma verba que era da empresa e que não existe qualquer documentação que justifique que aquele terceiro afinal é devedor da sociedade e não beneficiário do montante em questão. * Face ao exposto, o recurso da Fazenda Pública merece provimento, a ampliação do recurso efetuada pela Impugnante não procede e, conhecendo em substituição a matéria que a sentença considerou prejudicada na sua análise, deve a impugnação ser julgada totalmente improcedente. * No concerne a custas, atenta a revogação da sentença e ao facto de a Recorrida ter contra-alegado, com ampliação do recurso, assim como a impugnação acabar por ser totalmente improcedente, é a Impugnante/Recorrida responsável pelas custas em ambas as instâncias – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do Código de Processo Civil.** AS Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: I - O artigo 81.º do CIRC (atual artigo 88.º) contempla uma norma de incidência objetiva de tributação autónoma e, no que concerne a despesas não documentadas, não admite prova testemunhal para ser elidida, mas apenas prova documental a apresentar pelo contribuinte. II - Sendo a tributação autónoma avulsa e lateral ao lucro tributável, que é como quem diz, à matéria coletável, não é necessário anular a liquidação do IRC efetuada com base na matéria coletável, nem emitir liquidação adicional, na medida que que na tributação autónoma, a base tributável é distinta da tributação operada na autoliquidação de IRC. * Decisão* Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar improcedente o recurso ampliado e, conhecendo em substituição, julgar a impugnação improcedente. * Custas a cargo da Impugnante/Recorrida, em ambas as instâncias.* * Porto, 17 de fevereiro de 2022.* Paulo Moura Vítor Salazar Unas Ana Patrocínio |