Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00828/09.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/09/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
NULIDADE DA SENTENÇA;
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO;
Sumário:
I. Tal como resulta da lei processual, e como tem vindo a ser explicitado à saciedade pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão.

II. Estando em causa a caducidade do direito à liquidação, o que ressalta é que só com a conclusão do procedimento de liquidação é que a Administração tributária se encontra em condições de exercer esse mesmo direito, pelo que deverá ser através do respetivo termo, assinalado através da notificação do relatório final de inspeção, que se põe fim ao período de suspensão da caducidade do direito à liquidação, nos termos e para os efeitos do disposto no supracitado n.º 1 do art. 46.º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

[SCom01...], S.A. - Sucursal em Portugal, inconformada com a sentença proferida em 2009-12-15 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a impugnação que interpôs tendo por objeto o indeferimento do recurso hierárquico referente à liquidação de IRC do exercício de 2002, no montante de 228.566,52 vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
5 - CONCLUSÕES
I. A Douta Sentença recorrida incorre em erro de julgamento por errónea interpretação do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT (na redacção aditada pela Lei.º 15/2001, de 5 de Junho) e no n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
II. De facto, a Recorrente assaca à Sentença em crise erro de julgamento na determinação da data em que, nos termos da lei, se considera que ocorre o “terminus” da acção inspectiva: com a notificação das Conclusões do Relatório de Inspecção em detrimento de com o termo dos actos de inspecção.
III. Decorre da interpretação conjunta dos citados preceitos que a expressão “acção de inspecção externa não equivale a “procedimento de inspecção externa”.
IV. Desta feita, com a expressão “acção de inspecção externa”, ínsita no n.º 1 do art. 46.º da LGT, entendemos dever tratar-se dos actos praticados nas instalações ou dependências do sujeito passivo, tendo início delimitado pela assinatura deste da ordem se serviço que determinou o procedimento de inspecção e a notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário (cfr. art. 61.º, n.º 1, do RCPIT).
V. Por oposição, deve entender-se por “procedimento de inspecção externa”, a prática de todas as diligências ocorridas no período compreendido entre a assinatura da ordem de serviço até à notificação do relatório de inspecção (cfr. art. 62.º, n.º 1 e 2, do RCPIT).
VI. Tal entendimento é o perfilhado na Jurisprudência, invoque-se a este propósito o Acórdão do STA, datado de 02/07/2008 e proferido no âmbito do processo n.º 0343/08 (António Calhau) - in www.dgsi.pt - onde se separa, claramente, o momento do término da acção inspectiva (26/01/2006 no caso apreciado pelo Tribunal) e o momento da notificação à Impugnante do Relatório de Inspecção, onde resulta manifesto que, no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, o momento relevante para efeitos do término da suspensão do prazo de caducidade do direito a liquidar o imposto é a data do termo dos actos de inspecção e não, nos termos da decisão proferida, a data da notificação do Relatório de Inspecção.
VII. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA, datado de 07/12/2005 e proferido no âmbito do processo n.º 0993/05 (Brandão de Pinho) - in www.dgsi.pt - em que, estando em causa, uma vez mais, a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, se entendeu que se os actos de inspecção terminaram em 15/04/2002 e o projecto de relatório foi notificado ao contribuinte em 22/04/2003 - cfr. pontos 3. e 4. da matéria factual considerada assente - o momento relevante para efeitos do término da suspensão é o dia 15/04/2002, isto é, o dia em que terminaram os actos de inspecção.
VIII. Atente-se, ainda, a Declaração de voto da Mm.ª Conselheira, Fernanda Maçãs, no Acórdão do STA de 21/11/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0594/12, que pugna no sentido de que: “a tese que fez vencimento viola o princípio da igualdade horizontal, quando confrontados contribuintes que estejam numa situação tributária equivalente com a única diferença de nuns casos ser preciso o recurso a actos de inspecção extema e noutros não. ( ... ) Ora tendo em conta a diferença que existe entre os dois procedimentos será legítimo que para uns contribuintes não se suspenda o prazo de caducidade durante o período de análise interna de documentos, audiência, e feitura do relatório e que para outros se suspenda?”.
IX. Afigura-se-nos que, a melhor interpretação das normas em apreço permite-nos afirmar:
(i) A contagem do prazo de caducidade do direito a liquidar o imposto ocorreu em 01/01/2003 (artigo 8.º, n.º 9, do Código do IRC);
(ii) suspendeu-se em 28/09/2006 por força do início da acção inspectiva (cfr. artigo 46.º da LGT);
(iii) e retomou a contagem em 03/11/2006 (um dia depois do término dos actos de inspecção).
De onde resulta com clareza meridiana que, entre o início da contagem do prazo de caducidade (01/01/2003) e a notificação à Recorrente da liquidação adicional de imposto (23/02/2007) - incluindo o tempo em que, por força da lei se verificou a suspensão do prazo de caducidade - decorreram, exactamente, 4 anos e 17 dias,
X. Tendo a Recorrente sido notificada da liquidação adicional de imposto em causa em 23/02/2007, dúvidas não restam de que, nessa data, já o direito à liquidação das mesmas por parte da Autoridade Tributária havia caducado, atento o disposto no n.º 1 do art. 45.º da LGT.
XI. Não tendo assim entendido, incorreu a Sentença em apreço em erro de julgamento por errónea interpretação do n.º 1 do art. 45.º e art. 46.º da LGT, vício que desde já se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
XII. Mesmo que assim se não decida, sempre se terá de concluir que a Douta sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação pois, no aresto “sub-judice”, atendendo ao momento em que a ora Recorrente iniciou a actividade em Portugal (Setembro de 2002), limita-se a Mm.ª Juiz “a quo” a concluir que a actividade exercida se iniciou em Maio de 2002 - cfr. § 4.º, pág. 14 da Douta Sentença - não referindo, em momento algum, quaisquer elementos de prova nem as razões e/ou o raciocínio subjacente(s) a essa conclusão.
XIII. Com efeito, não obstante a Mm.ª Juiz se ancorar no Relatório da Autoridade Tributária no que respeita aos detalhes da entrada dos trabalhadores nos [SCom02...], já no que concerne aos «supostos» equipamentos transferidos nada se pronuncia, antes, limita-se a referir a existência de uma factura datada de Maio de 2002, sem a partir da mesma, estabelecer conexão com a preparação do início dos trabalhos, ou evidenciar como prova a existência da «suposta» colocação de mercadorias, peças ou fluxos financeiros subjacentes às actividades a realizar no âmbito do contrato celebrado a 21 de Novembro de 2001, evidência do meio de transporte dos bens e/ ou armazenamento das matérias-primas e equipamentos, locais onde estes foram colocados e datas em que deram entrada.
XIV. Tal ausência de fundamentação determina que a Sentença não cumpra o desiderato de “esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão” - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Ob. Cit, pág. 563.
XV. Pelo que deve a mesma ser declarada nula ao abrigo do disposto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º n.º 1 b) do CPC, com todas as devidas e legais consequências.
XVI. Estipula o artigo 43.º da LGT que, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
XVII. E como resulta da matéria factual subjacente aos presentes autos, procedeu a ora Recorrente, em 22/03/2007, ao pagamento «indevido» do montante de € 228.566,52, valor que teve origem nas correcções efectuadas pela Autoridade Tributária, pelo que serão devidos juros indemnizatórios, o que desde já se requer para todos os devidos e legais efeitos.
Termina pedindo:
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que considere totalmente procedente a impugnação judicial.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Tendo os autos subido ao Supremo Tribunal Administrativo, por lhe ir dirigido o presente recurso, foi ali proferido acórdão em 2016-09-21, julgando a incompetência em razão da hierarquia daquele Tribunal para conhecer do presente recurso, e declarando competente para o efeito a Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, por não explicitar a prova e o raciocínio em que sustenta a conclusão de que a Recorrente iniciou a sua atividade em Portugal em setembro de 2002, ou ainda se nela se faz um incorreto julgamento de direito por errada interpretação e aplicação ao caso do disposto no n.º 5 do art. 45.º e n.º 1 do art. 46.º, ambos da LGT, assim se desacertando ao concluir-se não se ter verificado a caducidade do direito de liquidação.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
IV - Matéria de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) A actividade da Impugnante em Portugal foi objecto de inscrição oficiosa por parte da Administração Tributária com data de início em 6.09.2002.
2) Pela Ordem de Serviço n.º ...76 foi ordenado o procedimento de inspecção externo à aqui Impugnante, para o exercício de 2002, de âmbito parcial com início a 28.09.2006, resultando em correcções à matéria colectável do exercício do ano de 2002 no valor de € 1.447.262,42 - cfr. fls. 47 a 70 e 271 do processo administrativo (PA) junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Em 15.09.2006 foi alterada a natureza e o âmbito do procedimento inspectivo para âmbito geral - cfr. fls. 49 do PA junto aos autos.
4) Os actos do procedimento inspectivo terminaram em 2.11.2006 - cfr. fls. 49 do PA junto aos autos.
5) Em 30 de Novembro de 2006 foi elaborado pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de ... o relatório do procedimento inspectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, com os seguintes fundamentos: “( ... )
A [SCom01...] SA é uma sociedade grega, com número de identificação EL ..........56 e sede em 49, ...., ..., na Grécia, a qual vem prestando serviços e efectuando vendas em território nacional desde Setembro de 2002.
Tais operações comerciais e industriais sujeitam a empresa a IRC nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código do IRC e estão sujeitas a IVA nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA.
Dado que o sujeito passivo não declarou voluntariamente o início da sua actividade, através de um estabelecimento estável, em território nacional, como lhe impunha a alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do IRC e o n.º 1 do artigo 30.º do Código do IVA, tal declaração de início foi objecto de inscrição oficiosa, considerando-se o início da actividade em 2002-09-06.
Desta inscrição oficiosa, foi dado conhecimento a esta Direcção de Finanças através do ofício n.º ...98, de 2006-07-24, a que corresponde o número de entrada ...85, de 2006-07-27, tendo sido considerado o início da sua actividade em 6 de Setembro de 2002, atendendo ao facto de ser esta a data de entrada dos primeiros trabalhadores ao serviço da [SCom01...] SA nos [SCom02...], SA (Doc. 1).
A inscrição oficiosa foi notificada, por carta registada com aviso de recepção, ao sujeito passivo através dos ofícios n.º ...03 e ...44 de 2006-08-21 e 2006-08-25, respectivamente (Doc. 2).
II-3.2.1. Actividade da [SCom01...] SA nos [SCom02...], SA
As operações comerciais e industriais atrás referidas tiveram por base um contrato celebrado com os [SCom02...], SA ([SCom02...], SA), NIPC ...27, com sede e instalações sitas na Avenida ..., em ..., em 21 de Novembro de 2001 (Doc. 3), tendo sido atribuído à [SCom01...] SA o número de identificação fiscal ...51, conforme DL 81/2003, de 23 de Abril, Despacho n.º 21305/2003, do SEAF e Circular n.º 15/2003, de 9 de Dezembro da DGCI, com vista a identificar aquela sociedade como não residente, sem estabelecimento estável, para efeitos de retenção na fonte e/ou de accionamento da “Convenção para evitar a dupla tributação internacional celebrada entre Portugal e a República Helénica”, o qual se encontra cancelado em virtude da inscrição oficiosa que foi efectuada, decorrente do exposto no ponto anterior.
O início dos trabalhos, de acordo com estabelecido no contrato, estava prévio para Julho de 2002.
Contudo, verificou-se que o sujeito passivo efectuou a transferência das matérias primas e equipamentos necessários ao início dos trabalhos desde Maio de 2002, de acordo com a facturação emitida aos [SCom02...], SA e conforme o disposto no referido contrato, tendo-se registado a entrada dos primeiros trabalhadores ao seu serviço apenas em Setembro de 2002, conforme demonstra a listagem de trabalhadores admitidos/ autorizados a permanecer nas instalações dos [SCom02...], SA.
Posteriormente, em 4 de Agosto de 2004, foi estabelecido novo contrato, tendo sido efectuadas duas notas de encomenda no valor de € 1.500.000,00 cada, relativo a duas construções (234 e 235), cujo armador é a [SCom03...], as quais foram entregues durante o primeiro semestre de 2005.
Em 2 de Agosto de 2005, foram celebrados mais seis contratos com os [SCom02...] SA, para a construção dos navios C228, C229, C230, C231, C232 e C233.
Todos os trabalhos adjudicam à [SCom01...] SA o fabrico e montagem das zonas habitacionais dos navios.
As montagens dos equipamentos são feitas navio a navio, em datas diferentes e de acordo com o planeamento de construção de cada um.
A sua construção encontra-se em curso, devendo os primeiros três navios ser entregues ao armador no corrente ano de 2006.
1/-3.1.3. Realização dos Trabalhos Os [SCom02...], SA, desenvolvem a actividade de construção de embarcações comerciais de grande porte, nas suas instalações junto à foz do Rio ..., dispondo de diversos pavilhões onde concentram toda a sua actividade, numa área delimitada. Tais pavilhões, acolhem os seus serviços administrativos, bem como os seus serviços de planeamento, controlo, supervisão e execução dos trabalhos relacionados com a construção daquelas embarcações.
Os [SCom02...], SA socorrem-se de prestadores de serviços, nacionais e estrangeiros, a fim de executarem as actividades de construção das embarcações, procedendo ao acolhimento dos mesmos dentro das suas instalações.
Esse acolhimento passa pela atribuição de autorizações de acesso e permanência nas suas instalações de pessoal e equipamento dos subempreiteiros contratados, constituindo uma unidade industrial na sua globalidade.
O acesso do pessoal às instalações dos [SCom02...] SA é controlado pela atribuição de números mecanográficos, sendo atribuída a correspondência de cada funcionário ao subempreiteiro que executa a obra para os [SCom02...] SA.
Tal não significa que todos os trabalhadores que entram nas instalações dos [SCom02...], SA ao serviço de um empreiteiro principal pertençam aos seus quadros de pessoal; pois os [SCom02...], SA afectam todos os funcionários à obra por empreiteiro principal, ou seja, afectam-lhe todos os funcionários dos quadros do próprio empreiteiro, bem como os funcionários dos subempreiteiros que este contrata. Neste contexto, surge a [SCom01...] SA, que em Maio de 2002 iniciou a remessa das matérias-primas necessárias ao início dos trabalhos de construção dos interiores da embarcação «AA» (construção no 237), tendo os referidos trabalhos sido iniciados em Setembro daquele mesmo ano, altura em que deram entrada nas instalações dos [SCom02...] SA os primeiros 'Trabalhadores ao seu serviço” para a conclusão dos trabalhos (Doc. 4).
Verificou-se que entre 6 de Setembro e 20 de Dezembro de 2002 foram admitidos a entrar nas instalações dos [SCom02...], SA cento e um trabalhadores adstritos às obras da [SCom01...] SA, dos quais a sua maioria (cinquenta e sete) são cidadãos gregos.
Segundo indicação prestada pelos [SCom02...], SA, atendendo ao atrás referido, tais trabalhadores não serão, eventualmente, trabalhadores dependentes da [SCom01...] SA, uma vez que têm conhecimento que esta terá utilizado diversos subempreiteiros, nacionais e estrangeiros, para execução dos trabalhos relativos à empreitada contratada, dos quais identificou os seguintes sujeitos passivos nacionais:
(. .. )
Contudo, dois dos funcionários que deram entrada em Setembro de 2002, são «BB» (n.º 34116) e «CC» (n.º 34126), ambos de nacionalidade grega, sendo que o primeiro é o signatário dos contratos estabelecidos entre a [SCom01...] SA e os [SCom02...] SA, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração e o segundo é indicado pelos [SCom02...] SA como o responsável interlocutor da [SCom01...] SA nos [SCom02...].
Em 31 de Março de 2004, estes dois “funcionários” constituíram uma sociedade, [SCom04...], Lda. ([SCom04...], Lda.), NIPC ...06, com sede na Avenida ..., na freguesia ..., concelho ..., a qual declarou à Administração Fiscal o início de actividade a partir de 2 de Abril do mesmo ano, encontrando-se desde essa data a realizar os trabalhos que a [SCom01...] SA contrata com os [SCom02...], SA, concentrando em si toda a execução dos contratos, por subcontratação com a [SCom01...] SA.
Note-se que a morada indicada como “sede” do estabelecimento estável da [SCom01...] SA em território nacional é a mesma da [SCom04...], Lda..
Esta coincidência verifica-se por se constatar o seguinte:
(...) V-1.2. Proveitos
Tendo em conta a facturação atrás mencionada, verifica-se que apesar do sujeito passivo [SCom01...] SA ter iniciado os trabalhos relativos ao contrato celebrado apenas em Setembro, a facturação das matérias-primas e materiais a aplicar na respectiva obra iniciou-se em Maio de 2002.
Assim, uma vez que esta facturação faz parte integrante de todo o trabalho realizado pela [SCom01...] SA aos [SCom02...] SA, a mesma será considerada para efeitos de tributação do lucro fiscal do estabelecimento estável:
(. .. )
Assim, verificou-se que a divergência dos valores facturados se deve, na essência, ao incorrecto tratamento documental efectuado pela [SCom01...] SA relativamente aos adiantamentos por conta de vendas/prestações de serviços. Ou seja, aquando do recebimento de um adiantamento por conta de vendas ou prestação de serviços, o sujeito passivo emitiu uma factura e não o recibo necessário.
Nestas facturas, a [SCom01...], SA identifica os adiantamentos (down-payment), bem como o contracto a que dizem respeito, percentagem e valor do mesmo, assim como, nas facturas em que o adiantamento é descontado, é referida a factura do adiantamento correspondente, percentagem e valor do adiantamento a abater.
Nestas condições, o sujeito passivo emitiu as facturas que não constavam da contacorrente de custos facultada pelos [SCom02...], SA:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Feito o cruzamento destas informações junto dos [SCom02...], SA, foi-nos informado que relativamente às facturas P0......5A e P.....37 não foram encontrados quaisquer registos contabilísticos das mesmas (doc. 14).
Por esse motivo, as mesmas não serão consideradas.
Relativamente às restantes, foram correctamente contabilizadas nas contas de adiantamentos a fornecedores, detectando-se, que foram reconhecidas como custos apenas as partes descontadas nas facturas emitidas pela [SCom01...] SA: (…)” - cfr. fls. 47 a 70 do PA junto aos autos.
6) Em 5.12.2006 a Divisão da Gestão Tributária e da Cobrança da Direcção de Finanças de ... remeteu à Impugnante o ofício n.º ...26 remetendo-lhe o relatório do procedimento inspectivo descrito em 5) - cfr. fls. 273 do PA junto aos autos.
7) A Impugnante recepcionou em 6.12.2006 o ofício descrito em 4) - cfr. fls. 273 a 275 do PA junto aos autos.
8) Na sequência das correcções à matéria colectável decorrente do procedimento inspectivo descrito em 2) e 5), foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ...30 do exercício de 2002, no montante de €228.566,52 - cfr. fls. 279 a 284 do PA junto aos autos.
9) A liquidação descrita em 8) foi notificada à Impugnante em 23.02.2007 e paga em 22.03.2007 - cfr. fls. 68 dos autos e fls. 284 do PA junto aos autos.
10) Em 23.02.2007, a aqui Impugnante deduziu reclamação graciosa, instaurada com o n.º ...53 contra a liquidação descrita em 8) - cfr. fls. 1 e 3 do PA junto aos autos.
11) Sob a RG descrita em 1 O) recaiu parecer de indeferimento, tendo sido a mesma indeferida por despacho de 9.01.2008 - cfr. fls. 286 a 291 do PA junto aos autos.
12) Em 5.03.2008 a Impugnante recepcionou o ofício n.º ...13, informando-a do descrito em 11) - cfr. fls. 312 a 314 do PA junto aos autos.
13) Na sequência do indeferimento descrito em 11) a Impugnante interpôs recurso hierárquico em 31.02.2008 - cfr. fls. 314 a 327 do PA junto aos autos. 14) Após informação elaborada em 31.07.2008, o recurso hierárquico descrito em 13) foi indeferido por despacho exarado em 14.11.2008 pela Directora de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas - cfr. fls.385 a 397 do PA junto aos autos.
15) A Impugnante recepcionou em 5.03.2009 o ofício n.º ...19, informando-a do indeferimento descrito em 14) - cfr. fls. 401 a 403 do PA junto aos autos.
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Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (cf. artigo 74 da LGT), também são corroborados pelos documentos juntos, cf. predispõe o artigo 76.º n.º 1 da LGT e artigo 362.º e seguintes do CC.
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II.2. Fundamentação de Direito
Tal como já aqui se sumariou, a Recorrente imputa à sentença recorrida o vício de nulidade por falta de fundamentação, alegando para tanto, e em síntese, que a mesma é totalmente omissa quando aos fundamentos que sustentam a conclusão de que iniciou a sua atividade em Portugal em setembro de 2002.
Vejamos então.
Importa, antes de mais, recordar que o objeto do recurso se define através das respetivas conclusões, como expressamente resulta da lei processual aplicável, maxime, nos supracitados arts. 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do CPC, disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Com efeito, e não estando em causa questão de conhecimento oficioso, é nas conclusões do recurso que se encontra definido o respetivo objeto, sendo aí, e à semelhança do que na petição inicial sucede com o pedido, que deve constar a identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal superior (neste sentido, ver GERALDES, António Abrantes – Recursos em Processo Civil. 7.ª edição atualizada. Coimbra: Almedina, 2022, pág. 186).
Ora, lidas e relidas as conclusões do recurso nos seus pontos XII a XV que delimitam o objeto do recurso no extrato que agora se aprecia, não há qualquer dúvida de que a Recorrente invoca, apenas e tão só, a nulidade da sentença, por entender que a mesma padece de falta de fundamentação, invocando para o efeito o regime constante nos arts. 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, e concluindo que por esse motivo, deverá a mesma “ser declarada nula” ao abrigo do mesmo.
Alega então a Recorrente que a sentença é totalmente “omissa” quanto aos fundamentos de facto e de direito nos quais sustenta a conclusão de que disporia de um estabelecimento estável em Portugal desde maio de 2002.
Para concluir desta forma, a sentença sob recurso sustenta-se na seguinte argumentação, que se passa a transcrever (destacado nosso):
(…)
Da violação do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC
Vem outrossim a Impugnante sustentar que, tendo iniciado actividade somente em Setembro de 2002, através da entrada de trabalhadores nos [SCom02...] nessa data, em Dezembro de 2002 ainda não se encontrava a operar em Portugal há mais de 6 meses, verificando-se assim a violação do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CIRC.
A Fazenda Pública, aderindo à posição vertida no âmbito da decisão proferida em sede do recurso hierárquico, invoca que a factualidade invocada pela Impugnante não coincide com a considerada no parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
Como resulta do iter cognoscitivo vertido no relatório dos Serviços da Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças e ..., coligido no probatório, ponto 5), as correcções controvertidas resultaram do facto destes considerarem que a Impugnante no exercício de 2002 detinha estabelecimento estável em Portugal.
Ora, conforme decorre do artigo 1.º do CIRC “o imposto sobre o rendimento das pessoas co/ectivas (IRC) incide sobre os rendimentos obtidos, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, no período de tributação, pelos respectivos sujeitos passivos, nos termos deste Código.”
Nesta senda e atendendo ao caso sub judice, estabelece a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo Diploma que são sujeitos passivos de IRC “as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS.” sendo que essas entidades “ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.” (cfr. artigo 4.º n.º 2 do CIRC).
Estando em questão a figura do estabelecimento estável, dispõe para o efeito o n.º 1 do artigo 5.º do CRC que se considera estabelecimento estável “qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. “
Assim, quanto aos sujeitos passivos não residentes, a existência de estabelecimento estável em território português constitui o critério de distinção daqueles sujeitos passivos para efeitos de determinação da respectiva base tributável.
Com efeito, existe um estabelecimento estável quando um não residente dispõe em outro país de uma estrutura com características que a fazem haver como meramente acidental, através da qual leva a cabo uma actividade empresarial.
Não obstante, para que ocorra tributação sobre os rendimentos obtidos sobre estabelecimentos estáveis, é necessário que este exista há mais de 6 meses, conforme decorre do plasmado no n.º 3 do artigo 5.º do CIRC.
No que respeita ao que devemos atender para efeitos dos 6 meses de duração, socorremo-nos do que para o efeito estatui o artigo 5.º n.º 3 do CIRC ao estabelecer que “para efeitos de contagem do prazo referido no número anterior, no caso dos estaleiros de construção, de instalação ou de montagem, o prazo aplica-se a cada estaleiro, individua/mente, a partir da data de início de actividade, incluindo os trabalhos preparatórios, não sendo relevantes as interrupções temporárias, o facto de a empreitada ter sido encomendada por diversas pessoas ou as subempreitadas.”
ln casu, e não obstante a Impugnante ter invocado que somente em Setembro de 2002 iniciou actividade em Portugal, do relatório dos SIT resulta que esta iniciou a transferência das matérias-primas e equipamentos necessários ao início dos trabalhos desde Maio de 2002, decorrente da facturação emitida aos [SCom02...], SA, designadamente três facturas emitidas em 27.05.2002, 15.07.2002 e 26.08.2002, coligido no probatório, ponto 5).
Ressalve-se que a Impugnante nada alega e/ou invoca factos que contrariem as ilações extraídas pelos SIT no seu relatório, esta cinge-se tão só a afirmar que apenas iniciou a sua actividade em Setembro de 2002, não logrando trazer aos autos factos e/ou elementos comprovativos do invocado, contrariando as ilações dos SIT. [negrito nosso]
Com efeito, impera concluir que a Impugnante iniciou a sua actividade em Portugal em Maio de 2002.
Acresce que, apesar da Impugnante não ter tido uma actividade regular desde Maio de 2002 até ao final desse ano, verdade é que a norma em questão (artigo 5.º n.º 3 do CIRC), não considera relevante tais interrupções para os efeitos aqui em crise. Concludentemente, verificando-se que a Impugnante iniciou a sua actividade em Portugal em Maio de 2002, conclui-se pela existência de estabelecimento estável por mais de 6 meses, caindo a Impugnante na previsão da incidência objectiva e subjectiva do IRC, improcedendo o alegado.
(…)
Ora, do extrato acabado de citar da sentença recorrida, resulta claro que a mesma se encontra minimamente fundamentada, resultado expresso o entendimento de que a Administração fiscal teria feito prova suficiente de que através da faturação emitida pela Recorrente aos [SCom02...], SA, “designadamente” de três faturas emitidas em 2002-05-27, 2002-07-15 e 2002-08-26 - o que claramente resulta da remissão ali feita para o relatório da inspeção tributária, acolhida no ponto 5 da fundamentação de facto supra reproduzida – e que, tendo a mesma cumprido, deste modo, o seu ónus probatório, caberia à Recorrente produzir contra prova, o que não sucedeu.
Refira-se, aliás, que da conclusão XIII das alegações de recurso resulta claro que a Recorrente compreendeu o raciocínio no qual se suportou a decisão recorrida, sendo igualmente de sublinhar que ao contrário do que ali é afirmado a mesma não se limita a mencionar uma, mas sim três faturas, expressamente mencionadas a fls. 22 RIT.
Se decidindo deste modo o Tribunal a quo andou bem, é já uma outra questão, que se prende com um eventual erro de julgamento de direito por errada interpretação das regras do ónus probatório, e/ou, com um putativo erro de julgamento de facto, designadamente, por deste modo sancionar um erro na interpretação do conteúdo da fatura emitida em 2002-05-27 por parte dos serviços da Recorrida.
Ora, repita-se, em momento algum do seu recurso a Recorrente imputa à sentença qualquer erro de julgamento de direito ou de facto, limitando-se a imputar-lhe a nulidade por falta de fundamentação.
Não tem, no entanto, razão, pois como se julga já ter aqui deixado claro, a sentença revela uma fundamentação que torna apreensível o percurso argumentativo no qual sustenta a decisão.
A falta de fundamentação é, com efeito, uma das nulidades que de que a sentença no contencioso tributário pode padecer, tal como resulta do disposto no art. 125.º do CPPT, norma paralela à constante na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º (art. 668.º na numeração anterior), em conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 154.º (na numeração anterior, 158.º), ambos do CPC.
Tal como expressamente decorre da lei, a falta de fundamentação ocorre quanto a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão (cf. art. 125.º do CPPT).
Ora, tal como resulta da lei processual, e como tem vindo a ser explicitado à saciedade pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cf. neste sentido, designadamente, os Acórdãos do STA proferidos, em 2023-04-12, no proc. 0336/18.4BELRS, em 2022-05-26, no proc. 058/10.4BEPRT, em 2019-02-06, no proc. 01161/16, em 2019-02-06, no proc. 0249/09.0BEVIS, ou em 2014-03-12, no proc. 01404/13, e os Acórdãos proferidos pelo STJ em 2023-04-18, no proc. 9560/21.1T8PRT-A.P1.S1, em 2021-03-03, no proc. 3157/17.8T8VFX.L1.S1, em 2020-10-08, no proc. 5243/18.8T8LSB.L1.S1, ou em 2016-06-02, no proc. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Assim sendo, e em face do exposto, o recurso improcede neste segmento, pois a sentença não padece da nulidade que lhe vem imputada.
A Recorrente alega ainda que a sentença sob recurso parece de erro de julgamento de direito por ter feito uma errada interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no n.º 5 do art. 45.º e n.º 1 do art. 46.º, ambos da LGT, assim errando na decisão proferida relativamente à invocada caducidade do direito à liquidação adicional do IRC de 2002 em causa nos autos.
Para tanto argumenta, em síntese, que o que decorre daqueles preceitos é que a ação inspetiva termina com o fim dos atos de inspeção e não, como se entendeu na sentença, com a notificação das Conclusões do Relatório de Inspeção, pelo que a inspeção tributária a que foi sujeita e que esteve na origem da liquidação adicional de IRC com a qual não se conforma teria estado suspensa entre 2006-09-28 e 2006-11-02, donde, e porque foi notificada em 2007-02-23, o teria sido já depois de decorridos 17 dias sobre o prazo de caducidade de 4 anos a que estava sujeita a Administração fiscal (cf. conclusões I a XI das alegações de recurso).
Ora, também quanto a este fundamento do seu recurso desde já se adianta que não tem razão.
Se não, vejamos.
Dispunha-se no n.º 1 do art. 45.º da LGT, na redação então em vigor, que “[o] direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
Por sua vez, no n.º 1 do art. 46.º do mesmo diploma, dispunha-se que “[o] prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, de início de acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.
Entende a Recorrente que para o efeito do disposto no n.º 1 do art. 46.º da LGT para a contagem do período de duração da inspeção tributária se deve considerar que a mesma termina com o fim dos atos de inspeção e não com a notificação do relatório final de inspeção.
Ora, e não sendo controvertido que o início do procedimento de inspeção ocorre com a notificação da ordem de serviço ou despacho que determinou o procedimento de inspeção (cf. art. 51.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, doravante, RCPIT, que aqui se cita na redação à data dos factos), não se vê razão para que o que releve para assinalar o final do período de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação seja o termo dos “atos de inspeção” (cf. n.º 1 do art. 61.º do RCPIT) e não o termo do procedimento de inspeção, definido através da notificação ao sujeito passivo – determinante da sua eficácia – do relatório final de inspeção, elaborado com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e da sua qualificação jurídico-tributária (cf. n.º 2 do art. 62.º do RCPIT, na redação em vigor à data).
Com efeito, e estando em causa a caducidade do direito à liquidação, o que ressalta é que só com a conclusão do procedimento de liquidação é que a Administração tributária se encontra em condições de exercer esse mesmo direito, pelo que deverá ser com o respetivo termo, assinalado através da notificação do relatório final de inspeção, que se põe fim ao período de suspensão da caducidade do direito à liquidação, nos termos e para os efeitos do disposto no supracitado n.º 1 do art. 46.º da LGT.
É, aliás, neste sentido que veio a assentar a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores sobre esta matéria, tal como se explicita na fundamentação do Acórdão proferido pelo STA em 2022-09-07, no proc. 01109/10.8BEALM (disponível para consulta em www.dgsi.pt), que se passa a transcrever no trecho pertinente:


(…)
6. Da caducidade do direito à liquidação de 2005
A questão fundamental suscitada nesta parte do presente recurso é a de saber qual o facto a relevar como termo final na contagem da duração efetiva da «inspeção externa», para os efeitos da segunda parte do n.º 1 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária.
Em concreto, os Recorrentes colocam a questão de saber se, para os efeitos daquele dispositivo legal, se considera que a duração da inspeção externa ultrapassa os seis meses quando a notificação ao contribuinte do relatório de inspeção for efetuada para além daquele prazo (ver a alínea “m)” das conclusões do recurso).
Em caso de resposta afirmativa a esta questão, os Recorrentes colocam outra questão: a de saber se na contagem daquele prazo se aplicam as regras do artigo 279.º do Código Civil e delas resulta que o prazo de seis meses foi ultrapassado.
À primeira questão respondemos afirmativamente.
Isto é, que para efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária se deve entender que a duração da inspeção externa ultrapassa o prazo de seis meses quando a notificação ao contribuinte do relatório de inspeção for efetuada para além daquele prazo.
Deve assinalar-se que, inicialmente, a questão não mereceu uma resposta unívoca do Supremo Tribunal Administrativo. Em parte, porque o legislador também não foi muito coerente ao legislar sobre a matéria.
Porque se neste artigo 46.º, n.º 2, parece ter em vista os atos da inspeção externa, no artigo 36.º n.º 2 do RCPIT parece ter em vista o próprio procedimento de inspeção.
E isto faz toda a diferença, porque os atos de inspeção consideram-se concluídos na data da notificação da nota de diligência a que alude o artigo 61.º do RCPIT.
E o procedimento de inspeção considera-se concluído na data da notificação ao contribuinte do relatório final – artigo 62.º, n.º 2, do RCPIT.
Assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de dezembro de 2005, tirado no processo n.º 0993/05, relevou para o efeito a data da conclusão dos atos de inspeção.
E o acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 20 de outubro de 2010, tirado no processo n.º 0112/10, relevou para o efeito a data da notificação do relatório final ao contribuinte (ver o antepenúltimo parágrafo).
Acabou por prevalecer esta última posição, como deriva do acórdão de 30 de novembro do mesmo ano, no processo n.º 0669/10.
Neste aresto, o Supremo Tribunal Administrativo tomou posição no sentido de que, ao aludir à «inspeção externa», na segunda parte do n.º 1 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária, o legislador tinha em vista o próprio procedimento de inspeção.
Fundamentalmente, porque neste dispositivo se pretende regular o regime da caducidade do direito à liquidação e só com a conclusão do procedimento é que a Administração Tributária se encontra em condições de exercer o direito à liquidação.
Deve acrescentar-se que o Supremo Tribunal Administrativo acabou por firmar jurisprudência no sentido de que o efeito suspensivo do prazo de caducidade previsto neste dispositivo legal se mantém até à notificação do contribuinte da conclusão do procedimento da inspeção (ver o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 21 de setembro de 2016, no processo n.º 01475/15).
E não faria sentido que a data da notificação do contribuinte da conclusão do procedimento da inspeção relevasse como termo final da suspensão do prazo de caducidade e relevasse outra data para saber se esse prazo ultrapassou os seis meses.
Assim, a confirmação desta interpretação também se impõe, agora, por razões de coerência lógica.
(…) [fim de transcrição].
Assim sendo, e em face do exposto, há que concluir que a sentença sob recurso não padece do erro de julgamento de direito que lhe vem imputado, nada havendo a censurar à interpretação e aplicação aos factos que delimitam o caso em apreço do disposto no n.º 1 do art. 45.º e n.º 1 do art. 46.º, ambos da LGT ali propugnada.
Donde há que julgar o presente recurso totalmente improcedente.
***
Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Tal como resulta da lei processual, e como tem vindo a ser explicitado à saciedade pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão.
II. Estando em causa a caducidade do direito à liquidação, o que ressalta é que só com a conclusão do procedimento de liquidação é que a Administração tributária se encontra em condições de exercer esse mesmo direito, pelo que deverá ser através do respetivo termo, assinalado através da notificação do relatório final de inspeção, que se põe fim ao período de suspensão da caducidade do direito à liquidação, nos termos e para os efeitos do disposto no supracitado n.º 1 do art. 46.º da LGT.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 9 de novembro de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Paulo Moura – José Coelho.