Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01870/21.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO – DEPENDÊNCIA UMBILICAL COM O ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
Sumário:I - Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 662º do C.P.C. , o Tribunal Superior só deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.

II- Não se detetando na decisão judicial recorrida qualquer aquisição processual que foram destruídos os documentos de 2013 a 01.09.2020 do processo AJP n.º 15672/2013, em particular, os documentos a partir de 09.11.2018 a 01.09.2020, não se antolha a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto.

III- Questão diversa é de saber se o juízo valorativo formado pelo Tribunal a quo a partir da aquisição de tal materialidade foi bem ou mal operado, que, no fundo, constitui o ponto nuclear da alegação do Recorrente.

IV- Mas tal interrogação não se insere no âmbito da errada apreciação e fixação da matéria de facto, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento de direito.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
JL..., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada no âmbito da Intimação para Prestação de Informações e Passagem de Certidões por este intentada contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P, também com os sinais dos autos, que, em 04.02.2022, declarou verificada “(…) a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, determino[u] a extinção da presente instância, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil (…)”.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“(…)
1- Em 03/08/2025, o Recorrente apresentou, via SITAF, no tribunal a quo, uma intimação para prestação de informações e passagem de certidões;
2- Peticionando, assim, o Instituto de Segurança Social - Centro Distrital da Segurança Social do Porto (ISS, I.P), a passar certidão integral dos processos administrativos de apoio judiciário n.°s 15672/2013 e 4795/2021, bem como a sua condenação no pagamento de uma sanção pecuniário compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação a fixa em moente não inferior a EUR 50,00 diários;
3- No âmbito daquela intimação o ISS, I.P. remeteu ao aqui Recorrente a certidão completa do processo APJ n.° 4795/2021 e a certidão incompleta do processo APJ n.° 15672/2013.
4- Em 30/08/2021, o aqui Recorrente informou o Tribunal a quo de que a certidão referente ao processo APJ n.° 15672/2013 não continha todos os atos praticados desde o ano de 2013 a 2021, bem como a correspondência trocada entre a Ordem dos Advogados e o ISS, I.P. (cf. fl. 550 do SITAF).
5- Em resposta o ISS, I.P. informou que “Relativamente ao processo mais antigo, os documentos de que a entidade requerida dispõe são os que se encontram anexos à referida certidão, tendo os demais sido eliminados ao abrigo do disposto da Portaria n.° 1383/2009, de 04/11 (...) aplicável ao processo de proteção jurídica n.° 15672/2013.” (cf. fl. 555 do SITAF).
6- Em 22/09/2021, o Recorrente requereu que o Tribunal a quo ordenasse o ISS, I.P. a proceder a uma busca mais cuidadosa dos documentos em falta (documentos dos anos de 2018 e 2019, nomeadamente a correspondência trocada entre a ISS, I.P. e a Ordem dos Advogados e documentos dos anos de 2020 e 2021 que não poderiam já estar eliminados, uma vez que o processo não estava ainda concluído) ou a comprovar a eliminação dos mesmos. (cf. fls. 562-563 do SITAF).
7- Notificado da junção aos autos do auto de eliminação n.° 79/2018, datado de 09/11/2018, em 03/02/2022, o aqui Recorrente requereu que o Tribunal a quo ordenasse o ISS, I.P. a apresentar todos os documentos em falta referentes ao processo APJ n.° 15672/2013, nomeadamente, os posteriores ao ano de 2018 (diga-se, os documentos posteriores à data do Auto de Eliminação), a saber (cf. fls. 618-639 do SITAF), a saber:
a) Ofício do Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos advogados, datado de 21/10/2019
b) Notificação da proposta de cancelamento do apoio judiciário, datado de 30/12/2019, remetido ao Requente, convidando-o a juntar no prazo de 10 dias úteis ao processo, o que tiver por conveniente;
c) Resposta à notificação da proposta de cancelamento do apoio judiciário, enviado, por email datado de 20/01/2020, pelo Requerente à Requerida;
d) Notificação da Requerida, que supostamente foi enviada ao Requerente em 05/02/2020, com o despacho de decisão definitiva do cancelamento do apoio judiciário.”
8- Bem como ordenasse o ISS, I.P. a pronunciar-se dos motivos da falta daqueles documentos na certidão emitida.
9- Tendo, para o efeito, alegado essencialmente o seguinte:
a) Que aquele auto de eliminação faz prova de que no dia 09/11/2018, foram eliminados vários processos de proteção jurídica com datas extremas de 2012/2014;
b) Que nos termos do n.° 4, do artigo 4°, da Portaria n.° 1383/2009, de 04/11, o ISS, I.P. não poderia ter procedido, como diz que o fez, à eliminação dos documentos referentes ao processo APJ n.° 15672/2013;
c) Que a certidão emitida tinha em falta não só os documentos dos anos de 2013 a 2018, por estarem “supostamente” (entenda-se, diferente de “confirmado”) eliminados, como também tinha em falta alguns documentos com datas posteriores à data do auto de eliminação (documentos dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021);
10- Em 04/02/2022, o Tribunal a quo indeferiu o requerido pelo aqui Recorrente, fundamentando a sua decisão unicamente na declaração formulada pelo ISS, I.P. na certidão emitida relativamente ao processo APJ n.° 15672/2013.
11- Ou seja, a declaração que o Tribunal a quo assinalou da douta decisão de que “o Requerido declarou expressamente que todos os elementos aí contidos correspondiam a todos os que existiam referentes ao processo APJ n.° 15672/2013, porque todos os demais, ou seja, os anteriores a 01.09.2020, se encontravam destruídos em cumprimento da Portaria n.° 1383/2009, de 04 de novembro de 2009”.
12- E, assim, partindo de uma interpretação errada dos factos alegados pelo aqui Recorrente, a douta decisão concluiu que “independentemente de o auto de eliminação suportar ou não apenas uma parte de tais elementos ou de tal eliminação ter sido ou não efetuada em violação do disposto na Portaria n.° 1383/2009, de 04 de novembro de 2009, uma conclusão afigura-se certa para o Requerente: todos os documentos anteriores a 01.09.2020 foram destruídos, como declarado em tal certidão (...)"
13- É verdade que o ISS, I.P. alegou tal facto na referida certidão, tal como tentou fazer prova com o auto de eliminação n.° 79/2018, datado de 09/11/2018, contudo é falso que tenha feito efetiva prova do mesmo, como é falso que o aqui Recorrente tenha dado tal facto como provado.
14- Ademais, se assim fosse não faria qualquer sentido ter vindo, em 03/02/2022, o aqui Recorrente requerer ao Tribunal a quo o mencionado no ponto 7 das presente conclusões.
15- Como não faria qualquer sentido naquele mesmo requerimento ter alegado o seguinte:
a) No seu artigo 7°, que “(...) a certidão emitida pela Requerida não só tem em falta os documentos dos anos de 2013 a 2018 (supostamente eliminados), como também de alguns documentos com datas posteriores à data da eliminação (2018, 2020 e 2021)”. (artigo 7° do requerimento);
b) No seu artigo 9°, que “Pelo menos, a partir daquela data (posteriores a 2018) até ao ano de 2021, inclusive, a Requerida tem obrigação de ter consigo todos os documentos referentes àquele dito processo de apoio judiciário.”
16- Ora, uma coisa é o Tribunal a quo dar como provado que o ISS, I.P. enviou ao aqui Recorrente aquela certidão relativa ao processo APJ n.° 15672/2013 (fls80-180 e 181-278 e 346-543 do SITAF), outra coisa é dar como provado o que a mesma declara: “(.) que os elementos anteriores a 01.09.2020 se encontram destruídos em cumprimento da Portaria n.° 1383/2009, de 04 de novembro”.
17- Situação semelhante acontece com o facto provado no ponto 6) da douta sentença, ou seja, uma coisa é ser dado com provado que “Em 09/11/2018 foi elaborado um auto de eliminação n.° 79/2018, no qual declara que, nessa data se procedeu à eliminação (..), de um conjunto de documentos atinentes a processos de proteção jurídica dos anos de 2012 a 2014 [cf. cópia a fls. 593-594 do SITAF]”, outra coisa é dar como provado de que os documentos de 2013 a 01/09/2020, do processo APJ n.° 15672/2013 foram efetivamente destruídos.
18- É facto que o único documento que foi junto aos autos pelo ISS, I.P. e que faz prova de algo, é auto de eliminação n.° 79/2018, datado de 09/11/2018.
19- Contudo aquele auto de eliminação apena faz prova de que foram eliminados processos administrativos de apoio judiciário dos anos de 2012 a 2014.
20- Não fazendo aquele auto de eliminação qualquer prova da destruição dos documentos dos anos de 2013 a 01/09/2020 do processo APJ n.° 15672/2013.
21- Nos termos do n.° 4, do artigo 4°, da Portaria 1383/2009, de 04 de novembro, “Os prazos de conservação (...) são contados a partir da conclusão dos processos (...)".
22- Não estado o presente processo concluído, nunca os documentos do processo APJ n.° 15672/2013 podem estar eliminados - facto que o aqui Recorrente alegou no art.° 5° e 6° do seu requerimento junto aos autos no dia 03/02/2022, e que o Tribunal a quo também desconsideração para a decisão a proferir.
23- Ademais, se aquele auto de eliminação não faz prova dos documentos anteriores à sua data (09/11/2018), impossível mesmo é fazer prova da destruição de documentos posteriores àquela data - com se explicaria que um auto de eliminação que comece por dizer que “Aos 9 dias do mês de novembro de 2018, no(a) Arquivo de Casais da Serra (...) procedeu-se à venda/inutilização por reciclagem, de acordo com o (s) n.° 9° e 10° da Portaria n.° 1383/2009, de 04 novembro (...)” de “43 processos de proteção jurídica” com “datas extremas” de “2012/2014” faz prova da destruição de documentos posteriores à sua existência?
24- Assim, o Tribunal a quo nunca poderia dar, como o fez, como provado tais factos por falta de prova da destruição de tais documentos do processo APJ n.° 15672/2013.
25- Tendo considerado como provados tais factos, a douta decisão do tribunal a quo enferma de errada apreciação e fixação da matéria de facto.
26- E ao ter decidido a apreciação da matéria de facto a que procedeu, de que em face das duas certidões que se mostram juntas aos autos se encontra evidenciado que nada mais há a informar por banda do Requerido, ISS, I.P.” e, em consequência, ao ter decidido ocorrer à inutilidade superveniente da lide, decretando a absolvição da instância, a douta decisão recorrida enferma de erro sobre os pressupostos de facto.
27- Em consequência, fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 277°, do CPC, que assim é violado.
28- Pelo que a douta decisão deve ser alterada, devendo constar nos factos assentes de não foi feita prova da destruição dos documentos de 2013 a 01/09/2020 do processo AJP n.° 15672/2013, em particular, os documentos a partir de 09/11/2018 a 01/09/2020.
29- E, por conseguinte, deve a douta decisão ser considerada ilegal, devendo assim ser revogada e o ISS, I.P. ser intimado a fornecer ao aqui Recorrente cópia dos documentos em falta do processo APJ n.° 15672/2013, nomeadamente, os seguintes documentos:
a) Ofício do Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos advogados, datado de 21/10/2019;
b) Notificação da proposta de cancelamento do apoio judiciário, datado de 30/12/2019, remetido ao Requente, convidando-o a juntar no prazo de 10 dias úteis ao processo, o que tiver por conveniente;
c) Resposta à notificação da proposta de cancelamento do apoio judiciário, enviado, por email datado de 20/01/2020, pelo Requerente à Requerida;
d) Notificação da Requerida, que supostamente foi enviada ao Requerente em 05/02/2020, com o despacho de decisão definitiva do cancelamento do apoio judiciário.
30- Devendo ainda o ISS, I.P. ser condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, a fixar em montante não inferior a EUR 50,00 diários. (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Instituto da Segurança Social, I.P., não contra-alegou.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida incorreu em (i) erro de julgamento de facto, por errada apreciação e fixação da matéria de facto e, bem assim, em (ii) erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 277° do CPC.
É na resolução de tais questões, por razões de precedência lógica, que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
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III.1 – DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
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Esta questão está veiculada nos pontos 1) a 28) das conclusões de recurso, substanciando-se, no mais essencial, na alegação de que os elementos documentais postos à disposição do Tribunal, ademais e especialmente, a (i) certidão relativa ao processo APJ n.º 15672/2013 e o (ii) auto de eliminação n.º 79/2018, datado de 09.11.2018, e junto pelo Recorrido em 25.11.2021, não constituem suporte probatório em ordem a concluir-se que foram destruídos os “(…) documentos dos anos de 2013 a 01/09/2020 do processo APJ n.º 15672/2013 (…)”, pelo que “(…) nunca poderia dar, como o fez, como provado tais factos (…)”.
Salvo o devido respeito, o Recorrente labora em manifesto equívoco quanto ao erro de julgamento da matéria de facto supra argumentado.
Na verdade, não se deteta na decisão judicial recorrida qualquer aquisição processual da apontada realidade fáctica, isto é, de que foram destruídos os documentos de 2013 a 01.09.2020 do processo AJP n.º 15672/2013, em particular, os documentos a partir de 09.11.2018 a 01.09.2020.
De facto, no patamar em análise, o que resultou provado foi apenas o seguinte:
5) Em 10.08.2021, os serviços do ISS, I.P. enviaram para o Requerente uma certidão relativamente ao processo de apoio judiciário n.° 15672/2013, na qual se declarava que esta era composta por 194 páginas numeradas e rubricadas e que os elementos anteriores a 01.09.2020 se encontram destruídos em cumprimento da Portaria n.° 1383/2009, de 04 de novembro de 2009 [cf. cópia da certidão a fls. 80-180 e 181-278 e 346-543 do SITAF];
6) Em 09.11.2018, foi elaborado um auto de eliminação n.° 79/2018 no qual se declara que, nessa data, se procedeu à eliminação, de acordo com os artigos 9.° e 10.° da Portaria n.° 1383/2009, de 04/11, de um conjunto de documentos atinentes a processos de proteção jurídica dos anos de 2012 a 2014 [cf. cópia a fls. 593-594 do SITAF];”
Como se facilmente se apreende, a matéria de facto dada como provada não legitima a referência a qualquer elemento no sentido apontado pelo Recorrente.
Realmente, o Tribunal a quo deu como provado, não que resultaram destruídos os documentos de 2013 a 01.09.2020 do processo AJP n.º 15672/2013, em particular, os documentos a partir de 09.11.2018 a 01.09.2020, mas apenas que (i), em 10.08.2021, foi remetida ao Requerente uma certidão com o conteúdo supra assinalado, bem como que, (ii) em 09.11.2018, se procedeu à eliminação, de acordo com os artigos 9.° e 10.° da Portaria n.° 1383/2009, de 04/11, de um conjunto de documentos atinentes a processos de proteção jurídica dos anos de 2012 a 2014.
E quanto a este quadro fáctico constitui suporte probatório o teor de fls. 80 a 180, 181 a 278, 346 a 543 dos autos [suporte digital], para o qual, aliás, remete a respetiva fundamentação da matéria de facto.
De tudo o quanto vem de se expor deriva, que, quanto ao tecido fáctico vertido nos pontos 5) e 6) probatório coligido nos autos, que não se antolha a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto.
Questão diversa é de saber se o juízo valorativo formado pelo Tribunal a quo a partir da aquisição de tal materialidade foi bem ou mal operado, que, no fundo, constitui o ponto nuclear da alegação do Recorrente.
Mas tal interrogação não se insere no âmbito da errada apreciação e fixação da matéria de facto, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento de direito.
Em todo o caso, refira-se que tal valoração foi primeiramente assumida no despacho intercalar de 04.02.2022, que indeferiu a pretensão formulada a fls. 618 a 639 dos autos [suporte digital].
Realmente, tal é o que resulta do seu teor: “ (…) Portanto, independentemente de o auto de eliminação suportar ou não apenas uma parte de tais elementos ou de tal eliminação ter sido ou não efetuada em violação do disposto na Portaria n.° 1383/2009, de 04 de novembro de 2009, uma conclusão afigura-se certa para o Requerente: todos os documentos anteriores a 01.09.2020 foram destruídos, como declarado em tal certidão, o que naturalmente se estende, claro, àqueles cuja junção agora se requer [(i) Ofício do Centro de Apoio Jurídico e Judiciário do Conselho Regional do Porto da Ordem dos advogados, datado de 21/10/2019. (ii) Notificação da proposta de cancelamento do apoio judiciário, datado de 30/12/2019, remetido ao Requente convidando-o a juntar no prazo de 10 dias úteis ao processo, o que tiver por conveniente (iii) Resposta à notificação da proposta de cancelamento do apoio judiciário, enviado, por email datado de 20/01/2020, pelo Requerente à Requerida e (iv) Notificação da Requerida, que supostamente foi enviada ao Requerente em 05/02/2020, com o despacho de decisão definitiva do cancelamento do apoio judiciário]. Enfim, por outras palavras, a certidão emitida pelo Requerido é, por um lado, positiva quanto às 194 páginas que nela foram incorporadas e, por outro, negativa no que tange aos documentos que não foram juntos, atenta a sua declarada destruição (destruição efetiva esta que não é questionada pelo Requerente, mas sim, apenas e tão só, a sua parcial legalidade), tal como, de resto, o Requerido reiterou nos artigos 2.° a 4.° da resposta de fls. 555-556 do SITAF (…)”.
Ora, não tendo a Recorrente impugnado tal despacho intercalar, é de manifesta evidência que o mesmo cristalizou-se na ordem jurídica, tornando-se definitivo.
Assim, quanto à questão de saber se o Tribunal a quo errou ao considerar que “(…) todos os documentos anteriores a 01.09.2020 foram destruídos (…)”, não pode se ignorar a solução preconizada pelo Tribunal no aludido despacho intercalar de 04.02.2022, por se mostrar já a mesma solidificada na ordem jurídica.
Assim sendo, também por esta motivação, seriam de falecer as objeções do Recorrente no capítulo em análise.
Nestes termos, e também por não se antolhar a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado que permita alterar a matéria de facto, improcede o invocado erro de julgamento de facto.
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Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
1) Em 05.03.2021, o Requerente solicitou, através de correio eletrónico dirigido ao Centro Distrital do ISS, I.P., a passagem de certidão integral de todo o processo administrativo de apoio judiciário com o n.° 15672/2013 [cf. fls. 10 do SITAF];
2) Em 09.04.2021, o Requerente apresentou perante os serviços do ISS, I.P. um pedido de apoio judiciário, além do mais, na modalidade de nomeação de defensor oficioso, a fim de instaurar a presente intimação [cf. fls. 17-23 do SITAF];
3) Em 03.08.2021, o Requerente apresentou, através do SITAF, a presente intimação [cf. fls. 1-3 do SITAF];
4) Em 10.08.2021, os serviços do ISS, I.P. enviaram para o Requerente uma certidão relativamente ao processo de apoio judiciário n.° 4795/2021 na qual se declarava que esta era composta por 48 páginas numeradas e rubricadas [cf. cópia da certidão a fls. 25-79 e a fls. 292-343 do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
5) Em 10.08.2021, os serviços do ISS, I.P. enviaram para o Requerente uma certidão relativamente ao processo de apoio judiciário n.° 15672/2013, na qual se declarava que esta era composta por 194 páginas numeradas e rubricadas e que os elementos anteriores a 01.09.2020 se encontram destruídos em cumprimento da Portaria n.° 1383/2009, de 04 de novembro de 2009 [cf. cópia da certidão a fls. 80-180 e 181-278 e 346-543 do SITAF];
6) Em 09.11.2018, foi elaborado um auto de eliminação n.° 79/2018 no qual se declara que, nessa data, se procedeu à eliminação, de acordo com os artigos 9.° e 10.° da Portaria n.° 1383/2009, de 04/11, de um conjunto de documentos atinentes a processos de proteção jurídica dos anos de 2012 a 2014 [cf. cópia a fls. 593-594 do SITAF] (…)”.
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III.2 – DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
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Defende o Recorrente que (…) ao ter decidido a apreciação da matéria de facto a que procedeu “(…) e em consequência, ao ter decidido ocorrer à inutilidade superveniente da lide, decretando a absolvição da instância, a douta decisão recorrida (…) fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 277º, do CPC, que assim é violado (…)”.
A constelação argumentativa que se vem de transcrever enuncia o sentido provável a atravessar ao erro de julgamento de direito em análise.
De facto, caso resulte demonstrada a tese do Recorrente no domínio da falta de aptidão do lastro probatório dos elementos documentais postos à disposição do Tribunal, ademais e especialmente, a (i) certidão relativa ao processo APJ n.º 15672/2013 e o (ii) auto de eliminação n.º 79/2018, datado de 09.11.2018, e junto pelo Recorrido em 25.11.2021, para sustentar a aquisição processual de que foram destruídos os “(…) documentos dos anos de 2013 a 01/09/2020 do processo APJ n.º 15672/2013 (…)”, pelo que “(…) nunca poderia dar, como o fez, como provado tais factos por falta de prova da destruição dos documentos em falta do processo APJ n.º 15672/2013 (…)”, será de proceder o erro de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida, pois que esta se mostrará destituída de real fundamento legitimador do seu dispositivo.
Em sentido inverso, isto é, não sendo de acolher a tese do Recorrente no domínio da invocada “errada apreciação e fixação da matéria de facto”, não será de admitir a procedência do erro de julgamento em análise, por falta de demonstração dos necessários pressupostos prévios integradores da tese do Recorrente.
Pois bem, no caso sub juditio, já vimos que não se divisa qualquer erro de julgamento da matéria de facto coligida nos autos, ademais, mostrando-se já cristalizada na ordem jurídica a solução preconizada no aludido despacho intercalar de 04.02.2022 no sentido de que “(…) todos os documentos anteriores a 01.09.2020 foram destruídos (…)”.
Por conseguinte, em consonância com a lógica que se vem supra de expor, falece inteiramente o erro de julgamento de direito em análise.
E assim improcedem todas as conclusões do recurso sub juditio.
Consequentemente, impõe-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida, ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litigue nos autos.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 29 de abril de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia