Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01119/08.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/11/2013
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CONCURSO PROVIMENTO - ILEGAL EXTINÇÃO
EXECUÇÃO JULGADO
DANO
PERDA CHANCE
Sumário:I. Será de admitir a “perda de chance” como fonte autónoma da obrigação de indemnizar para situações, como a vertente, no domínio dos concursos de provimento em cargos públicos - perda de ocasião de ingresso/progressão numa carreira -, em que o indevido afastamento ou exclusão de um candidato que tivesse uma efetiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegido se não se tiver em consideração o dano que provém da própria expetativa de obter a indigitação.
II. A figura da perda de chance tem como pressupostos ou requisitos essenciais a existência dum determinado resultado positivo futuro que possa vir a verificar-se, mas cuja verificação, todavia, não se apresente como certa; que, pese embora o grau de incerteza, a pessoa se encontre em situação de poder vir a alcançar aquele resultado visto reunir ou ser detentora dum conjunto de condições necessários de que depende a sua verificação; e que ocorra um comportamento de terceiro que seja suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimine ou diminua fortemente as possibilidades do resultado se vir a produzir.
III. A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, do facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
IV. Será, pois, através destes dois limiares que importará, então, distinguir três tipos de hipóteses: a) a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da “chance”, que não dará direito a qualquer reparação; b) a perda de oportunidade perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final; e c) a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à atuação da doutrina da “perda de chance”.
V. A doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade propugna, em tese geral, a concessão duma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar/apurar que a perda duma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando as mesmas como sérias e reais.
VI. Para efeitos de indemnização de tal possibilidade ou oportunidade a mesma deve ter um valor atual e autónomo, suscetível de avaliação económica e que, em certos casos, pode e deve merecer a tutela do direito.
VII. O ato ilegal, porque desconforme com as regras concursais e os princípios da boa fé e da confiança, mostra-se como claramente violador de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos AA., sendo que o dano indemnizável em questão integra-se entre os danos relativos à profissionalidade que as normas/princípios violados no seu contexto tinham e têm por fim igualmente prevenir e garantir e tem respaldo no ordenamento jurídico.
VIII. A possibilidade de repetição de todo o procedimento concursal e a que haja sido atribuído ou reconhecido efeitos retroativos não inviabiliza no caso um pedido indemnizatório pela “perda de chance” já que tal repetição no momento em que se materializa ou se pretende materializar [outubro de 2008] não logra, no caso concreto, eliminar em pleno todos os danos que se tenham produzido no passado, nomeadamente, os que se produziram em termos da possibilidade de ingresso/acesso à carreira/função pública no quadro da edilidade R. em início de 2002 e de mudança do local de vivência pessoal/profissional dos AA..
IX. A “reconstituição” da situação que se pretenda levar a cabo mais de seis anos depois não pode ter a virtualidade de “apagar”, mormente, para efeitos de responsabilidade indemnizatória tudo o que ocorreu e, assim, ficcionando, por um simples passo de mágica, fazer desaparecer toda a vivência, os necessários e decorrentes diferentes percursos de vida pessoal e profissional que foram entretanto percorridos ou trilhados.
X. O dano da “perda de chance” deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo meros e estritos critérios matemáticos, pelo que a fixação do “quantum” indemnizatório deverá atender às probabilidades do lesado obter o benefício que poderia resultar da “chance” perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será um fator decisivo para a determinação da indemnização.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Município da Figueira da Foz
Recorrido 1:PF... e HSJMC...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ” (doravante «MFF»), R. na presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 05.07.2012, que julgando parcialmente procedente a ação movida por PNMF... e HSJMCF... o condenou a pagar aos AA. a “… quantia de 2.880,06 € como indemnização pelo danos materiais correspondentes à perda dos vencimentos de arquiteto estagiário que o Autor, desempregado desde agosto - outubro de 2002, inclusive, deixou de auferir …”, a “… quantia de 3.000 € a título de indemnização pelas despesas com honorários forenses pagos pelos Autores no Recurso Contencioso n.º 392/2002 …” e a “… quantia de 20.000 €, como indemnização por danos morais ...” quantias essas às quais “… acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação do Réu nestes autos …”.
Formula o R., aqui recorrente jurisdicional, nas respetivas alegações [cfr. fls. 397 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
I. Não é devida indemnização aos AA. pelo reputado dano perda de chance de uma carreira de arquitetos na função pública e a residir na Figueira da Foz.
II. Com efeito, traduzindo-se a perda de chance numa perda definitiva de oportunidade de obter uma futura vantagem, essa perda não se verificou in casu, pois o réu executou a sentença anulatória proferida no processo 393/2002 (factos M e N), retomando o procedimento concursal e chamando os AA. (facto O) para tomarem posse, o que estes não fizeram porque não apresentaram os documentos necessários, prescindindo da nomeação objeto do concurso.
III. Ao atribuir uma indemnização por tal dano, a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no art. 483.º, 1 e art. 496.º, 1 e 3 do Cód. Civil.
IV. Considerando a disciplina dos arts. 496.º, 3, 1.ª parte e 494.º do Cód. Civil, bem como a jurisprudência seguida pelos nossos Tribunais relativamente à condenação por danos não patrimoniais, não deverá arbitrar-se uma indemnização superior a 1.500,00€ a cada um dos AA. pelo desânimo e revolta sentidos.
V. Ainda que se aceite integralmente o raciocínio do Tribunal quanto a todos os danos morais elencados na página 19 da sentença (perda de chance, expectativas goradas, desânimo e revolta), não pode aceitar-se em todo o caso a indemnização arbitrada de 10.000,00€ a cada um dos recorridos, por desproporcional e irrazoável. Ao decidir nos moldes decididos, o Tribunal violou o disposto no art. 496.º, 1 e 3 e 494.º do Cód. Civil. Assim, admitindo-se, por hipótese, verificados todos os danos não patrimoniais vertidos na douta decisão recorrida, o montante a arbitrar a cada um dos recorridos não deverá ser superior a 2.000,00€.
VI. O Tribunal a quo não dá como provado que arquiteto seria posto no lugar a concurso, apenas admite que seria provável que isso acontecesse [«(…) que lhe impunham praticar o ato final do concurso, que haveria de ser, com toda a probabilidade, o ato de homologação, a que se seguiria, com toda a probabilidade, o provimento e o início dos estágios»]. Apesar disso, condenou o R. no pagamento de réu da perda salarial sofrida pelo A. marido verificada durante 3 meses, num total de 2.880,06.
VII. Por não passar de uma séria probabilidade, o que está verdadeiramente em causa é uma perda de chance do autor de auferir um vencimento de 960,02 € durante 3 meses. Como assim, devia o Tribunal julgar segundo juízos de equidade, atendendo às possibilidades de o lesado obter o benefício que podia resultar da chance perdida (também assim o Ac. Tr. Rel. Lisboa, 04/03/2010, disponível em www.dgsi.pt, sendo Relator o Desembargador Bruto da Costa). Não o fazendo, violou o disposto no art. 566.º, 1 e 3 do Cód. Civil.
VIII. O valor a arbitrar, justo e razoável para compensar aquela perda de oportunidade, não deverá ser superior a 1.000,00 € …”.
Os AA., aqui recorridos, devidamente notificados vieram produzir contra-alegações [cfr. fls. 409 e segs.] nas quais sustentam a manutenção do julgado e para o efeito formularam o seguinte quadro conclusivo:
...
1.ª Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo Município da Figueira da Foz da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 5 de julho de 2012, por discordância com a quantia atribuída pelo Tribunal a quo a título de danos morais a cada um dos Autores, e com a verba atribuída ao Autor por perdas e diferenças salariais, apontando à sentença recorrida um alegado erro de julgamento, que rebatemos por manifestamente infundado, subscrevendo na íntegra o entendimento plasmado na douta sentença.
2.ª É devida aos Autores indemnização pelo dano perda de chance de uma carreira de arquitetos na função pública; volvidos sete anos entre a prática do ato ilícito e a retoma do concurso, e atendendo às necessárias mudanças operadas na vida dos Autores - tiveram que prosseguir com a sua vida, trilhando um caminho de assumidas opções irreversíveis - terá que considerar-se que perderam definitivamente aquela oportunidade concreta e certa de, em 2002, ocuparem os lugares da categoria de estagiários e que perderam consequentemente a chance, se não mesmo a oportunidade certa de, a partir daquela promoção, lhes ser proporcionada a possibilidade de ingressarem e progredirem na carreira de arquiteto na função pública, e de manter a sua residência na Figueira da Foz.
3.ª Afirmar-se que os Autores não perderam a oportunidade definitiva de acederem à função pública e de residirem na Figueira da Foz, porque passados sete anos essa oportunidade lhes foi novamente concedida, revela inconsciência das consequências reais que provocou a prática do ato ilegal no início da sua vida; os Autores poderiam ter beneficiado dessa oportunidade única se, em 2002, ao invés de revogar o ato que autorizou a abertura do concurso, em manifesta violação dos princípios da boa fé e da confiança, o Réu tivesse emitido o ato final do procedimento.
4.ª A incapacidade da Autora para, em 2008, aceitar o cargo de estagiária não pode servir de fator que subvalorize a ilegalidade cometida pelo Réu em 2002 e conduzir à sua desresponsabilização; foi o Réu quem impossibilitou que os Autores beneficiassem da vantagem real de que demonstraram ser merecedores ao longo de todo o procedimento concursal; se os Autores não tivessem perdido definitivamente a oportunidade de, em 2002, terem ocupado os lugares para a categoria de estagiários, as probabilidades de ingressarem na carreira de arquitetos na função pública e de residir na Figueira da Foz eram reais, sérias, consideráveis, estando mais do que justificado ser o dano indemnizável.
5.ª O grau de consistência e certeza de provimento dos Autores nos lugares postos a concurso e a probabilidade do seu posterior ingresso e progressão na carreira na função pública era de tal forma forte que é forçoso concluir-se pela verificação do dano perda de chance, e consequentemente, que a sentença não incorreu em qualquer erro de julgamento ou violação do disposto nos artigos 483.º n.º 1 e art. 496.º n.ºs 1 e 3 do Código Civil.
6.ª Ainda que se só tivessem sido considerados pelo Tribunal a quo os danos morais traduzidos no desânimo e na revolta dos Autores, o valor de 1.500,00€ sugeridos pelo Réu sempre seriam insuficientes e irrazoáveis, por não representarem uma justa reparação dos prejuízos que se demonstrou terem sofrido os Autores.
7.ª Não merece também acolhimento o entendimento de que, mesmo que se venha a manter a decisão quanto aos danos morais considerados e elencados na página 19 da sentença recorrida, designadamente os danos relativos à perda de chance, é excessiva a indemnização de 10.000,00 € arbitrada não devendo este montante ser superior a 2.000,00 € para cada Autor.
8.ª Não se pode desconsiderar que em consequência da revogação do concurso, os Autores se viram forçados a abandonar um conjunto de atividades integrantes da sua vida profissional, no qual vinham a trabalhar há dois anos àquela parte, e que passaram a exercer um diverso conjunto de atividades integrantes da mesma profissão, e que para um arquiteto em geral é menos interessante (cfr. ponto 10.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento).
9.ª Não se pode menosprezar que os Autores tivessem a sua vida familiar e profissional organizada e sedeada na cidade da Figueira da Foz, onde era sua intenção continuar a residir e a trabalhar (cfr. ponto 7.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento), e que por força do ato ilegalmente emitido pelo Réu, se viram obrigados a efetuar uma mudança para uma outra cidade (cfr. ponto 8.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento).
10.ª O facto de à data da prática do ato ilegal os Autores serem pessoas jovens não significa que não tivessem sofrido desgostos, desânimo e revolta pelo facto de lhes ser coartada a oportunidade de serem promovidos na categoria de estagiários de arquiteto e, posteriormente, de poderem ingressar e progredir na carreira de arquiteto na função pública; não pode questionar-se a dimensão do sofrimento dos Autores, digno de indemnização, não podendo classificar-se os prejuízos com todo esse processo de mudança e readaptação às circunstâncias, como meros incómodos e pequenas contrariedades corriqueiras.
11.ª Quanto à douta jurisprudência citada pelo Recorrente, é incorreta a comparação entre danos que são, na realidade, incomparáveis, entre danos que decorrem de circunstâncias diversas da do caso concreto e que são produzidos na esfera pessoal de indivíduos diferentes dos Autores.
12.ª Outra não poderá ser a decisão do Venerando Tribunal ad quem, senão concluir pela inexistência da alegada violação dos artigos 496.º n.ºs 1 e 3 e 494.º CC e decidir, consequentemente, pela manutenção, por justa e adequada, da indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo na quantia de 20.000,00 €, por todos os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores.
13.ª Reconhecendo-se que o Autor perdeu a possibilidade de, entre agosto e outubro de 2002, ter auferido um vencimento de 962,02 € correspondente à categoria de estagiário da carreira de arquiteto, incorrer-se-ia em erro de julgamento se não se considerasse que essa perda de chance não justifica o pagamento de perdas e diferenças salariais, como se o Autor tivesse efetivamente ingressado na categoria de estagiário.
14.ª O Recorrente incorre em erro de interpretação da sentença recorrida, porquanto considera igualmente uma perda de chance a impossibilidade de ser provido no lugar de estagiário, enquanto o Tribunal a quo apenas configura como perda de chance a possibilidade de ingresso e progressão na carreira de arquiteto, devido à alegada fase probatória que consubstancia o período destinado ao estágio.
15.ª A chance que o Autor perdeu, configurada a final como se tratando de uma oportunidade muito provável, foi a chance de ingressar e progredir na carreira de arquiteto; no entanto, o direito a ser provido, logo em 2002, no lugar destinado à categoria de arquiteto estagiário, conforme era expectável, esse o Autor perdeu definitivamente!
16.ª As sucessivas decisões tomadas no âmbito do concurso demonstravam a forte probabilidade - ou mesmo certeza - de o Autor vir a ser graduado em 1.º lugar na lista de ordenação final e, consequentemente vir a ocupar um dos 3 lugares destinados à frequência do estágio da carreira de arquitetura.
17.ª Se o Recorrente não tivesse praticado o ato ilícito, teria homologado a lista de classificação final em que o Autor estava classificado em 1.º lugar, e teria este sido provido no lugar posto a concurso e iniciado o estágio a que se candidatou, vencendo ao serviço do Réu, pelo menos 960,02 € (cfr. ponto 12.º da matéria de facto cuja prova resultou da audiência de julgamento).
18.ª Por estarmos perante uma perda efetiva, quantificável, e não configurável como uma mera perda de chance, não estava o Tribunal a quo vinculado à fixação de uma indemnização com recurso à equidade.
19.ª Resultando claro que durante 3 meses o Autor poderia ter recebido 962,02 € e não os recebeu devido à atuação ilícita do Município Recorrente, não se verifica a alegada violação pela sentença recorrida do art. 563.º do CC, que determinou e bem, a indemnização pelos danos materiais correspondentes à perda dos vencimentos de arquiteto estagiário que o Autor deveria ter recebido e não recebeu, no montante de 2880,06 €.
20.ª Posto isto, não se verificam os alegados erros de julgamento e a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo o presente recurso ser julgado improcedente por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, mantendo-se na íntegra a douta decisão recorrida, assim se fazendo Justiça! …”.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal notificada nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia [cfr. fls. 443 e segs.].
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objeto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 05.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º do CPC/2013 [na redação introduzida pela Lei n.º 41/013, de 26.06 - cfr. arts. 05.º e 07.º, n.º 1 daquele diploma -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC] [anteriores arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do CPC - na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08] “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar parcialmente procedente a pretensão indemnizatória na qual se funda a presente ação administrativa comum enferma de erro de julgamento por incorreta aplicação, mormente, do disposto nos arts. 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 3 e 566.º todos do Código Civil [CC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade:
I) Por despacho do Senhor Vice-Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, publicado no DR n.º 186, III.ª série, de 11.08.2001, foi aberto concurso externo de ingresso para admissão, no Município R., de três estagiários da carreira de arquiteto, com o conteúdo funcional descrito no mapa 1 anexo ao Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de julho [al. A) da matéria de facto assente].
II) Ao referido concurso foram admitidos como candidatos os ora AA., os quais, à data da abertura do concurso - 11.08.2001 - eram técnicos superiores de 2.ª classe, em regime de contrato de trabalho a termo certo, na Câmara Municipal da Figueira da Foz [al. B) da matéria de facto assente].
III) Após as fases procedimentais, em 31.01.2002, foram os candidatos ordenados pelo júri do concurso, ficando em 1.º lugar o A. PNMF... com a classificação de 16,87 valores e em 2.º lugar a A. HSJMCF... com a classificação de 16,62 valores [al. C) da matéria de facto assente].
IV) A 28.02.2002 o Senhor Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz emitiu despacho de revogação do ato administrativo que autorizara a abertura do sobredito concurso, bem como de todos os atos administrativos subsequentes, despacho que viria a ser publicado no Diário da República III.ª série, n.º 75, de 30.03.2002 [al. D) da matéria de facto assente].
V) No sobredito despacho a respetiva decisão era motivada nos seguintes termos: “… necessidade de maior racionalização dos meios humanos existentes nesta Câmara de modo a obter maiores índices de eficácia, eficiência e economia, tendentes a uma melhor gestão, quer dos meios humanos quer financeiros …” [al. E) da matéria de facto assente].
VI) A 29.05.2002 os AA. interpuseram neste tribunal recurso contencioso de anulação do sobredito despacho de 28 de fevereiro, a que coube o n.º 392/2002 [al. F) da matéria de facto assente].
VII) Por sentença dada em 22.01.2007, que não foi impugnada e transitou em julgado, decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgar procedente o recurso contencioso de anulação e, assim, anular o despacho recorrido - doc. n.º 1 da «P.I.» [al. G) da matéria de facto assente].
VIII) Dá-se aqui por reproduzido todo o teor do relatório e da fundamentação da referida sentença [al. H) da matéria de facto assente].
IX) Em suma, revogadas, pelo STA, as decisões que na primeira e na segunda instância haviam rejeitado o recurso, decidiu o TAF julgar procedente o recurso contencioso de anulação por verificação dos vícios de falta de fundamentação de facto e de direito e por violação dos princípios da boa fé e da confiança, anulando o despacho recorrido [al. I) da matéria de facto assente].
X) Da motivação da sentença quanto ao vício de violação dos princípios da confiança e da boa fé destaca-se o seguinte excerto: “… A boa fé não é violada só porque a administração decide revogar um ato de abertura do concurso; mas se o decide, depois de sucessivas outras decisões, como sejam nomeação de júri, fixação de critérios e avaliação, atribuição de pontuação, organização da lista de classificação final que ordenou os recorrentes em 1.º e 2.º lugar, respetivamente, audição prévia dos mesmos e remessa da lista pela entidade competente para a sua homologação, teremos de concluir que, desconhecendo-se os motivos que determinaram a cessação do concurso, houve efetivamente um comportamento que privou os recorrentes da situação de vantagem que haviam adquirido, com a graduação …” [al. J) da matéria de facto assente].
XI) Em 13.09.2007 os AA. instauraram ação executiva relativamente àquela sentença, pedindo a condenação do aqui R. na prática dos seguintes atos e operações: “… 1. Na prolação de novo despacho pela entidade executada, expurgado dos vícios assacados, ou seja, a prolação de novo despacho pelo Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz que não sofra de falta de fundamentação nem de vício de ilegalidade por violação dos princípios da boa fé e da confiança, e que destrua todos os efeitos produzidos pelo ato anulado, devendo a autoridade executada emitir despacho a homologar a lista de classificação final dos candidatos ao concurso em apreço; (…) 2. No pagamento pela autoridade executada aos exequentes das despesas com os encargos judiciais e honorários com o patrocínio forense suportadas com a ação principal, recurso contencioso de anulação, no montante de € 2.195 ao exequente PN... e € 2.195,75 à exequente HS...; (…) 3. No pagamento aos exequentes, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais sofridos com a prática do ato ilegal, da quantia de € 4965,28 (quatro mil novecentos e sessenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos) …” [al. L) da matéria de facto assente].
XII) Na ação executiva, a que coube o n.º 392/2002-A, foi proferida e transitou em julgado em 23.07.2008 a sentença cuja certidão a fls. 128 e segs. dos autos (papel) aqui se dá como reproduzida, de que se destaca o seguinte excerto da fundamentação e a decisão: “… Importa referir que como não está em causa a prolação de um ato administrativo vinculado, o Tribunal não pode determinar o conteúdo do ato final a praticar, por força do já citado n.º 1 do artigo 179.º do CPTA, o Tribunal não pode determinar o conteúdo do ato administrativo a proferir, não podendo impor a prática de ato que homologue a lista de classificação final, como pretendem os exequentes, sob pena de violação do principio da separação de poderes, já que este ato apela ao exercido de valorações próprias da Administração. (…) Acresce também que não cumpre em sede de execução de sentença anulatória apreciar e decidir de pedidos indemnizatórios (exceto na situação de causa legitima de inexecução, nos termos previstos no artigo 178.º do CPTA), pois a apreciação dos pressupostos operantes da responsabilidade civil extracontratual extravasa o âmbito do presente meio executivo, e não se compadece com a tramitação nele prevista. Pelo que o peticionado ressarcimento dos prejuízos resultantes do ato anulado, incluindo o dano consubstanciado nas despesas judiciais e em honorários em que os exequentes incorreram, apenas poderá operar-se através de ação de indemnização. (…) Pelo exposto, (…) Julga-se parcialmente procedente o pedido executivo, devendo a entidade executada, com vista à integral execução da sentença proferida nos autos da recurso contencioso de anulação n.º 392 /02, proceder à prolação do ato final do concurso …” [al. M) da matéria de facto assente].
XIII) Em 27.10.2008 foi proferido, pelo Senhor Presidente da Câmara do Réu, despacho homologando a lista de graduação no concurso [al. N) da matéria de facto assente].
XIV) Em consequência foram ambos os AA. notificados pelo R. em 29 seguinte para em dez dias entregarem na Divisão de Gestão de Recursos Humanos, entre outros documentos, o atestado de robustez física, a fim de tomarem posse dos lugares [al. O) da matéria de facto assente].
XV) Nem o A. nem a A. entregaram os documentos acima referidos [al. P) da matéria de facto assente].
XVI) A A. achava-se ao tempo incapacitada para o trabalho devido a doença, desde pelo menos 07 desse mês e está-lo-ia pelo menos até 23.01.2009 [al. Q) da matéria de facto assente].
XVII) Foi submetida a cirurgia de ressecção anterior do reto no ano de 2000 [fls. 166 e segs.] [al. R) da matéria de facto assente].
XVIII) Sofre desde pelo menos o ano de 2004 de uma patologia crónica - Megacolon por Hipoganglioniose do Cólon ou doença de Raynaud - que motivou o seu internamento hospitalar em 04.04.2006 e a sua submissão a cirurgia de colectemia sub total com implante, tendo tido alta em 18.04 seguinte [al. S) da matéria de facto assente].
XIX) Em 02.01.2009 os AA. apresentaram no processo executivo vindo a referir o requerimento cuja certidão é fls. 158 e segs. dos autos, no qual:
- Alegavam que a A. sofria da doença referida supra em XVIII) desde 2004 e que em consequência disso estava definitivamente privada, por falta da robustez física legalmente necessária, de aceitar o lugar em que fora provida; e que também o A. o estaria, em virtude de isso ser incompatível com o apoio devido à mulher na sobredita doença;
- E requeriam que o tribunal declarasse que tais circunstâncias eram causa legítima de inexecução e ordenasse a notificação do ali executado e ora R. para acordar com os ali exequentes e ora AA. o montante da indemnização a pagar pela inexecução [al. T) da matéria de facto assente].
XX) Tal requerimento foi sumariamente indeferido, com o seguinte fundamento: “… como é bom de ver tal pedido não pode ser satisfeito, por força do disposto no n.º 1 do art. 666.º do CPC …”.
XXI) Transcreve-se, por fim, o anúncio do concurso, na parte considerada relevante para a discussão da causa:
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Concursos externos de ingresso
1. Em cumprimento das disposições emergentes do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, torna-se público que, na sequência dos meus despachos de 20 de abril, 3 de maio e 10 de julho do corrente ano, se encontram abertos, pelo prazo de 10 dias úteis contados do dia da publicação do presente aviso no Diário da República, os seguintes concursos externos de ingresso:
Requisitos especiais
Grupo de pessoal técnico superior (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 44/99, de 11 de junho, aplicável à administração local pelo Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de dezembro).
(…)
D) Para admissão de três estagiários da carreira de arquiteto:
São requisitos especiais de admissão a posse da licenciatura em Arquitetura e do respetivo título profissional.
Conteúdo funcional: o descrito no mapa I anexo ao Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de julho (caraterização genérica).
(…)
Conteúdo funcional: o descrito no despacho da Secretaria de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de agosto de 1996.
Quota de emprego: no caso de igualdade de classificação, será dada preferência ao candidato com deficiência, a qual prevalece sobre qualquer outra preferência legal, conforme previsto no n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de fevereiro.
(…)
4.6.3. Sob pena de exclusão, os requerimentos de admissão deverão ser acompanhados dos seguintes documentos:
(…)
d) Documentos comprovativos dos requisitos gerais previstos nas alíneas a), b), d), e) e f) do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, podendo ser dispensada a sua apresentação desde que os candidatos declarem no próprio requerimento, sob compromisso de honra e em alíneas separadas, a situação precisa em que se encontram relativamente a cada um daqueles requisitos;
(…)
5. Regime de estágio:
5.1. A frequência de estágio será feita em regime de comissão de serviço extraordinária ou contrato administrativo de provimento, consoante o estagiário possua ou não nomeação definitiva na Administração Pública.
5.2. O estágio tem caráter probatório e duração de um ano, findo o qual os estagiários serão avaliados e classificados pelo júri do presente concurso, que é simultaneamente júri de estágio, sendo ponderados os seguintes fatores:
a) Relatório de estágio, a apresentar pelo estagiário no prazo de 30 dias após o termo do estágio;
b) Classificação de serviço obtida durante o período de estágio;
c) Resultado da formação profissional prevista no Despacho n.º 233/90, do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de janeiro de 1991.
5.3. A classificação final de estágio traduzir-se-á na escala de 0 a 20 valores, resultando da média aritmética simples das classificações obtidas nos diversos parâmetros de avaliação indicados, por aplicação da seguinte fórmula …” [al. V) da matéria de facto assente].
XXII) O A. PN..., após o termo do contrato a termo certo com o R., que ocorreu em 23.07.2002, só veio a obter nova colocação em 04 de novembro do mesmo ano [Respostas aos itens 01.º) e 02.º) da Base Instrutória - «B.I.»].
XXIII) Se tivesse sido provido no lugar posto a concurso, desde pelo menos 24.07.2002 até ao novo emprego iniciado em 04 de novembro seguinte, o A. PN... auferiria, pelo menos a remuneração correspondente à categoria de estagiário da carreira de arquiteto que era, ao tempo, de 962,02 € [Resposta ao item 03.º) da «B.I.»].
XXIV) A A. HS... logrou obter colocação de imediato, na delegação do Porto da Ordem dos Arquitetos [Resposta ao item 04.º) da «B.I.»].
XXV) A A., a ter sido provida no lugar a concurso, auferiria pelo menos, nos primeiros doze meses, o vencimento de 960,02 € [Resposta ao item 05.º) da «B.I.»].
XXVI) As despesas com a constituição de advogado, suportadas pelos AA. para impugnarem judicialmente o ato impugnado cifraram-se em 4.391,50 € [Resposta ao item 06.º) da «B.I.»].
XXVII) Os AA. desempenharam funções na Câmara Municipal da Figueira da Foz durante cerca de dois anos [Resposta ao item 08.º) da «B.I.»].
XXVIII) Tinham a sua vida familiar e profissional organizada e sedeada na cidade da Figueira da Foz, onde era sua intenção continuar a residir e a trabalhar [Resposta ao item 09.º) da «B.I.»].
XXIX) Tiveram que efetuar uma mudança para uma outra cidade [Resposta ao item 10.º) da «B.I.»].
XXX) Os AA. experimentaram, com estes factos e os mencionados infra em XXXI) e XXXII), sentimentos de revolta e de desânimo [Resposta ao item 11.º) da «B.I.»].
XXXI) Os AA., em consequência da revogação do concurso viram-se forçados a abandonar um conjunto de atividades integrantes da sua profissional, no qual vinham a trabalhar havia cerca de dois anos àquela parte, e a passaram a exercer diverso conjunto de atividades integrantes da mesma profissão, mas que para um arquiteto em geral é menos interessante [Resposta ao item 12.º) da «B.I.»].
XXXII) Os AA. ficaram privados, em consequência do ato anulado, daquela concreta oportunidade de evolução profissional na Função Pública [Resposta ao item 13.º) da «B.I.»].
XXXIII) O vencimento que quer um quer outro A. venceriam ao serviço do R., se tivessem vindo a ocupar os lugares objeto do concurso seria de pelo menos 960.02 €, correspondente à categoria de arquiteto estagiário [Resposta ao item 15.º) da «B.I.»].
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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada que não foi alvo de qualquer impugnação importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional “sub judice”.
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3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Coimbra em apreciação da pretensão formulada pelos aqui recorridos veio a considerar a mesma parcialmente procedente já que, preenchidos os requisitos/pressupostos cumulativos para efetivação da responsabilidade civil extracontratual, termos em que condenou o R./recorrente no pagamento de indemnização nos termos atrás já enunciados.
ð
3.2. DA TESE DA RECORRENTE
Contra tal julgamento se insurge em parte o R. «MFF» sustentando que, no caso, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento traduzido na violação do disposto nos arts. 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 3 e 566.º do CC, devendo, em consequência, ser julgada improcedente a pretensão indemnizatória quanto ao dano relativo à “perda de chance”, ao valor arbitrado ao A. a título perdas de vencimentos já que se mostra incorretamente fixado, bem como quanto aos valores arbitrados a título de danos não patrimoniais visto se revelarem exagerados, desproporcionais e irrazoáveis.
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3.3. DO MÉRITO DO RECURSO
I. Centrando, desde logo, nossa atenção no fundamento impugnatório em epígrafe importa para o efeito tecer algumas notas e considerandos necessários de enquadramento prévios.
II. Assim, como primeira nota cumpre referir que os AA. ao deduziram seu pedido indemnizatório incluíram no âmbito dos danos não patrimoniais [computados no valor global de 50.000,00 € para cada um deles] aquilo que foram, nomeadamente, as frustrações, as angústias, revoltas e desânimos decorrentes das expetativas relativas à carreira profissional [cfr., mormente, os arts. 78.º a 91.º da petição inicial], não tendo, desta feita, extraído e formulado qualquer pedido de indemnização por danos patrimoniais decorrente da afetação/lesão da sua esfera jurídica em termos profissionais.
III. Como segunda nota importa frisar que a decisão judicial recorrida entendeu, no caso e integrando no cômputo dos danos não patrimoniais, estarem reunidos os pressupostos da “perda de chance”, mormente quanto a uma carreira de arquitetos na função pública, relevando na e para o juízo equitativo na fixação do valor a arbitrar o factos de os AA. terem acabado “por prescindir, posto que nas circunstâncias supra referidas e muitos anos mais tarde, da nomeação objeto do concurso”.
IV. Ora a figura jurídica da “perda de oportunidade”, ou mais habitual e tradicionalmente denominada de “perda de chance”, constitui realidade que vem sendo tratada ao nível doutrinal e jurisprudencial, sem que a resposta à sua admissibilidade no quadro do nosso ordenamento tenha sido unívoca.
V. Assim, refere Vera Eiró, em termos de enquadramento geral da figura, que “… a «teoria da perda de chance» (nas suas diversas formulações) é a resposta dada, nalguns ordenamentos jurídicos e fundada essencialmente no labor da doutrina e da jurisprudência, aos casos em que, por força de um especial contexto da prática do ato lesivo, não é possível afirmar que os danos verificados não teriam ocorrido não fora a ilegalidade praticada. A teoria da perda de chance, pensando agora nas suas diversas formulações, permite portanto ultrapassar a lógica do tudo ou nada associada à responsabilidade civil e abre a porta à atribuição de uma indemnização mesmo quando não fique provado que o comportamento do lesante foi a causa adequada do resultado final. (…) Numa palavra, a «perda de chance» permite atribuir uma indemnização mesmo naqueles casos em que não é possível demonstrar a certeza do dano …” [em “Responsabilidade civil extracontratual e danos de perda de chancein: “Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas”, ICJP - 05 de dezembro de 2012 - Coordenação: Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo, consultável em versão e-book no sítio «http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/»].
VI. Por sua vez, sustenta Júlio Gomes que “… a doutrina da perda de chance não representa uma mera revisão do conceito de dano e uma ampliação deste, mas constitui antes uma rutura, mais ou menos “camuflada”, com a conceção clássica da causalidade. E mesmo que porventura se deva, de jure condendo, questionar sobre a suficiência da teoria da causalidade adequada, não se pode esquecer que a mesma foi consagrada entre nós no artigo 563.º do Código Civil. Não se nos afigura adequado introduzir, entre nós, de maneira tão dissimulada, um reconhecimento da causalidade probabilística. (…) a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. (…). Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito. (…). Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que … se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso. Trata-se de situações em que a chance já se «densificou» o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de «uma quase propriedade», um «bem» …” [in: “Direito e Justiça”, vol. XIX, 2005 (mas 2007), tomo II].
VII. Pronunciando-se também sobre esta problemática defende Rute Teixeira Pedro que “… a perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. (…) Em Portugal, poucos são os Autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. (…) Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem ...”, concluindo pela admissão da “perda de chance” como entidade “a se” e que como espécie autónoma de dano “… poderá ser aceite, respeitado que é o esquema tradicional da responsabilidade civil …” e, citando Sinde Monteiro, afirma que “… a perda de chance constitui uma «orientação defensável» e «há boas razões de justiça material e de equilíbrio jurídico para a defender» …” [in: “A Responsabilidade Civil do Médico - Reflexões sobre a noção de perda de chance e a tutela do doente lesado”, Coimbra, 2008, págs. 232/233 e 463/464].
VIII. Também neste contexto M. Carneiro de Frada afirma que “… um outro exemplo dá-o o dano conhecido por «perda de chance» praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: Se o atraso de um diagnóstico diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid juris? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar? (...) Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g. da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa «chance» a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do artigo 483.º, n.º 1 não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda de uma chance. (…) Ainda assim, surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. o artigo 566.º, n.º 3) …” [in: “Direito Civil - Responsabilidade Civil - Método do Caso”, Coimbra 2006, pág. 103].
IX. Por sua vez, Rui Cardona Ferreira opta por se aproximar “… dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo …”, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada, já que, para efeitos de cálculo da indemnização, sustenta que se deve ter em conta “… o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do ato ilícito …” já que o “quantum indemnizatório há-de refletir, assim, a intensidade do aumento do risco não permitido, que se apresenta, na outra face da mesma moeda, como o grau de probabilidade pré-existente de obtenção da vantagem frustrada …” [in: “Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance (Em especial, na contratação pública), Coimbra, 2011, pág. 347], sendo que em estudo posterior o mesmo Autor apresenta uma “nuance” ao concluir que “… resulta clara a necessidade de inserção da perda de chance, pelo menos quando se apresente como um dano patrimonial, numa revisão mais ampla do sistema de responsabilidade civil, que admita diferentes configurações e modos de articulação entre os respetivos pressupostos …” sem que “… se advogue uma mobilidade ilimitada dos pressupostos da responsabilidade civil (…). Pela nossa parte, o modesto contributo que propomos assenta (i) na adesão à conceção estritamente normativa da perda de chance, quando esteja em causa lesão de bens não patrimoniais - tipicamente, na responsabilidade civil por ato médico -, e (ii) na rutura com um entendimento monolítico da relação de causalidade exigível para fundar o dever de indemnizar, quando estejam em causa bens patrimoniais, mas existam dados normativos que justifiquem um abaixamento da respetiva fasquia, normalmente estabelecida a partir do patamar mínimo da conditio sine qua non ” [em “A perda de chance - análise comparativa e perspetivas de ordenação sistemática” in: “O Direito”, Ano 144.º, 2012, I, págs. 29 e segs. (págs. 56/57)].
X. Defende Carlos A. Fernandes Cadilha que a indemnização porperda de chance” se traduz “… na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado. Com esse conteúdo, a perda de chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter. Quando essa consequência negativa é imputável a um facto lesivo de outrem coloca-se a questão da sua possível indemnizabilidade …”, sendo que “… a perda de chance não corresponde a um mero dano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e atual, visto que se trata da perda da possibilidade concreta - e já existente no património do interessado - de obter um resultado favorável …”, na certeza de que a “… dificuldade coloca-se na avaliação do dano, uma vez que, embora exista uma expetativa, a obtenção do resultado vantajoso é meramente hipotética. (…) No caso da perda de chance, os indícios probatórios operam sobre a expetativa de obter um ganho e não sobre a própria verificação desse ganho …”, pelo que o “… direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado …”, já que a “… questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expetativa jurídica …”. E, concluindo, afirma que não “… existindo qualquer indicação legal quanto aos termos em que a perda de chance poderá ser aceite no direito português, e sendo ainda incipiente a prática jurisprudencial, neste âmbito, a figura deverá ser encarada com grandes cautelas e apenas nas situações de privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caraterizar, com mais evidência, como um dano autónomo. E, especialmente, no domínio dos concursos de provimento em cargos públicos ou de adjudicação de contratos, em que a indevida exclusão de um candidato que tivesse uma efetiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegido se não se tiver em consideração o dano que provém da própria expetativa de obter a indigitação …” [in: “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas - Anotado”, 2.ª edição, 2011, págs. 98/100].
XI. Já Paulo Mota Pinto, debruçando-se sobre a figura em análise, defende por seu turno que “… não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chances (…). Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do artigo 494.º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da «perda de chance» como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios …” [in: “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, II, Coimbra 2008, pág. 1103, nota 3103].
XII. Em termos jurisprudenciais constatamos posicionamentos também diversos entre decisões que sustentam que a mera perda duma “chance” não possui em geral virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória [cfr., entre outros, os Acs. STJ de 22.10.2009 - Proc. n.º 409/09.4YFLSB, de 26.10.2010 - Proc. n.º 1410/04.OTVLSB.L1.S1, de 29.05.2012 - Proc. n.º 8972/06.5TBBRG.G1.S1, de 18.10.2012 - Proc. n.º 7/04.9TVLSB.L1.S1 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jstj»] e as que a admitem e/ou reconhecem expressa ou implicitamente [cfr., entre outros, os Acs. STJ de 28.09.2010 - Proc. n.º 171/2002.S1, de 16.12.2010 - Proc. n.º 4948/07.3TBVNG.P1.S1, de 10.03.2011 - Proc. n.º 1410/04.OTVLSB.L1.S1, de 05.02.2013 - Proc. n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14.03.2013 - Proc. n.º 78/09.1TVLSB.L1.S1 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. STA de 24.10.2006 - Proc. n.º 0289/06, de 20.11.2012 - Proc. n.º 0949/12 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»].
XIII. Colhendo casos de enquadramento que motivaram uma resposta à existência da figura em análise sustentou-se no acórdão do STA de 24.10.2006 [Proc. n.º 289/06 - supra citado] que mercê “… do referido afastamento compulsivo ilegal, o autor viu irremediavelmente perdida a possibilidade de ser promovido a cabo e afastada a possibilidade ulterior de progresso na carreira, nomeadamente à categoria de sargento (…), ou seja, viu ser-lhe negada, definitiva e ilegalmente, a possibilidade de exercer um direito estatutário que lhe assistia, o direito à progressão na carreira. (…) Ora, o facto de lhe ter sido negada a possibilidade de progressão na carreira, embora condicionada a determinados pressupostos, sendo que alguns se poderiam ter verificado durante o período em que esteve afastado, como é o caso da promoção por classificação em curso, impossibilitou definitivamente o Autor, de poder concorrer e ser promovido ao posto de cabo, como se provou e, consequentemente, de poder vir a auferir de estatuto e remunerações superiores. A perda definitiva da possibilidade de ter progredido na carreira constitui, sem dúvida, um dano decorrente daquele afastamento ilegal e, portanto, indemnizável, verificados que estão os pressupostos do art. 483.º do CC (facto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade), mas não através da condenação do Estado a pagar ao Autor as diferenças salariais entre o posto de soldado e o de cabo, como foi decidido e muito menos aumentando para o dobro esses montantes, como pede o Autor, no recurso subordinado, mas sim pela fixação, na falta de outros elementos, de uma importância que se afigure justa e razoável para compensar essa perda de chance, ou seja, com recurso à equidade (art. 566.º, n.º 3 do CC) …”.
XIV. O mesmo Supremo Tribunal no seu acórdão de 20.11.2012 [Proc. n.º 0949/12 também supra referido] e invocando o entendimento que havia sido firmado noutro seu acórdão datado de 30.09.2009 [Proc. n.º 634/09 consultável no mesmo sítio] veio referir que “… «… na jurisprudência deste Supremo Tribunal, há já uma corrente que entende que (i) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não podendo ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 566.º do C. Civil (…). No caso em apreço não vemos razão para divergir desta orientação e entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e atual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objetivo de indemnizar» - ac. de 25.02.2009, proc. 47472A, … (…) «A perda da possibilidade de demonstrar que estava em condições de vir a ser nomeado para um dos lugares a concurso constitui um dano para a esfera jurídica do Requerente, pois constitui a perda de uma situação jurídica que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais (…) Nestas situações de indemnização devida pelo facto da inexecução, que acresce à indemnização pelos «prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença» (…) está-se perante ‘um dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado’ ... - ac. de 1.10.2008, proc. 42003A …»” [sublinhado nosso].
XV. Também este TCA, chamado a emitir pronúncia sobre a matéria, no seu acórdão de 03.12.2010 [Proc. n.º 0164-A/2000 (COIMBRA) in: «www.dgsi.pt/jtcn»], no quadro de situação em que, nomeadamente, se discutiam alegados danos à profissionalidade e à progressão na carreira, veio sustentar que estava em presença de “… um caso de indemnização por «perda de chance» que, embora não seja referenciado no direito positivo, a jurisprudência começa a reconhecer como fonte autónoma da obrigação de indemnizar (…). (…) Em certas situações, como a perda de ocasião de progressão na carreira ou de continuidade num procedimento concursal, em que não existe certeza da obtenção de uma vantagem futura, mas apenas a possibilidade (a chance) real de a conseguir, pode admitir-se o ressarcimento do dano da perda de obter uma vantagem. Para efeitos de indemnização, essa possibilidade deve ter um valor atual e autónomo, suscetível de avaliação económica, que em certos casos pode merecer a tutela do direito. (…) Não deve deixar de se reconhecer, porém, que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual não se pode confundir dano com hipótese de dano e que, por isso mesmo, a perda de oportunidade, como um dano em si, tem que ser autonomizada do processo em que se projeta. Ora, a necessidade de se autonomizar a perda de oportunidade dentro do processo em que se integra, apresenta dificuldades na sua configuração como bem jurídico tutelável. Desde logo, no que respeita à ilicitude prevista no n.º 1 do art. 483.º do Código Civil. Como a ilicitude se consubstancia na violação de posições jurídicas absolutamente protegidas ou de normas destinadas a proteger interesses alheios, a indemnização da perda de oportunidade depende da possibilidade de se individualizar uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda dessa oportunidade. (…) Mas para apurar a ilicitude não basta apurar a ilegalidade, pois ela pressupõe a violação de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos. De igual modo, o dano indemnizável deve figurar entre os danos que a norma violada tinha por fim prevenir …”.
XVI. De igual modo, num outro acórdão deste mesmo Tribunal, datado de 13.01.2012 [Proc. n.º 00073/05.0BEMDL-A consultável no mesmo sítio], se referiu a dado passo que “… sobre a indemnização pela impossibilidade absoluta de executar a sentença anulatória já disse este tribunal que se tratava de um caso de indemnização por perda de chance que, embora não seja referenciada no direito positivo, propende a ser reconhecida como fonte autónoma da obrigação de indemnizar [ver AC TCAN de 03.12.2010, Rº00164-A/2000]. O dano sofrido corresponde, pois, a uma perda de oportunidade, no presente caso corresponderia à perda de oportunidade do exequente ser nomeado para o cargo posto a concurso …”.
XVII. E, mais recentemente, em acórdão deste TCA de 30.11.2012 [Proc. n.º 00682-A/2002-COIMBRA consultável no mesmo sítio] veio a defender-se ainda que “… a perda da possibilidade de reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado [artigo 173.º n.º 1 CPTA], devido à ocorrência de causa legítima de inexecução, constitui, por si só, um dano real que importará indemnizar, e que o legislador manda indemnizar [artigo 178.º n.º 1 do CPTA]. (…) A perda dessa possibilidade de reconstituição tira à exequente a oportunidade de concorrer num concurso legalmente realizado, com a inerente perda dessa situação vantajosa, que lhe abriria a possibilidade de poder vir a obter um resultado favorável no mesmo. (…) Essa oportunidade real, de que se viu privada, constitui um bem em si mesmo, um valor autónomo e atual, distinto da utilidade final que potencia, integrando, por isso, um dano certo e real, e não uma mera expectativa. (…) Como refere avalizada doutrina, haverá sempre um dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado [Mário Aroso de Almeida, in Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, página 821]. (…) Este dano, assim configurado, certamente que não se confunde com danos morais, cuja tutela jurídica depende de uma avaliação em termos de gravidade e cuja indemnização se faz segundo a equidade [artigo 496.º n.º 1 e n.º 3 CC]. (…) Mas também para a sua indemnização teremos de recorrer a um juízo de equidade, como manda o artigo 566.º n.º 3 do CC. Na verdade, não é possível quantificar com exatidão aquela perda de oportunidade, ou perda de chance, pelo que o tribunal terá de julgar equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados. (…) O juízo de equidade não é juízo arbitrário. É um juízo que terá de partir sempre do direito positivo, enquanto expressão histórica da justiça numa sociedade organizada, mas alijando elementos técnicos e formais exigíveis no juízo estritamente legal (…). (…) Nele devem ser sopesados elementos factuais apurados e tidos por pertinentes, que ajudem o tribunal a balizar os contornos a dar à indemnização, e ainda princípios estruturantes do direito, tal como o da justiça e o da proibição do enriquecimento sem causa …”.
XVIII. Munidos dos considerandos antecedentes cumpre, ainda, ter presente que a doutrina vem apontando como pressupostos ou requisitos essenciais para a configuração desta figura que, desde logo, exista um determinado resultado positivo futuro que possa vir a verificar-se, mas cuja verificação, todavia, não se apresente como certa e que, para além disso, importa ainda que, pese embora o grau de incerteza, a pessoa se encontre em situação de poder vir a alcançar aquele resultado visto reunir ou ser detentora dum conjunto de condições necessários de que depende a sua verificação. E, por último, mostra-se essencial que ocorra um comportamento de terceiro que seja suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimine ou diminua fortemente as possibilidades do resultado se vir a produzir [cfr., nomeadamente, Rute Teixeira Pedro in: ob. cit., págs. 198 e segs.].
XIX. De frisar que para ser merecedora de tutela jurídica a “chance” deverá revestir um certa seriedade, aquilo que a jurisprudência francesa exige quanto ao caráter “réel et sérieux” da “chance” [na terminologia anglo-saxónica o critério decisivo para efeitos ressarcitórios passa pela distinção entre “a mere possibility” e a “substantial possibility” ou “significant chance], o que afasta do seu âmbito, como tal, quaisquer situações de frustração de meros sonhos, seriedade essa que cabe ser aferida à luz das concretas circunstâncias do caso.
XX. A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, do facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
XXI. Será, pois, através destes dois limiares que importará, então, distinguir três tipos de hipóteses: a) a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da “chance”, que não dará direito a qualquer reparação; b) a perda de oportunidade perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final; e c) a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à atuação da doutrina da “perda de chance”.
XXII. Assim sendo, a doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão duma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar/apurar que a perda duma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando as mesmas como sérias e reais.
XXIII. Revertendo ao caso em presença temos para nós que não assiste razão ao recorrente na tese sustentada em sede de recurso.
XXIV. Com efeito, convocados os considerandos de enquadramento antecedentes e o quadro factual apurado [mormente, seus n.ºs I), II), III), IV), V), VI), VII), IX), X), XI), XII), XIII), XIV), XV), XVI), XVII), XVIII), XXVII), XXVIII), XXIX), XXX), XXXI), XXXII) e XXXIII)] e podendo discutir-se, é certo a qualificação do dano como sendo de natureza não patrimonial, não temos ainda assim como acertada a tese defendida pelo R./recorrente já que, desde logo, entendemos e admitimos a “perda de chance” como fonte autónoma da obrigação de indemnizar para situações como a vertente [no domínio dos concursos de provimento em cargos públicos - perda de ocasião de ingresso/progressão numa carreira] ou de adjudicação de contratos, em que o indevido afastamento ou exclusão de um candidato/concorrente que tivesse uma efetiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegido se não se tiver em consideração o dano que provém da própria expetativa de obter a indigitação/adjudicação.
XXV. É nosso entendimento o de que para efeitos de indemnização tal possibilidade ou oportunidade deve ter um valor atual e autónomo, suscetível de avaliação económica e que, em certos casos, pode e deve merecer a tutela do direito tal como julgamos ocorrer na situação em presença.
XXVI. É certo que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual não se pode confundir dano com hipótese de dano e que, por isso mesmo, a perda de oportunidade, como um dano em si, tem que ser autonomizada do processo em que se projeta, na certeza de que a necessidade de se autonomizar a perda de oportunidade dentro do processo em que se integra apresenta dificuldades na sua configuração como bem jurídico tutelável.
XXVIII. E tais dificuldades apresentam-se logo no que se reporta ao requisito da ilicitude [cfr. arts. 02.º do DL n.º 48051 (aplicável aos factos em discussão) e 483.º, n.º 1 do CC], já que esta, traduzindo-se na violação de posições jurídicas absolutamente protegidas ou de normas destinadas a proteger interesses alheios, temos que a indemnização da perda de oportunidade estará dependente da possibilidade de se individualizar uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda dessa oportunidade e sendo que o dano indemnizável deve figurar entre os danos que a norma violada tinha por fim prevenir.
XXIX. Ora no caso em presença temos para nós que ato ilegal, porque estava em desconformidade com as regras concursais e os princípios da boa fé e da confiança, se mostra também como claramente violador de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos AA., aqui recorridos, sendo que o dano indemnizável em questão se integra entre os danos relativos à profissionalidade que as normas/princípios violados no seu contexto tinham e têm por fim igualmente prevenir e garantir.
XXX. Por outro lado, a indemnização por esse dano, tal como se extrai do quadro jurisprudencial e doutrinal, tem, no caso vertente, respaldo no ordenamento jurídico, sendo que a perda da oportunidade de ingresso/acesso à carreira de arquiteto na edilidade R. e vivência naquela cidade consubstancia dano que lesa a esfera jurídica dos AA./recorridos e, por conseguinte, constitui um dano merecedor de tutela jurídica.
XXXI. Note-se, ainda, que a conclusão a que chegamos não sai beliscada, no nosso juízo, com o facto de se haver repetido o procedimento concursal com emissão de procedimentos e atos tendentes à reposição da esfera jurídica dos AA. como sustenta o R..
XXXII. Entendemos que a possibilidade de repetição de todo o procedimento concursal e a que haja sido atribuído ou reconhecido efeitos retroativos não inviabiliza no caso um pedido indemnizatório pela “perda de chance” já que tal repetição no momento em que se materializa ou se pretende materializar [outubro de 2008] não logra, no caso concreto, eliminar em pleno todos os danos que se tenham produzido no passado, nomeadamente, os que se produziram em termos da possibilidade de ingresso/acesso à carreira/função pública no quadro da edilidade R. em início de 2002 e de mudança do local de vivência pessoal/profissional dos AA..
XXXIII. Na verdade, a concreta perda de oportunidade de ingresso/acesso à carreira/função pública e de vivência pessoal/profissional num determinado local mostra-se, no caso, claramente reportada a um momento espácio-temporal certo e preciso que remonta ao início do ano de 2002 pelo que não nos parece acertado que a “reconstituição” da situação que se pretenda levar a cabo mais de seis anos depois possa ter a virtualidade de “apagar”, mormente, para efeitos de responsabilidade indemnizatória tudo o que ocorreu e, assim, ficcionando, por um simples passo de mágica, fazer desaparecer toda a vivência, os necessários e decorrentes diferentes percursos de vida pessoal e profissional que foram entretanto percorridos ou trilhados.
XXXIV. Em termos de razoabilidade e de justiça fará sentido que uma pessoa esteja ou seja obrigada, em fins de 2008, a ingressar e submeter-se a estágio profissional para acesso ulterior a carreira na função pública de que foi ilícita e ilegalmente preterido em início de 2002 e se assim não puder, fizer ou proceder, verá eliminada totalmente a possibilidade de ser indemnizada pela perda da oportunidade que então havia tido e que ilegal e ilicitamente lhe foi negada? Não cremos que a resposta a esta questão possa ser positiva.
XXXV. Julgamos que não fará sentido, face ao lapso temporal que mediou entretanto e ao próprio tipo de oportunidades que estão em questão, que se possa concluir que a reposição/reconstituição da legalidade e da situação jurídica eliminem a indemnizabilidade da “chance” porquanto esta, efetiva e realmente, perdeu-se e não mais pode ser recuperada ou aproveitada, “o tempo não volta para trás”, a vida não se congela e não pára, não sendo, assim, aceitável e legítimo impor a uma pessoa que, tendo entretanto a sua vida pessoal e profissional organizada, se submeta a estágio profissional para ingresso/acesso a determinado lugar/carreira sob pena de, não fazendo, lhe ser negada a indemnização pelos danos sofridos com a perda da oportunidade tida e de que foi afastada ilegal e ilicitamente.
XXXVI. É certo que as probabilidades perdidas não têm todas o mesmo grau de concretização e a valoração da respetiva perda para efeitos ressarcitórios é, na maior parte dos casos, um escopo difícil.
XXXVII. Ocorre que nestas circunstâncias a fixação da indemnização total ou a sua recusa pura e simples não satisfazem o escopo da justiça material, pelo que não nos repugna, em situações como a vertente, o reconhecimento dum meio - termo que considere a “chance” como um valor a ponderar equitativamente em termos indemnizatórios presente que, no caso, nos deparamos com uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou, com uma “chance” inequivocamente credível e que é portadora de um valor de per si e cuja perda é e deve ser passível de indemnização, nomeadamente, quanto à frustração das expetativas profissionais/pessoais que fundadamente nela se filiaram, sem que tal envolva qualquer infração ao disposto nos arts. 483.º, n.º 1 e 496.º, n.ºs 1 e 3 do CC.
XXXVIII. E no quadro da fixação do cômputo indemnizatório cumpre recordar que, tratando-se de uma indemnização fixada segundo critérios de equidade, se nos afigura, à luz dos limites e dos pressupostos acertados dentro dos quais se situou o juízo equitativo sindicado, que o cômputo do valor pecuniário a arbitrar a este título se mostra no global adequado, não sendo de aceitar a tese do recorrente de ver reduzido o montante indemnizatório a valor não superior a 2.000,00 € para cada um dos AA..
XXXIX. Explicitando e motivando nosso juízo temos que se estipula no art. 562.º do CC que quem “… estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação …” e no artigo seguinte que a “… obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão …”, resultando dos termos do n.º 1 do art. 564.º que o “… dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão …”.
XL. Além disso importa ter ainda presente que a “… indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor …” [cfr. art. 566.º, n.º 1 do CC] e que se “… não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados …” [n.º 3 do citado normativo].
XLI. Dos normativos legais acabados de destacar resulta que o dano ressarcível, mesmo que futuro, tem que ser certo, e não meramente eventual, porquanto só o prejuízo certo pode ser reparado, não podendo sê-lo um mero prejuízo possível, eventual ou de verificação duvidosa.
XLII. Como deriva do disposto no art. 566.º, n.º 3 do CC não podendo ser averiguado o valor exato dos danos o tribunal julgará, equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados.
XLIII. Ora como se aludiu o dano pela “perda de chance” constitui um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter, sendo que este dano pode assumir uma vertente patrimonial e não patrimonial.
XLIV. O dano da “perda de chance” deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo meros e estritos critérios matemáticos, pelo que a fixação do “quantum” indemnizatório deverá atender às probabilidades do lesado obter o benefício que poderia resultar da “chance” perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será um fator decisivo para a determinação da indemnização.
XLV. Para além disso, importa atender que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, consubstanciado na “perda de chance”, que é, ainda, como referimos um dano certo, embora distinto daquele, pois que a “chance” foi, irremediavelmente, afastada por causa do ato do lesante, devendo a indemnização refletir essa diferença e cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado [cfr. Ac. STJ de 05.02.2013 - Proc. n.º 488/09.4TBESP.P1.S1 consultável in: «www.dgsi.pt/jstj»].
XLVI. E seguindo aqui de perto a jurisprudência acabada de convocar “… a reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava. (…) Consequentemente, a indemnização não pode ser nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final, devendo, assim, corresponder ao valor da chance perdida …”.
XLVII. Resulta, por outro lado, que o julgador para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária do dano numa vertente não patrimonial deverá dar cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, atendendo aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emirjam da factualidade provada.
XLVIII. E tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo.
XLIX. Um tal dano, não relevando apenas na sua vertente não patrimonial, mas também na patrimonial, suscita, desde logo pela sua natureza, as maiores incertezas e grandes dificuldades de valoração, a remeter necessariamente para critérios de equidade.
L. Presentes estes considerandos e retomando a análise da motivação de recurso temos que o quadro factual apurado nos autos e, bem assim, o que supra se concluiu em sede de análise da “perda de chance” ocorrida, apontam claramente para a ocorrência daquele dano na sua dupla vertente, dano esse que atinge o substrato de seriedade, relevância e gravidade legalmente exigidos.
LI. O cômputo global fixado na decisão judicial recorrida para indemnização do dano produzido afigura-se-nos, como referimos, adequado e equilibrado.
LII. A determinação e fixação da indemnização a este título é sempre controversa e árdua, posto que o montante dela, como supra já aludimos, deve ser “fixado equitativamente” [cfr. art. 566.º, n.º 3 do CC], na certeza de que não se trata de uma atividade arbitrária, pois, que importa ponderar a gravidade do dano, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem perdida, a conduta desenvolvida pelos sujeitos intervenientes, bem como as funções reparadora/compensadora e sancionatória da responsabilidade civil [cfr. Ac. STJ de 22.10.2009 - Proc. n.º 409/09.4YFLSB in: «www.dgsi.pt/jstj»] e a prática jurisprudencial em situações com alguma similitude e numa dimensão quantitativa proporcional à relevância que a sociedade dá aos valores do dano e que aponta para a fixação de indemnizações “não miserabilistas”.
LIII. Nessa medida, presente mormente todo o quadro factual logrado provar, o intenso grau de probabilidade de obtenção da vantagem em questão com seus contornos patrimoniais e não patrimoniais; o tempo decorrido; a idade dos AA. à data dos factos e as fortes expetativas que acalentavam legitimamente em termos de construção dum projeto de vida pessoal e profissional; aquilo que foram as condutas dos envolvidos incluindo, mormente, a “desistência” do A. quanto a aceder à execução do ato de nomeação para realização do estágio nos termos determinados [frise-se que a sentença recorrida, ao invés do sustentado pelo R., atendeu a todos estes aspetos como se pode extrair da leitura do penúltimo parágrafo do discurso fundamentador da “quantificação dos danos e ou da sua indemnização]; temos que o cômputo indemnizatório encontrado pelo julgador “a quo” se revela como adequado e acertado, não infringindo, minimamente, o que se dispõe nos arts. 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 3 e 566.º, n.ºs 1 e 3 do CC como invoca o recorrente.
LIV. Por último, insurge-se o R. contra a sua condenação no pagamento ao A. de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes das perdas salariais relativas ao período de três meses no valor de 2.880,06 €, já que considera que no caso não estaria demonstrado a verificação do dano pelo que o seu cômputo deveria fazer-se equitativamente partindo-se da figura da “perda de chance” e, como tal, o valor justo não poderia ser superior a 1.000,00 €.
LV. Temos para nós que também aqui não assistirá razão ao recorrente.
LVI. Na verdade, feita a subsunção da factualidade lograda apurar [cfr., nomeadamente, n.ºs I), II), III), IV), V), VI), VII), XXII), XXIII) e XXXIII)] ao quadro normativo antecedente que rege os danos e seu cômputo temos que, ao invés, do sustentado pelo R./recorrente não estamos perante um dano provável ou meramente hipotético, mas, ao invés, em face dum dano patrimonial certo, efetivo, que lesou o A. na sua esfera jurídica decorrente da privação dos salários de agosto a outubro de 2002 e que seriam auferidos pelo mesmo não fora a ilegalidade/ilicitude do ato desenvolvido pelo Presidente da edilidade R. que o afastou do provimento no lugar posto a concurso.
LVII. É que tal como deriva do quadro legal o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
LVIII. Portanto o dever de indemnizar abrange não apenas os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, mas, também, os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes [cfr. art. 564.º CC].
LIX. Conforme afirma I. Galvão Telles os “danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente («damnum emergens»); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante («lucrum cessans»). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho” [in: “Direito das Obrigações”, 7.ª edição, revista e atualizada, pág. 377].
LX. Ora nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho.
LXI. E é essa a situação que se mostra apurada nos autos, sendo que, em geral, há que referir ainda que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].
LXII. O art. 566.º do CC veio consagrar como regra o princípio da restauração ou reposição natural, sendo que tal princípio só é substituído ou completado pelo princípio da indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566.º, n.º 1 do citado código, em três situações taxativas: 1) Quando for impossível a restauração natural; 2) Quando essa restauração não reparar integralmente os danos; 3) Quando a restauração natural seja excessivamente onerosa para o devedor.
LXIII. Ora decorre do n.º 2 do art. 566.º do CC que sem “… prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos …”.
LXIV. É nessa diferença que se consubstancia, como nos ensina I. Galvão Telles, “… o valor dos prejuízos concretos, ou seja, o prejuízo abstrato que constitui objeto da indemnização pecuniária a satisfazer. Trata-se da diferença entre a situação real do património, no momento presente, e a sua situação hipotética, também no momento presente, entendendo-se por situação hipotética aquela que se verificaria se os danos não se tivessem produzido …”, sendo que, como afirma aquele Professor, o que na verdade deveria constar do citado preceito e que dele deve ser extraído, é o de que a “indemnização tem como medida a diferença entre a situação que o património do lesado apresenta e a que apresentaria se não se tivesse verificado o facto lesivo (…). Ou mais rigorosamente: se não se tivessem verificado as consequências patrimoniais produzidas pelo facto lesivo” [in: ob. cit., pág. 389].
LXV. Assim, apurado que está no caso vertente a existência real, exata e efetiva do prejuízo patrimonial sofrido pelo A. [enquanto perda que não foi compensada por lucros - na situação verba de 2.880,06 € correspondente ao montante de retribuições que o A. deixou de auferir entre agosto e outubro de 2002 e a que teria direito se estivesse a realizar o estágio], prejuízo esse que foi adveniente do ilícito e ilegal afastamento do mesmo do provimento no quadro concursal, está demonstrada a verificação do crédito indemnizatório peticionado e, como tal, é devido o seu montante sem que haja que fazer apelo, como pretende o recorrente, ao que se dispõe no art. 566.º, n.º 3 do CC tanto mais que inexiste qualquer indefinição quanto ao valor exato do dano que legitime o uso do preceito.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, com a fundamentação expendida, manter a decisão judicial recorrida com todas as legais consequências.
Custas nesta instância a cargo do R./recorrente, sendo que, não revelando os autos especial complexidade, na fixação da taxa de justiça nesta instância se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 527.º, 529.º, 530.º, 531.º e 533.º do CPC/2013 (anteriores arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC/07), 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do RCP - tendo em consideração a redação decorrente da Lei n.º 7/012 e o disposto no seu art. 08.º quanto às alterações introduzidas ao mesmo Regulamento -, 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 109.356,78 € [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator [cfr. art. 131.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA].
Porto, 11 de outubro de 2013
Ass.: Carlos Carvalho
Ass.: Paula Portela
Ass.: Maria do Céu Neves.