Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01078/07.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, INACTIVIDADE NÃO DECLARADA, INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:I – Em caso de reclamação graciosa relativamente a liquidação de IRC nos termos da alª b) do nº 1 do artigo 83º do CIRC (redacção e numeração em 2001) em cuja fundamentação se invocava a inactividade da sociedade e se oferecia prova da mesma inactividade (documental e testemunhal), o princípio do inquisitório no procedimento tributário (artigo 58º da LGT), os princípios da tributação segundo a capacidade contributiva, da tributação das empresas segundo o rendimento real e da prevalência da substância sobre a forma (artigos 103º nº 1 e 104º nº 2 da Constituição e 4º nº 1 e 11º nº 2 da LGT) e a proscrição legal das presunções inilidíveis em matéria de incidência de tributos (artigo 73º da LGT), obrigavam a AT a apreciar a prova documental oferecida pelos reclamantes e, se não convencida, a produzir a prova testemunhal requerida.

II - Por força dos princípios da tributação segundo a capacidade contributiva e da tributação do rendimento real (artigos 103ºnº 1 e 104º nº 2 da Constituição e 4º nº 1 da LGT), da prevalência da substância sobre a forma (artigo 11º da LGT) e da justiça material (artigo 5º nº 2 da LGT), é anulável, por violação de lei devida a erro nos pressupostos de facto, a liquidação oficiosa de IRC levada a cabo com fundamento, apenas, no disposto no artigo 83º nº 1 alª b) do CIRC, quando o sujeito passivo (ou o responsável) fez prova em juízo da sua absoluta inactividade no período tributado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M. E OUTROS
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

Relatório

M., E. e M., contribuintes nºs (…), (…) e (…), na qualidade de sócios da dissolvida sociedade comercial M. & Cª Lda, interpuseram o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 16/6/2011, que julgou improcedente a sua impugnação da liquidação oficiosa de IRC, relativa ao exercício de 2001, no valor total de 1 491.79 €.

Remata a sua alegação com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
A. O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 16.06.2011, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada pelos aqui Recorrentes na sequência do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante IRC) n.° 2005 8310028960, de 30.05.2005, referente ao período de tributação de 2001, no valor de € 1.491,29.
B. A sentença recorrida laborou em manifesto erro de julgamento, por errada valoração da prova produzida, na medida em que ignorou a prova carreada para os autos, da qual resulta, indubitavelmente, que a empresa não possuía, no ano de 2001, qualquer actividade, pelo que não poderia gerar rendimento tributável em sede de IRC.
C. A referência à inexistência de actividade da sociedade consta não só do próprio articulado expendido em sede de impugnação judicial,
D. Como, inclusivamente, do próprio pedido efectuado, onde se peticiona que “A Liquidação Oficiosa de IRC com o n.° 2005 00000066796 deverá ser totalmente anulada, por a mesma não ter qualquer fundamento legal, nomeadamente, por não estarem verificados os termos do disposto no art. ° 83. n. ° 1 al. b) do CIRC, atenta a apresentação tempestiva à administração fiscal da declaração modelo 22 relativa à sociedade “M., c.a Lda”, entretanto extinta, referente ao exercício de 2001, ano no qual a sociedade não teve qualquer actividade, bem como por violação do disposto nos artigos 37.°e 38.°do C.P.P.T.
E. Ademais, a afirmação peremptória de que a sociedade não exerceu qualquer actividade foi, por diversas vezes, reiterada pela testemunha ao longo da inquirição de testemunhas,
F. Resultando ainda a mesma da prova documental junta aos autos, nomeadamente da declaração de rendimentos Modelo 22 preenchida a zeros.
G. Desta forma, resultando demonstrado nos autos que a sociedade não possuía qualquer actividade, este facto não podia ter sido ignorado pelo Tribunal a quo, o qual deveria ter retirado todas as consequências legais daqui decorrentes,
H. Anulando a liquidação objecto de impugnação judicial por esta consubstanciar uma tributação além do que a lei permite e prevê.
I. Sem prejuízo, acresce que o juiz encontra-se adstrito, nos termos do artigo 13.° do CPPT, a um dever de descoberta da verdade material, devendo envidar todos os esforços para alcançar a verdade na tributação.
J. Ora, tendo os factos atinentes à ilegalidade da liquidação — in casu, a falta de actividade, assim como a inexistência de rendimento susceptível de tributação legal – sido alegados e demonstrados, não poderia o Tribunal exonerar-se de se pronunciar quanto à ilegalidade do acto tributário, como aconteceu no caso sub judice.
K. Não se trata aqui de o juiz se substituir às partes ou ao ónus que sobre estas recai nesta matéria mas sim de, em cumprimento do dever de descoberta da verdade material e do princípio do inquisitório, tomar em consideração todos os factos que foram levados ao seu conhecimento.
L. Como tal, laborou em erro o Tribunal a quo quando, ignorando o dever de descoberta da verdade material que sobre si impendia, não tomou em consideração o facto de a sociedade não exercer, em 2001, qualquer actividade capaz de gerar lucro tributável e, consequentemente, originar imposto apagar.
M. Acresce que, está em causa uma tributação que fez tábua rasa do princípio da capacidade contributiva, que decorre da conjugação do n.° 1 do artigo 103.° com o n.° 2 do artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP).
N. Na medida em que, em face do não cumprimento da obrigação declarativa em sede de IRC, serve-se a Administração Fiscal de um aumento do montante de imposto devido, não avaliando a efectiva capacidade contributiva da sociedade,
O. Afigurando-se tal tributação como uma verdadeira sanção sobre o sujeito passivo.
P. Ademais, saliente-se que a ilegalidade da liquidação no presente caso consubstancia-se no facto de nem sequer haver lugar ao pagamento de imposto, uma vez que não se verifica o pressuposto basilar de tributação constante do artigo l.° do CIRC.
Q. Nesta medida, esta liquidação só se poderia manter se não houvesse qualquer manifestação por parte do sujeito passivo, o que não sucedeu no presente caso, uma vez que os Recorrentes apresentaram não só reclamação graciosa, como também a declaração de rendimentos Modelo 22, não podendo esta ser desconsiderada.
R. Por último, urge referir que o processo tributário não pode ser entendido como um processo de partes, uma vez que a Administração Fiscal está legalmente obrigada a actuar subordinada ao interesse público, pelo que não pode usar os meios processuais à sua disposição para tributar cegamente os sujeitos passivos mesmo naquelas situações em que notoriamente não há lugar a tributação, como é o presente caso.
S. Em face do exposto, incorreu o Tribunal a quo em vício de erro de julgamento por errada valoração da prova, devendo a decisão proferida ser substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial procedente.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou douto parecer no sentido da procedência do recurso, por ter ficado provada a inexistência de rendimento tributado.

II - Questões a decidir
É jurisprudência pacífica que as conclusões do recurso delimitam o seu objecto.
Assim, atentos o teor das conclusões da alegação de recurso, acima transcritas, e a ordem lógica das questões que nelas é possível entreler, importa apreciar:

1º - Se a Sentença recorrida omitiu a pronúncia sobre a prova de um facto sobre um facto alegado ou em todo o caso relevante para a decisão da causa, a saber, que a Sociedade M. e Cª Lda não teve qualquer actividade em 2001.

2º - Em caso de se dar uma resposta negativa a esta questão, no sentido de que houve tal pronúncia, terá, então, sentido apreciar se houve erro na apreciação da prova quando não se julgou provada aquela inactividade. Mas previamente ter-se-á que apreciar se estão reunidos os requisitos para esta última questão ser apreciada, atento o ónus que para o Recorrente decorre do disposto no artigo 685º-B do CPC em vigor ao tempo da interposição do recurso.

3ª Em qualquer caso e por fim cumprirá apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando o princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva, decorrente da conjugação dos artigos 103º nº 1 e 104º nº 2 da Constituição, e bem assim o artigo 1º do CIRC, ao confirmar na ordem jurídica uma liquidação de IRC por um facto tributário consabidamente inexistente, com base tão só na não entrega em prazo da declaração de rendimentos Modelo 22, a zeros.

III - Apreciação do objecto do Recurso
Recordemos, então, no essencialmente relevante para as questões colocadas, o julgamento da sentença recorrida em matéria de facto:

« III. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, resulta provada a seguinte factualidade:
A) A sociedade M. & C.a Lda. tinha como sócios M., E. e M., estando a gerência afecta aos dois primeiros (cfr. doc. 5 junto com a p.i., a fls. 21/22 dos autos).
B) Em 19/01/2001, a referida sociedade apresentou declaração de cessação de actividade, em sede de IVA, com indicação da data de cessação a 31/12/2000 (cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 15 dos autos).
C) Por escritura pública lavrada no 5.° Cartório Notarial do Porto, em 15/02/2001, os sócios da supracitada sociedade dissolveram-na (cfr. doc. 2 junto com a p.i., a fls. 13/14 dos autos).
D) A dissolução e encerramento da liquidação da sociedade foi registada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, pela apresentação 03, de 28/02/2001 (cfr. doc. 5 junto com a p.i., a fls. 21/22 dos autos).
E) Em 15/04/2005, foi emitido pela Direcção-Geral dos Impostos, em nome da sociedade referida em A) e para a sua sede, o aviso n.° 001009212, do qual se extrai, além do mais, o seguinte:
“(...) No sistema informático da DGCI não se encontra registada a vossa declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2001, cujo termo do prazo de entrega ocorreu em 2002-05-31 (...).
Sendo obrigatória a apresentação anual da referida declaração, o não cumprimento desta obrigação, para além de sancionada como contra-ordenação (...) implica a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 83° do Código do IRC.
Esta liquidação ficará, no entanto, prejudicada se, no prazo de 15 dias, vier a ser apresentada a declaração (...).
Assim, a apresentação desta declaração é obrigatória, ainda que se tenha verificado a cessação de actividade para efeitos de IVA (...) ou não tenha sido exercida qualquer actividade, devendo, sendo caso disso, ser inscrito o valor “zero” nos campos de preenchimento obrigatório (...) (cfr. doc. 7 junto com a p.i., a fls. 25/26 dos autos).”
F) Por carta registada em 02/05/2005, dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, o primeiro impugnante requereu, ao abrigo do art.° 37° do CPPT, a repetição da notificação referida na alínea antecedente, através de carta registada, por estar em causa a “imputação de uma situação que altera a situação contributiva” (cfr. doc. 8 junto com a p.i., a fls. 27/28 dos autos).
G) Em 30/05/2005, foi emitida a liquidação oficiosa de IRC n.° 2005 8310028960, ora impugnada, com data limite de pagamento em 11/07/2005 (cfr. doc. 1 junto com a p.i., a fls. 11 dos autos).
H) Em 19/07/2005, foi apresentada em nome da sociedade identificada em A) uma declaração modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2001 (cfr. doc. 9 junto com a p.i., a fls. 30 dos autos).
I) Em 22/07/2005, os impugnantes apresentaram uma reclamação graciosa contra a liquidação de IRC identificada em G), à qual foi atribuído o n.° 1821- 05/400137.0 (cfr. fls. 2 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
J) A reclamação graciosa referida na alínea antecedente foi indeferida por despacho do Chefe de Finanças de Matosinhos 1 proferido em 04/04/2007 (cfr. fls. 48 a 50 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Não se provaram outros factos não referidos supra
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na análise da prova documental produzida nos autos, a qual não foi impugnada.»

O teor do requerimento de reclamação graciosa, dado como reproduzido na alínea I) da enunciação dos factos provados na sentença recorrida, acima transcrita, incluía o seguinte excerto:
«De toda esta situação há que retirar as seguintes conclusões:
24°
A sociedade "M. e cª Lda" aprovou as suas contas a 27 de Dezembro de 2000, tendo nessa mesma data deliberado a sua própria dissolução.
25°
A 19 de Janeiro de 2001 foi apresentado nesse serviço de finanças a declaração Modelo 1440 para efeitos de cessação do IVA.
26°
A 15 de Fevereiro de 2001 foi realizada a escritura pública de dissolução da sociedade.
27°
A 28 de Fevereiro de 2005 O lapso é óbvio, queria-se dizer 2001.
esse acto foi levado a registo,
28°
Sendo ulteriormente publicado a 23 de Outubro de 2001 em Diário da República.
29°
O gabinete de contabilidade responsável pela apresentação junto da administração fiscal do Modelo 22 relativo ao exercício de 2001 — ano no qual recorde-se a sociedade –M. e Cª Lda" não teve qualquer actividade por já se encontrar extinta — por lapso não o fez, tendo todavia corrigido esse seu erro no pretérito 19 de Julho de 2005, pelo que a situação da sociedade extinta se encontra presentemente regularizada.
30°
O aviso enviado pelo Ministério das Finanças com data de 15 de Abril de 2005 não foi objecto de registo, nem muito menos aviso de recepção.
31°
Integrando o conteúdo de tal aviso uma alteração da situação contributiva do contribuinte sociedade, o mesmo teria de ter sido enviado mediante registo e aviso de recepção em cumprimento do disposto no art° 38° do C.P.P.T., até porque no aviso havia uma cominação no caso de ausência de prática de um acto por parte do contribuinte com reflexos na sua situação contributiva.
32°
Perante este facto o requerente Manuel enviou uma carta a 2 de Maio de 2005 solicitando a repetição da notificação, agora com cumprimento de todas as regras legais.
330
Até hoje essa notificação não foi repetida.
34°
A 22 de Junho de 2005 os requerentes foram notificados da liquidação oficiosa de imposto.
35º
Ora, mediante esta sucessão de factos, ao apresentarem a Modelo 22 relativa ao exercício de 2001 a 19 do corrente mês de Julho de 2005 os requerentes cumpriram a -exigência que lhes tinha sido feita através do aviso datado de 15 de Abril de 2005, de forma tempestiva, pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos constantes o art° 83°, n° 1 al. b) do CIRC para a realização de qualquer liquidação oficiosa de imposto, no caso IRC.
(…)
TERMOS EM QUE
A Liquidação Oficiosa de IRC com o n° 2005 00000066796 deverá ser totalmente anulada, por a mesma não ter qualquer fundamento legal, nomeadamente, por não estarem verificados os termos do disposto no art° 83°, n° 1 al. b) do CIRC, atenta a apresentação tempestiva à administração fiscal da declaração Modelo 22 relativa á sociedade "M., Ca , Lda", entretanto extinta, referente ao exercício de 2001, ano no qual a sociedade não teve qualquer actividade, bem como por violação do disposto nos artigos 37°, e 38° do C.P.P.T..

O teor da informação homologada pelo despacho que indeferiu a reclamação graciosa, dado como reproduzido na alínea J) da enunciação dos factos provados, anteriormente transcrita, incluía os seguintes excertos:
«DIREITO
Determina o art° 82° que a liquidação do IRC é efectuada pelo próprio contribuinte na declaração periódica de rendimentos referida nos art°s. 112° e 114° ou pela Direcção Geral dos Impostos nos restantes casos.
Nos termos do art° 83° CIRC, a liquidação processa-se nos seguintes termos:
a) Na declaração periódica se efectuada pelo próprio contribuinte, com base na matéria colectável que dela conste.
b) Na falta de apresentação da referida declaração, será efectuada pela DGCI até 30 de Novembro do ano seguinte aquele a que respeita, tendo por base a matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, é efectuada pela DGCI, e terá por base os elementos de que a administração disponha.

Apreciação da Reclamação
1°. - O pedido é legal, feito em tempo (cf. n°. 1 do art°.70°. do C.P.P.T.) e a reclamante tem legitimidade para o acto (cf. art°. 68°. do C.P.P.T.).
2°. — A presente reclamação é deduzida contra a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2001, emitida nos termos da alínea b) do n° 1 do art° 83° do CIRC, por falta da entrega da declaração periódica de rendimentos, modelo 22, obrigação a que estava legalmente obrigado o sujeito passivo.
30. — A administração utilizou os elementos de que dispunha, aplicando o previsto na alínea b) do n° 1 do art° 83° do CIRC.
4°. - A reclamante sempre teve conhecimento do acto tributário, pois foi através da sua consciente actuação, falta de entrega da declaração de rendimentos mod. 22, que se colocou numa posição em que a competência para liquidação do IRC, passou directamente para a Direcção-Geral dos Impostos, de harmonia com o definido pela alínea b) do art° 83° do CIRC.
5°. - A liquidação oficiosa ora reclamada não pode ser substituída por via da entrega da declaração de rendimentos, a não ser que o sujeito passivo declare matéria colectável superior à apurada ou prejuízo fiscal inferior ao declarado, conforme actual artigo 114º do CIRC, anteriormente artigo 97° - Oficio-Circulado 42983, de 29/07/1998.
6°. - A reclamante enviou, via Internet, a declaração Modelo 22 de IRC para o exercício de 2001 em 2995.07.19 – fotocópia a fs. 41, posterior à data da liquidação (30/5/2005) – fotocópia a fs. 15 dos autos.
7°. - A alínea a) do n° 5 do artigo 8º do CIRC refere que a cessação de actividade ocorre na data do encerramento da liquidação. Conforme refere o n° 2 do art° 160° do Código das Sociedades Comerciais, a cessação de actividade reporta-se à data do registo do encerramento da liquidação, que, neste caso se verificou em 2001.02.28 - data do pedido de registo do encerramento da liquidação na Conservatória do Registo Comercial - fotocópia a fls. 29 dos autos.
8°. - A reclamante cessou a actividade em 2000.12.31, para efeitos de IVA e em 2001.02.28 - data do pedido de registo do encerramento da liquidação na Conservatória do Registo Comercial, para efeitos de IRC - print a fls. 47 dos autos.
Conclusão
Nestes termos, e tendo como base os fundamentos que antecedem, a liquidação oficiosa mantém-se válida, pelo que, proponho o INDEFERIMENTO do pedido.

A - 1ª questão
Cumpre, então, julgar Se a Sentença recorrida omitiu a pronúncia sobre a prova de um facto alegado ou em todo o caso relevante e susceptível de ser tomado em consideração para a decisão da causa, a saber, que a Sociedade M. e Cª Lda não teve qualquer actividade em 2001.

Em ordem à compreensão da apreciação que vamos fazer do mérito da alegação, convêm esclarecer alguns conceitos e pressupostos de direito sobre que vamos laborar:
As causas de nulidades da sentença em processo tributário estão taxativamente previstas no artigo 125º nº 1 do CPPT:
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Esta norma é auto-suficiente no seu dispositivo, pelo que a norma do CPC que enuncia as causas de nulidade da sentença em processo civil, invocada cumulativamente pelo recorrente, não é aqui subsidiariamente aplicável.
Como assim, o critério da nulidade ou não da sentença tributária reside exclusivamente no artigo 125º do CPPT citado, e não no artigo 615º do CPC.
O mesmo já não sucede com a norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença (123º).
Nos termos do artigo 123º nºs 1 e 2 do CPPT:
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Com efeito, este dispositivo, ao omitir qualquer referência à estrutura da sentença e uma delimitação exaustiva do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para os artigos 607º e 608º nº 2 do CPC (659º e 660º do antigo), ex vi artigo 2º do CPPT.
No presente caso o intérprete não é reenviado para o CPC, pois o elemento da estrutura da sentença cuja falta é alegada está directamente previsto no nº 2 do artigo 123º acima transcrito: a discriminação fundamentada da matéria provada e não provada.
É de notar, a propósito da interpretação desta norma, que em processo tributário não existe a cisão entre decisão de facto e decisão de direito que existia no código de processo civil que vigorou até 2013, nem, consequentemente, a prévia fixação dos factos assentes, de modo que toda a fundamentação da decisão em matéria de facto tem de ser expressa com o mesmo rigor que o antigo CPC impunha à decisão (em cesure) sobra a matéria de facto e impõe, hoje, para a decisão em matéria de facto, integrante da sentença.
Como vimos, dispõe o artigo 123º nº 2 do CPPT que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.
A Fundamentação das decisões, para este efeito, haverá de integrar, antes de mais, essa “análise crítica das provas” a que se referia o artigo 653º nº 2 do antigo CPC, ao dispor sobre o conteúdo da decisão de julgamento da matéria de facto, bem como o artigo 659º nº 3 do mesmo diploma, ao dispor sobre o conteúdo da sentença, e a que refere o artigo 607º nº 4 do actual CPC, ao dispor sobre o conteúdo da mesma sentença.
Matéria provada e não provada a discriminar fundamentadamente, haverá de ser, logicamente e antes de maias, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes. A esta acresce aquela que fosse possível tomar em consideração nos termos do artigo 264º nºs 2 e 3 do (antigo) CPC.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se fundamentadamente sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que as partes possam exercer o contraditório e a apelação também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.
Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
Se assim é, isto é, se está em causa a garantia do contraditório e do processo equitativo, então, em princípio, padece de nulidade, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, a sentença que deixe de discriminar, como provados ou não provados, fundamentadamente, nos sobreditos termos, quaisquer factos que integravam a causa de pedir e ou que eram atendíveis pelo tribunal e relevantes para a tese sustentada por uma parte, designadamente a demandante.
Nesta matéria, que é de facto, a nulidade existirá mesmo que a falta de indicação dos factos provados e não provados seja meramente parcial.
Neste sentido se pronuncia o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 125º do CPPT, no seu CPPT anotado, 6ª edição, II volume, pag. 360:
8 - Omissão ou deficiência parcial na indicação da matéria de facto
Como se deduz do que ficou referido, quanto à falta de indicação da matéria de facto provada ou deficiência, obscuridade ou contradição, a nulidade existirá mesmo que se trate de uma omissão ou deficiência parcial.”
Por outro lado, e consequentemente, se a falta de fundamentação, designadamente de análise critica das provas, for absoluta, seja relativamente a todos, seja a alguns desses factos discriminados, também ocorrerá nulidade da sentença, total ou parcial, nessa medida.
Veja-se, no opus cit., pág. 258:
7 – Falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito
a) Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.° 2 do art. 123.° do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.° 3 do art. 659.° do CPC. Com efeito, esta falta não pode deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código e nele, ao contrário do que sucede com o CPC (art. 659 .°, n.° 3), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados”.
Bem se compreende que assim seja, pois sem a decisão sobre a prova de determinado ou determinados factos que alegou e que são relevantes para a solução de direito, plausível, que sustentou, não pode a parte pugnar por elas, designadamente mediante recurso, ou até conformar-se racionalmente com veredicto do tribunal.
Sem embargo de tudo o que vai dito – last but not least – atento o disposto no, hoje, artigo 665º nº 1 do CPC (715º nº 1 do antigo) e os poderes conferidos ao tribunal de apelação pelo, hoje, artigo 662º do CPC (712º do antigo), essas omissões ou deficiências quanto à matéria de facto provada e não provada não serão causa de anulação da sentença sempre que forem supríveis nos termos ali dispostos.

Vejamos o caso concreto:
A Mª Juiz recorrida, na parte da sentença intitulada como “Factos Provados” não inclui qualquer pronúncia sobre a prova ou não prova do facto da inactividade da Sociedade M. & C.a Lda desde o início de 2001, limitando-se a dizer que não foram provados outros factos que não os referidos como provados.
Tal omissão parece deliberada, como se conclui do seguinte excerto da parte intitulada como “O Direito”:
Como se sabe, a tributação das empresas incide, fundamentalmente, sobre o rendimento real, nos termos do estatuído no art.° 104° n.° 2 da Constituição.
Apesar da liquidação oficiosa ter sido emitida ao abrigo da lei (art.° 83° n.° 1 alínea b) do CIRC), na consideração de que a sociedade era sujeito passivo de IRC e não tinha apresentado a declaração periódica de rendimentos de 2001, os impugnantes tinham o ónus de alegar e demonstrar que a matéria tributável apurada pela AF, nos termos estatuídos na lei, não correspondia à realidade ou inexistia, de todo. Contudo não o fizeram. Na verdade, dos vícios que apontaram ao acto tributário não consta a inexistência de facto tributário. Sendo certo que a AF fez prova do fundamento da liquidação oficiosa de IRC, a falta de entrega da declaração.
Os recorrentes sustentam que, sim, alegaram a inactividade da empresa desde o início de 2001, situando tal alegação no articulado (da PI), designadamente no artigo 23º, e no pedido, cujos termos são, respectivamente, os seguintes:
“23- Refere-se, de igual modo, que a 15 de Abril de 2005 - data da emissão do aviso enviado em correio simples para a morada da sede da empresa entretanto extinta - a administração fiscal era conhecedora do facto de a empresa ter cessado actividade em termos de IVA e que tinha sido já juridicamente dissolvida.”
(…)
TERMOS EM QUE
A Liquidação Oficiosa de IRC com o nº 2005 00000066796 deverá ser totalmente anulada, por a mesma não ter qualquer fundamento legal, nomeadamente, por não estarem verificados os termos do disposto no art° 83°, n° 1 al. b) do CIRC, atenta a apresentação tempestiva à administração fiscal da declaração modelo 22 relativa à sociedade “M., cª Lda entretanto extinta, referente ao exercício de 2001, ano no qual a sociedade não teve qualquer actividade, bem como por violação do disposto nos artigos 37º e 38º do CPPT.
(…)”
Devassada a Petição Inicial, topamos com outro artigo susceptível de relevar para a alegação dos Recorrentes, a saber, o 8º, onde se alega que na escritura de dissolução da sociedade, lavrada em 15 de Fevereiro de 2001, se mencionou que “que não havia qualquer activo ou passivo a partilhar ou a liquidar, sendo a dada a sociedade dada como liquidada com reporte à data de 27 de Dezembro de 2000, data da aprovação das contas finais - cfr Doc. n° 2 junto com os autos de reclamação graciosa”.
Os recorrentes alegam, ainda, que mesmo que se não entenda alegada tal factualidade, tão relevante para a decisão da causa, sempre cumpriria à Mª Juiz a qua considerá-la e, logo, apreciar a prova documental e testemunhal produzida nesse sentido, por força do princípio do inquisitório (artigo 99º nº 1 da LGT).
O princípio do inquisitório tem por objecto a instrução da causa, dados, já, os factos que dela devem ser objecto. Portanto não pode ser critério para uma questão a montante, que é a de saber se determinado facto devia ter sido investigado e objecto de pronuncia fundamentada sobre se se provou ou não provou.
Trata-se, outrossim, de, em primeira linha interpretar a Petição inicial, no sentido de apurar se os Impugnantes pretenderam e lograram alegar este facto.
Por força e nos termos do artigo 296º do CC valem, aqui, as regras de interpretação da declaração negocial.
Nestas, destaca-se como adequada a ser utilizada in casu a norma do artigo 236º:
Artigo 236.º
(Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Declaratórios, in casu, são Tribunal a demandada AT.
Também não é despicienda a norma do artigo 238º nº 1:
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Como deveriam, o Tribunal a quo e a AT, no contexto dos documentos juntos e do procedimento de reclamação graciosa pretérito, entender a PI? No sentido de que este facto foi ou no de que não foi alegado como fundameno do pedido?
Lida toda a PI, confrontado o articulado com o pedido, é forçoso reconhecer que os Impugnantes, fundam o o seu pedido imediata e expressamente no facto de terem declarado a cessação de actividade desde 31 de Dezembro de 2000, ainda que, por esquecimento apenas o tenham feito em 22/7/2005, uma vez notificados da liquidação oficiosa, mas sempre em tempo para vincularem a AT, por ter sido inválida a notificação, datada de 15/4/2005, de uma informação no sentido de o deverem fazer em 15 dias sob pena de ser emitida a liquidação oficiosa nos termos do artigo nº 1 alª b) do CIRC, na redacção de então.
Assim, imediatamente, a causa de pedir não consiste na inactividade mas na declaração alegadamente tempestiva da cessação de actividade.
Contudo, por um lado, a cessação de actividade antes de 1 de Janeiro de 2001, sendo objecto imediato da declaração de cessação de 2005, é o objecto mediato da alegação da PI, o que basta para se poder e dever considerar alegado o facto cessação de actividade ou inactividade, aqui em discussão. Com efeito os declaratórios Tribunal e AT, atento o nº 1 do artigo 238º do CC só podem entender que os Impugnantes não se baseiam apenas na falta de uma notificação e na formalidade da declaração de cessação de actividade, mas também na veracidade dessa declaração. Por outro lado, ainda que imperfeitamente, pois não o autonomizam expressamente no texto da PI enquanto fundamento de facto do pedido, os impugnantes não deixam de alegar expressamente o facto da inactividade em todo o exercício de 2001, designadamente na formulação do pedido e nos artigos 23º e 8º da P.I..

Por fim, quer o tribunal quer a AT, pela leitura e pelo conhecimento prévio – respectivamente - dos documentos que acompanham a PI e dos requerimento e decisão da reclamação graciosa, podiam e deviam apreender que subjazia a todo o discurso legitimante dos Impugnantes a consideração de não haver qualquer rendimento real tributar em 2001, por isso que a sociedade cessara actividade antes de 1 de Janeiro desse ano.
Como assim, concluímos que, devidamente interpretada, a PI continha a alegação da real inactividade da Quelhas e cª Lda em todo o ano de 2001 e o seu pedido fundamentava-se também nesse facto histórico.
Se assim é, não há dúvida de que se impunha que a Mª Juiz a qua apreciasse a prova sobre esse facto e pronunciando-se fundamentadamente.
Como vimos, ela não o fez na parte da sentença intitulada “dos facos provados”.

Fê-lo, porém, a dado passo da parte da sentença que intitulou como “O Direito”. Citamos:
“Por outro lado, da prova testemunhal produzida nos autos - foi ouvida a testemunha arrolada pelos impugnantes, L., Técnico Oficial de Contas, responsável pelo envio da declaração modelo 22 de 2001, no ano de 2005 - não resultou provada, com a certeza necessária, a inexistência de facto tributário, no que concerne ao exercício de 2001.
Ora, é sabido que a actividade inquisitória do juiz tem de limitar-se aos factos alegados pelas partes e aos de conhecimento oficioso (cfr. art.ºs 99° n.° 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 13° n.° 1 do CPPT), sendo certo que os impugnantes não alegaram como causa de pedir a inexistência do facto tributário nem a mesma é de conhecimento oficioso.
Desta forma, improcede o alegado vício de inexistência de facto tributário”.
Assim sendo, ainda que fora da sede formal própria, a sentença acabou por especificar, como facto não provado, esse que os recorrentes alegam ter sido ignorado. E fê-lo fundamentadamente (se fundadamente, é o que veremos), pois refere um meio de prova apresentado (a testemunha inquirida) dizendo que foi insuficiente paras se ter a “certeza necessária” da “inexistência do facto tributário”.

Tanto basta para improceder a alegação do que qualificámos como nulidade parcial da sentença, por falta parcial da de especificação de fundamentos de facto, designadamente doa prova ou de não prova da inexistência de actividade em 2001.

2ª Questão
Excluída a nulidade da sentença recorrida por falta parcial da especificação dos factos provados e não provados, podemos logicamente equacionar um erro de julgamento nessa matéria.
Cumpre, portanto, julgar se o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto ao concluir que o Impugnante não logrou fazer prova da inexistência do facto tributário, ou seja, de que a sociedade M. e Cª Lda. não teve qualquer actividade em 2001.
Antes, porém, há que ver se a alegação de erro na apreciação da prova cumpre integralmente com os requisitos decorrentes do artigo 640º, nºs 1 e 2 do CPC.
Esta norma tem de ser interpretada adequadamente, no sentido de o objecto dos ónus nela enunciados não ir além do que for possível em concreto satisfazer e dos limites decorrentes de direitos fundamentais, como o do acesso à justiça (artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP), e legais, como o do duplo grau de jurisdição.
Designadamente, consistindo a crítica à decisão da matéria de facto na sustentação de que não se fez prova de determinados factos, seja porque a prova testemunhal é por natureza, em abstracto, inadequada, ou, por imposição legal, inadmissível, seja, mesmo, por ser considerada, em concreto, insuficiente, podem ficar prejudicadas as especificações previstas na alínea b) do nº 1 e ficam obviamente prejudicadas as da alínea a) do nº 2. Mesmo quando a alegação da não prova de certo facto se funda em que os depoimentos colhidos, embora admissíveis e em abstracto susceptíveis, não a produziram, pode acontecer ser logicamente impossível, impraticável, ou pelo menos inexigível, indicar depoimentos e respectivas passagens concretas de que decorra essa conclusão negativa. Também no caso de se sustentar a prova de um facto que o tribunal recorrido julgou não provado se pode o julgador deparar com tais perplexidades, por exemplo, pode dar-se o caso de o juízo que se opõe ao recorrido ser global e se referir, tal como o juízo recorrido, à totalidade de um ou vários depoimentos, não decorrendo, quanto à prova verbal, especificamente de uma declaração ou de uma ou mais declarações individualizadas.
In casu, prima facie dir-se-ia obstar ao conhecimento do recurso, por via do incumprimento daquele ónus, o facto de as menções exigidas naquelas normas não constarem das conclusões do recurso, que, como se sabe, delimitam o objecto do mesmo.
Porém, no corpo das alegações, designadamente nos artigos 21 a 29, os Recorrentes dão claramente a entender que a decisão que sustentam devia ter sido tomada, era a da prova da inexistência de actividade desde o inico do ano de 2001 e quais são os meios de prova disso mesmo, designadamente os excertos do depoimento da testemunha, devidamente localizados na gravação.
É assim densificadas que se deve interpretar as alíneas E a G das conclusões.
Como assim, nos sobreditos pressupostos constitucionais, não se pode imputar aos Impugnantes, in casu, o incumprimento do ónus que para o recorrente em matéria de facto decorrem quer do nº 1 b) quer do nº 2 a) do artigo 640º do CPC, pelo que nada obsta, em princípio, a que este Tribunal conheça da questão acima enunciada.
Pois bem:
Os recorrentes insurgem-se contra a não prova de que a devedora original esteve inactiva todo o período objecto de liquidação (Janeiro e Fevereiro de 2001).
A não prova deste facto pode, em abstracto e em concreto, ser discutida, pois não contende com qualquer meio de prova “legal”.
Porém, como tem sido entendido por este Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se deva fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Ora, sopesada a prova documental disponível, os factos dados como provados e o teor da prova verbal, que ouvimos atentamente, estamos em crer que a livre convicção da Mª Juiz Recorrida, pela não prova da inactividade, não colhe fundamento, no que a experiência comum dita.
Vejamos:
A prova verbal é constituída por uma testemunha, o Técnico de Contas que apresentou a declaração de cessação de actividade, em 2005, embora referida a 2001, o qua se diz conhecedor da realidade em 2000 e 2001, designadamente da entrega da declaração de cessação para efeitos de IVA, em 31 de Dezembro de 2000.
Admitimos que o erro manifesto da Mª Juiz não o seria se apenas dispusesse da prova testemunhal.
Porém, o Tribunal dispunha, bem a montante desta prova testemunhal, de a prova documental e da prova de facos instrumentais, designadamente a declaração de cessação relativa ao IVA, já referida a 31 de Dezembro de 2000, a escritura de dissolução da sociedade, com menção da completa liquidação desde 27 de Dezembro de 2001, e a própria declaração de cessação de actividade em 31/12/2000, entregue em 2005 – que, note-se, a própria a AT, estava disposta a considerar como bastante para não emitir a liquidação oficiosa se tivesse sido entregue até 15 dias após a notificação datada de 15/4/2005…
Aliás, lida a decisão da reclamação graciosa, cuja fundamentação integra, logicamente, a fundamentação da liquidação impugnada e que é dada como reproduzida para valer como contestação, não fica qualquer dúvida de que o fundamento do acto impugnado não reside na existência, ainda que meramente presumida, do facto tributário, mas sim e exclusivamente no disposto no artigo 83º nº 1 alª b) do CIRC e no facto de, alegadamente, a Sociedade não ter entregado em tempo devido a declaração de cessação de actividade em momento anterior a 1 de Janeiro de 2001.
Enfim, boa verdade, a inactividade, de facto, da Sociedade em 2001 é um facto não controvertido.
Por fim importa ter presente que na prova do facto negativo não se pode exigir a certeza lógica, antes estamos no campo de eleição da livre convicção assente em regras de experiência comum, num quadro de razoabilidade, sob pena de se cair na exigência de uma diabólica probatio, em violação do direito fundamental do acesso à justiça.
Assim, julgamos que a sentença recorrida errou manifestamente em matéria de apreciação da prova ao julgar como não provado que a Sociedade Quelhas e Cª Lda, no exercício de 2001 (até 28 de Fevereiro) esteve inactiva, isto é, sem produzir qualquer rendimento tributável.
Alteração à decisão recorrida, em matéria de facto
Consequentemente e nos termos do artigo 712º nº 1 do CPC aplicável (o antigo), alteramos a decisão da 1ª Instancia em matéria de facto, nos seguintes termos:
a) A decisão, no último parágrafo da parte da sentença intitulada “III - Factos Provados” de que não se provaram outros factos ali não referidos, e a decisão, inclusa na parte da sentença intitulada “IV – O Direito” de que não se provou a inexistência de facto tributário da PI são revogadas.
b) Aos factos provados acrescenta-se, com os fundamentos acima expostos, o seguinte: «A sociedade comercial “M. e Cª Lda”, não exerceu qualquer actividade em 2001».

3ª Questão
Por fim cumprirá apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando o princípio constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva, decorrente da conjugação dos artigos 103º nº 1 e 104º nº 2 da Constituição, e bem assim o artigo 1º do CIRC, ao confirmar na ordem jurídica uma liquidação de IRC por um facto tributário consabidamente inexistente, com base tão só na não entrega em prazo da declaração de rendimentos Modelo 22, a zeros.

A sentença recorrida assenta, em suma, na regularidade da notificação dos impugnantes para apresentarem a declaração de cessação em 15 dias, numa presunção legal da existência do facto tributário, consequência da falta de entrega tempestiva da declaração de cessação de actividade (artigo 83º nº 1 alª b) do CIRC), por um lado, e na não satisfação, pelos Impugnantes, do ónus de provarem a inexistência do facto tributário.
Em face dos factos dados por provados nesta sede recursiva, aquele ónus foi cumprido pelo impugnante. Assim, modificada a decisão de facto, ao próprio discurso da sentença em matéria de direito se seguiria a procedência da impugnação.
Não acompanhamos, contudo, a Mª Juiz a qua quando parece declarar a legalidade absoluta (também material) da actuação da AT, uma vez que essa legalidade, em face do que se provou, era apenas uma legalidade formal e aparente, baseada numa como que presunção legal consolidada e inilidível da existência do facto tributário, consequência da não apresentação tempestiva da declaração de rendimentos.
Certo: na falta de declaração anual de rendimentos, ainda que “a zeros” a AT líquida oficiosamente o IRC (artigo 83º nº 1 b) do CIRC na numeração e redacção coevas), como liquidou.
Contudo, ao menos a partir da apresentação da reclamação graciosa, em cuja fundamentação se invocava, além do mais, a inactividade da sociedade, não apenas desde a data do registo da cessação de actividade, mas em todo o 2001, e na qual se oferecia prova da mesma inactividade (documental e testemunhal), o princípio do inquisitório no procedimento tributário (artigo 58º da LGT), os princípios da tributação segundo a capacidade contributiva e da tributação das empresas fundamentalmente segundo o rendimento real e da prevalência da substância sobre a forma (artigos 103º nº 1, 104º nº 2 da Constituição, 5º e 11º nº 2 da LGT), a proscrição legal das presunções inilidíveis em matéria de incidência de tributos (artigo 73º da LGT), tudo isto obrigava a AT a apreciar a prova documental oferecida pelos reclamantes e, se não convencida, ao menos a produzir a prova testemunhal requerida.
Note-se que a inactividade já era um facto tido, pela AT, como credível e comprovável, ainda em 2005, mediante a entrega da mera declaração de rendimentos a zeros, conforme se depreende da notificação datada de 15/4/2005, a que se refere a alínea E dos factos provados A notificação feita aos impugnantes em 15 de Abril de 2005 para apresentarem a declaração de rendimentos de 2001 em quinze dias, inclusive a zeros em caso de inactividade, sem o que seria emitida liquidação oficiosa, indica que a própria AT estava disposta a aceitar como prova bastante da inactividade a declaração de rendimentos “a zeros”, posto que apresentada no prazo cominado de 15 dias..
De todo o modo, uma vez que foi feita prova, em juízo, pelos sócios da sociedade dissolvida e liquidada, da inexistência do facto tributário, a liquidação de imposto tem de ser anulada, porque assentes em erro nos pressupostos de facto, causador de violação de Lei, designadamente dos sobreditos princípios da constituição fiscal e da LGT, bem como do também invocado artigo 1º do CIRC, que define qualitativamente a incidência do Imposto.
O recurso é, assim, procedente.

Custas:
As custas, ficam a cargo da Recorrida AT, em ambas as instâncias, conforme decorre do artigo 527º do CPC.

Dispositivo
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder total provimento ao recurso e:
- Julgar a Impugnação procedente, anulando a liquidação impugnada.
- Condenar a Recorrida no pagamento das custas, em ambas as instâncias.

Porto, 8/7/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda, relator, consigno e atesto, nos termos do artigo 15-A do DL nº 10-A/2020 de 13/3, que este acórdão tem voto de conformidade dos restantes membros do colectivo, Desembargadoras:

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
________________________________________
i) O lapso é óbvio, queria-se dizer 2001.

ii) A notificação feita aos impugnantes em 15 de Abril de 2005 para apresentarem a declaração de rendimentos de 2001 em quinze dias, inclusive a zeros em caso de inactividade, sem o que seria emitida liquidação oficiosa, indica que a própria AT estava disposta a aceitar como prova bastante da inactividade a declaração de rendimentos “a zeros”, posto que apresentada no prazo cominado de 15 dias.