Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00561/18.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:TABELA REMUNERATÓRIA DA CARREIRA MÉDICA; DL 353-A/89, DE 16 DE OUTUBRO;
DL 73/90, DE 06 DE MARÇO; PRINCÍPIO DA IGULDADE;
INTERPRETAÇÃO DA LEI;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», residente na Urbanização ...., ... ..., e «BB», residente na Rua ...., ... ..., propuseram ação administrativa contra o CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO ..., EPE (...), com sede na Praceta ..., formulando os seguintes pedidos:
a) que o R. seja condenado a reconhecer o direito das AA. a serem posicionadas no escalão 2 da categoria de Assistente Graduado da Tabela Remuneratória da Carreira Médica desde o momento em que cada uma delas – março/2006 quanto à A. «AA» e Dezembro/2005 quanto à A. «BB» – ascendeu à categoria de Assistente Graduado, com todas as consequências legais;
b) que o R. seja condenado a pagar-lhes, desde a data em que ascenderam à categoria de Assistente Graduado até ao presente: (i) os créditos salariais resultantes da diferença no vencimento base mensal entre o escalão 1 e o escalão 2 da categoria de Assistente Graduado, desde o mês em que cada uma das AA. ascendeu a esta categoria; (ii) os créditos salariais decorrentes da diferença do valor/hora entre o escalão 1 e 2 da categoria de Assistente Graduado, pelo trabalho prestado pelas AA. de acordo com as modalidades específicas do mesmo (normal e/ou extraordinário, diurno e/ou noturno, sábados e/ou domingos), previsto no n.º 2 do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30/03.

Por despacho saneador-sentença proferido pelo TAF de Coimbra foi decidido assim:
julga-se a presente ação administrativa improcedente e, em consequência, absolve-se o R. dos pedidos;
julga-se improcedente o pedido de condenação das AA. como litigantes de má-fé.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, as Autoras formularam as seguintes conclusões:

a) O que está em causa nos presentes autos é saber qual o escalão em que as recorrentes deviam ter sido posicionadas na sequência da subida da categoria de assistente para a de assistente graduado;
b) A decisão recorrida considerou, ao contrário do entendimento defendido pelas recorrente, que neste caso se devia aplicar o preceituado no DL. 73/90 de 30 de Março (Regime das Carreiras Médicas) e não o DL. 353-A/89 de 16 de Outubro (Estatuto Remuneratório dos Funcionários e Agentes da Administração Pública);
c) Ao tempo (1989) os princípios gerais em matéria de emprego público foram definidos pelo DL. 184/89, diploma enquadrador, cabendo ao DL 353-A/89 o desenvolvimento e regulamentação, nomeadamente em matéria salarial, daqueles princípios gerais;
d) Como se reconhece no preâmbulo do DL. 184/89, a existência de realidades funcionais específicas, ligadas à parte da Administração prestadora de serviços, justificou a criação de vários corpos especiais com soluções retributivas autónomas da da carreira geral;
e) Materializando o reconhecimento pelo DL. 184/89 dessas realidades funcionais específicas, o DL 353-A/89 nos arts. 27° e 28° vem remeter para o diploma próprio de cada carreira e corpo especial a respectiva regulamentação e escala salarial respectiva, o que do ponto de vista legislativo faz(ia) todo o sentido;
f) O diploma então publicado para regulamentar o regime legal das carreiras médicas foi o DL. 73/90 de 6 de Março o qual para além da escala indiciária própria (grelha salarial) veio introduzir novas regras quanto aos regimes de trabalho;
g) Mas ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, a existência de diplomas para os corpos especiais não afasta aplicação no caso presente do “regime regra” previsto no DL 353-A/89, como vamos explicar.
h) Importa começar por compreender a lógica que presidiu à redação do art° 62° do DL 73/90 que manda aplicar subsidiariamente o DL. 353-A/89 sendo necessário para o efeito reconstituir o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada
i) Refere-se no DL 184/89 que o objectivo da reforma do sistema retributivo vai no sentido de lhe dar coerência e de o dotar da equidade quer no plano interno quer no externo, pondo fim a vários sistemas retributivos e remunerações acessórias que tornam o sistema desconexo;
j) Tendo em conta estas finalidades da reforma, sob prejuízo da unidade e coerência do diploma que regulamenta o sistema retributivo da função pública, não faz sentido que, para além das realidades funcionais específicas de cada corpo especial, nomeadamente do regime de trabalho, e das escalas salariais (leia-se aqui “estrutura das remunerações”) necessariamente próprias e adequadas ao respectivo corpo especial, que relativamente à promoção na categoria, progressão nos escalões e mobilidade, entre outras, possa haver soluções diferenciadas entre as carreiras do regime geral e dos regimes especiais;
k) Pensar em soluções distintas nestas questões seria ir manifestamente contra a lógica que confessadamente esteve subjacente à reforma global do sistema retributivo na administração pública de então;
l) No seu art° 1°, o DL 353-A/89 define os seus dois objectos: estabelecer (1) regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e (2) a estrutura das relações base das carreiras nele contempladas.
m) Este duplo objecto do diploma permite identificar quais as normas que dele se aplicam a todos os funcionários públicos sem excepção e aquelas que se aplicam apenas às carreiras e categorias nele contempladas.
n) Atento o objecto do CAPÍTULO II, é indiscutível que ele se aplica a todos os funcionários, sejam da carreira geral ou da especial.
o) Quanto ao CAPÍTULO III, apenas a SECÇÃO I deste é aplicável a todos os funcionários já que a SECÇÃO II, respeitando às estruturas remuneratórias, apenas se pode aplicar às carreiras e categorias nele contempladas.
p) Estando subjacente à reforma a autonomia da estrutura remuneratória dos corpos especiais, quer entre os próprios corpos especiais entre si quer em relação à carreira geral, se percebe o estatuído nos arts. 27° e 28° do DL. 353-A/89 remetendo para legislação própria do respectivo corpo a regulamentação da sua estrutura remuneratória;
q) Como decorre expressamente do DL. 184/89, ao reconhecer a existência de realidades funcionais específicas no âmbito da Administração Pública, percebe-se a criação de estruturas remuneratórias adequadas a essa especificidade, mas apenas e só quanto à grelha salarial e não necessariamente quanto a outras questões do estatuto remuneratório, como a progressão nas escalas, a promoção na categoria e a mobilidade;
r) Os diplomas legais referentes aos corpos especiais da saúde (médicos e enfermeiros) ao falar de promoção na carreira transpuseram o princípio geral vertido no n° 1 do art° 17° do DL. 353-A/89, o mesmo não acontecendo com a segunda regra para o posicionamento prevista no n° 2 desta norma, só aplicável numa situação concreta – sempre que da promoção na categoria resultar um impulso salarial inferior a 10 pontos, a integração na nova categoria faz-se no escalão seguinte da estrutura da categoria.
s) Não se estando perante aplicação de um regime próprio diferente para os corpos especiais na área da saúde, será que a omissão nos respectivos diplomas da segunda regra adicionada para uma única situação concreta afasta aplicação do “regime regra” consagrado no art° 17° do DL. 353-A/89? Entendemos que não, nem faria sentido tal afastamento;
t) O primeiro objecto do DL 353-A/89 foi estabelecer as regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública, sendo nesta parte, aplicável a todos os funcionários sem excepção, pelo que se pode dizer que ele é efectivamente o diploma especial em matéria salarial;
u) A menos que os diplomas dos corpos especiais estabelecessem quanto à promoção e progressão na carreira regras próprias/diferentes das definidas no diploma especial para o efeito – o DL. 353-A/89 – o que não é o caso presente uma vez que os arts. 12°, quer do DL. 73/90 quer do DL. 437/91, recepcionaram o princípio geral vertido no art° 17°, n° 1 daquele diploma o qual é efectivamente o diploma especial em matéria de promoção na categoria;
v) Este entendimento está em consonância com o preceituado no n° 4 do art° 19° do DL. 353-A/89 a propósito da progressão nos escalões, figura que é tratada, tal como a promoção na categoria, na SECÇÃO I do CAPITULO III;
x) A produção de efeitos é simultânea nos DL. 353-A/89 (art° 45°, n° 1) e 73/90 (art° 63ª), ou seja, em 1 de Outubro/89;
z) Se o DL. 73/90 fosse aplicado de forma completamente autónoma relativamente ao DL 353-A/89, como se deixa subentendido na decisão aqui recorrida, qual a razão lógica para os dois diplomas entrarem em vigor ao mesmo tempo (01/10/89) quando aquele foi publicado meio ano depois deste?
aa) Essa autonomia dos diplomas dos corpos especiais só faz sentido, importa reafirmá-lo, quanto à regulação das suas especificidades funcionais e definição da estrutura da remuneração base, quanto ao mais – regras do estatuto remuneratório – aplica-se o DL 353-A/89;
bb) Recorrendo aos elementos teleológico e sistemático para interpretar quer o art° 62° do DL. 73/90 quer o n° 2 do art° 1° do DL 437/91, parece-nos que a conclusão lógica a retirar é a de que nas questões relativas ao estatuto remuneratório reguladas nos arts. 3° a 20° do DL. 353-A/89 é este o diploma aplicável por ser a lei especial, a menos que nos diplomas das carreiras e corpos especiais sejam fixados regimes próprios diferentes para o tratamento dessas mesmas questões;
cc) Entrando ao mesmo tempo em vigor a produção de efeitos, temos que ter ainda presente o que prescreve o art° 44° do DL. 353-A/89: “O disposto no presente diploma prevalece sobre quaisquer normas gerais ou especiais.” (Sublinhado nosso);
dd) Este princípio só poderia ser afastado nas situações em que o próprio DL. 353-A/89 admitisse a existência de regras próprias fixadas nos regimes das carreiras e corpos especiais de que é exemplo o n° 4 do art° 19° deste diploma; só desta forma poderia estar assegurada a unidade e coerência da reforma do sistema retributivo da função pública;
ee) E o n° 2 do art° 12° do DL. 73/90 não estabelece objectivamente nenhum regime com regras próprias/diferentes de promoção na categoria para as carreiras médicas, limita-se a recepcionar o princípio geral consagrado no n° 1 do art° 17° do DL. 353-A/89;
ff) A redacção do art° 44° vem dar ainda mais força à posição perfilhada nos autos pelas recorrentes de que o DL. 353-A/89 é o diploma especial em matéria de estatuto remuneratório, a menos que sejam fixadas regras próprias a tal respeito nos diplomas dos corpos especiais, o que não acontece no caso presente
gg) A regra do “impulso salarial inferior a 10 pontos” prevista no n° 3 do art° 12° do DL. 73/90 referente aos clínicos gerais foi aditada pelo DL 210/91;
hh) Com o aditamento desta norma não se visou criar um regime especial para os clínicos gerais nos casos em que acediam à categoria de assistente, mas conferir a estes tratamento igual aos restantes médicos da carreiras médicas sempre que houvesse promoção na categoria por força da aplicação a estes do regime previsto no DL. 353-A/89.
ii) Haverá alguma razão especial para, na área médica, a regra do “impulso salarial inferior a 10 pontos” só se aplicar aos clínicos gerais que passassem à categoria de assistente? A nosso ver, não há, nem o DL. 210/91 o esclarece, o que em princípio não deixaria de acontecer se se tratasse de uma situação especial;
jj) Porquê a introdução de uma regra para uma situação singular que cria uma dualidade de critérios quanto à promoção na categoria da carreira médica quando o que se pretendeu com a reforma levada a cabo foi dar coerência e unidade ao ordenamento jurídico do estatuto remuneratório, procurando simplificar e acabando com as desconexões existentes, como refere no seu preambulo o DL. 184/89? Seria seguir precisamente o caminho inverso aquele que motivou a reforma;
kk) A resposta a dar pelo Tribunal ao presente recurso não pode passar por cima de vários considerandos, a saber:
1) Que os diplomas passíveis de aplicação resultam de uma reforma global do sistema retributivo dos funcionários públicos;
2) Que essa reforma teve como finalidade dar unidade, coerência, igualdade e por fim à complexidade e desconexão do sistema até aí em vigor;
3) Que a regulamentação das carreiras e corpos especiais incidia especialmente sobre a regulamentação das especificidades funcionais e da estrutura das remunerações base do respectivo corpo.
4) Que a autonomia dos regimes próprios dos corpos especiais na área da saúde se limitava às matérias referidas na alínea anterior, pois que, se assim não fosse, não faria sentido que tais diplomas mandassem aplicar o DL. 353-A/89 subsidiariamente ou com ressalva das especialidades;
ll) Autonomizar totalmente neste contexto o DL. 73/90 do DL. 353-A/89, pressuposto de que parte a decisão recorrida, é fazer tábua rasa das finalidades prosseguidas pela reforma do sistema retributivo do emprego publico;
mm) Resta agora abordar a questão do Acórdão do Pleno do STA de 18/10/2012 (no proc. 0606/12 publicado em www.dgsi.pt) em que igualmente se suporta a decisão recorrida a propósito de uma questão idêntica mas relativa ao corpo especial da carreira docente;
nn) A questão abordada no referido Acórdão do Pleno do STA era relativa a pessoal docente do ensino universitário em relação ao qual tinha saído o DL. 408/89 de 18 de Novembro, no âmbito da reforma do emprego público efectuada pelo DL. 148/89;
oo) Aparentemente, argumentação do STA tem alguma lógica do ponto de vista jurídico, mas tem a nosso ver um calcanhar de Aquiles: analisou os dois diplomas sem ter em consideração o contexto global da reforma do sistema retributivo da Administração Pública, das finalidades da mesma e da forma como foi sistematizada; isto é, abordagem do caso não terá sido adequada, refletindo-se depois necessariamente na conclusão a que chegou;
pp) Importa ainda reafirmar o disposto no art° 44° do DL. 353-A/89, fazendo prevalecer este diploma relativamente a qualquer norma geral ou especial, como é o caso do DL 408/89;
qq) Porque certamente não terá sido suscitada no âmbito do processo, o Acórdão do Pleno do STA nem sequer se pronunciou sobre esta questão da prevalência do DL. 353-A/89 na sequência do disposto no seu art° 44°;
rr) Pela leitura do Acórdão do Pleno do STA, verificamos que embora a questão nele decidida tenha contornos semelhantes, não podemos deixar de salientar que outras questões aqui suscitadas impõem uma diferente abordagem jurídica das normas e diplomas aqui em confronto, sem esquecer a particularidade de a legislação aplicável nos dois processos ter algumas diferenças;
ss) Em conclusão, o Acórdão do Pleno do STA tem de ser filtrado perante as novas questões aqui colocadas, que justificam uma nova abordagem nível jurídico e, consequentemente, uma conclusão diversa da anterior; e
tt) A sentença recorrida violou o disposto no art° 17°, n° 2 do DL. 353-A/89.

Nestes termos,
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se em consequência a decisão recorrida e julgarem-se procedentes os pedidos formulados na p.i..

Com o que se fará JUSTIÇA.

O Réu juntou contra-alegações, concluindo:

i) Subscrevemos na íntegra a decisão do tribunal a quo.

ii) Está em causa no presente caso a decisão sobre a aplicação de uma norma específica sobre a promoção e progressão na carreira Médica, DL. 73/90 de 30 de Março, em detrimento de uma norma geral o DL 353-A/89 de 16 de Outubro, e consequente aplicação da norma à progressão na carreira das recorrentes que são Médicas, e posicionamento destas na Tabela remuneratória.

iii) Como bem notou o Tribunal a quo existe entendimento do Pleno do STA de 18/10/2012 (proc. n.º 0606/12) num caso análogo (progressão da carreira de docentes, também ela uma carreira especial, como a carreira médica aqui sub judice, ou seja, mutatis mutandis, trata-se da mesma situação), nesse caso decidiu aquele tribunal que era de aplicar as normas específicas relativamente ao regime de progressão de carreira que por ser lei especial deveria prevalecer sobre as regras gerais vertidas no DL 353¬A/89 de 16 de Outubro.

iv) Tal situação é perfeitamente equivalente à ora discutida no caso presente, pelo que merece o mesmo entendimento, ou seja, aplicar-se o regime especial do DL. 73/90 de 30 de Março, em detrimento da uma norma geral do DL 353-A/89 de 16 de Outubro.

v) Deve, assim, improceder a argumentação das recorrentes sobre a aplicação do regime geral do DL 353-A/89 de 16 de Outubro ao caso jub judice, dado que, existindo norma especial quanto à matéria no caso o art. 12.º n.º 2 do DL. 73/90 de 30 de Março, é esta aplicável, considerando que como lei especial, prevalece sobre as regras gerais.

vi) Ademais, tal é notado no art. 1.º do DL. 73/90 O regime legal das carreiras médicas é o constante deste decreto-lei.”

vii) E sobre a promoção e progressão da carreira médica rege, como referido, o art. 12.º n.º 2 do DL. 73/90 de 30 de Março “A promoção a categoria superior faz-se para o 1.º escalão da estrutura remuneratória dessa categoria ou para o escalão a que corresponda índice superior mais aproximado, se o médico já vier auferindo remuneração igual ou superior à daquele escalão.”

viii) As recorrentes, são médicas com a especialidade de ginecologia e subiram de categoria e correspetivamente de escalão, e como tal foram colocadas no escalão remuneratório imediatamente a seguir correspondente ao primeiro escalão da categoria que assumiram, ou seja, escalão 1 da categoria de assistente graduado, a que corresponde o índice 145.

ix) Pelo que foram bem colocadas.

x) Em conclusão deve manter-se a decisão recorrida, concluindo-se que as recorrentes foram correta e legalmente posicionadas, em termos remuneratórios, no escalão 1, índice 145, da Tabela Salarial da Carreira Medica, após a sua promoção à categoria de Assistente Graduado.

xi) E nestes termos declarar-se totalmente improcedente o presente recurso.

Nestes termos, e nos melhores de direito que suprirão deve:

a) Declarar-se totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida,

assim se fazendo a costumada justiça.

O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão ficou assente a seguinte factualidade:

1) As AA. são médicas especialistas em Ginecologia, com a categoria de Assistente Graduado da carreira médica hospitalar, a prestar serviço no R., em particular na Maternidade ..., ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas, de 42 horas semanais e com exclusividade (acordo).

2) Na sequência de concurso aberto para a categoria de Assistente Graduado na área de Ginecologia da carreira médica, a A. «AA» foi promovida da categoria de Assistente para a de Assistente Graduado, com efeitos a partir de março de 2006 (acordo e cfr. doc. de fls. 15 do suporte físico do processo).

3) Por deliberação do Conselho de Administração do R. de 13/10/2005, a A. «BB» foi promovida da categoria de Assistente para a de Assistente Graduado, com efeitos a partir de dezembro de 2005 (acordo e cfr. doc. de fls. 18 do suporte físico do processo).

4) Enquanto integradas na categoria de Assistente da carreira médica hospitalar, as AA. encontravam-se posicionadas no escalão 4, índice 140, da Tabela Salarial da Carreira Médica, tendo passado a estar posicionadas, a partir do mês em que, respetivamente, cada uma foi promovida à categoria de Assistente Graduado e até hoje, no respetivo escalão 1, índice 145 (acordo e cfr. docs. de fls. 16, 17, 19, 20 e 21 do suporte físico do processo).

5) A remuneração base mensal correspondente ao escalão 1, índice 145, da categoria de Assistente Graduado da carreira médica hospitalar, em regime de 42 horas semanais e com exclusividade, ascende, desde 2005 e até ao presente, aos seguintes valores:
- € 3.794,48 no ano de 2005;
- € 3.851,43 no ano de 2006;
- € 3.909,19 no ano de 2007;
- € 3.991,28 no ano de 2008;
- € 4.107,03 no ano de 2009 e até ao presente
(cfr. docs. de fls. 10 a 14 do suporte físico do processo).

6) A remuneração base mensal correspondente ao escalão 2, índice 160, da categoria de Assistente Graduado da carreira médica hospitalar, em regime de 42 horas semanais e com exclusividade, ascende, desde 2005 e até ao presente, aos seguintes valores:
- € 4.187,01 no ano de 2005;
- € 4.249,85 no ano de 2006;
- € 4.313,59 no ano de 2007;
- € 4.404,17 no ano de 2008;
- € 4.531,90 no ano de 2009 e até ao presente
(cfr. docs. de fls. 10 a 14 do suporte físico do processo).

7) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 01/10/2018 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).



DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Vejamos,
Por despacho saneador-sentença decidiu o Tribunal a quo pela total improcedência dos pedidos das Autoras.
Considerou para o efeito aplicável ao caso sub judice o regime próprio e específico do DL. 73/90 de 30 de março (Regime das carreiras Médicas), em detrimento do regime geral do DL. 353-A/89 de 16 de outubro (Estatuto Remuneratório dos Funcionários Públicos e Agentes da Administração Pública).
Cremos que decidiu com acerto.
É que estando em discussão no caso a progressão da carreira médica das Autoras e, existindo, como existe, um regime (normativo) próprio, prevalece este último sobre o regime geral que só terá aplicação subsidiária, de acordo com a regra interpretativa, o princípio da lei especial “Lex specialis derogat legi generali”
Como sentenciado,
Extrai-se da factualidade provada que as AA. se encontram integradas na carreira médica hospitalar, tendo sido promovidas à categoria de Assistente Graduado em dezembro de 2005 (quanto à A. «BB») e em março de 2006 (quanto à A. «AA»), na sequência do que passaram a estar posicionadas no escalão 1, índice 145, da referida categoria, quando antes estavam posicionadas no escalão 4, índice 140, da categoria de Assistente (cfr. pontos 2, 3 e 4 dos factos provados).
Nos termos do Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03 (diploma que estabelecia, à data dos factos, o regime legal das carreiras médicas, entretanto revogado, quase na sua totalidade, pelo Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04/08, que aprovou o novo regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional), as carreiras médicas desdobram-se em carreira médica de clínica geral, carreira médica hospitalar e carreira médica de saúde pública, as quais têm a natureza de carreiras profissionais, constituindo o pessoal nelas integrado, atenta a natureza e especificidade das suas funções, um corpo especial submetido ao regime particular e específico do referido Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03 (art.os 3.º, n.º 1, e 14.º).
No que concerne à promoção e progressão nas carreiras médicas, determina o art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03, na redação do Decreto-Lei n.º 210/91, de 12/06, que “a mudança de escalão depende da permanência de três anos no escalão imediatamente anterior” (n.º 1) e, bem assim, que a promoção a categoria superior faz-se para o 1.º escalão da estrutura remuneratória dessa categoria ou para o escalão a que corresponda índice mais aproximado, se o médico já vier auferindo remuneração igual ou superior à daquele escalão” (n.º 2) (sublinhado e negrito nosso). Acrescenta o n.º 3 do mesmo preceito que, na promoção dos clínicos a que se referem o n.º 2 do art.º 17.º e o art.º 47.º deste diploma – integrados na carreira médica de clínica geral –, “sempre que do disposto no número anterior resultar um impulso salarial inferior a 10 pontos, contados do índice correspondente ao último escalão da categoria, a integração na categoria de assistente faz-se no escalão seguinte da estrutura desta categoria, salvo nos casos em que a transição desses médicos para a nova escala salarial tenha sido feita com base no regime de trabalho de tempo completo prolongado e até que, pelas regras transitórias de descongelamento ou de progressão, os clínicos gerais transitados em regime de tempo completo adquiram direito ao escalão 4”.
No caso vertente, temos que o R. aplicou às AA., na determinação do respetivo posicionamento remuneratório após a sua promoção à categoria de Assistente Graduado, a norma do n.º 2 do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03, acima transcrita, tendo efetuado corretamente tal posicionamento remuneratório, uma vez que, em virtude da promoção das AA. a categoria superior (in casu, à categoria de Assistente Graduado), as mesmas deveriam ser posicionadas, como foram, no 1.º escalão da nova categoria para a qual foram promovidas, isto é, no escalão 1, índice 145, da Tabela Salarial da Carreira Médica, correspondente aos atuais níveis remuneratórios 71 e 72 da Tabela Remuneratória Única (cfr. ponto 4 dos factos provados).
E, com efeito, esgota-se nesta norma – o n.º 2 do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03 – a disciplina jurídica do posicionamento remuneratório das AA., enquanto médicas integradas na carreira médica hospitalar.
Na verdade, a regra do “impulso salarial inferior a 10 pontos” prevista no n.º 3 daquele normativo aplica-se apenas nas situações de “promoção dos clínicos a que se referem o n.º 2 do artigo 17.º e o artigo 47.º deste diploma”, ou seja, à categoria de clínico geral da carreira médica de clínica geral, extinta pelo Decreto-Lei em referência – situação que não é, manifestamente, a das AA.
Por sua vez, encontra-se igualmente afastada a aplicação ao caso concreto do disposto no n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10 (entretanto revogado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27/02), diploma que estabelece as regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas.
Não se ignora que, nos termos do art.º 62.º do Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03, sob a epígrafe “Legislação subsidiária”, em tudo o que não esteja expressamente previsto no presente diploma é aplicável ao pessoal referido no artigo 2.º o disposto no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro” (sublinhado e negrito nosso).
No entanto, não menos certo é que, segundo o art.º 27.º do citado Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10, “a regulamentação própria das carreiras e cargos não abrangidos pelo presente diploma faz-se por decreto regulamentar”, acrescentando o n.º 1 do respetivo art.º 28.º que “as escalas salariais dos corpos especiais são fixadas em legislação própria (sublinhado nosso).
Por conseguinte, o disposto no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10, apenas se aplica subsidiariamente aos “corpos especiais” (onde se inclui, como vimos, a carreira médica), regulamentados por lei própria (o Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03), se e na medida em que as respetivas normações específicas não prevejam regras quanto a determinada matéria e para aquele primeiro diploma remetam. É o que sucede com a carreira médica “em tudo o que não esteja expressamente previsto” no referido Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03.
Contudo, do Decreto-Lei n.º 73/90, de 06/03, constam, como vimos, regras expressas, concretas e taxativas, quanto à promoção e progressão na referida carreira médica, constantes do seu art.º 12.º, supra transcrito, o que impede, portanto, o recurso (subsidiário) à regra prevista no n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10, para resolver a questão do posicionamento remuneratório das AA. na sequência da sua promoção à categoria de Assistente Graduado, ao invés do que as mesmas defendem.
Assim, por força da inaplicabilidade à situação das AA. da diferença de 10 pontos na integração na nova categoria, prevista no n.º 2 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 353­A/89, de 16/10, foram as mesmas corretamente posicionadas no escalão 1, índice 145, da Tabela Salarial da Carreira Médica, correspondente aos atuais níveis remuneratórios 71 e 72 da Tabela Remuneratória Única.
O entendimento acima exposto foi igualmente seguido no acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 18/10/2012 (proc. n.º 0606/12, publicado em www.dgsi.pt), ainda que a propósito de outra carreira especial que não a carreira médica (mas cujo raciocínio é integralmente aplicável ao caso em apreço), em cujo sumário se pode ler que “o DL n.º 408/89, de 18 de novembro, contém normas específicas relativamente ao regime de promoção do pessoal docente universitário e do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, devendo, em consequência, o regime por ele estabelecido, designadamente no seu art.° 3.°, al. b), in fine, ser considerado como lei especial, prevalecendo sobre as regras gerais para as carreiras da Administração Pública previstas no DL n.° 353-A/89, de 16 de outubro, concretamente a contida no seu art.° 17.°, n.° 2 (sublinhado nosso).
Ademais, não tem cabimento a invocação do disposto no art.º 43.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10, no sentido propugnado pelas AA., ou seja, de que foram salvaguardados do âmbito de aplicação deste diploma regimes especiais então existentes na Administração Pública, mas não a carreira especial médica, pelo que o referido Decreto-Lei seria aplicável a esta última. Se, em primeiro lugar, aquele preceito se refere a regimes especiais aplicáveis a determinados funcionários e agentes da Administração Pública e não ao pessoal integrado em carreiras especiais, o que são situações distintas, a verdade é que, em segundo lugar, as AA. esquecem o disposto nos art.os 27.º e 28.º do diploma em referência, acima citados, esses sim aplicáveis às carreiras especiais, como a carreira médica, determinando que as respetivas escalas salariais sejam fixadas em legislação própria, com o que afasta, como regime regra, a aplicação das normas gerais previstas no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10 (as quais, como vimos, são apenas aplicáveis à carreira médica a título meramente subsidiário).
O mesmo se diga do invocado art.º 44.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16/10, pois que a prevalência nele estabelecida “sobre quaisquer normas gerais ou especiais” se refere, antes de mais, às eventuais normas gerais ou especiais aplicáveis aos trabalhadores da Administração Pública diretamente abrangidos por tal diploma, e não às carreiras especiais do mesmo excluídas e regulamentadas em legislação própria.
Por fim, a circunstância de alegadamente outros colegas das AA., que também foram promovidos, à data, à categoria de Assistente Graduado, terem sido posicionados no escalão 2, índice 160, não pode funcionar como justificação para que às AA. seja igualmente aplicável tal posicionamento remuneratório, o qual, em todo o caso, não se mostraria conforme às normas legais ao caso aplicáveis, independentemente de outros profissionais terem sido, erradamente, posicionados em tal escalão.

*
Ante todo o exposto, conclui-se que as AA. foram correta e legalmente posicionadas, em termos remuneratórios, no escalão 1, índice 145 (atual 71-72), da Tabela Salarial da Carreira Médica, após a sua promoção à categoria de Assistente Graduado, o que determina não só a improcedência do pedido de condenação do R. a reconhecer o direito das AA. a serem posicionadas no escalão 2 da mesma categoria, como também, forçosamente, a improcedência do pedido de condenação do R. a pagar-lhes os créditos salariais resultantes da diferença no vencimento base mensal entre o escalão 1 e o escalão 2 da categoria de Assistente Graduado, bem como os créditos salariais decorrentes da diferença do valor/hora entre o escalão 1 e 2 da mesma categoria, pelo trabalho prestado de acordo com as modalidades específicas do mesmo.
x
Na verdade, a argumentação apresentada pelas Autoras no presente recurso, mais não é que uma ginástica interpretativa para tentar dizer que, não obstante as Autoras exercerem exclusivamente a profissão de Médicas, não lhes é aplicável o regime próprio de progressão da carreira médica, preferindo estas (porque nesta situação em concreto lhes é mais favorável) o regime dos funcionários públicos em geral, o que não se corrobora.
Ademais, a Senhora Juíza suporta-se inclusive na jurisprudência superior do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que no Acórdão de 18/10/2012 (proc. n.º 0606/12) entendendo “que a propósito de outra carreia especial que não a carreira médica (mas cujo raciocínio é integralmente aplicável ao caso em apreço)” toma decisão no mesmo sentido. Ou seja, existindo normas específicas sobre a progressão da carreira e posicionamento remuneratório no caso concreto, naturalmente fica afastada a norma geral, que terá apenas aplicação subsidiária.
Não tem qualquer razão a argumentação das Recorrentes ao porem em causa, não só a decisão do Tribunal a quo, mas também a decisão (uniformizadora) do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, como concretamente fazem, argumentando que a decisão da instância superior “do STA tem alguma lógica do ponto de vista jurídico, mas tem um calcanhar de Aquiles”.
Outro dos argumentos das Recorrentes que não se acolhe, é que o regime geral do DL. 353-A/89 de 16 de outubro, do qual as Recorrentes pretendem a aplicação, refere no art. 44.° que a norma prevalece “sobre quaisquer normas gerais ou especiais”, mas, naturalmente, e mais uma vez sobre as mais básicas regras de interpretação jurídica, deve entender-se que prevalece sobre as normas gerais e especiais que na altura estavam em vigor.
Na interpretação pretendida pelas Recorrentes querem estas, que tal prevalência vigore ad eternum, pretendendo que a norma se sobreponha e seja válida sobre normas futuras.
Sublinhe-se que o DL. 73/90 de 30 de março (Regime das carreiras Médicas), aqui aplicável é posterior àquela norma.
Mas mais que isso, é o próprio DL. 353-A/89 de 16 de outubro, que prevê que a existência de futura regulamentação própria, no art. 27.° “a regulamentação própria das carreiras e cargos não abrangidos pelo presente diploma faz-se por decreto regulamentar”, e do mesmo modo o art. 28 daquele diploma “as escalas salariais dos corpos especiais são fixadas em legislação própria”, que é precisamente o que ocorre com as carreiras médicas pelo DL. 73/90 de 30 de março, o caso das aqui recorrentes.
Até porque o regime jurídico plasmado no diploma 353-A/89 estabeleceu as regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura base das carreiras e categorias nele contempladas, mas no caso concreto dos corpos especiais, o art. 28.° dispôs que as escalas salariais destes seriam fixadas em legislação própria.
É neste contexto que foi publicado o D.L. n.° 73/90, de 06 de março, que no seu art. 1.°, estabelece ” O regime legal das carreiras médicas é o constante deste decreto-lei.”. Consequentemente, este regime veio estabelecer o regime legal das carreiras médicas dos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, medida legislativa ditada pela necessidade de reconverter o sistema remuneratório das carreiras médicas que, tendo sido consideradas um corpo especial, gozam de uma escala remuneratória própria.
Deste modo, as regras concretas e taxativas, quanto à promoção e progressão na carreira Médica, ou seja, à carreira das Recorrentes, rege o art. 12.° n.° 2 daquele diploma “A promoção a categoria superior faz-se para o 1.º escalão da estrutura remuneratória dessa categoria ou para o escalão a que corresponda índice superior mais aproximado, se o médico já vier auferindo remuneração igual ou superior à daquele escalão.”.
A única exceção a esta forma de progressão na carreira existe, apenas, para os médicos de Clínica Geral, não especializados (cfr. n.° 3 do referido art. 12.°), o que não é o caso das Autoras que, como referem, são especialistas em ginecologia.
(Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade»,
in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante).

Voltando ao caso concreto, repete-se, a única exceção a esta forma de progressão na carreira existe, apenas, para os médicos de Clínica Geral, não especializados (cfr. n.° 3 do referido art. 12.°), o que não é o caso das Autoras que são especialistas em ginecologia.
São situações distintas a merecer um tratamento distinto.
As Recorrentes, efetivamente, subiram de categoria e correspetivamente de escalão.
De acordo com a norma citada foram colocadas no escalão remuneratório imediatamente a seguir, correspondente ao primeiro da categoria que assumiram, ou seja, escalão 1 da categoria de assistente graduado, a que corresponde o índice 145.
Por outro lado, é o próprio o DL. 73/90 de 30 de março, que prevê a aplicação do DL. 353-A/89 de 16 de outubro, mas apenas de forma subsidiária, vide art. 62.°, e não direta.
É, pois, de afastar nesta matéria de promoção e progressão na carreira Médica, tal regime geral do DL. 353-A/89 de 16 de outubro, que só tem aplicabilidade residual, ou seja, nas lacunas do regime específico, o que não é o caso.
Nem faria sentido desconsiderar-se uma norma específica sobre a promoção e progressão na carreira Médica, (dado que as Recorrentes exercem a profissão de Médicas), para se aplicar uma norma geral.
Razões pelas quais bem andou o Tribunal a quo ao referir que foram as Recorrentes, corretamente posicionadas no escalão 1, índice 145, da Tabela Salarial da Carreira Médica, correspondente aos atuais níveis remuneratórios 71 e 72 da Tabela única.
Em suma,
Não se ignora que interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, págs. 21 a 26).
O artigo 9.º do Código Civil reza que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Assim, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).
Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados.
A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de Baptista Machado (ob. cit., pp. 185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.»
Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. este mesmo Autor, ob. cit., p. 186).
Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime-regra (cf., mais uma vez, Baptista Machado, obra citada, pp. 186-187).
In casu toda a hermenêutica aponta para a bondade da interpretação veiculada pela Entidade Demandada.
De resto assim decidimos num processo similar, em 20/10/2023, no âmbito do rec. nº 00358/13.1BECBR.
Improcedem as Conclusões das alegações com a consequente manutenção no ordenamento jurídico do aresto em causa.
DECISÃO
Termos em se nega provimento ao recurso.
Custas pelas Recorrentes.
Notifique e DN.

Porto, 15/12/2023

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Nuno Coutinho