Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00407/19.0BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/13/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ENFERMEIROS – TRANSIÇÃO PARA NOVA CARREIRA DE ENFERMAGEM - REPOSICIONAMENTO REMUNERATÓRIO
Sumário:I – O Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, estabeleceu a natureza especial da Carreira de Enfermagem, restruturando-a de três níveis e cinco categorias [Nível 1, que integrava as categorias de enfermeiro e de enfermeiro graduado; b) Nível 2, que integrava as categorias de enfermeiro especialista e de enfermeiro-chefe; c) Nível 3 que integrava a categoria de enfermeiro supervisor] para duas categorias apenas, a saber: “Enfermeiro” e “Enfermeiro Especial”.

II- A definição das respetivas posições remuneratórias associadas às novas categorias da nova Carreira de Enfermagem foi operada pelo Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, sendo que, do que se trata aqui é do ajustamento remuneratório emergente da transição para uma nova categoria da carreira de enfermagem e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratória no âmbito da categoria da categoria de enfermagem em que já se encontrava[m] o[s] enfermeiro[s].

III- Logo, não pode ter lugar aqui a aplicação da “Regra geral de alteração do posicionamento remuneratório” prevista no artigo 156º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois que esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público.

IV- A definição operada pelo Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, embora sustada a 1 de janeiro de 2011, por força do disposto no artigo 24º da Lei nº 55-A/2010, de 21 de dezembro [Orçamento do Estado para 2011], foi retomada com a entrada em vigor da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, nos termos da qual passou a ser possível proceder a alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão, para o que o legislador estabeleceu, de entre outras previsões, que “(…) é atribuído um ponto por cada ano não avaliado (…)” cfr. artigo 18º, nº.1 e 2 da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro].

V- Pelo que, para efeito de reposicionamento remuneratório, ademais e especialmente, emergente da transição para uma nova categoria da carreira de enfermagem, é de atender todo o âmbito temporal “não avaliado” da carreira do trabalhador.

VI- De modo que, à míngua da aquisição processual da efetivação da avaliação de desempenho da Autora no período de 2004 a 2011, não podia o Réu, aqui Recorrente, deixar de ponderar e valorizar o período de 2004 a 2001 da carreira da Autora para efeitos de mudança de posição remuneratória.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
O CENTRO HOSPITALAR (...), E.P.E, devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que, em 12.12.2019, julgou a presente ação [parcialmente] procedente e, em consequência, anulou o ato impugnado - deliberação do Conselho de Administração do Réu de 08.02.2019, mediante a qual se determinou à autora a devolução de quantias pagas na sequência da alteração do posicionamento remuneratório operado em 18.10.2018 -, condenando o Réu a “(…) a reapreciar a posição da autora em função dos critérios determinados no artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro quanto ao período entre 2004 e 2014, conforme explicado no ponto IV.2.3 (…)”

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
A) Erro de julgamento no que tange à anulação do ato impugnado por preterição de Audiência Prévia:
1. O recorrente notificou a recorrida “dos pontos para efeitos de mudança remuneratória” em 18 de outubro de 2018, procedendo ao reposicionamento remuneratório da mesma com efeitos a janeiro de 2018.
2. No seguimento dessa notificação e face às dúvidas que se suscitaram, o recorrido solicitou esclarecimentos à tutela junto da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (doravante ACSS) e à Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP).
3. A ACSS respondeu aos esclarecimentos solicitados sob forma de Circular Informativa para todos os Estabelecimentos e Serviços do Serviço Nacional de Saúde, em 04.02.2019 (Vide documento n.° 3 junto com a Contestação).
4. A Circular, então publicada, visou esclarecer as entidades do Serviço Nacional de Saúde, permitindo um tratamento harmonizado de todos os profissionais de enfermagem com Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
5. O ato administrativo objeto de impugnação, decorre, do cumprimento do constante da Circular Informativa n.° 2 da ACSS, de 04.02.2019, que veio esclarecer quanto ao “Processo de descongelamento de carreiras - carreira especial de enfermagem”.
6. Assim, de acordo com as orientações emanadas pela tutela a ACSS, IP, esclareceu como se efetuaria a “Contabilização de pontos na carreira especial de enfermagem” e a “Data a partir da qual se inicia a contagem de pontos na carreira especial de enfermagem”.
7. Donde, o recorrente verificou que a notificação da recorrida “dos pontos para efeitos de mudança remuneratória”, em 18 de outubro de 2018, não estava de acordo com a referida circular.
8. Pelo que, em 14.02.2019, efetua nova comunicação dos pontos detidos pela recorrente e como se processaria a reposição de valores indevidamente pagos.
9. Portanto, o ato administrativo ora impugnado, isto é, a decisão comunicada em 14.02.2019, visou, tão somente, o cumprimento da referida Circular Informativa.
10. O ato ora impugnado, independentemente do que pudesse ser aduzido pelo recorrida, sempre teria sido praticado com o mesmo conteúdo, pois que visou dar cumprimento à indicada Circular Informativa.
11. Porquanto, nos termos do artigo 163.° n.° 5 al. c) do CPA, o alegado vício não deverá produzir o seu efeito anulatório.
12. Prevê a lei, que o direito de audiência prévia se degrade em formalidade não essencial, quando a intervenção do interessado seja inútil porque, independentemente da sua intervenção e dos elementos juntos, o ato administrativo praticado sempre seria aquele.
13. Estando em causa o cumprimento de uma Circular Informativa dirigida para todos os Estabelecimentos e Serviços do Serviço Nacional de Saúde, no seguimento de orientações emanadas pela tutela, sempre seria aquele o conteúdo do ato administrativo, pois que, com o mesmo se visou proceder à contabilização dos pontos, relativos ao tempo de serviço dos enfermeiros, conforme o ali previsto.
14. Neste conspecto jurídico, temos o acórdão do STA de 22.01.2014, proc. n.° 441/13 e acórdão do STA de 25.06.2015, proc. n.° 1391/14, cuja posição secundamos integralmente.
15. O princípio do aproveitamento do ato administrativo foi consagrado no artigo 163.° n.° 5 al. c) do CPA, optando o legislador, no novo Código do Procedimento Administrativo 2015, por elencar as circunstâncias e as condições em que é possível o afastamento do efeito anulatório.
16. Portanto, por força da jurisprudência e da consagração do disposto no artigo 163 n.° 5 al. c) do CPA, entende-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar, o que se verifica in casu.
B) Errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro
17. Conclui a sentença posta em crise, pág. 16, que "(...) no caso do artigo 5.° do Decreto Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro o que está em causa é a transição ou adaptação para um regime legal novo, não uma verdadeira alteração ou progressão remuneratória, o que significa que para efeitos do artigo 18.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro se deve ter em conta a totalidade do tempo, em função dos critérios de pontuação estabelecidos, não podendo, no caso da autora considerar-se que não se pode valorar o período entre 2004 e 2011 por causa da transição imposta por um regime legal novo que aprovou a carreira especial de enfermagem.”
18. Conforme já referiu, a referida Circular Informativa n.° 2 da ACSS veio esclarecer as dúvidas colocadas, no que ao caso diz respeito, concretamente ao descongelamento da carreira especial de enfermagem e o número de pontos a atribuir.
19. Refere a dita Circular: "Assim, no caso dos enfermeiros colocados na 1.- posição remuneratória nos termos do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro, é a partir da data da última alteração de posicionamento remuneratório, que ocorreu em 2011, 2012 ou 2013, que se inicia a contagem de pontos para ulterior alteração da posição remuneratória.”
20. Nesta senda a Direção Geral da Administração e do Emprego Público esclareceu que o artigo 18.° da LOE 2018 não alterou os regimes vigentes, apenas removeu os obstáculos à progressão na carreira e introduzindo normas de suprimento em caso de não avaliação ou avaliação por sistemas sem diferenciação de mérito, a fim de manter a equidade entre trabalhadores. (Vide FAQ 1, disponível em http://www.dgaep.gov.pt/pdc/pdf/faqs desc 2018.pdf).
21. Assim, vigora a regra constante do artigo 156.°, n.°s 2 e 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), de que os pontos são contados a partir da última alteração de posicionamento remuneratório do trabalhador.
22. Verificando-se, no caso dos enfermeiros colocados na 1- posição remuneratória, uma valorização (valorização permitida por sucessivas LOE, como resulta do n.° 12 do artigo 24° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de dezembro - LOE 2011; artigo 20° da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de dezembro, LOE 2012, que manteve em vigor, designadamente, o artigo 24°. da Lei n.° 55-A/2010, e n° 18 do artigo 35° da Lei n.° 66-B/2012, de 31 de dezembro, LOE 2013), é aplicável aquela regra, o que sucedeu com a recorrida.
23. Ora, a referida Circular escorou-se no artigo 156.° n.° 2 e n.° 7 e no artigo 5.° do Decreto Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro, o qual sob epígrafe, “Reposicionamento Remuneratório” .
24. Verificando-se, no caso dos enfermeiros colocados na 1- posição remuneratória, uma valorização é a partir desta data que se contabilizam os pontos, o que se verificou com a recorrida.
25. Assim, afigura-se errada a interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro. (…)”.
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Notificada que foi para o efeito, a Recorrida AH contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A..
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro[s] de julgamento de direito, por (i) ofensa do disposto no artigo 163º, n.° 5 al. c) do CPA e (ii) errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [aqui sem reparos] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1) A autora exerce, no CENTRO HOSPITALAR (...), E.P.E., as funções inerentes à categoria profissional de Enfermeiro, mediante contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado;
Artigos 6° da p.i. e 8° da contestação
2) Em 18.10.2018, a autora foi notificada do seguinte:
Doc. 3 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

3) A entidade demandada procedeu à alteração do posicionamento remuneratório da autora, que passou a auferir a remuneração base de € 1304,46;
Artigos 9° e 10° da p.i. e 8° da contestação
Doc. 4 junto com a p.i.;
4) A entidade demandada procedeu ao pagamento à autora de retroativos salariais desde 01.01.2018;
Artigos 11° da p.i. e 8° da contestação
5) A 16.01.2018 entidade demandada solicitou esclarecimentos sobre a aplicação do descongelamento de carreiras;
Doc. 2 junto com a p.i.
6) A 04.02.2019 a Administração Central do Sistema de Saúde, IP emitiu a Circular Informativa n.° 2/2019 da qual consta, entre o mais o seguinte:
Doc. 3 junto com a p.i.
“Na sequência de dúvidas colocadas por diversos serviços e estabelecimentos no âmbito do processo de descongelamento da carreira especial de enfermagem, cumpre prestar os seguintes esclarecimentos, de acordo com as orientações emanadas pela tutela:
Contabilização de pontos na carreira especial de enfermagem:
• De 2004 a 2014, inclusive, serão considerados 1,5 pontos por cada ano, para a menção ou nível correspondente a desempenho positivo, ou seja, de "satisfaZ1.
• A partir de 2015, aplicam-se as regras que resultam da Portaria n ° 242/2011, de 21 de junho.
• No caso de ausência de avaliação do desempenho e considerando que o regime legal não consagra qualquer mecanismo especifico de suprimento, são aplicáveis as soluções previstas no artigo 18.° da LOE 2018.
Data a partir da qual se inicia a contagem de pontos na carreira especial de enfermagem:
Nos termos do artigo 156°, n.°s 2 e 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), os pontos são contados a partir da última alteração de posicionamento remuneratório do trabalhador.
Assim, no caso dos enfermeiros colocados na 1ª posição remuneratória nos termos do artigo 5º. do Decreto- Lei nº. 122/2010, de 11 de novembro, é a partir da data da última alteração de posicionamento remuneratório, que ocorreu em 2011, 2012 ou 2013, que se inicia a contagem de pontos para ulterior alteração da posição remuneratória.”
7) A 14.02.2019 a entidade demandada notificou a autora do seguinte:
Doc. 5 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

8) Mais comunicou à autora que «o SGRH procederá às alterações remuneratórias decorrentes desta notificação, sendo que, verificando-se a reposição de valores já processados, será efetuada em 10 meses com início em março de 2019, de acordo com a deliberação do Conselho de Administração em 8 de fevereiro de 2019»;
Artigos 15° da p.i. e 8° da contestação
Doc. 5 junto com a p.i.
9) A 22.02.2019 a autora comunicou ao Presidente do Conselho de Administração da entidade demandada, em resposta ao email supra que deveria ser mantida na posição remuneratória anteriormente comunicada;
Doc. 4 junto com a contestação
10) A autora retornou à posição remuneratória em que se encontrava antes da comunicação de 18.10.2018, passando a auferir uma remuneração base de € 1201,48.
Artigos 17° da p.i. e 8° da contestação
Doc. 6 junto com a p.i.
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III.2 - DO DIREITO
A Autora intentou a presente ação peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser (i) anulada a deliberação do Conselho de Administração do Réu de 08.02.2019, mediante a qual se determinou à Autora a devolução de quantias pagas na sequência da alteração do posicionamento remuneratório operado em 18.10.2018, e (ii) o Réu condenado “(…) a proceder a atribuição de pontos à Autora, para efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, nos exatos termos do que lhe foi comunicado em 18.10.2018, ou seja, não considerando que o reposicionamento remuneratório a que alude o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010 consubstancia um acréscimo remuneratório (…)” e a pagar à Autora “(…) as quantias que, por força dessa atribuição de pontos e inerente alteração de posicionamento remuneratório lhe são devidas, com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2018 (…)”, tudo acrescido de juros de mora contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral e efetivo pagamento.
O T.A.F. de Penafiel deu provimento [parcial] às pretensões da Autora, anulando o ato impugnado e condenando o Réu “(…) a reapreciar a posição da autora em função dos critérios determinados no artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro quanto ao período entre 2004 e 2014, conforme explicado no ponto IV.2.3 (…)”.
O que fez, sobretudo, por entender que (i) “(…) à autora foi negada a oportunidade de efetivar o direito de audiência prévia, pelo que a presente questão deve ser julgada procedente, sendo de anular o ato impugnado (…)”; (ii) “(…) no caso do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro o que está em causa é a transição ou a adaptação para um regime legal novo, não uma verdadeira alteração ou progressão remuneratória, o que significa que para efeitos do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro se deve ter em conta a totalidade do tempo, em função dos critérios de pontuação estabelecidos, não podendo, no caso da autora considerar-se que não se pode valorar o período entre 2004 e 2011 por causa da transição imposta por um regime legal novo que aprovou a carreira especial de enfermagem (…)”; e (iii) “(…) Tribunal desconhece em que data a autora teve a última concreta valorização remuneratória. Desconhece inclusive a concreta categoria e posição que assume. Desconhece ainda, por ausência de qualquer alegação, se foi ou não avaliada entre 2004 e 2011, o que significa que apenas pode condenar a entidade demandada a apreciar esses anos em função do supra exposto (...)”.

Ou seja, por entender, por um lado, que o ato impugnado incorreu em vício de forma e de violação de lei, por preterição de audiência prévia e erro nos pressupostos de direito, respectivamente, e, por outro, que a alegação da Autora é manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com a pretensão condenatória formulada nos autos.
Vem agora o Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.
Realmente, patenteiam as conclusões alegatórias que o Recorrente insurge-se quanto ao assim fundamentado e decidido, o que estriba, no mais essencial, no entendimento de que (i) “(…) por força da jurisprudência e da consagração do disposto no artigo 163 n.° 5 al. c) do CPA, entende-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure no processo contencioso que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final sobre as quais não tivesse já tido oportunidade de se pronunciar, o que se verifica in casu (…)” e de que (ii) “(…) afigura-se errada a interpretação e aplicação do disposto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 122/2010, de 11 de novembro (…)”.
Vejamos estas questões especificadamente.
Assim, e com reporte para o primeiro pilar argumentativo, saliente-se que, tal como constitui entendimento jurisprudencial uniforme, o Tribunal pode recusar efeito invalidante à omissão da audiência prévia de interessados se se puder, num juízo de prognose póstuma, concluir, com total segurança, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível [cfr., entre outros, Acs. STA de 02.06.2004 (Pleno) - Proc. n.º 01591/03, de 23.05.2006 (Pleno) - Proc. n.º 01618/02, de 11.10.2007 - Proc. n.º 0274/07, de 10.09.2008 - Proc. n.º 065/08, 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. TCA Norte de 05.03.2009 - Proc. n.º 00115/06.1BEVIS in: «www.dgsi.pt/jtcn»].
Afirmou-se, a tal propósito, no Acórdão [do Pleno] do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.05.2006, no processo n.º 1618/02: «Por isso, só se admite que o tribunal administrativo deixe de decretar a anulação do ato que não deu prévio cumprimento ao dever de audiência, aproveitando-o, quando ele, de tão impregnado de vinculação legal, não consente nenhuma outra solução (de facto e de direito) a não ser a que foi consagrada, isto é, quando esta se imponha com caráter de absoluta inevitabilidade: um tipo legal que deixe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei ou na fixação dos pressupostos de facto, tudo são circunstâncias que comprometem o aproveitamento do ato pelo tribunal» …”.
E no acórdão do mesmo Colendo Tribunal de 11.02.2003, no processo n.º 044433 sustentou-se igualmente que “(…) há que não esquecer que os vícios de forma e de procedimento, como é o caso da violação do art. 100.º, dado a natureza instrumental das formalidades legais preteridas, ainda que essenciais, só relevarão como invalidantes do ato, se o objetivo que com tais formalidades se visava atingir não foi alcançado. Se, não obstante o foi, então a formalidade omitida degrada-se em não essencial, já que absolutamente irrelevante para a definição da situação jurídica que o ato consubstancia. Sendo a audiência prévia uma formalidade legal, meramente instrumental, a sua omissão não conduz à anulação do ato se, à luz dos preceitos materiais, em nada podia interferir no seu conteúdo substancial, ou seja, se outra não pudesse ter sido a decisão concretamente tomada (…).”
Assim, para se entendesse ser aplicável em situações como a dos autos o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, teria o Tribunal de concluir com toda a segurança que o cumprimento da formalidade que se preteriu em nada alteraria o sentido da decisão censurada nos presentes autos.
Em tais circunstâncias, o mais que pode aceitar-se é que o Tribunal deixe de proferir a anulação contenciosa se lhe alegado e demonstrado [cujo ónus compete ao Réu] de que a violação cometida não teve qualquer espécie de influência no resultado decisório, que seria sempre o mesmo se os vícios procedimentais detetados não tivessem ocorrido.
Só que, no caso dos autos, essa demonstração não foi feita.
De facto, escrutinado o teor da contestação inserta a fls. 38 e seguintes dos autos [suporte digital], logo se constata que o Réu nada alegou quanto à possibilidade de aproveitamento do ato impugnado em caso do Tribunal deparar-se com a evidência da preterição da audiência prévia de interessados.
Assim sendo, e considerando que tal alegação [e demonstração] impedia sobre o Réu, não resta outra alternativa que não a de concluir que não está evidenciada nos autos a tese do Autor, aqui Recorrente, no plano do aproveitamento do ato administrativo.
Em todo o caso, e para não subsistam quaisquer dúvidas, refira-se que, fruto da detetada “errada interpretação do direito” aplicado à concreta situação da Autora - que, como veremos pormenorizadamente adiante, é plenamente de confirmar -, não é possível, desde logo, “colher” a vinculatividade necessária para resultar viável a figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.
E se assim é, então não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato impugnado nos autos com base no evidenciado vício de forma, por preterição de audiência prévia de interessados.
O que serve para concluir que se mostra bem realizado o julgamento realizado pelo Tribunal a quo no domínio em análise.
Idêntica conclusão é atingível quanto ao decidido pelo Tribunal a quo em matéria do assacado erro sobre os pressupostos de direito.
Na verdade, rememore-se que o “(…) ato administrativo objeto de impugnação, decorre, do cumprimento do constante da Circular Informativa n.° 2 da ACSS, de 04.02.2019, que veio esclarecer quanto ao “Processo de descongelamento de carreiras - carreira especial de enfermagem” (…)” [cfr. ponto 5) das alegações de recurso]
Formalmente, estamos perante uma instrução interna que, com os ofícios-circulados, as ordens de serviço e os despachos normativos internos, entre outros, integram formas de «regulamentos internos» [Vd. neste sentido, NUNO DE SÁ GOMES, in «Manual de Direito Fiscal», vol. II 1999, pág. 300].
A função destes regulamentos é a de fornecer elementos interpretativos [o que é – anote-se – diferente de fornecer a interpretação autêntica da lei], uniformizar procedimentos, fornecer coordenadas de execução de lei preexistente, e não a de complementar a lei.
No caso versado, a Circular Informativa n.º 2/2019” da Administração Central do Sistema de Saúdem IP visou esclarecer, com reporte ao artigo 18º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, como se efetuaria a (i) “ Contabilização de pontos na carreira especial de enfermagem” e a (ii) “Data a partir da qual se inicia a contagem de pontos na carreira especial de enfermagem”.
Em função do que foi definida a posição da Autora como detendo 6,5 pontos em termos de mudança de posição remuneratória por reporte aos anos de 2012 a 2016, sem qualquer valorização dos anos de 2004 a 2011.
O Tribunal a quo, porém, não validou tal definição da posição jurídica da Autora, por manter a firme convicção, no mais essencial, de que “ (…) no caso do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro o que está em causa é a transição ou a adaptação para um regime legal novo, não uma verdadeira alteração ou progressão remuneratória, o que significa que para efeitos do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro se deve ter em conta a totalidade do tempo, em função dos critérios de pontuação estabelecidos, não podendo, no caso da autora considerar-se que não se pode valorar o período entre 2004 e 2011 por causa da transição imposta por um regime legal novo que aprovou a carreira especial de enfermagem (…)”.
O Recorrente contesta esta interpretação, defendendo, no mais fundamental, que “(…) vigora a regra constante do artigo 156.º, n.ºs 2 e 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), de que os pontos são contados a partir da última alteração de posicionamento remuneratório do trabalhador. (…) Verificando-se, no caso dos enfermeiros colocados na 1ª posição remuneratória, uma valorização é a partir desta data que se contabilizam os pontos, o que se verificou com a recorrida (…)”.
Esta alegação, porém, não é minimamente persuasiva, carecendo, inclusive, de substrato legitimador.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de setembro, estabeleceu a natureza especial da carreira de enfermagem, restruturando-a de três níveis e cinco categorias [Nível 1, que integrava as categorias de enfermeiro e de enfermeiro graduado; b) Nível 2, que integrava as categorias de enfermeiro especialista e de enfermeiro-chefe; c) Nível 3 que integrava a categoria de enfermeiro supervisor] para duas categorias apenas, a saber: Enfermeiro e Enfermeiro Especial [cfr. artigo 7º], mais remetendo a definição das respetivas posições remuneratórias associadas às novas categorias para diploma próprio [cfr. artigo 15º].
Diploma esse que veio a corresponder o Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, que estabeleceu no seu artigo 5º que “(…) 1 - Na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores são reposicionados nos termos do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro [cfr. nº.1] e ainda que “(…) 2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado, mantêm o direito à remuneração base que vêm auferindo, sendo reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela remuneratória constante do anexo ao presente diploma, nos seguintes termos: a) A 1 de janeiro de 2011, os enfermeiros graduados com avaliação positiva que, pelo menos, desde 2004, se encontrassem posicionados no escalão 1 daquela categoria; b) A 1 de janeiro de 2012, os restantes enfermeiros graduados com avaliação positiva; c) A 1 de janeiro de 2013, os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os enfermeiros graduados que não tenham sido abrangidos pelas alíneas anteriores (…)”.
Temos, pois, assim que o legislador preconizou o reposicionamento remuneratório para a nova carreira de enfermagem obedece[ria] à disciplina prevista artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, estabelecendo que os enfermeiros posicionados nos escalões 1 e 2 da categoria de enfermeiro, bem como os posicionados no escalão 1 da categoria de enfermeiro graduado, manteriam o direito à remuneração base que vinham auferindo, sendo reposicionados na primeira posição remuneratória da tabela remuneratória constante do anexo ao presente diploma, nos termos e com o alcance supra explanados.
Do que se trata aqui, portanto, é do ajustamento remuneratório emergente da transição para uma nova categoria da carreira de enfermagem e não de uma qualquer alteração ou progressão remuneratória no âmbito da categoria da categoria de enfermagem em que já se encontrava[m] o[s] enfermeiro[s].
Logo, não pode ter lugar aqui a aplicação da “Regra geral de alteração do posicionamento remuneratório” prevista no artigo 156º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, pois que esta reporta-se exclusivamente à possibilidade de alteração do posicionamento remuneratório na categoria em que já se encontra o trabalhador com vínculo de emprego público, o que não é, verdadeiramente, o caso dos autos.
Acresce que a definição operada pelo Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, foi sustada a 1 de janeiro de 2011, por força do disposto no artigo 24º da Lei nº 55-A/2010, de 21 de dezembro [Orçamento do Estado para 2011], que proibiu as valorizações remuneratórias abrangendo, de entre outras situações, as alterações de posicionamento remuneratório e as progressões, o que se manteve, por via das sucessivas leis de aprovação do Orçamento do Estado, até 31 de dezembro de 2017.
Mas retomada com a entrada em vigor da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, nos termos da qual passou a ser possível proceder a alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão, para o que o legislador estabeleceu, de entre outras previsões, que “(…) é atribuído um ponto por cada ano não avaliado (…)” cfr. artigo 18º, nº.1 e 2 da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro].
Pelo que, para efeito de reposicionamento remuneratório, ademais e especialmente, emergente da transição para uma nova categoria da carreira de enfermagem, é de atender todo o âmbito temporal “não avaliado” da carreira do trabalhador.
De modo que, à míngua da aquisição processual da efetivação da avaliação de desempenho da Autora no período de 2004 a 2011, não o Réu, aqui Recorrente, deixar de ponderar e valorizar o período de 2004 a 2001 da carreira da Autora para efeitos de mudança de posição remuneratória.
Tendo também sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, com maior ou menor variação de fundamentação, é mandatório concluir que esta fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal aplicável, não sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige no domínio versado.
E assim improcedem todas as conclusões deste recurso.
Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantido a sentença recorrido, ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e Notifique-se.
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Porto, 13 de maio de 2022,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia