Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00358/10.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/19/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA, INCIDÊNCIA: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AOS FORNECEDORES; RECTIFICAÇÕES POR EMISSÃO E UTILIZAÇÃO DE TALÕES DE DESCONTO
Sumário:I – Embora a menção da prova da emissão do RIT e a transcrição de uma parte do mesmo, não releve da melhor técnica de redacção da sentença quanto à prova de factos nele mencionados, devem considerar-se incluído na matéria de facto julgada provada os factos nele mencionados enquanto factos verificados pelo Inspector. Tal é o que decorre do artigo 76º da LGT e 115º nº 2 do CPPT.

II – O direito ao contraditório filia-se no direito liberdade e garantia constitucional ao acesso a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º nº 1 da Constituição), pelo que é dever do juiz pronunciar-se sobre a prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do ponto de vista de qualquer das partes, de modo a que estas possam exercer o contraditório também quanto à solução jurídica por elas preconizada para o litígio.

III – Não tendo sido provadas concretas e individuais prestações de serviços a título oneroso aos fornecedores do grande retalhista, não estão reunidos os elementos do conceito de prestação de serviços onerosa apara efeitos de tributação em IVA segundo os artigos 1º nº 1 alª a) e 4º do CIVA.

IV - A AT não pode tributar com IVA, por atacado, o valor dos descontos de fornecedores que, segundo um contrato de condições gerais de fornecimento, teriam contrapartidas em serviços variegados de promoção e distribuição e outros, junto dos clientes, relativamente aos produtos fornecidos.

V – A “perplexidade” consistente em se ver o sujeito passivo impedido de regularizar o IVA liquidado a mais por via da redução de uma venda inicial em consequência da emissão e da utilização posterior de um talão de desconto, por não ser possível cumprir com o requisito enunciado no nº 5 do artigo 71º (actual 78º do (CIVA) não releva de essa norma não ser aplicável desta norma a semelhante caso de regularização de IVA a mais, mas sim do tratamento contabilístico “artificial” dado pelo sujeito passivo aos “descontos em talão” concedidos pelo sujeito passivo aos seus clientes, na medida em que os imputou, ainda que a título condicional e diferido, às vendas iniciais, quando na realidade económica os descontos ocorriam incondicional e imediatamente apenas na venda sucessiva, sendo certo que nada haveria a regularizar se a contabilidade se ativesse a esta realidade.

VI – Logo, nem os desígnios comunitários da neutralidade do IVA e da garantia do direito à dedução, nem o princípio constitucional da proporcionalidade são ofendidos pela aplicabilidade do referido nº 5 à pretensão de rectificação da Recorrente, pois é exclusivamente numa sua opção, enquanto sujeito passivo, por determinado tratamento contabilístico da realidade, que reside a causa de haver IVA liquidado a mais.

VI - Pelo contrário o formalismo do regime do IVA, aflorado neste nº 5, revela aqui todos os seus sentido e utilidade, pois o sobredito tratamento contabilístico acaba, graças a ele, por ser fiscalmente inócuo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 14 de Abril de 16 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente a impugnação, proposta por A... S.A. com sede na Rua (…), NIPC (…), contra as liquidações adicionais relativas a períodos do ano de 2005, bem como dos respectivos juros compensatórios, no valor global de 36 421 791,88 €.
Circunscreveu o seu recurso ao IVA que liquidara relativamente à “prestação de serviços promocionais” aos fornecedores em contrapartida de descontos no preço dos bens fornecidos.

Também a Impugnante interpôs recurso, quanto à parte da sentença recorrida que sufragou a não aceitação, pela AT, da rectificação do IVA a deduzir em consequência da utilização, pelos clientes, de talões de desconto como “meio de pagamento”.

A AT rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2005 e correspondentes juros compensatórios, melhor identificadas na douta sentença, no montante global de € 36.421.791,88.
B. É da parte da decisão respeitante à questão do “IVA em falta por não liquidação de imposto na prestação de serviços promocionais” que a Fazenda Pública (FP) recorre, por não se conformar com a aplicação do direito aos factos que, no seu modesto entender, deveria ter decisão diversa, o que conduz a erro de julgamento de facto e de direito determinante da sua revogação e substituição por outra decisão que considere o vício em causa improcedente.
C. Com efeito, fixados os factos determinantes para o julgamento da causa, o Tribunal a quo entendeu que os valores debitados aos fornecedores da Impugnante, a título de “abono frete”, “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade preço”, “desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear”, deviam ser qualificados como verdadeiros descontos ao preço dos produtos, e não como prestação de serviços, dado que “A promoção dos produtos adquiridos ao fornecedor por parte da Impugnante favorece-o – embora reflexamente – na medida em que o mesmo continue a fornecer e/ou vender directamente tais produtos” – cfr. pag. 41 da douta sentença.
D. Continua a argumentação do Tribunal a quo referindo que, “Da mera leitura do contrato em causa resulta a previsão contratual da prestação de serviços por parte da Impugnante no âmbito do designado contrato geral de fornecimento. Efectivamente, ali se prevêem autênticos serviços promocionais a favor de outro contraente. Porém, a simples redacção de tal contrato não nos pode levar, sem mais, a concluir pela existência de prestações de serviços por parte da Impugnante; é necessário algo mais, algo que nos permita assentar na efectivação de tais prestações de serviços. Quer dizer, é certo que as mesmas estão contratualmente previstas; mas daí a concretizaram-se vai uma grande distância. E a incidência de imposto reporta-se a operações concretas, e não a operações previstas e sem existência material, devendo atender-se à substância económica dos factos tributários – cfr. n.º 3 do art.º 11.º da LGT”.
E. Mais acrescentando que partindo do pressuposto de que para existir uma prestação de serviços é necessário existir operações concretas e não, operações previstas contratualmente mas sem existência material, conclui que no caso em apreciação “não há qualquer operação a título oneroso mas, pura e simplesmente, um desconto no preço dos produtos adquiridos ao fornecedor pela Impugnante, desconto que é obtido à custa da poupança de custos por parte do fornecedor”.
F. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública (FP) conformar-se com o doutamente decidido. Com efeito, estabelece o art.º 4.º, n.º 1 do Código do IVA, que são qualificadas como prestações de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens. O conceito de prestação de serviços ali estabelecido, não corresponde, à semelhança com o que sucede a nível de transmissão de bens, à definição civil de prestação de serviços, segundo a qual se trata do contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição – art.º 1154.º do Código Civil (CC)
G. Tendo em conta a natureza do IVA como um imposto geral sobre o consumo, o conceito de prestação de serviços aparece com um conteúdo residual ou negativo. A incidência do IVA ganha, assim, uma vocação de universalidade. A vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica, deverá existir um consumo (Celorico Clotilde Palma, in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.ª Edição, Julho de 2011, pags. 71 a 73).
H. Por outro lado, tendo o conceito de prestação de serviços um carácter residual, a prestação tem que ser efectuada a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA. E relativamente ao valor tributável, o art.º 16.º do CIVA prevê, como regra geral relativamente às operações internas, que o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.
I. Entende-se por contraprestação o valor total obtido ou a obter como contrapartida da entrega dos bens ou da prestação de serviços. A prestação é constituída pela entrega do bem ou da prestação do serviço; a contraprestação é tudo o que se entrega como contrapartida da prestação recebida, ou seja, pressupõe a existência de uma operação onerosa (Patrícia Noiret Cunha, in Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do IVA e ao Regime do IVA na Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pags. 255 e 256).
J. A mesma Autora, na obra citada, a pags. 256 e 257, refere que a contraprestação foi definida pelo TJ (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, conforme alusão às siglas utilizadas na obra, a pags. 22) no acórdão batatas holandesas como devendo ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva. Mais refere que o conceito pode configurar-se com recurso a quatro elementos:
a) Em primeiro lugar, é necessária a efectiva obtenção de um bem ou direito, mediante um intercâmbio real de prestações;
b) Em segundo lugar, a contraprestação deve ser susceptível de determinação pecuniária, ainda que a contraprestação seja em espécie, caso em que o valor deve ser convertível em unidades monetárias;
c) Em terceiro lugar, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo directo que vincule a prestação e a contraprestação efectuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve igualmente ser directo (a contraprestação deve inserir-se num acordo de vontades – acórdão Tolsma), e;
d) Em quarto lugar, a apreciação da contraprestação tem um cariz subjectivo, na medida em que é necessário partir dos dados reais da operação em causa, analisando o valor efectivamente recebido em cada operação individualmente considerada.
K. Por outro lado, é conveniente dizer que a contraprestação não coincide exactamente com o preço dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, elencando o art.º 16.º, n.º 6 do CIVA determinadas situações que estão excluídas do valor tributável, onde se incluem os descontos, os abatimentos e os bónus concedidos, exclusão que deve ser feita sempre que esteja numa relação directa com o bem que se transmite ou o serviço que se presta.
L. Volvendo ao caso sub judice, a Impugnante celebra com os seus fornecedores CGF, constando das condições ali estabelecidas dois tipos de obrigações, em que a Impugnante assume a posição de cliente e prestador de serviços, simultaneamente. As obrigações designadas de gerais estão relacionadas com o fornecimento dos produtos, assumindo a Impugnante, neste caso, a condição de cliente; por outro lado, constam as obrigações de cooperação e desenvolvimento associadas aos serviços prestados, situação em que a Impugnante assume a condição de fornecedora e, reflexamente, os fornecedores assumem a condição de clientes.
M. Os vários tipos de serviços/descontos debitados e acordados com os fornecedores são calculados, genericamente, mediante uma percentagem de compras de determinados produtos negociada com cada fornecedor, tendo por objectivo as seguintes contrapartidas, a saber (vide factos dados como provados, a pags. 18 e 19 e na fundamentação de direito, a pag. 40 da sentença):
a) Efectuar a recolha da mercadoria no próprio fornecedor (“abono frete”);
b) Dar preferência aos produtos desse fornecedor em detrimento de outros com produtos iguais ou similares e disponíveis no mercado. São ainda associadas vantagens relativas à facilidade de colocação dos produtos, dado o parque comercial de lojas, cuja implantação se estende a todo o país continental e ilhas (“cooperação comercial”);
c) Proporcional(r) aos fornecedores a participação nos vários programas de actividades promocionais que alavancam as vendas dos respectivos produtos nas lojas (“animação promocional”);
d) Utilizar os canais de distribuição da Impugnante, garantindo o eficaz lançamento de novos produtos e a exploração de novos segmentos de mercado; beneficiar dos programas de pesquisa e desenvolvimento com vista a melhorar, em conjunto, a performance de todos os seus parceiros comerciais, incluindo não só a utilização de uma plataforma tecnológica capaz de dar respostas às necessidades crescentes de informação para um melhor desempenho de mercado; e proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “programas de Eficiência Administrativa”, nomeadamente aos projectos de transferência Electrónica de dados (EDI), de Facturação electrónica e acesso aos resultados dos Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR (“apoio a research”);
e) Garantir que a Impugnante possa comercializar produtos com preços de venda competitivos relativamente aos restantes operadores de mercado, considerando os elevados volumes de compras efectuados (“competitividade preço”);
f) Beneficiar de todo o esforço de análise de mercado, pesquisas de interesses dos consumidores e outros estudos desenvolvidos pela II--- (“desenvolvimento e merchandising”) e;
g) Proporcionar ao fornecedor o benefício de condições preferenciais em termos de contratação de espaço (“posicionamento produto linear”).
N. Como resulta da descrição das várias rubricas constantes dos CGF “Condições Gerais de Fornecimento” (nota nossa).
, a Impugnante e os seus fornecedores propõem-se desenvolver em conjunto um projecto destinado a dinamizar as vendas dos produtos comercializados nas suas lojas (da Impugnante), e para assegurar a sua quota parte no projecto (obrigações recíprocas e correlacionadas), a Impugnante procede, nomeadamente, a análises de mercado, pesquisas de interesses dos consumidores e programas de actividades promocionais – veja-se os programas de Eficiência Administrativa, nomeadamente os projectos de transferência Electrónica de dados (EDI), de Facturação electrónica e Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR, programas desenvolvidos pela Impugnante - efectuando, inclusivamente, recolhas de mercadorias no próprio fornecedor.
O. Ora, do acima exposto, dúvidas não restam que estamos perante serviços que a Impugnante presta aos seus fornecedores, embora estes serviços prestados estejam mitigados nas cláusulas das obrigações contratuais e as notas de débito emitidas tratem tais operações como descontos auferidos pela Impugnante. Contudo, tais operações não perdem, por isso, as características que para efeitos de IVA as qualificam como prestações de serviços
P. Com efeito, o débito destes serviços por parte da Impugnante insere-se no âmbito das obrigações de cooperação e desenvolvimento, sendo que a Impugnante, através da redução do preço a pagar pelos fornecimentos, estabelece a contrapartida financeira atribuída a tais serviços, contrapartida financeira que está perfeitamente individualizada na contabilidade e cujos montantes estão especificados no RIT.
Q. Ora, tendo em conta o carácter residual do conceito de prestação de serviços, verifica-se no caso sub judice, a existência de uma prestação por parte da Impugnante aos seus fornecedores, e que consiste em proporcionar aos seus fornecedores (condições negociadas individualizadamente) o acesso a programas promocionais, o acesso a condições preferenciais na contratação de espaço bem como, à utilização de programas de eficiência administrativa e gestão conjunta de categorias e recolha de produtos no próprio fornecedor.
R. Ou seja, por um lado, a Impugnante proporciona aos seus fornecedores o acesso a condições preferenciais na negociação dos espaços nas lojas e proporciona-lhes, também, o acesso a programas de “eficiência administrativa” e “gestão conjunta de categorias/ECR Efficient Consumer Response = Resposta Eficiente ao Consumidor (nota nossa).
”, ferramentas de gestão desenvolvidas pela Impugnante e que coloca ao dispor dos seus fornecedores, conforme condições contratuais negociadas com cada um deles.
S. Em função dessas prestações, os fornecedores dão uma contrapartida financeira que se materializam (SIC), de forma directa, no não recebimento de parte dos valores a que tinham direito pelo fornecimento dos seus produtos, contrapartidas financeiras que estão perfeitamente identificadas na contabilidade e que a AT deu expressão no RIT.
T. Recorrendo aos quatro elementos acima enunciados e que caracterizam o conceito de contraprestação (onerosa, acrescentamos nós), verificamos que:
a) Existe uma efectiva obtenção de um direito por parte dos fornecedores, mediante intercâmbio real de prestações, materializada nas condições preferenciais de acesso a espaço de loja e programas promocionais bem como, ao acesso de ferramentas de gestão desenvolvidas pela Impugnante, mais propriamente programas de “eficiência administrativa”, nomeadamente os projectos de transferência Electrónica de dados (EDI), de Facturação electrónica e Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR;
b) A contraprestação é susceptível de determinação pecuniária, valores estes que constam especificadamente na contabilidade e que estão devidamente enunciados no RIT;
c) A “contrapartida” a que já acima nos referimos, tem subjacente um nexo directo que vincula a prestação e a contraprestação efectuada, e que traduz um benefício directo – os fornecedores usufruem das condições que a Impugnante lhes dá e, por outro lado, a Impugnante consegue colocar os bens a preços mais atractivos; os fornecedores conseguem escoar os seus produtos de forma mais célere e profícua; a Impugnante consegue maiores vendas por via da diminuição dos preços dos produtos colocados à venda, conseguindo ganhos concorrenciais;
d) Por último, a contraprestação tem um cariz subjectivo na medida em que se consegue estabelecer uma relação directa entre o serviço prestado e os valores efectivamente recebidos em cada operação individualmente considerada – veja-se, a este propósito, cada nota de débito emitida e a sua correspectiva relevação contabilística.
U. Neste mesmo sentido, há que referir que os próprios fornecedores consideram tais verbas - os apelidados “descontos de quantidade” por parte da Impugnante – como “descontos atípicos”, considerando os mesmos como aquisição de serviços e não como descontos (vide pags. 20 e 21 da sentença). Daí a divergência detectada pela Inspecção Tributária na confrontação dos valores inscritos nos anexos O e P das Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal.
V. Em suma, os débitos aos fornecedores mais não são do que contrapartidas dadas pela Impugnante na participação em programas promocionais que alavancam as vendas, acesso facilitado a pontos de venda, acesso a estudos de mercado, apoio no lançamento de novos produtos, contratação de espaço para divulgação dos produtos dos seus fornecedores, acesso a programas de Eficiência Administrativa, nomeadamente os projetos de transferência Electrónica de dados (EDI), de Facturação electrónica e Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR, recolha de produtos no próprio fornecedor, etc., etc.
W. Assim, conclui-se que não estamos perante descontos comerciais, mas sim, serviços prestados, individualizados em rubricas específicas, contabilizados pela impugnante em subcontas específicas da contabilidade geral, consoante a contrapartida, independentemente do seu valor poder ser calculado em função das compras ou de qualquer outro critério estabelecido livremente pelas partes.
X. A sentença objecto do presente recurso fez errada interpretação do conteúdo do CGF, portanto, dos factos vertidos nos autos e dados como provados, fazendo uma errada aplicação dos factos ao direito.
Y. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legal as correcções efectuadas e julgue improcedente a parte ora recorrida da impugnação judicial deduzida.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que considere legal as correcções efectuadas e julgue improcedente a parte recorrida da presente impugnação judicial.


Da alegação da Impugnante enquanto recorrente, transcrevemos as conclusões:
IV - CONCLUSÕES:
i. Como resulta dos autos, mormente do depoimento da testemunha JA....) reproduzido no ponto 23 das alegações, o desconto em causa é concedido ao cliente aquando da venda inicial, por via da concessão do talão de desconto, e é contabilizado na Recorrente aquando do registo contabilístico da venda inicial - enquanto abate às vendas, pelo desconto à factura inicial - sendo que esse procedimento está igualmente descrito a páginas 34 do RIT, bem como no parecer jurídico.
ii. Ou seja, o IVA é liquidado pela sua totalidade, no momento da venda inicial, pelo montante bruto debitado ao cliente - mas no mesmo momento é registado contabilisticamente, em conta provisória, a estimativa do IVA a reduzir e incluído no talão de desconto entregue ao cliente.
iii. Como igualmente provado nos autos, o talão de desconto então concedido, que corresponde a um determinado valor nominal (com IVA incluído), só pode ser usado pelo cliente numa compra subsequente - pelo que, e quanto ao IVA da venda inicial, este seja reduzido/deduzido pela Recorrente se e quando o cliente vier a materializar o desconto por via da utilização do respectivo talão.
iv. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no momento do rebate dos talões não é reduzido o valor tributável da operação inicial em consequência da concessão dos descontos - o valor tributável da operação inicial é reduzido ab initio. aquando da venda inicial, em função do reconhecimento contabilístico imediato, nesse momento, do desconto concedido; só o IVA incluído nesse desconto é que é reduzido/deduzido apenas no momento do rebate dos talões, em compra posterior - conforme resulta do depoimento da testemunha AA, reproduzido no ponto 31 das alegações.
v. Assim, está em causa a determinação da base de incidência do imposto, na medida em que os descontos em apreciação devem, pura e simplesmente, ser excluídos do valor tributável das transmissões de bens - sendo que de facto, tudo poderia ser efectuado no mesmo momento (como resulta da jurisprudência comunitária a que infra se fará referência), o que apenas não sucedeu por uma questão de estratégia operacional da Recorrente - conforme resulta do depoimento da testemunha AA, reproduzido no ponto 31 das alegações, e da testemunha PJ...| reproduzida no ponto 34 das alegações.
vi. Na senda da posição defendida pelo Prof. Xavier de Basto, o procedimento adoptado pela Recorrente "constitui a solução que melhor concilia o objectivo da "fidelização" da clientela com o não protelamento da entrada do imposto nos cofres do Estado e, portanto, o mais rigoroso.
vii. Pese embora o Tribunal o quo se referir ao procedimento contabilístico utilizado pela Recorrente, constata-se a omissão ao mesmo na selecção da matéria de facto - pese embora, para além de descrito em sede instrutória nos termos supra referidos, se encontre taxativamente descrito a páginas 34/54 do relatório de inspecção tributária.
viii. Como assim, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado a seguinte matéria de facto:
- Na venda inicial a Recorrente regista a débito da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pelo valor bruto do desconto, ficando a aguardar a efectivação do reembolso com o rebate.
- Na utilização do desconto em venda ulterior são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 119 (transferências de caixa) pelo valor bruto;
2. débito da conta 2434 (IVA regularizações) por contrapartida da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído);
3. o montante do IVA regularizado é calculado com base na taxa efectiva do IVA do produto transaccionado e alvo do desconto.
- Caso os vales de desconto não sejam rebatidos no prazo limite dos 38 dias para a sua utilização, são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas), anulando-se assim o lançamento inicial;
2. débito da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pela anulação do IVA estimado aquando da emissão do talão de desconto.
ix. Ao assim não proceder, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto - a implicar a anulação da decisão recorrida.
x. Ao invés do decidido pelo Tribunal o quo, a Recorrente não fez sobrestar o procedimento contabilístico sobre a materialidade das operações - é esta materialidade que confirma que a Recorrente, nas vendas que efectua, nunca poderia entregar nos cofres do Estado mais IVA do que aquele que corresponde à base de incidência da operação.
xi. De igual modo, não existe qualquer base factual para o Tribunal a quo concluir, como concluiu, pela pretenso direito de reembolso de IVA por parte dos consumidores finais clientes da Recorrente - o que constitui erro de julgamento da matéria de facto.
xii. Nem a AT nem o Tribunal a quo tomaram em devida conta que a Recorrente se encontra enquadrada num regime previsto no artigo 40.2 n.s 2 do CIVA - segundo o qual os retalhistas estão apenas obrigados a emitir talões de venda, com as menções constantes no n.2 3 do mesmo preceito.
xiii. Como provado nos autos, o próprio talão de venda inicial, com indicação de preço final com IVA incluído, faz referência ao número do talão de desconto, e este é igualmente mencionado no talão de venda subsequente - onde o desconto é rebatido/utilizado - como explicitado pela testemunha JA....] no trecho reproduzido no ponto 51, pela testemunha PJ... no trecho reproduzido no ponto 52, e pela da testemunha BB... no trecho reproduzido no ponto 52 das alegações.
xiv. Aliás, basta analisar o talão e factura constantes no Anexo XI ao RIT para constatar que i) no talão é mencionado "Este talão foi objecto de factura", e ii) na factura é mencionado o número do talão respectivo (no caso, o n.º ...57).
xv. Ou seja, face à prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado:
- QUE a Recorrente, nas vendas que efectua, emite talão de venda com indicação dos produtos e do preço final com IVA incluído;
- QUE todo o sistema de controlo destes descontos é automatizado e informatizado;
- QUE o vale de desconto está indexado ao código de barras constante do respectivo talão de venda;
- QUE no talão de venda subsequente existe referência ao número do talão de desconto correspondente;
- QUE ficam digitalmente arquivados todos os talões processados, seja de venda, seja de desconto.
xvi. Ao assim não proceder, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto - a implicar a anulação da decisão recorrida.
xvii. Como provado nos autos, o desconto concedido é reconhecido e imputado de imediato à compra inicial; só o respectivo IVA (o IVA relativo a esse desconto, portanto), e apenas este, é deduzido a posteriori - e daí que não esteja em questão a aplicação do artigo 71.2 do CIVA - tendo em conta que não há quaisquer erros ou inexactidões; não há qualquer rectificação da factura anteriormente emitida; a venda inicial é logo registada contabilisticamente já com o desconto concedido ab initio - como explicitado pela testemunha BB... no trecho reproduzido no ponto 62 das alegações.
xviii. Deste modo, afigura-se inequívoco que a situação dos autos cabe no artigo 16.º n.º 6 b) do CIVA, segundo o qual os descontos, abatimentos e bónus concedidos devem ser excluídos do valor tributável.
xix. Tudo se passa, de facto, como num verdadeiro desconto à "factura" inicial nos termos do artigo 16.º n.º 6 b) do CIVA, apenas com a especificidade, justificada pela também específica circunstância de funcionamento operacional do desconto em causa, de que o IVA desse desconto fica a aguardar, em conta provisória, o uso efectivo do vale de desconto em compra subsequente, para então ser efectivamente deduzido.
xx. Com efeito, o valor do desconto contido no talão inclui IVA - desde logo, porque o seu referencial de cálculo é o preço final dos artigos adquiridos, que igualmente inclui IVA - como resulta do disposto no artigo 40.º n.º 2 CIVA.
xxi. Como resulta dos depoimentos das testemunhas, bem como do procedimento contabilístico descrito no RIT, tudo se processa, na verdade, como um desconto materializado e evidenciado de imediato: é sempre, e em qualquer circunstância, processado por referência à aquisição inicial, deduzido o IVA do produto então adquirido e objecto de desconto, e à taxa de IVA de compra do mesmo.
xxii. Como resulta da instrução, a segunda compra é automaticamente conexionada com a compra inicial - no âmbito da qual foi adquirido o desconto - de modo que o desconto é imputado directamente a essa mesma compra inicial, e ao produto concreto que propiciou esse mesmo desconto, e nos precisos termos em que foi contabilisticamente registada a operação logo desde o início - tal como resulta da inquirição da testemunha JA.... reproduzida no ponto 76 e da ponto 77 das alegações.
xxiii. Esta dedução do IVA subsequente é efectuada por meio de "regularizações" (campos 40 das declarações periódicas de IVA) pela simples razão de que não havia outra alternativa em termos de nomenclatura do POC - como resulta do depoimento da testemunha JA.... reproduzido no ponto 82, e da testemunha BB... no ponto 83 das alegações.
xxiv. Refere o Tribunal a quo que "bastaria à Recorrente emitir talões nominativos fazendo constar dos mesmos o conhecimento da rectificação ou reembolso" - quando do regime previsto no artigo 40.º do CIVA não resulta qualquer obrigação de emissão de talões nominativos.
xxv. Salvo o devido respeito, tampouco faria qualquer sentido fazer constar nos mesmos talões o conhecimento da rectificação, desde logo porque o disposto no artigo 71.º do CIVA, como pressuposto para a regularização de imposto, não tem aplicação aos consumidores finais.
xxvi. Por outro lado, salvo o devido respeito, não faria qualquer sentido fazer constar ab initio nos talões de desconto "o conhecimento da rectificação", na medida em que a mesma apenas terá lugar em caso de rebate desse mesmo talão dentro do prazo fixado.
xxvii. Como resulta expressamente do RIT, sendo a Recorrente uma empresa retalhista, as suas vendas são feitas, na esmagadora maioria, a consumidores finais cfr. página 40, penúltimo parágrafo, do RIT - a fls. 212 sgs dos autos - sendo que tal facto, pese embora seja de conhecimento público e notório, estando dispensado de prova - resulta também do depoimento da testemunha JA.... no ponto 99 e da testemunha PJ... no ponto 100 das alegações.
xxviii. Como assim, deverá ser aditado à matéria de facto provada que:
a Recorrente dedica-se ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais - híper e supermercados - vendendo essencialmente, em cerca de 99%, a consumidores finais particulares.
xxix. Ao assim não proceder, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto - a implicar a anulação da decisão recorrida.
xxx. Como resulta da inquirição da testemunha PJ... reproduzida no ponto 105 e da testemunha JA.... no ponto 106 das alegações, nos casos absolutamente marginais de vendas a sujeitos passivos, estes dispõem de todas as condições para regularizarem a favor do Estado o IVA que inicialmente tenham deduzido a mais. uma vez que: i) têm pleno conhecimento da factura inicial, que lhes foi entregue; ii) têm pleno conhecimento do talão de desconto que lhes foi concedido; iii) têm pleno conhecimento de qual foi a factura inicial que propiciou esse desconto, e; iv) têm, obviamente, pleno conhecimento da redução propiciada pelo desconto- como igualmente resulta do Anexo XI junto ao RIT.
xxxi. Assim conclui, também, o Prof. Xavier de Basto, no douto parecer jurídico junto aos autos: «Pode pois concluir-se que, no que concerne aos particulares e aos sujeitos passivos que não se identifiquem como tais, a comprovação de que o cliente tomou conhecimento da rectificação para menos do valor tributável, ou seja, que teve direito ao desconto de talão, está verificada e é, na esfera da A... S.A---, totalmente controlável, contabilística e fiscalmente.».
xxxii. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto - a implicar a anulação da decisão recorrida.
xxxiii. 0 Tribunal a quo faz uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 71.º n.º 5 do CIVA, porquanto o mecanismo e condições no mesmo estabelecidas apenas serão de aplicar a transacções entre sujeitos passivo de imposto - e não em operações com consumidores finais.
xxxiv. O regime em causa foi instituído como forma de evitar que as regularizações do valor tributável de operações entre sujeitos passivos pudesse originar situações de evasão fiscal - intrinsecamente relacionadas com o direito à dedução e regularização de imposto de que apenas beneficiam os sujeitos passivos de IVA.
xxxv. No mesmo sentido avança o Prof. António Carlos dos Santos, no parecer junto aos autos, com o elucidativo título "Perplexidades do IVA: contraprestação sem serviços & rectificações impossíveis «Quando aquele dispositivo refere que "o comprador rectificará para menos o imposto que havia deduzido", obviamente apenas considera as vendas a sujeitos passivos, os únicos que gozam do direito à dedução. De fora ficam pois as compras de meros consumidores finais (incluindo as dos sujeitos passivos que agem nessa qualidade), isto é, aquelas que a própria DSIT considera serem "a esmagadora maioria dos casos".».
xxxvi. É isso que resulta também do douto parecer jurídico firmado pelo Prof. Xavier de Basto:
- «A simples leitura do nº 5 é esclarecedora a este propósito. Com efeito, a sanção para o não cumprimento do condicionalismo aí previsto - e que a administração fiscal quer, despropositadamente, que seja cumprido no caso dos talões de desconto da A... S.A--- - é a de tornar indevida a dedução do imposto, o que só faz sentido se estivermos perante transacções entre sujeitos passivos.».
- «Aliás, a própria doutrina administrativa está ciente de que é assim. Veja-se, a título de exemplo, o ofício-circulado n° 6322 do SIVA, de 13/3/1986, em que se afirma o seguinte: "... de salientar ainda que a rectificação deverá ser operada pelas duas partes intervenientes. O vendedor rectificará para menos o imposto liquidado, e o comprador rectificará para menos o imposto QUE HAVIA DEDUZIDO"»,
xxxvii. Vale isto por dizer que é perfeitamente claro o âmbito de aplicação da referida norma, na medida em que, como é sabido, apenas os sujeitos passivos registados em IVA têm direito a deduzir, a jusante, o imposto que suportaram a montante.
xxxviii. Assim, ao invés do decidido, não pode ser aplicada ao caso concreto - de vendas a consumidores finais - a ponderação feita pelo legislador ao estabelecer, como condição para a regularização do IVA, o cumprimento dos requisitos do artigo 71.º n.º 5 CIVA.
xxxix. Aliás, como resulta expressamente do Oficio Circulado n.9 6322 da DSIVA, de 13.03.1986, o regime das regularizações de IVA consagrado no artigo 71.º do CIVA tem aplicação «(...) para o caso específico em que a transacção se realiza entre dois sujeitos passivos de imposto (fornecedor e adquirente sujeito passivo.)»
xl. Sempre salvo o devido respeito, a sentença recorrida é manifestamente incompreensível quando refere que o consumidor final, pretensamente, deveria ser objecto de um reembolso de IVA - desde logo porque não se encontra provado nos autos - nem sequer isso é invocado no RIT - que o consumidor final suportou IVA a mais de que não foi financeiramente restituído.
xli. Por outro lado, nos termos da lei, apenas os sujeitos passivos, agindo como tal, poderão exercer o direito ao reembolso de imposto - sendo que o exercício desse direito ao reembolso de IVA implica, para além do mais, que estejam registados na qualidade de sujeitos passivos e ajam como tal - o que, como é óbvio, não sucede com os consumidores finais.
xlii. Ao assim decidir, o Tribunal a quo lavra num manifesto erro nos pressupostos de facto, na medida em que, de facto, o consumidor final é compensado do imposto pago na exacta medida do desconto utilizado - uma vez que, como demonstrado, aquando da segunda compra abate ao preço a pagar o talão de desconto que já incorpora o IVA correspondente a esse mesmo desconto (regime de “IVA incluído").
xliil. Mas, sobretudo, ao assim decidir, o Tribunal a quo acaba por menosprezar o princípio essencial de funcionamento do IVA: a matéria colectável do imposto a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contrapartida efectivamente paga pelo consumidor final.
xliv. Salvo o devido respeito, é manifestamente incompreensível a sentença recorrida quando, para defender a aplicabilidade do artigo 71.º n.º 5 do CIVA a consumidores finais, invoca uma situação que o Tribunal a quo configura, pretensamente, como de potencial fraude, relacionada com a simulação de devolução de mercadorias - aliás, na senda do que incompreensivelmente a AT invocara na nota de rodapé n.º 16, a páginas 37 do RIT.
xlv. Ainda que uma empresa de retalho comunicasse ao consumidor final que iria regularizar IVA a seu favor - mormente o incluído no desconto concedido - não se vislumbra de que modo tal comunicação evitaria a situação de fraude aventada pelo Tribunal, muito menos com necessário conluio do consumidor final.
xlvi. É que, ainda que recebesse essa comunicação, o consumidor final sempre teria de desconhecer, naturalmente, os ulteriores movimentos contabilísticos e fiscais do sujeito passivo retalhista - mormente no que tange não apenas à simulação de devolução de mercadorias e seu registo contabilístico, como também no que respeita ao preenchimento de declarações periódicas de IVA e invocação de inerentes direitos a regularização/dedução de imposto.
xlvii. De resto, tal controlo apenas é possível, por parte da AT, precisamente as relações entre dois sujeitos passivos - o que é fácil de entender, na medida em que, por força das suas obrigações declarativas em matéria de IVA, é possível fazer um contraponto entre o IVA regularizado numa factura a favor do Sujeito Passivo 1. e a regularização de IVA dessa mesma factura a favor do Estado por parte do Sujeito Passivo 2.
xlviii. Acresce que, como é de conhecimento público e notório, em caso de devolução de mercadorias o sujeito passivo deverá ter na sua posse comprovativo, assinado pelo cliente, de que foi efectuada a devolução da mercadoria, bem como comprovativo do movimento financeiro de devolução da quantia paga pela compra devolvida - pelo que, em caso de devolução de mercadorias (real ou ficcionada) a regularização do IVA poderia sempre ser facilmente controlada por parte da AT mediante a simples concatenação dos sobreditos elementos documentais.
xlix. Vale isto por dizer que, ao invés do pretendido pelo Tribunal a quo, o conhecimento da regularização de IVA por parte do retalhista ao seu consumidor final é, a todos os títulos, completamente inócuo.
I. Em suma, e citando o Ilustre Prof. Xavier de Basto:
«Para o caso dos talões de desconto emitidos por A... S.A---, a lição a extrair parece-me clara:
- o valor tributável das operações com esses talões é o valor do respectivo preço, abatido do valor nominal dos talões:
- não pode invocar-se contra esta relevância o alegado não cumprimento do artigo 71º (hoje 78º) do CIVA, porque a regulamentação nacional - que, aliás, só visa as operações entre sujeitos passivos e não as transacções com consumidores finais - não tem, sob pena de violação do direito comunitário, o poder de inviabilizar a regularização, afectando a neutralidade do tributo e o princípio básico do IVA, que é o de incidir sobre o consumidor final de modo proporcionado à sua despesa.».
li. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal a quo, simultaneamente, em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de Direito - por errada interpretação e aplicação do artigo 71.º n.º 5 do CIVA - a implicar a anulação da decisão recorrida.
lii. Resulta da sentença recorrida que "reportando-nos à situação específica do caso em apreço, se o consumidor final suportou IVA a mais na primeira aquisição, a regularização de IVA em virtude de desconto posterior implica, necessariamente, um reembolso a favor daquele" - o que implica que o Tribunal, por manifesto erro de julgamento, não considera que o desconto em causa nos autos inclui IVA e que, com o rebate do vale de desconto, o consumidor final abate ao preço a pagar esse vale - que iá incorpora o IVA correspondente ao mesmo desconto.
liii. Como ressuma do procedimento inspectivo, a AT nem sequer vislumbra que, contra a jurisprudência firmada pelo acórdão Boots, acaba por considerar que o vale de desconto constitui um meio de pagamento que integra a contrapartida paga pelo portador na segunda transacção - e, portanto, que o valor nominal constante do vale de desconto integra a matéria tributável para efeito de IVA.
liv. No mesmo sentido vai o Tribunal a quo, na medida em que, pese embora sem qualquer base factual, conclui que o consumidor final é titular de um direito a reembolso de IVA - e, por conseguinte, como premissa de base, considera que o vale de desconto não inclui IVA.
Iv. Tampouco corresponde à realidade a asserção, feita na sentença recorrida, no sentido de que a AT actuou de acordo com os princípios base fixados pela referida jurisprudência comunitária - o que é tão mais evidente quanto se constata o erro nos pressuposto de facto em que baseia a sua tese.
Ivi. Ora, a AT, no RIT, ensaia uma análise sobre a Jurisprudência comunitária firmada no caso Boots - no sentido de que o desconto prometido ao cliente deverá ser abatido à base tributável - mas conclui, surpreendentemente, pela aplicação do regime da regularização, que nunca esteve em causa naquele acórdão.
Ivii. Por outro lado, os exemplos numéricos dados pela AT demonstram à saciedade a ilegalidade da correcção em causa – por manifesto erro nos pressupostos de facto.
Iviii. Quanto a esta questão, o Tribunal a quo não proferiu qualquer pronúncia - sendo que essa pronúncia não se encontrava prejudicada pelo conhecimento de outros vícios - o que constituindo nulidade da sentença - não obsta a que o Tribunal ad quem conheça da matéria em causa.
lix. A AT desconsiderou as diferenças factuais e, com base num patente e grave erro nos pressupostos de facto, pretendeu comparar realidades incomparáveis - sendo que as correcções em causa padecem de claro e ostensivo erro de cálculo e apuramento na medida em que a AT considera que o valor de desconto concedido incorpora e inclui IVA – como evidenciado pela análise dos cálculos efectuados no RIT, e juntos como doc nº 8 da petição. 
Ix. Como é bom de ver (doc. nº 8 com a petição) - uma vez expugnadas as incorrecções constantes dos cálculos da AT - de acordo com qualquer um dos métodos o IVA a entregar nos cofres do Estado é exactamente o mesmo e o preço final a pagar pelo consumidor final é também exactamente o mesmo - como foi devida e circunstanciadamente exposto pelas testemunhas JA.... e BB...

Ixi. Ou seja: O PROCEDIMENTO ADOPTADO PELA RECORRENTE É, PORTANTO, EM TUDO EQUIVALENTE À DEDUÇÃO DO DESCONTO (sem IVA) À BASE TRIBUTÁVEL DA PRIMEIRA VENDA E AQUANDO DA PRIMEIRA VENDA.
Ixii. Como assim, e respeitando o princípio da neutralidade, está plenamente demonstrado que, no caso concreto, o IVA liquidado pela contrapartida efectivamente recebida pela Recorrente do consumidor final foi entregue, na íntegra, nos cofres do Estado.
Ixiii. A liquidação adicional de IVA padece dos supra descritos erros de facto e de direito, com evidente violação de lei por deficiente interpretação e aplicação, entre outros, dos arts. 16.º n.º 6 b), 71.º n. 2 e n.º 5 CIVA.
Ixiv. Como ressuma dos autos, foram efectuadas liquidações adicionais de IVA e de juros relativamente a todos os períodos mensais de 2005, mas nos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005, a Recorrente não auto liquidou imposto a pagar mas, outrossim, imposto a receber do Estado Cfr. 57 Cf. declarações juntas como doc. nº 11 com a petição
Ixv. A Recorrente invocou igualmente que as correcções deveriam traduzir-se, não em liquidações adicionais de IVA e juros, atento o total das correcções, mas em correcções aos créditos de IVA autoliquidados. com a consequente diminuição desses créditos .
Ixvi. Ora, quanto a esta questão, o Tribunal a quo não proferiu qualquer pronúncia - sendo que essa pronúncia não se encontrava prejudicada pelo conhecimento de outros vícios - o que constitui nulidade da sentença.
Ixvii. Sendo certo que, como referido pelo Tribunal a quo, o regime previsto no artigo 71.º n.º 5 do CIVA foi estabelecido com o propósito de prevenir situações de evasão fiscal, importa ter em conta que, como resulta da Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades (TJCE), "as medidas que os estados-membros têm a faculdade de adoptar (...) para assegurarem a cobrança exacta do imposto e evitarem a fraude, não devem ir além do que é necessário para atingir tais objectivos. Por consequência, estas medidas não poderão ser utilizadas de forma a porem em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria".
Ixviii. Ora, como resulta dos autos, na interpretação e aplicação que fez do artigo 71.º n.º 5 do CIVA, e na senda da Jurisprudência Comunitária referida, afigura-se inequívoco que a AT foi "além das medidas estritamente necessárias à boa cobrança do imposto" - na medida em que, ainda que verificados os pressupostos materiais do direito à dedução/regularização de IVA, é criado um obstáculo formal que, no caso concreto, é despido de qualquer conteúdo ou sentido útil.
Ixix. Assim, como se decidiu neste Tribunal Central Administrativo Norte Ac. TCAN de 330.03.2012, dado no proc. nº 0756/07.0BEPRT (nota da recorrente)
«Suscitada dúvida sobre a adequada e correcta interpretação de quadro normativo da UE (...) mostra-se mandatório (SIC) suspender a presente instância e suscitar, nos termos do art. 267.s do TFUE, o reenvio prejudicial da questão ao TJUE, procedimento este com o qual se visa assegurar e garantir um princípio fundamental da ordem jurídica da UE, ou seja, o princípio da uniformidade de interpretação e aplicação do Direito da União.».
Ixx. Antes da pronúncia de mérito devem ser colocadas as seguintes questões ao TCE (e eventualmente outras, a definir pelo Tribunal), a título de reenvio prejudicial:
i - Os artigos 72.º e ss. da Directiva Comunitária do IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que os valores dos descontos concedidos por um retalhista aos seus clientes consumidores finais, e por estes utilizáveis (dedutíveis) apenas em compras posteriores, abatendo ao preço a pagar pelos clientes, estejam incluídos do "valor tributável" em IVA?
ii- Os artigos 184º e 185º da Directiva Comunitária do IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro recuse conceder o direito a regularização de IVA ao retalhista que, pretendendo deduzir a seu favor o IVA contido no desconto concedido e rebatido em compra subsequente, não tem em seu poder comprovativo de comunicação dessa regularização ao consumidor final?
Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida, o que se faz por obediência à Lei e por imperativo de Justiça


Notificada como Recorrida, a Impugnante respondeu à alegação da contraparte, concluindo nos seguintes termos:
III - CONCLUSÕES
i. Analisada a motivação do recurso, verifica-se que a Recorrente não indicou os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado, nem a razão da credibilidade dos demais meios de prova que eventualmente entendesse relevarem, na sua perspectiva, para uma correcta decisão - limitando-se a formular juízos conclusivos, sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveriam ter sido dados como provados, ou a indicar os elementos constantes dos autos que. por si só. impunham uma diferente decisão sobre a matéria de facto.
ii. A Recorrente insiste em infirmar o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo precisamente com base no argumento que, na perspectiva do Julgador, foi determinante para a procedência da impugnação - o de que o simples teor formal de um clausulado contratual não revela os elementos materiais de uma operação de prestação de serviços.
iii. Sem colocar em causa o julgamento da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, com necessária referência ao depoimento das testemunhas inquiridas, pretende a Recorrente, precisamente. concluir que os pressupostos materiais de uma operação económica de prestação de serviços resultam unicamente do teor formal de um contrato de fornecimento.
iv. Para concluir pela existência de erro de julgamento, pretende a Recorrente invocar suposta matéria de facto provada e constante das páginas 18 e 19 da sentença recorrida (cfr., por exemplo, conclusões M, N, T e U) da matéria assente) quando, na verdade, do ponto U) da matéria assente apenas ficou provado que a AT emitiu o relatório com o teor que ali consta.
v. Aliás, não poderia ser de outro modo, atendendo a que, como é óbvio, o relatório inspectivo da AF está pejado de juízos conclusivos e matéria de direito que, nos termos da lei, não pode constituir base probatória.
vi. Como resulta assaz claro da sentença recorrida, face ao mero teor do contrato geral de fornecimento em causa, o Tribunal o quo foi levado a concluir que:
«(...) a simples redacção de tal contrato não nos pode levar, sem mais, a concluir pela existência de prestações de serviços por parte da Impugnante; é necessário algo mais, algo que nos permita assentar na efectivação de tais prestações de serviços.»;
«{...) a incidência de imposto reporta-se a operações concretas, e nõo a operações previstas e sem existência material, devendo atender-se à substância económica dos factos tributários".
vii. No que respeita à reapreciação do julgamento da matéria de facto, o Tribuna! ad quem terá de verificar se, perante os meios de prova indicados pela Recorrente, ocorreu um erro de apreciação do respectivo valor probatório por parte do Tribunal a quo - sendo que, para o efeito, será necessário que tais meios de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pela Recorrente, pois só desse modo se justifica a referida alteração da valoração probatória e consequente (diferente) decisão sobre a matéria de facto.
viii. Não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos, e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do Julgador e baseada na livre apreciação das provas que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão, pela instância de recurso, não pode deixar de respeitar a liberdade do Julgador na apreciação dessas provas.
ix. Tal não significa, naturalmente, que o Tribunal de recurso não possa, nem deva, proceder à alteração da decisão da matéria de facto, nos termos que lhe permite a lei, ou seja:
(i) quando os autos não contenham todos os elementos probatórios que serviram de suporte à decisão e;
(ii) quando se verifique um erro manifesto na apreciação da prova.
x. O erro no julgamento da matéria de facto apenas se pode materializar nos casos em que o Tribunal deu como provado ou não provado determinado facto em circunstâncias em que a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária - e isto, seja por forca de uma incongruência lógica, seja por contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, seja também quando a valoração e apreciação das provas produzidas aponte num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial.
xi. No caso dos autos, a AF não provou qualquer factualidade no sentido de que a Recorrida prestou serviços aos seus fornecedores por contrapartida dos descontos de quantidade em causa - e, muito menos, foram identificados os concretos serviços.
1. E daí que o Tribunal a quo tenha sido levado a concluir que a AF: “não logrou carrear factos susceptíveis de contrariar esta realidade dos factos - pelo contrário, assentou nela - no sentido de se concluir pela existência de prestações de serviços”
xii. Logo, e como resulta expresso do próprio teor das alegações de recurso, não existe qualquer erro, e muito menos manifesto, na apreciação da prova, pois a globalidade da prova não só consentia, como impunha a decisão que foi proferida (e bem) pelo Tribunal a quo.
xiii. Sem prescindir, caso assim não se entenda - o que não se concede - deverá o Tribunal ad quem conhecer dos demais vícios da liquidação, cujo conhecimento o Tribunal a quo considerou prejudicado.
xiv. A AF não faz qualquer destrinça entre o valor de desconto ao preço e a contraprestação dos alegados serviços prestados - e, portanto, não fundamenta a determinação da base tributável efectuada no RIT - limitando-se a tributar todo o valor dos descontos obtidos, sem identificar, concretamente, quais os serviços prestados aos fornecedores, e sem descortinar, sequer, se aqueles valores de descontos efectivamente se reflectiram, e em que medida, nos preços finais dos produtos a público.
xv. Como provado nos autos, os descontos em causa são calculados com base numa percentagem aplicada ao volume total das compras, pelo que, ainda que a AF pretendesse tributar as alegadas prestações de serviços, teria de: i) determinar a parte desses descontos que se relaciona com o volume de compras: e ii) aqueloutro que se relaciona com a contrapartida dos alegados serviços.
xvi. Ao assim proceder, incorreu a AF em errada quantificação da matéria tributável - que, como ilegalidade que é, conduz à anulação da liquidação adicionai de imposto.
xvii. Como resulta dos autos, mormente do teor do RIT, a AF não identificou quaisquer prestações de serviços da Recorrida aos seus fornecedores; nem efectuou a necessária destrinça entre o que considerava ser um desconto e aquilo que constitui a contraprestação pela alegada prestação de serviços - pelo que, nos termos do artigo 100.2 n.s 1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
TERMOS EM QUE, com a improcedência do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, quanto à correcção em causa, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.

A AT não respondeu ao recurso da Impugnante.

O Digníssimo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal teve vista no processo e opinou sobre os recursos em termos redutíveis ao seguinte trecho:
«Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
Afigura-se-nos que a pretensão dos Recorrentes deve improceder na totalidade, não sendo válida toda a argumentação expendida nas suas conclusões das alegações de recurso, respectivamente, a fls. 2015 a 2035 e 1938 a 1941 do processo fiscal.
Com efeito, a decisão posta em causa fez uma correcta apreciação e valoração da prova constante dos autos, bem como fez uma correcta apreciação dos preceitos legais que a fundamentam, não sendo passível de qualquer crítica ou reparo.
A mesma não padece dos vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações, máxime da deficiente selecção e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito aos factos.
Pelo que, nos termos e com os fundamentos expostos, deverá ser negado provimento a ambos os recursos jurisdicionais, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida».

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.

Assim sendo, as questões cuja apreciação é peticionada são as seguintes:

A – Do Recurso da AT
1ª e única questão:
Errou, a Mª Juiz a qua, no julgamento de direito, violando o disposto nos artigos 11º nº 3 da LGT (deve atender-se à substância económica dos factos), 1º nº 1 alª a) do CIVA (estão sujeitas a IVA as prestações de serviços a título oneroso) e 4º do mesmo diploma (são tributáveis como prestações de serviços todas as operações onerosas que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens) ao julgar procedente a impugnação quanto às liquidações oficiosas de IVA relativas aos serviços promocionais e outros, de que os fornecedores da Impugnante beneficiaram em conformidade com o contrato das condições gerais de fornecimento?

B – Do recurso da Impugnante:
1ª Questão

A sentença é nula na medida em que não se pronunciou sobre a alegação de as correcções impugnadas padecerem de vícios de erro nos pressupostos de facto e erro na quantificação, evidenciados pelos exemplos numéricos dados no RIT, os quais erros consistem em que a AT não considerou que o desconto concedido inclui IVA porque a sua base de cálculo abrange o IVA (IVA incluído)?

2ª Questão
A sentença é nula também porque o Tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre a alegação de que as correcções deveriam traduzir-se, não em liquidações adicionais de IVA e juros, atento o total das correcções, mas em correcções aos créditos de IVA autoliquidados, com a consequente diminuição desses créditos, uma vez que, como ressuma dos autos (declarações juntas como doc. n.º 11 com a petição), nos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005 a Recorrente não auto-liquidou imposto a pagar mas, outrossim, imposto a receber do Estado?

3ª questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de se referir ao procedimento contabilístico utilizado pela Impugnante, omitiu a selecção dessa matéria de facto relevante, como provada, designadamente a constante da conclusão VIII das alegações de recurso da impugnante?

4ª Questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de o próprio talão da venda inicial fazer referência ao talão de desconto e este ser igualmente mencionado no talão de venda subsequente – conforme excertos dos depoimentos das testemunhas indicadas na conclusão XIII e conforme anexo XI do RIT – não foi levada à selecção de factos provados a matéria de facto constante da conclusão XV das alegações de recurso da Impugnante?

5ª Questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de resultar expressamente do RIT, bem como dos depoimentos das testemunhas indicadas na conclusão XXVII das alegações de recurso da Impugnante e, de todo o modo, ser um facto publico e notório, não foi levado à discriminação da matéria de facto julgada provada que a recorrente se dedica ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais – híper e supermercados – vendendo essencialmente, em cerca de 99%, a consumidores finais?

6ª questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de isso resultar das inquirições das testemunhas mencionadas na conclusão XXX, designadamente dos excertos transcritos no ponto 105 das alegações de recurso da Impugnante, bem como do anexo XI do RIT, não levou à selecção da matéria de facto provada que, nos casos excepcionais de vendas a sujeitos passivos, estes têm todas as condições para regularizarem a favor do Estado o IVA que inicialmente tenham deduzido a mais, uma vez que: i) têm pleno conhecimento da factura inicial, que lhes foi entregue; ii) têm pleno conhecimento do talão de desconto que lhes foi concedido; iii) têm pleno conhecimento de qual foi a factura inicial que propiciou esse desconto, e; iv) têm, obviamente, pleno conhecimento da redução propiciada pelo desconto?

7ª Questão
Incorre, a sentença recorrida, em erro de julgamento em matéria de direito, ao fundamentar a validade das correcções – na parte ora recorrida – no disposto no artigo 71º nº 5 do CIVA (nas numeração e redacção vigentes em 2005) quando esta norma só dispõe sobre transacções entre sujeitos passivos – não entre o sujeito passivo e o consumidor final – conforme resulta da sua ratio legis, que consiste em evitar evasão fiscal (por parte dos sujeitos passivos, já que só estes têm direito a dedução) entendimento que é sancionado pelos pareceres, junto aos autos, dos Profs. António Carlos dos Santos e Xavier de Basto e que já subjazia ao Ofício Circulado nº 6322 DSIVA de 1986, segundo o qual o regime das regularizações de IVA consagrado no artigo 71.º do CIVA tem aplicação «(...) para o caso específico em que a transacção se realiza entre dois sujeitos passivos de imposto (fornecedor e adquirente sujeito passivo.)»?

8ª Questão
Ao sancionar a interpretação e uma aplicação, pela Administração Fiscal, dos sobreditos artigos 16º nº 6 alª b) e 71º nºs 2 e 5 do CIVA, que cria um obstáculo formal ao exercício do direito à dedução, despido de sentido útil, a sentença recorrida contende com a neutralidade do Imposto em relação às diversas áreas económicas, divergindo, assim, da jurisprudência do TJUE, nomeadamente, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.º 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. l-1, n.º 15, e Gabalfrisa n.° 44?

III – Questão previa: do reenvio prejudicial
Antes de abordarmos as sobreditas questões, atento o expresso requerimento feito pela Impugnante e Recorrente A... S.A---, cumprirá pronunciarmo-nos sobre se estão reunidos os pressupostos para que este Tribunal de apelação suste a instância e ordene o reenvio prejudicial do processo ao TJUE, nos termos do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), para uma pronúncia desse tribunal sobre as questões 1 e 2 enunciadas na conclusão LXX do recurso da Impugnante.
Notificada para se pronunciar sobre o pedido de reenvio, a AT expressou-se no sentido negativo, quer porque o mesmo não é obrigatório, uma vez que a decisão a proferir por este tribunal é susceptível de recurso, seja o recurso por oposição de acórdãos, seja o de revista, quer porque não estão reunidos os pressupostos materiais para uma decisão facultativa nesse sentido, porque, embora a Requerente e Impugnante o pretenda fazer crer, a decisão do caso concreto sub judices não está dependente de uma fundada dúvida na interpretação das invocadas normas da directiva comunitária sobre o IVA, desde logo porque as questões preconizadas pressupõem que a Recorrente apenas vende a consumidores finais nas suas superfícies, o que não é verdade, tendo até sido fundamento dos actos impugnados haver também vendas a sujeitos passivos enquanto tais.
Atento o teor do artigo 267º do TFUE, para que este Tribunal Nacional possa estar obrigado ou possa, ao menos, optar pelo reenvio é mister que se coloque, em concreto, isto é, com relevância para a resolução do litígio, uma questão sobre interpretação de normas de direito comunitário efectivamente vinculantes, in casu, do legislador nacional.
É certo que a natureza de imposto comunitário do IVA resulta na relevância da interpretação da directiva comunitária sobre IVA na medida em que a mesma for decisiva para a interpretação das normas nacionais que a transpõem.
Sucede, porém, que as normas comunitárias invocadas e objecto da suposta dúvida hermenêutica – artigos 72º “e seguintes” e 184º e 185º da Directiva Comunitária nº 2006/112/CE de 28/11 – não estavam ainda em vigor em 2005, ano a que respeitam as correcções e liquidações sub judices.
Com efeito, ao tempo vigorava ainda a chamada sexta directiva – 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 – relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o valor acrescentado, que aquela outra viria a revogar.
Tanto basta para não só não ser obrigatório com não ter objecto, o requerido reenvio.
Como assim, não se abrirá o requerido procedimento de reenvio prejudicial.

IV - Apreciação do objecto dos recursos

No que pode relevar para as questões acima expostas, a fundamentação da sentença recorrida em matéria de facto reza assim:
É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa, para além da que antecede, por ordem lógica e cronológica:
A. (…)
B. No ano de 2005, a impugnante outorgou com os seus fornecedores um “Contrato geral de fornecimento”, nos termos do qual se prevê as seguintes obrigações para a impugnante: “- proporcionar o acesso ao programa promocional, através da participação no calendário promocional (...); - proporcionar o acesso à participação nas “Feiras Nacionais ou Regionais ”, em períodos previamente estabelecidos (...); - conceder condições preferenciais na “Contratação de Espaço” (...) para publicidade dos produtos ali comercializados (...); - proporcionar o acesso ao “Lançamento de Novo Produtos” (...) e, adicionalmente, proporcionar o acesso à possibilidade de fixação de medidas de exposição mínimas nas gôndolas (...);-proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Eficiência Administrativa”, nomeadamente aos projectos de Transferência Electrónica de Dados (EDI) e de facturação electrónica; - proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR que já estão ou venham a ser implementados. ” - cfr. fls. 237 e 238 do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
C. No ano de 2005, relativamente ao referido contrato geral de fornecimento, a impugnante emitiu aos seus fornecedores notas de débito de valores calculados com base nas compras anuais com os seguintes descritivos genéricos: “abono frete”, “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade de preço”, “desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear” - cfr. fls. 235 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
D. Os referidos descritivos das notas de débito correspondem a descontos calculados através de uma percentagem negociada com o fornecedor e aplicada ao volume de compras de determinados produtos com os seguintes objectivos - cfr. fls. 238 e 239 PA apenso:
a) efectuar a recolha da mercadoria no próprio fornecedor (“abono frete”);
b) dar preferência aos produtos desse fornecedor em detrimento de outros similares (“cooperação comercial”);
c) proporcionar a participação dos fornecedores em programas de actividades promocionais para alavancar as vendas dos seus produtos nas lojas (“apoio a research”);
d) garantir que a impugnante possa comercializar produtos com preços de venda competitivos com os praticados pelos demais operadores de mercado (“competitividade de preço”);
e) proporcionar ao fornecedor o benefício do esforço de análise de mercado, pesquisas de interesses dos consumidores e outros estudos desenvolvidos pela impugnante (“desenvolvimento e merchandising”);
f) proporcionar ao fornecedor o benefício de condições preferenciais em termos de contratação de espaço (“posicionamento produto linear”).
E. Após a emissão das referidas notas de débito, a impugnante compensava os débitos nos pagamentos a efectuar aos fornecedores - cfr. fls. 235 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
F. Ao longo do ano de 2005, a impugnante concedeu aos seus clientes, pela compra de determinados produtos - sobre a qual incidia IVA -, vales cujo valor nominal equivale a uma percentagem do valor da compra ou a um valor fixo, sem identificação do beneficiário, para os mesmos poderem utilizá-los como meio de pagamento em compras subsequentes em intervalos de tempo previamente estipulados - cfr. fls. 244 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
G. Relativamente à concessão dos vales referidos no ponto que antecede, na transacção inicial, a impugnante liquida IVA de acordo com as diferentes taxas aplicáveis a essa transacção sobre o valor total da compra - cfr. fls. 244 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
H. Os vales são concedidos após a emissão do talão de venda/factura relativo à transacção inicial - cfr. fls. 244 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
I. Relativamente à concessão de vales, aquando da (e só com a) utilização pelos clientes dos vales como meio de pagamento numa transacção posterior, a impugnante regulariza a seu favor o IVA que considera estar contido no valor do vale (emitido na compra inicial), ou seja, às taxas de imposto aplicáveis aos produtos adquiridos inicialmente - cfr. fls. 244 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
J. No ano de 2005, a impugnante celebrou com a B..., S.A., detentora da rede de abastecimento CC---, um acordo comercial nos termos do qual a impugnante entregava ao cliente um vale de desconto pela compra de determinados produtos, equivalente a um determinado valor fixo por litro de combustível, sem identificação do beneficiário, rebatível em compra subsequente de combustível nos postos CC--- aderentes e, na compra subsequente, esse posto CC--- entregava ao cliente um vale de desconto, com um determinado valor facial, dependente da quantidade de combustível adquirida, sem identificação do beneficiário, rebatível numa compra futura a realizar nas lojas da impugnante - cfr. fls. 258 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
K. Relativamente à concessão dos vales referidos no ponto que antecede, na transacção inicial, a impugnante liquida IVA de acordo com as diferentes taxas aplicáveis a essa transacção sobre o valor total da compra - cfr. fls. 258 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
L. Os vales são concedidos após a emissão do talão de venda/factura relativo à transacção inicial - cfr. fls. 258 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
M. Relativamente à concessão de vales, aquando da (e só com a) utilização pelos clientes dos vales como meio de pagamento numa transacção posterior, a impugnante regulariza a seu favor o IVA que considera estar contido no valor do vale (emitido na compra inicial), ou seja, às taxas de imposto aplicáveis aos produtos adquiridos inicialmente - cfr. fls. 258 e ss. do PA apenso (facto invocado no relatório de inspecção e não posto em causa pela impugnante).
N. Em 06.08.2008, um representante da impugnante assinou a Ordem de Serviço n.° 01 2008 ...71 relativa ao procedimento de inspecção de que a mesma foi alvo e que deu origem às liquidações ora impugnadas - cfr. fls. 919 do SITAF.
(…)
U. Em 20.07.2009 pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto foi emitido “Relatório de inspecção tributária” relativamente à impugnante com o seguinte teor - cfr. fls. 212 e ss. do PA apenso:
“(…)
III-2.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado
III - 2.2.1. IVA em falta por aplicação incorrecta da taxa de imposto (art. ° 18.° do CIVA)
(...)
Assim, a transmissão de "pão com chouriço” é tributável à taxa intermédia porquanto, tratando-se de um bem constituído por dois produtos que não perdem a sua individualidade, sendo o pão tributado à taxa reduzida e o chouriço à taxa intermédia (verba 1.1.1 da Lista II que no seu n.° 1 descreve os produtos para alimentação humana tributáveis à taxa intermédia), por força da alínea a) do n.° 4 do já referido art. ° 18. °, aplica-se a maior das taxas. Nestes termos, sendo de aplicar a taxa intermédia do IVA ao produto em apreciação, após solicitação ao sujeito passivo para que identificasse quais as referências comercializadas e respectivas taxas do IVA praticadas, apurámos quais as vendas das referências genericamente designadas "pão com chouriço” tributadas a taxa diferente. Em resposta à nossa solicitação o sujeito passivo, relativamente ao exercício de 2005, forneceu a listagem que anexamos ao presente relatório (Anexo IV).
(...)
Com base nos fundamentos expostos, resulta uma correcção em sede do IVA que ascende a €3.045,68 (...).
III – 2.2.2. IVA em falta por não liquidação de imposto na prestação de serviços promocionais (art.° 1.° nº 1 alínea al. a) art.° 4.° n.° 1. art° 6.° n.° 4 e art.° 18° n.° 1 alínea d). todos do CIVA).
A A... S.A--- celebra com os seus diversos fornecedores contratos gerais de fornecimento sendo que no âmbito do estatuído nas cláusulas 1.6 e 1.7 desses contratos estabelece-se o seguinte:
“1.6 0 presente contrato não impõe à primeira contraente - a A... S.A--- - e suas representadas qualquer obrigação de compra efectiva da gama de produtos comercializados pela segunda contraente,
I obrigação essa que apenas surgirá para cada produto, com a colocação da encomenda junto da segunda contraente/fornecedor.
1.7 De igual modo, a primeira contraente e suas representadas só se obrigam a prestar à segunda, os serviços directamente relacionados com o objecto e âmbito deste contrato, se solicitados por esta (segunda), e na medida em que forem efectuados acordos entre as partes para cada um dos pontos constantes do Anexo I" (sublinhado nosso).
Ainda no âmbito destes contratos são atribuídas às partes determinadas obrigações, classificadas em “Gerais” e de “Cooperação e desenvolvimento” - veja-se as cláusulas 2.2. do contrato geral de fornecimento (a título meramente exemplificativo identificámos os contratos celebrados com alguns dos seus principais fornecedores como “DD---”, “E..., S.A.”, "F..., S.A.” e “G..., Lda ").
Respeitante ao referido contrato geral de fornecimento, a A... S.A--- debita aos seus fornecedores (em regra através de uma nota de débito mensal) determinadas verbas correspondentes às condições entre outras, de:
j - Abono Frete (AF);
- Cooperação Comercial/Acordo de Cooperação (CCC);
- Animação Promocional (APL);
- Apoio a Research (RSC);
- Competitividade do Preço (CPR);
- Desenvolvimento o Merchandising (DSV);
- Posicionamento Produto Linear (PPL)
Trata-se de verbas debitadas, calculadas com base nas compras anuais (ano civil) e cujo débito é efectuado, como se disse, regra geral mensalmente, procedendo a A... S.A--- posteriormente à compensação desses débitos nos pagamentos a efectuar aos seus fornecedores.
No que respeita ao ano fiscal de 2005, os valores das receitas auferidas pela A... S.A--- correspondentes aos débitos efectuados, relativamente às verbas supra identificadas, ascenderam a €116.284.21 repartindo-se da seguinte forma:
Tipo ServiçoValor (€)
Af - Abono Frete409.544,28
CCC - Cooperação Comercial/Acordo de Cooperação46.960.617,87
APl. - Animação Promocional30.98...,86
RSC - Apoio a Research5.558.528,77
CPR - Competitividade do Preço22.42...,90
DSV - Desenvolvimento e Merchandising2.364,061,10
PPL - Posicionamento Produto Linear7.574.236,87
’ Total Geral116.284.213,65


Contabilisticamente a A... S.A--- trata estes débitos como descontos auferidos, creditando, consoante o tipo as subcontas da conta 3189, sendo tais valores debitados aos fornecedores com a seguinte menção nas notas de débito/crédito: "Sem IVA - N° 2 do Artigo 71º do CIVA”.
Assumindo a empresa sob inspecção a função de central de compras do Grupo A... S.A--- (além da função retalhista), parte destes valores de receitas auferidas é por si posteriormente repassada aos seus clientes (entidades relacionadas), sujeitos passivos de imposto.
10 Valor correspondente ao saldo entre os valores debitados e creditados.
11 Na ênfase constante do ponto 8 da Certificação Legal de Contas, relativa ao exercício de 2003, lê-se: '(...) em Julho de 2003 a empresa passou a incorporar a actividade de entreposto, anteriormente efectuada pela H... S A, tendo adquirido naquela data a esta empresa todas as suas existências.

Os movimentos de repassagem são suportados por notas de crédito por si emitidas, cujos valores são discriminados de acordo com a sua natureza e com a mesma menção: "Sem IVA - N.º 2 do art. 71º do CIVA
A relevação contabilística destes movimentos de repassagem foi efectuada por débito da conta ...91, cujo saldo em 31/12/2005 ascende a cerca de 67 milhões de euros (valor que inclui descontos e serviços repassados) e crédito da respectiva conta do cliente.
Analisados os registos contabilísticos efectuados pela A... S.A---, quer do ponto de vista das receitas obtidas dos fornecedores, quer no que concerne aos "descontos e serviços/repassagem” concedidos aos clientes, importa qualificar a natureza do débito, à luz do clausulado no contrato geral de fornecimento e ainda face ao descritivo das notas de débito emitidas pela A... S.A--- aos seus fornecedores.
i) À luz do clausulado no contrato geral de fornecimento
O contrato geral de fornecimento estabelece dois tipos de obrigações:
- Gerais;
- De Cooperação e Desenvolvimento.
No âmbito das primeiras compete à A... S.A---.
- “Identificar, no momento da encomenda, o produto a fornecer, o preço por referência à tabela em vigor, a quantidade, a cadência de fornecimento e o desconto, se for o caso, bem como o local e prazo de entrega;
- Efectuar o pagamento do preço acordado, nos prazos e condições definidas, sem prejuízo do direito à condensação total ou parcial com créditos de que seja titular, ainda que derivados de outros contratos celebrados com a segunda contraente".
Já no âmbito das “obrigações de cooperação e desenvolvimento”, compete à A... S.A---:
- “Proporcionar o acesso ao programa promocional, através da participação no calendário promocional (…);
- Proporcionar o acesso à participação nas “Feiras Nacionais ou Regionais”, em períodos previamente estabelecidos (...);
- Conceder condições preferenciais na “contratação do espaço (…) para publicitação dos produtos (…)
- Proporcionar o acesso ao lançamento de novos produtos (…) e adicionalmente proporcionar o acesso à possibilidade de fixação de medidas de exposição mínimas nas gôndolas (..)
- Proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos programas de eficiência administrativa
- Proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos Programas de Gestão Conjunta de Categorias
/GCR que já estão ou venham a sor implementados."

Ou seja, com base nestas cláusulas a A... S.A--- debita o fornecedor (cláusula 2.2.2 do contrato geral de fornecimento), deduzindo ao preço a pagar, determinadas verbas resultantes de “serviços prestados" a titulo de "Cooperação e Desenvolvimento" (cláusulas 2.2.3 a 2.2.6.).

ii) - À luz das notas de débito emitidas pela A... S.A--- aos seus fornecedores
Face ao descritivo genérico das notas de débito emitidas aos seus fornecedores, solicitámos à A... S.A--- informação quanto à natureza desses mesmos débitos
Tendo sido questionado para o afeito, a A... S.A--- caracterizou estas rubricas da seguinte forma:
Abono Frete - "ê um desconto de quantidade calculado através de uma % negociada com cada fornecedor, que sendo aplicada ao volume de compras de determinados produtos permite a recolha da mercadoria no próprio fornecedor'’:
Cooperação Comercial - é um desconto normalmente calculado com base numa % negociada com cada Fornecedor, que é aplicada ao volume total de compras efectuadas ao longo do ano. Não estando associado a qualquer volume de compras objectivo a atingir, está relacionado com a vantagem traduzida na maior ou menor preferência que é dada aos produtos desse fornecedor em detrimento de outros Fornecedores com produtos iguais ou similares e disponíveis no mercado. Dada a dimensão do circulo de circulação de mercadorias é facilitada a operação logística com a possibilidade de entrega centralizada de grandes quantidades de produtos, proporcionando assim uma significativa eficiência de meios e tempo por parte dos Fornecedores. São ainda associadas vantagens relativas à facilidade de colocação dos produtos, dado o parque comercial de Lojas, cuja implantação se estende a todo o país continental e ilhas”.
Animação promocional – é um desconto calculado através de uma % negociada com cada fornecedor que é aplicada ao volume de compras de determinados produtos proporcionando aos nossos fornecedores a participação nos vários programas de actividades promocionais que alavancam as vendas dos respectivos produtos nas lojas.
Apoio a Research – é um desconto calculado através de uma % negociada com cada Fornecedor que é aplicada ao volume de compras de determinados produtos, que lhes permite utilizar os nossos canais de comunicação, garantindo o eficaz lançamento de novos produtos, a exploração de novos segmentos de mercado bem como, beneficiando dos programas de pesquisa e desenvolvimento com vista a melhorar, em conjunto, a performance do todos os seus parceiros comerciais, incluindo não só a utilização de uma plataforma tecnológica capaz de dar resposta às necessidades crescentes de informação para um melhor desempenho no mercado, mas também proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos "Programas de Eficiência Administrativa", nomeadamente aos projectos de transferência Electrónica de Dados (EDI). da Facturação electrónica e acesso aos resultados dos 'Programas de Gestão Conjunta do Categorias /ECR etc.
Competitividade de Preço - "ê um desconto calculado através de uma % negociada com cada Fornecedor, que é aplicada ao volume de compras de determinados produtos, curo principal objectivo é garantir que a II--- possa comercializar produtos com preços de venda competitivos relativamente aos restantes operadores de mercado, considerando os elevados volumes de compras efectuadas.
Desenvolvimento e Merchandising - "Ê um desconto calculado através de uma % negocia da com cada Fornecedor, que sendo aplicada ao volume de compras de determinados produtos permite que estes beneficiem de todo o esforço de análise de mercado, pesquisas de interesses dos consumidores e outros estudos desenvolvidos pela II---.
Posicionamento Produto Linear - ‘Ê m desconto calculado através de uma % negociada com cada Fornecedor, que sendo aplicada ao volume de compras de determinados produtos permite que estes beneficiem de condições preferenciais "Contratação de Espaço” na II--- em local a acordar previamente pelas partes"

Ou seja, os débitos aos fornecedores mais não são do que contrapartidas dadas a A... S.A--- pela participação em programas de actividades promocionais que alavancam as vendas facilitado aos pontos de venda, acesso a estudos de mercado análise de preços concorrentes recolha das mercadorias no fornecedor, apoio no lançamento de novos produtos, contratação de espaço para divulgação dos produtos dos seus fornecedores, etc., etc....
Assim, conclui-se que não estamos perante descontos comerciais, mas sim serviços prestados, individualizados em rubricas especificas, contabilizados pelo sujeito passivo em subcontas especificas da contabilidade geral, consoante a contrapartida auferida, independentemente do seu valor ser calculado em função das compras ou de qualquer outro critério estabelecido livremente pelas partes.
Analisada a relevação contabilística e feita a descrição/qualificação dos débitos importa analisar se de facto tais débitos poderão ou não ser passíveis do enquadramento efectuado pela A... S.A---, i.e, "Sem IVA - N° 2 do Artigo 71º do CIVA”
E nessa medida, é relevante o tratamento contabilístico efectuado pelos fornecedores "beneficiários- dos débitos”.
Neste contexto, as dúvidas que se nos colocaram surgiram após a constatação de divergências materialmente relevantes no que respeita ao cruzamento da informação constante dos Anexos O e P da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal respeitante ao ano de 2004, em especial com os seus maiores fornecedores, situação que se mantém no exercício em causa.
A análise efectuada levou-nos a concluir que as principais divergências detectadas explicavam-se pelo facto de diversos fornecedores da A... S.A--- (é o caso, por exemplo, da "E...---, da "DD---", ou da “JJ---", sendo que neste último caso tivemos conhecimento directo em sede de procedimento inspectivo aí realizado) tratarem o que designam por “descontos atípicos", concedidos fora das facturas, não como descontos mas sim como , serviços prestados pelo fornecedor A... S.A
Nestes fornecedores, as divergências detectadas correspondiam grosso modo ao valor das verbas acima identificadas, uma vez que estes não as consideravam como descontos auferidos, mas sim como _______________________________________________________________________________________
12 Por exemplo se se tratasse de uma eventual comissão de compra, esta também seria muito provavelmente calculada em função do volume das compras e não perderia, simplesmente por essa razão, o seu caracter de operação tributável em sede do IVA.
______________________________________________________________________________________________________
serviços prestados pela A... S.A---, cuja contabilização é feita numa subconta da conta 62 Fornecimentos e Serviços Externos.
Ou seja, para os seus fornecedores a A... S.A--- é simultaneamente cliente e fornecedor. Cliente na medida em que lhes compra mercadoria e fornecedor na medida em que lhes presta serviços.
Por outro lado, não podemos deixar de salientar que até meados de 2003 a função de central de compras do Grupo A... S.A--- estava cometida à sociedade “H... S A (empresa do mesmo Grupo) tendo sido assumida essa função a partir dai pela A... S.A---, função que acumula com a de retalhista
Conforme apurado em procedimentos inspectivos anteriores a 2003, era dado diferente tratamento aos débitos referentes, por exemplo, a Cooperação Comercial e Animação Promocionais. Nesses débitos, a "H... S A" liquidava IVA à taxa geral, por entender que, de facto, se tratava de serviços prestados (anexo V).
Refira-se que apesar das contraias serem negociados anualmente, o seu clausulado, no que as Obrigações Gerais e de Cooperação e Desenvolvimento diz respeito não sofreu, em termos gerais, qualquer alteração apesar da mudança das partes intervenientes (H...--- e A... S.A---).
Mas mais relevante, ainda, é o facto de do próprio sujeito passivo (A... S.A---) nos documentos relativos às verbas em causa como por exemplo acordo cooperativo/cooperação comercial animação promocional, Posicionamento Produto Linear e Competitividade Preço, nos exercícios anteriores a 2004 mencionar o IVA que à data entendia devido (13), nesses documentos mencionando inclusivamente “(…) Relativo a serviços prestados no período (…)” cf. exemplos em anexo (anexo VI).
Assim, o procedimento relativo à não liquidação do IVA nos débitos aos fornecedores, alvo de análise neste ponto do relatório, apenas foi iniciado pelo sujeito passivo apôs o final do exercício de 2003.
Veiamos:
O total das receitas auferidas peia A... S.A--- no exercício de 2005, resultantes dos débitos efectuados aos seus clientes (correspondente a descontos e serviços prestados), ascendeu a mais de 385 milhões de euros, repartindo-se pelas várias verbas da seguinte forma:
__________________________________________________________________________________
13. Até meados de 2003 respeitante unicamente ás suas compras directas e no segundo semestre de 2003, quando já lhe estava cometida a função de central de compras
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[imagem que aqui se dá por reproduzida]

De notar que os valores acima foram por nós apurados a partir dos documentos (digitalizados no formato pdf) disponibilizados num ficheiro informático fornecido pela A... S.A--- (com cerca de 5.000 páginas por més), documentos esses que, de acordo com a informação prestada, continham todos os valores contabilizados e respeitantes às verbas em causa, cfr ponto 2 da nossa notificação de 18/12/2008 e respectiva resposta datada de 13/01/2009, tendo ainda informado que nesses documentos estavam contidas todas as anulações totais ou parciais dos valores debitados, corporizadas em notas de crédito, cfr. nossa solicitação de 31/03/2009 e respectiva resposta de 14/04/2009 (Anexo VII)
Tratam-se (SIC) pois de verbas perfeitamente individualizadas e autónomas sendo que cada uma delas tem subjacente uma determinada realidade/objectivo, tal como nos foi descrito pelo próprio sujeito passivo e atrás por nós transcrito e por essa mesma razão cada contrato ê negociado individualmente com cada um dos fornecedores e logicamente nem todos os fornecedores têm as mesmas verbas negociadas, i e. cada ima da$ diferentes condições ê negociada casuisticamente.
(…)
Já no que respeita às verbas atrás identificadas (AF CCC APL RSC, CPR, DSC e PPL) face a toda a análise efectuada, a situação factual é a de que estamos em presença de prestações de serviços.
O conceito de "prestações, de serviços" adoptado pelo CIVA encontra-se definido expressamente no seu artigo 4º.
Art° 4º
'1 - São considerados como prestações de serviços as operações efectuadas a titulo oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”.
(…)
Trata-se portanto de um conceito de carácter residual, que abrange todas as operações decorrentes da actividade económica não excluídas por definição. Apesar de mitigados nas cláusulas das obrigações contratuais e nas notas de débito serem tratadas como descontos auferidos, tais operações não perdem, por isso, as características que para efeitos de IVA as qualificam como prestações de serviços.
Efectivamente as operações em causa consistem em prestações de serviços, reunindo as condições de submissão ao IVA, a saber:
. Efectuadas a título oneroso
. Efectuadas por um sujeito passivo
. Relacionadas com o exercício de uma actividade
. Localizadas no território nacional
(…)
Pelo exposto conclui-se que as referidas notas de débito consubstanciam prestações de serviços localizadas/tributadas em território nacional independentemente da sede da adquirente nos termos conjugados do artigo 1º nº 1 alª a), artigo 4º nº 1 e artigo 6º nº 4 todos do CIVA.
Assim, ascendendo o valor destas prestações de serviços no exercício de 2005 ao montante de € 116 284 213,65, por aplicação das taxas gerais do IVA em vigor à data dos factos (art. 18 º n.° 1 alínea c) do CIVA) obtém-se o valor de imposto em falta que ascende a ...71,87 €.
Como base nos fundamentos expostos resulta uma correcção em sede de IVA que ascende a ...71,87 €.
III - 2.2.3.... indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de talões de desconto como meio de pagamento (art.° 71.° do CIVA - actual art.° 78°)
Com vista a fidelizar os seus clientes, o sujeito passivo adoptou uma política de concessão de vouchers (vales que se consubstanciam no direito à sua utilização como meio de pagamento e que o sujeito passivo designa por talões de desconto) utilizáveis em compras subsequentes, desde que efectuadas em intervalos de tempo previamente estipulados.
Tais campanhas, largamente publicitadas, consistem na entrega ao cliente de um voucher, pela compra de determinados produtos, cujo valor facial/nominal equivale a uma certa percentagem do valor a pagar por alguns desses produtos ("Desconto ao Artigo") ou a um valor fixo, escalonado, em função do total da compra ("Desconto ao Escalão"), consoante as campanhas.
A venda (inicial) que origina a emissão do voucher é tratada normalmente, incidindo o IVA sobre o seu valor total. Nesse momento, com a emissão do talão de desconto, pese embora nesta fase o título atribuído ao cliente não ter qualquer tradução financeira, dado que equivale a um mero direito, a A... S.A--- procede a um registo contabilístico, debitando as diversas subcontas da conta 718, por crédito de uma divisionária da conta 268.
Efectivamente, a A... S.A--- aquando da venda inicial, aquela que está na origem da emissão do talão de desconto, liquida o IVA de acordo com as diferentes taxas aplicáveis a essa transacção, procedendo em momento ulterior, com a utilização/rebate pelos clientes dos talões de desconto como meio de pagamento, à regularização do IVA a seu favor, concretamente o IVA que considera estar contido no valor do desconto titulado pelo talão (apenas relativamente aos artigos que davam direito a desconto, no caso do “desconto ao artigo” ou proporcionalmente a todos os artigos no caso do ‘‘desconto ao escalão”).
Ou seja, estes descontos dados aos clientes da A... S.A---, processados através da emissão de talões, os quais são usados pelos clientes para beneficiar de descontos em aquisições ulteriores, são descontos que, do ponto de vista do tratamento dado em sede do IVA pela A... S.A---, retroagem ao momento da compra inicial.
A regularização do IVA só ocorre se e quando os clientes rebatem os vouchers numa aquisição posterior, regularização essa efectuada relativamente à transacção inicial, aquela que originou a emissão do talão.
(...)
| A A... S.A--- regulariza o IVA às taxas de imposto aplicáveis aos produtos que deram origem ao talão de desconto emitido aquando da transacção inicial e não às taxas de imposto aplicáveis aos produtos adquiridos na transacção em que o talão é rebatido como meio de pagamento, ou seja, na operação subsequente. A A... S.A--- trata os talões como descontos comerciais concedidos aos clientes aquando da compra/operação inicial, i.e., são descontos concedidos após a emissão do talão de venda/factura relativo à transacção inicial, o que significa que no momento do rebate dos talões é reduzido o valor tributável da operação inicial em consequência da concessão dos descontos titulados pelos talões.
(...)
No caso em apreciação, o adquirente (quer seja ou não consumidor final) não toma conhecimento da rectificação do imposto, como a seguir melhor se demonstrará, dado que os talões de desconto são utilizados como uma mera forma de pagamento, ou seja, são livremente transmissíveis - título ao portador - pese embora a sua circulação esteja restrita às lojas da cadeia LL--, MM---, NN--- e ainda OO---, PP---, QQ---, RR-- e SS---.
É evidente que cabe à A... S.A--- definir as suas estratégias comerciais adoptando as políticas em consonância com os objectivos previamente traçados.
(…)
A promessa de desconto feita pela A... S.A--- aos seus clientes é corporizada num talão cuja informação útil ao consumidor se resume ao valor do desconto (valor facial/nominal do voucher), à sua validade e à menção “Aceite em compras superiores ao valor do talão"; efectiva-se, se cumpridas as condições, sendo que a principal é o cliente/adquirente efectuar uma segunda compra.
Isto é, a A... S.A--- considera no momento da utilização/rebate do talão que o desconto retroage à transacção que originou a sua emissão/entrega.
Sendo o talão de desconto atribuído pela A... S.A--- utilizado como uma forma de pagamento, um meio fiduciário de circulação restrita não é provado que, mesmo quando a transacção/venda inicial (a que esteve na origem da emissão/entrega do talão de desconto) é efectuada com um adquirente sujeito | passivo o mesmo venha a regularizar o imposto a favor do Estado de acordo com as várias taxas do IVA dessa transacção inicial, uma vez que quando a A... S.A--- regulariza o IVA a seu favor não dá disso conhecimento aos seus clientes/adquirentes nem mesmo àqueles que são sujeitos passivos do imposto. Recorde-se que o talão é um título livremente transmissível, mas ainda que não o fosse, neste caso concreto, o adquirente sujeito passivo não tem qualquer conhecimento da regularização do imposto efectuada pelo sujeito passivo fornecedor (A... S.A---).
Neste sentido, e corroborando o exposto, é por demais elucidativa a informação constante do talão de venda e respectiva factura recibo, onde o IVA é sempre mencionado pelo montante correspondente ao total da factura (na compra inicial e subsequente), independentemente de ter existido ou não qualquer desconto, conforme exemplos em anexo - Anexo XI)19.
Se é verdade que o negócio da A... S.A--- é o comércio retalhista (ainda que acumule esta função com a função de central de compras do grupo), não é menos verdade que, por exemplo, um empresário em nome individual ou qualquer outro tipo de sujeito passivo do imposto (IVA), identificando-se como tal, vê lhe ser passada uma factura onde, nem na compra inicial, nem na compra subsequente, está mencionado qualquer desconto/abatimento à base tributável, pelo que em ambas as operações contabilizará e deduzirá o IVA correspondente ao valor bruto da mercadoria, aquele que está mencionado na factura,21 não fazendo qualquer regularização do imposto a favor do Estado, correspondente ao desconto auferido.
Ainda que na esfera da A... S.A--- toda essa informação possa estar acessível e seja passível de controlo, tal não é suficiente para o exercício do direito à dedução/regularização do imposto se concomitantemente dela não for dada conhecimento aos seus clientes/adquirentes e se a A... S.A--- não estiver na posse dessa prova, pelas razões anteriormente aduzidas.
Deste procedimento pode resultar que na contabilidade de um cliente da A... S.A--- (sujeito passivo do imposto) podem estar contabilizadas duas facturas (a que deu origem à emissão do talão de desconto e aquela em que esse talão é utilizado/rebatido) que mencionam, em qualquer dos casos, o valor da mercadoria e o correspondente IVA (dedutível) sem menção de qualquer desconto/abatimento à base tributável, dado que o desconto (quer no talão, quer na factura) apenas é mencionado como uma parcela a abater ao valor a pagar e o IVA mencionado corresponde sempre ao imposto incluído no valor bruto das mercadorias, vide anexo XI.
(…)
Considerando, como considera a A... S.A---, que o desconto que tem por base um talão (título ao portador) por si emitido e entregue gratuitamente aos seus clientes na compra de determinados produtos se efectiva não no momento em que aceita do cliente um talão de desconto (compra ulterior), mas sim que esse desconto, equivalente ao valor nominal/facial do talão, retroage à compra inicial onde esse título foi emitido/entregue, a A... S.A--- poderá optar por efectuar a correspondente regularização do IVA liquidado na compra inicial (como é o caso), mas nesta situação de opção terá de ser dado cumprimento às condições expressamente impostas pelo art.° 71° (actual art.° 78°) do CIVA, dado que como considera a A... S.A--- o desconto concedido retroage à compra inicial, i.e., trata-se da correcção a uma base tributável de uma transacção anterior.
(...)
III – 2.2.4 IVA indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de vales de desconto emitidos pela "B...---" como meio de pagamento (art.° 71-º do CIVA, actual art. 78º).
(…)
Nestas circunstâncias, não é permitida a regularização de imposto nos termos pretendidos pela A... S.A---.
De facto, conforme se expôs anteriormente não se encontram cumpridas as exigências impostas por lei para que essa regularização seja possível.
O artigo 71º do CIVA (actual art.° 78º) exige o cumprimento de regras específicas para que a regularização do imposto seja fiscalmente aceite ficando afastada, deste modo, a possibilidade de aceitação fiscal da pretendida regularização.
(...)”
V. Em nome da impugnante foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.°s ...39, ...41, ...43, ...45, ...47, ...49, ...51, ...53, ...55, ...57, ...59 e ...61, e de juros compensatórios n.°s ...40, ...42, ...44, ...46, ...48, ...50,...52,...54, ...56, ...58, ...60, ...62, no montante global de € 36.421.791,88, relativas ao ano de 2005 - cfr. does. 1 e 2 juntos com a p.i.
W. Em Dezembro de 2009, a impugnante prestou fiança no montante de € 46.893.361,33 para obstar ao prosseguimento do processo executivo n.° ...35 que teve origem nas liquidações impugnadas - cfr. doe. 12 junto com a p.i.
X. Em 29.01.2010, deu entrada neste Tribunal a p.i. que deu origem aos presentes autos - cfr. fls. 1 do SITAF.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados.
A prova testemunhal produzida não se mostrou relevante para formar a convicção do Tribunal por se afigurar suficiente para o efeito a prova documental constante dos autos, atenta a natureza documental da factualidade relevante para a decisão da causa.»

Posto isto, enfrentemos as questões supra enunciadas.

A - Do recurso da Fazenda Pública:
1ª Questão
Errou, a Mª Juiz a qua, no julgamento de direito, violando o disposto nos artigos 11º nº 3 da LGT (deve atender-se à substância económica dos factos), 1º nº 1 alª a) do CIVA (estão sujeitas a IVA as prestações de serviços a título oneroso) e 4º do mesmo diploma (são tributáveis como prestações de serviços todas as operações onerosas que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens) ao julgar procedente a impugnação quanto às liquidações oficiosas de IVA relativas aos serviços promocionais e outros de que os fornecedores da Impugnante beneficiaram em conformidade com o contrato das condições gerais de fornecimento?
O discurso da sentença recorrida no julgamento de direito posto em crise na sobredita questão é redutível à seguinte transcrição:
(…)
Assim, antes de mais, para falarmos de prestação de serviços, temos de estar perante operações a título oneroso.
Retornemos ao caso em apreço, a fim de averiguar se estão em causa operações a título oneroso.
(…) diremos que os mesmos não podem servir de fundamento a uma conclusão como a apurada na medida em que naturalmente que comportamentos de terceiros e comportamentos passados da própria impugnante não podem funcionar como precedentes vinculativos para adoptar uma determinada posição pois que os mesmos podem ser incorrectos, caso em devem, até, ser corrigidos. Diferentemente, importa, sim, atentar na realidade das operações, e não no enquadramento que das mesmas é feito, seja pela impugnante seja por terceiros.
(…)
Da mera leitura do contrato em causa resulta a previsão contratual da prestação de serviços por parte da impugnante no âmbito do designado “contrato geral de fornecimento”. Efectivamente, ali se prevêem autênticos serviços promocionais a favor do outro contraente. Porém, a simples redacção de tal contrato não nos pode levar, sem mais, a concluir pela existência de prestações de serviços por parte da impugnante; é necessário algo mais, algo que nos permita assentar na efectivação de tais prestações de serviços. Quer dizer, é certo que as mesmas estão contratualmente previstas; mas daí a concretizarem-se vai uma grande distância. E a incidência de imposto reporta-se a operações concretas, e não a operações previstas e sem existência material, devendo ‘‘atender-se à substância económica dos factos tributários.” - cfr. n.° 3 do artigo 11.° da LGT.
Assim, importa analisar o outro elemento no qual assentou o entendimento da Administração Tributária - o descritivo genérico constante das notas de débito emitidas pela impugnante aos seus fornecedores (“abono frete”, “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade de preço”, “desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear”) - de modo a aferir se do mesmo se pode retirar a conclusão pela existência de efectivas prestações de serviços. Quanto a tais descritivos, a Administração Tributária aceitou a - e assenta o seu entendimento na - caracterização que das mesmas foi feita por parte da impugnante, de acordo com a qual estão em causa descontos calculados através de uma percentagem negociada com o fornecedor e aplicada ao volume de compras de determinados produtos com os seguintes objectivos:
(…)
De acordo com estas descrições - nas quais também assentou o entendimento da Administração Tributária estão em causa descontos sobre o volume de compras de produtos, os quais têm como contrapartida a favor do fornecedor a poupança do custo da distribuição (pelos diversos pontos de venda de que a impugnante dispõe) - caso do “abono frete” - e da promoção dos produtos adquiridos aos mesmos pela impugnante. Ou seja, a poupança de tais custos por parte do fornecedor justifica que o mesmo possa fazer descontos sobre os produtos à impugnante. Efectivamente, dos descritivos enunciados resulta que a promoção dos produtos é efectuada após a aquisição dos mesmos ao fornecedor por parte da impugnante, ou seja, num momento em que os produtos já são da impugnante, e que o custo da distribuição dos produtos (que fica a cargo da impugnante) é poupado pelo fornecedor aquando da respectiva aquisição por parte da impugnante.
A promoção dos produtos adquiridos ao fornecedor por parte da impugnante favorece-o - embora reflexamente - na medida em que o mesmo continue a fornecer e/ou vender directamente tais produtos. Por conseguinte, estamos perante verdadeiros descontos ao preço dos produtos, e não perante qualquer prestação de serviços. Efectivamente, as vantagens que o fornecedor aufere com os ditos descontos não resultam de serviços que lhe sejam prestados na medida em que os produtos são adquiridos pela impugnante e só depois são promovidos e publicitados para a própria impugnante os vender. O que acontece é que o fornecedor beneficia reflexamente dessa publicidade ao seu produto - que pode continuar a vender directamente ou a fornecer a outras entidades -, publicidade essa que a impugnante faz por ter acesso ao tal desconto, desconto esse que lhe permitiu adquirir maior quantidade e, por ter adquirido uma maior quantidade do produto vai investir mais na publicitação do mesmo para o vender.
Quanto à poupança do custo da distribuição dos produtos proporcionada pelo desconto, também não se descortina aqui qualquer prestação de serviço na medida em que a impugnante se limita a suportar ela própria esse custo como contrapartida do desconto que lhe foi feito, sendo certo que a distribuição dos produtos é precedida da sua aquisição por parte da impugnante, pelo que a mesma distribui produtos próprios (e não do fornecedor). Diferente seria se - como parece resultar da letra do contrato geral de fornecimento acima referido - a impugnante publicitasse e/ou distribuísse produtos alheios (do fornecedor), e não próprios (como é o caso, uma vez que, previamente, os adquiriu para os vender). No caso, repete-se, a impugnante publicita e distribui os seus produtos para os vender, beneficiando com isso o fornecedor que poupa esses custos.
Especificamente quanto ao descritivo “desenvolvimento e merchandising”, importar deixar claro que o objectivo visado com o mesmo - “proporcionar ao fornecedor o benefício do esforço de análise de mercado, pesquisas de interesses dos consumidores e outros estudos desenvolvidos pela impugnante” - se traduz em mais um benefício de reflexo para o fornecedor na medida em que se reporta a “estudos desenvolvidos pela impugnante” relativamente à venda de um concreto produto pela mesma, estudos esses que interessam à sua actividade futura de modo a aferir,
designadamente, se vale a pena continuar a venda do produto. Ou seja, estudos que não são feitos para o fornecedor mas aos quais o mesmo pode aceder com benefício próprio.
Também o descritivo “posicionamento produto linear” merece uma referência por a sua descrição ser susceptível de outros entendimentos. Na linha dos demais descontos, ao visar “proporcionar ao fornecedor o benefício de condições preferenciais em termos de contratação de espaço”, está-se aqui a falar ainda de promoção do produto, no sentido em que, como contrapartida do desconto, para além da respectiva publicidade, o fornecedor beneficia - mais uma vez reflexamente - do destaque que é dado ao mesmo em termos de posicionamento no espaço, conferindo-lhe maior visibilidade no contexto de loja, o que a impugnante fará, naturalmente, para mais facilmente conseguir vender o produto que adquiriu.
Finalmente, uma referência ao enquadramento contabilístico das operações em causa. Como se refere no relatório de inspecção, as verbas em causa são debitadas - regra geral, mensalmente - e, posteriormente, a impugnante compensa tais débitos nos pagamentos a efectuar aos fornecedores. Reconhece-se que este enquadramento não demonstra, à primeira vista, com clareza a realidade das operações. Seria mais intuitivo a impugnante registar contabilisticamente as aquisições de produtos pelo preço final, já com o desconto, gerando as notas de débito alguma dificuldade na apreensão da factualidade. Porém, tal procedimento é explicável com a autonomização e evidenciação dos valores concretos dos vários descontos, permitindo, desse modo, um maior controlo por parte da impugnante sobre eventuais variações de preços dos produtos que lhe são fornecidos. Quer dizer, são plausíveis e aceitáveis razões de controlo de gestão para justificar o enquadramento contabilístico que a impugnante dá à situação em apreço.
Assim, não há aqui qualquer operação a título oneroso mas, pura e simplesmente, um desconto no preço dos produtos adquiridos ao fornecedor pela impugnante, desconto esse que é obtido à custa da poupança de custos por parte do fornecedor.
Acresce que a Administração Tributária também não logrou carrear factos susceptíveis de contrariar esta realidade dos factos - pelo contrário, assentou nela - no sentido de se concluir pela existência de prestação de serviços.
Pelo exposto, mal andou a Administração Tributária ao considerar tais operações tributáveis em sede de IVA, impondo-se a anulação das liquidações impugnadas respeitantes a esta parte.»
Não vemos em que erre o entendimento assim exposto, pelo que o secundamos.
Apenas acrescentamos, no mesmo sentido, a constatação de que na fundamentação das correcções efectuadas a este pretexto a AT não individualiza, no seu objecto material, nos seus sujeitos activo passivo, no seu preço e na cronologia da ocorrência, quaisquer operações de promoção de produtos e outras susceptíveis de serem individualmente consideradas e quantificadas. A AT “pega” no valor dos descontos e considera por atacado ser esse o preço de uma global prestação de serviços – ou o total dos preços de uma pluralidade difusa e indefinida de prestações de serviços das várias “espécies” constantes do contrato geral de fornecimento – para concluir pela tributação dessa abstracção, em IVA.
Ora, não são abstracções, mas factos concretos, o que o IVA tributa.
Tanto basta para não haver pressupostos de facto para a as correspondentes liquidações de IVA.
Esta questão foi objecto de aturada apreciação em termos que merecem a nossa concordância, relativamente a factos essencialmente sobreponíveis aos aqui provados, no sentido da ilegalidade das liquidações, por um colectivo deste Tribunal, em acórdão de 9 de Junho de 2021 proferido no processo nº Processo n.º 837/04...., do qual passamos a transcrever o essencial:
«(…)
Aliás, decorre do art.2.º, n. º1, da sexta directiva que cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Por esse motivo importa procurar encontrar as características da operação em causa e determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor - entendido como consumidor médio - diversas prestações principais distintas ou uma prestação única, ainda que composta por vários elementos.
Ora, a autora citada refere que a jurisprudência comunitária defende que os elementos essenciais da transacção devem ser identificados de forma a determinar se o sujeito passivo está a fornecer ao consumidor várias prestações de serviços principais ou uma prestação de serviço única. A jurisprudência considera que se está perante uma prestação única (ainda que composta), no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados prestação principal ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal, numa aplicação da regra accessorium sequitur principale. Os elementos que compõem uma prestação podem ser parte integrante da mesma ou serem-lhe meramente acessórios.
Do que vem sendo dito, poderá, e no caso tem, ter aplicação em situações como nos autos, em que acoplado a uma transmissão de bens está também, a título acessório ou dependente, um serviço que beneficia, em boa medida, ambas as partes, proveniente de uma acção que promove ou potencia, o negócio, vender mais e mais barato e quem fornece aumenta exponencialmente as suas vendas ou fornecimento de bens, afastando, outros concorrentes com produtos similares, por sua vez, o adquirente dos bens, vai vender mais barato no quadro da concorrência, sem que se destaque uma prestação de serviço, em sentido autónomo, pois, não se figura entre a concreta prestação de serviço e o contravalor recebido (no caso o aumento das vendas na esfera do fornecedor) qualquer nexo directo entre o serviço prestado e o beneficio auferido pela contraparte.
A este respeito da conexão entre prestação de serviço e contravalor veja-se o Ac. do TJUE de 11-03-2020, no processo C-94/19, caso San Domenico Vetraria SpA, no qual se afirma que:
A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito do sistema do IVA, as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transacção entre as partes, com a estipulação de um preço ou de uma contrapartida. Assim, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável, não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (Acórdão de 22 de Junho de 2016, Èeský Rozhlas, C 11/15, EU:C:2016:470, n.º 20 e jurisprudência referida). 21. Daqui resulta que uma prestação de serviços só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é, portanto, tributável, se entre o prestador e o beneficiário existir uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo de um serviço prestado ao beneficiário. É isso que se verifica se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de Junho de 2016, Èeský rozhlas, C 11/15, EU:C:2016:470, n.ºs 21 e 22 e jurisprudência referida; de 22 de Novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, C 295/17, EU:C:2018:942, n.º 39; e de 3 de Julho de 2019, Uni Credit Leasing, C 242/18, EU:C:2019:558, n.º 69). (…) Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existe um nexo directo quando duas prestações estão reciprocamente condicionadas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de Março de 1994, Tolsma, C 16/93, EU:C:1994:80, n.ºs 13 a 20, e de 16 de Outubro de 1997, Fillibeck, C 258/95, EU:C:1997:491, n.ºs 15 a 17), ou seja, uma prestação só é efectuada na condição de a outra também o ser, e reciprocamente (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87, EU:C:1988:508, n.º 14, e de 2 de Junho de 1994, Empire Stores, C 33/93, EU:C:1994:225, n.º 16).
Concluindo que: O artigo 2.º , ponto 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em virtude da qual não são considerados relevantes para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado os empréstimos ou destacamentos de pessoal de uma sociedade mãe para a sua filial, realizados exclusivamente mediante o reembolso dos custos respectivos, quando os montantes pagos pela filial à sociedade mãe, por um lado, e esses empréstimos ou destacamentos, por outro, estiverem reciprocamente condicionados.
O art. 16., n.º 1, do CIVA estatui que, o valor tributável das transmissões e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo adquirente, do destinatário ou de terceiro.
Não sendo possível estabelecer essa relação entre prestação de serviço e o contravalor recebido, apenas resta concluir que o que subjaz a toda a operação é um abatimento ao preço ou um desconto comercial, deste modo estando excluído da incidência do IVA, como decorre do n.º 6, al. b) do art. 16.º do CIVA, do valor tributável, referido no número anterior, serão excluídos: os descontos, abatimentos e bónus concedidos.
Como se refere no acórdão do TJUE, no caso das batatas holandesas, a que a recorrente faz expressa menção nas suas conclusões, a contraprestação deve ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo directo que vincule a prestação e a contraprestação efectuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve ser igualmente directo e a expressão subjectiva, tem o significado de é necessário partir dos dados reais da operação em causa.
A mesma autora supracitada, refere que a concessão de descontos, abatimentos e bónus é uma prática frequente para incentivar as vendas, que tem como consequência a redução do preço de aquisição dos correspondentes bens ou serviços. A razão da exclusão do valor tributável dos descontos deve ao facto de implicarem ausência de contravalor, susceptível de determinação pecuniária, proporcionado pelo comprador do bem ou pelo destinatário do serviço.
Em sentido similar, veja-se, o acórdão do TJUE de 19-12-2012 no caso GRATTAN plc, o art. 8.º al, a) da Segunda directiva, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes a impostos sobre o volume de negócios: Para determinar se o artigo 8.°, alínea a), da Segunda directiva impunha aos Estados Membros que permitissem a modificação do respectivo contravalor e, portanto, a correcção da matéria colectável após o momento em que ocorreu o facto gerador do imposto, há que analisar igualmente as disposições dessa directiva em matéria de cálculo, declaração e pagamento do IVA. Com efeito, a determinação da matéria colectável pressupõe um contravalor e um facto gerador. Cumpre salientar, a este respeito, que o artigo 5. °, n.º 5, da Segunda directiva previa que «o facto gerador do imposto ocorre no momento em que [é efectuada] a entrega». A expressão «facto gerador do imposto» constante desta disposição era definida no ponto 8 do anexo A da mesma directiva como «nascimento da dívida fiscal». Há que constatar que nenhuma disposição da Segunda Directiva previa a fixação da ocorrência do facto gerador do imposto num momento posterior, ou o seu adiamento por qualquer outra forma. Esta directiva também não contém nenhuma disposição que previsse a modificação da dívida fiscal já constituída. Nestas condições, tem de se considerar que, nos termos do artigo 5. °, n.º 5, da Segunda Directiva, a dívida fiscal do sujeito passivo se constituía com base no montante resultante da matéria colectável determinada à data da entrega. Há pois que referir que nem o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Directiva nem nenhuma outro artigo da Segunda Directiva podia ser interpretado no sentido de que era obrigatório permitir a regularização da matéria colectável, ou do imposto pago a jusante, depois da entrega, que constitui o momento em que ocorre o facto gerador do imposto, com o que declara que: O artigo 8.°, alínea a), da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não confere ao sujeito passivo o direito de considerar reduzida a posteriori a matéria coletável de uma entrega de bens quando, após a conclusão dessa entrega de bens, um agente venha a receber do fornecedor um crédito que pode optar por receber sob a forma de um pagamento em dinheiro ou sob a forma de um crédito compensável com os montantes em dívida ao fornecedor por entregas de bens já realizadas.
Por conseguinte, não se vê que a sentença tenha incorrido em erro de julgamento e de aplicação das normas do IVA em matéria de descontos promocionais, comercias ou de quantidade, acordados contratualmente entre ela e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estando ao abrigo do art. 16.º, n.º 6, al. b) sujeita a IVA, sendo de confirmar a sentença recorrida.»
Enfim, visto tudo o que citámos e expusemos, o recurso da Autoridade Tributária não merece provimento.

B – Recurso da Impugnante
1ª Questão
A sentença é nula na medida em que não se pronunciou sobre a alegação de as correcções impugnadas padecerem de vícios de erro nos pressupostos de facto e erro na quantificação, evidenciados pelos exemplos numéricos dados no RIT, os quais erros consistem em que a AT não considerou que o desconto concedido inclui IVA porque a sua base de cálculo abrange o IVA (IVA incluído)?
O artigo 125º nº 1 do CPPT comina expressamente a nulidade à sentença em que o juiz não se tiver pronunciado sobre questões de que deveria conhecer:
«Artigo 125.º
Nulidades da sentença
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Importa, porém, ter presente sobre que deve e não deve pronunciar-se o juiz na sentença tributária.
A norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença e seus limites (artigo 123º nºs 1 e 2 do CPPT), manifestamente, não esgota o que devem ser a estrutura e o conteúdo da sentença:
«1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Este dispositivo, ao omitir qualquer referência a partes indispensáveis da sentença, enquanto decisão, e à delimitação do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para o CPC, in casu, o artigo 608º nº 2, ex vi artigo 2º do CPPT.
Segundo esta norma, o Juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Assim, é dever do juiz tributário pronunciar-se, na sentença, sobre todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, desde que pertinentes para uma das soluções plausíveis do litígio e sobre quaisquer outras que sejam de conhecimento oficioso.
Porém, já é de escola a advertência de que “questão” é uma parte do objecto da acção, em último termo, uma autónoma ou destacável causa de pedir fáctico-jurídica: não se pode confundir com cada argumento aplicado na apologia da solução que a parte preconiza para uma questão.
Por outro lado, a resposta a uma questão de direito suscitada pela parte impugnante pode residir tanto numa resposta directa como na solução dada à causa e sua fundamentação. Por isso, embora não apenas por isso, é que o acima citado artigo 608º nº 2 exclui do dever de pronuncia expressa as questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Aplicando estes conceitos ao caso concreto, há que ver, antes de mais, se integra a Petição Inicial, em termos de constituir causa de pedir, essa alegação de que os actos impugnados enfermam de vícios de erro nos pressupostos de facto e de erro na quantificação, consistentes em que a AT, enquanto autor dos actos impugnados, não se representou que o desconto concedido incluía IVA porque a sua base de cálculo abrange o IVA (IVA incluído) – erros evidenciados nos exemplos numéricos dados pela AT, no RIT.
Recapitulada a PI, deparamos com o seguinte segmento:
«673. Por sua vez, e no caso de vendas a particulares, estes são "reembolsados"' do imposto na medida do desconto utilizado.
674. Com efeito, aquando da segunda compra, abatem ao preço a pagar o talão de desconto que é usado como meio de pagamento, e que já incorpora o IVA correspondente a esse mesmo desconto - regime de "IVA incluído".
675. Nessa medida, o cliente particular é ressarcido do IVA que inicialmente pagou a mais, aquando da compra inicial
Mais à frente ainda encontramos a seguinte alegação:
«841. A AF, no RIT, ensaia uma análise sobre a Jurisprudência comunitária firmada no caso Boots - no sentido de que o desconto prometido ao cliente deverá ser abatido à base tributável - mas conclui, surpreendentemente, pela aplicação do regime da regularização, que nunca esteve em causa naquele acórdão.
842. Por outro lado, os exemplos numéricos dados pela AF constituem uma verdadeira falácia,
843. uma vez que pretende transpor para o caso dos autos um procedimento contabilístico que nada tem a ver com o utilizado pela Impugnante,
844. descontextualizando as conclusões e as premissas em que assentou a decisão judicial do caso Boots,
845. e padecendo de claro e ostensivo erro de cálculo e apuramento quando omite, nesses exemplos numéricos, que o valor de desconto concedido incorpora e inclui IVA.»
Embora qualquer destes arrazoados releve da alegação de que o desconto em talão incluía o montante proporcional do IVA pago na compra inicial, tal alegação, antes de mais, não pode ser considerada como alegação de um facto constitutivo de uma causa de pedir, pois trata-se de um juízo ou uma conclusão sobre a matéria do desconto correspondente ao valor facial do talão. Depois não é explicitado pela Impugnante, na Petição, qual a conclusão jurídica e relevante para a sua pretensão de anulação das liquidações impugnadas a que pretende chegar, se não à procedência da sua alegação de que não era aplicável, a estas suas rectificações, o regime constante do artigo 71º nº 5, do CIVA (78º do actual) designadamente a exigência de o sujeito passivo possuir prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.
Quer dizer, não estamos perante uma questão ignorada, mas antes perante um argumento em ordem à procedência de uma questão suscitada.
Tanto basta para improceder a alegação da nulidade da sentença com o sobredito fundamento.

2ª Questão
A sentença é nula também porque o Tribunal a quo omitiu pronunciar-se sobre a alegação de que as correcções deveriam traduzir-se, não em liquidações adicionais de IVA e juros, atento o total das correcções, mas em correcções aos créditos de IVA autoliquidados, com a consequente diminuição desses créditos, uma vez que, como ressuma dos autos (declarações juntas como doc. n.º 11 com a petição) nos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005, a Recorrente não auto-liquidou imposto a pagar mas, outrossim e sempre, imposto a receber do Estado?
Na excursão feita sobre o conteúdo da Petição, a propósito da anterior questão, verificámos que a Impugnante alegou o erro na quantificação da matéria tributável com fundamento nesse alegado crédito de IVA durante todo o ano de 2005 (cf. especialmente o artigo 952º). Embora laborando em erro de direito, pois a desconsideração da situação de credor de IVA apenas pode ter resultado na determinação do Imposto a pagar ou a receber – não na determinação da matéria tributável – foi essa a questão suscitada ao Tribunal: erro na determinação da matéria tributável.
O Tribunal a quo não abordou esta concreta questão; e não se pode dizer que a mesma tenha ficado prejudicada na parte em que a Impugnação não foi julgada procedente.
Porém, não é relativamente a esta questão que a Recorrente alega haver indevida omissão de pronúncia, se não quanto a essa outra, de as correcções ao IVA, feitas em função da visão da AT plasmada no RIT, mesmo que fossem legais, no que não concede, deverem traduzir-se apenas em redução do crédito de IVA no exercício de 2005.
Resulta da conjugação dos artigos 196º e 615º do CPC que a nulidade da sentença apenas é de conhecimento oficioso se for devida à falta de assinatura do juiz e apenas enquanto for possível colher a assinatura. No mais, a nulidade da sentença não é de conhecimento oficioso: tem de ser invocada pela parte a que aproveite.
Se assim é, vigora aqui o dispositivo das partes, pelo que ao Tribunal só é lícito conhecer da nulidade nos limites dos termos da respectiva invocação, designadamente quanto à causa da nulidade de facto et de jure.
No nosso caso a parte invoca, como causa da nulidade a omissão de pronúncia sobre uma sua suposta alegação de que as correcções ao imposto deveriam traduzir-se, não em liquidações adicionais de imposto e de juros, atento o total das correcções, mas em correcções aos créditos de IVA autoliquidados, com a consequente e mera diminuição desses créditos, uma vez que, como ressuma dos autos (declarações juntas como doc. n.º 11 com a petição) nos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005 a Recorrente não auto-liquidou imposto a pagar mas, outrossim, imposto a receber do Estado. Porém, como vimos, o que ela alegou na PI, como causa de pedir do pedido de anulação das liquidações foi haver erro na quantificação da matéria tributável por via da não consideração da sua situação de credora de IVA.
Assim sendo, a alegação de omissão de pronúncia, tal como é feita, não procede. Não houve omissão de pronúncia sobre a questão que a Recorrente, desta feita, em sede de recurso, dá de barato, mas erradamente, ter sido suscitada na Petição, simplesmente por que ela não foi suscitada na Petição.
Quanto a uma omissão de pronúncia sobre a questão, suscitada na PI, de erro na matéria tributável por não consideração situação credora de IVA, vinda a referir, o tribunal não se pronuncia, por isso que tal eventual causa de nulidade da sentença não foi invocada.
Improcede, portanto, esta outra arguição de nulidade da sentença.

3ª questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de se referir ao procedimento contabilístico utilizado pela Impugnante, omitiu a selecção dessa matéria de facto relevante, como provada, designadamente a matéria constante da conclusão VIII das alegações de recurso da impugnante?
Vejamos, antes de mais, a que factos, se o forem, se refere a Recorrente:
“- Na venda inicial a Recorrente regista a débito da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pelo valor bruto do desconto, ficando a aguardar a efectivação do reembolso com o rebate.
- Na utilização do desconto em venda ulterior são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 119 (transferências de caixa) pelo valor bruto;
2. débito da conta 2434 (IVA regularizações) por contrapartida da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído);
3. o montante do IVA regularizado é calculado com base na taxa efectiva do IVA do produto transaccionado e alvo do desconto.
- Caso os vales de desconto não sejam rebatidos no prazo limite dos 38 dias para a sua utilização, são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas), anulando-se assim o lançamento inicial;
2. débito da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pela anulação do IVA estimado aquando da emissão do talão de desconto.”
Note-se, antes de mais, que a utilização de diversas subcontas da conta 718, a débito, e de divisionárias da conta 268, a crédito, estão descritas na transcrição parcial do RIT, integrante da alínea U da discriminação dos factos provados.
Embora a transcrição de uma parte do RIT não releve da melhor técnica de redacção da sentença quanto à prova de factos nele mencionados, devem considerar-se incluídos na matéria de facto julgada provada os factos nele mencionados enquanto factos verificados pelo Inspector. Tal é o que decorre dos artigos 76º nº 1 da LGT e 115º nº 2 do CPPT. Artigo 76º nº1 da LGT- “As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.”

Artigo 115º nº 2 do CPPT: “- As informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos.
Assim, considera-se que a sentença recorrida seleccionou e julgou como provado o primeiro facto supra, ou seja:
Na venda inicial a Recorrente regista a débito da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pelo valor bruto do desconto, ficando a aguardar a efectivação do reembolso com o rebate.
Quanto ao mais, e de todo o modo:
Estamos, antes de tudo, perante uma alegação de omissão de consideração de factos, na decisão recorrida, tidos como relevantes para a mesma.
Assim, cumpre começar por apreciar se efectivamente a Mª Juiz a qua deveria ter-se pronunciado sobre a prova destes factos, pois só então poderá ter ocorrido esse indevido “ignorar” de factos relevantes, que a recorrente qualifica como erro de julgamento.
Dispõe, o artigo 123º nº 2 do CPPT, que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.
Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, antes de mais, aquela que, alegada, releve para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes (artigo 5º nº 1 do CPC).
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (o direito a uma tutela jurisdicional efectiva: artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório e o recurso também quanto à solução jurídica por si preconizada.
Esta afirmação carece de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
A AT ofereceu contestação sucinta em que não alegou articuladamente qualquer matéria de facto. Portanto, em princípio, toda a matéria de facto sobre que se impunha haver pronúncia do Tribunal a quo continha-se na alegada pela Impugnante na PI.
Percorrido o articulado da Petição, verificamos que foram alegados expressamente os factos cuja não selecção agora se assaca à sentença recorrida.
Trata-se do artigo 610º:
«Em termos contabilísticos:
610. «0 procedimento conduz a que sejam efectuados os seguintes lançamentos:
• Na venda inicial:
débito da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pelo valor bruto do desconto.
O custo (descontos e abatimentos em vendas) é assim reconhecido por contrapartida de um passivo firme (credores diversos) ficando a aguardar-se a efectivação do reembolso com o rebate.
• Na utilização, ou seja, na venda subsequente:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 119 (transferências de caixa) pelo valor bruto;
2. débito da conta 2434 (IVA regularizações) por contrapartida da conta 716 (IVA) das vendas com imposto incluído);
3. o montante do IVA regularizado é calculado com base na taxa efectiva do IVA do produto transaccionado e alvo do desconto.
• Na situação de não rebate dos talões (...) em virtude de o prazo limite dos 38 dias para a sua utilização ter sido ultrapassado:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas), anulando-se assim o lançamento inicial;
2. débito da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pela anulação do IVA estimado aquando da emissão do talão de desconto.»
É fácil de entender que esta densificação do tratamento contabilístico do desconto em talão relevava para a tese, da Impugnante, de que havia IVA a rectificar a seu favor sempre que os talões fossem descontados, pelo que convimos em que se impunha uma discriminação deste facto como provado ou não provado.
A Recorrente A... S.A--- qualifica esta omissão como erro de julgamento.
Na realidade a Mª Juíza a qua simplesmente não pode ter errado no julgamento, simplesmente porque não julgou o que quer que fosse sobre estes factos, antes omitiu pronunciar-se sobre eles e a prova deles, apesar de alegados e relevantes para a decisão da causa na perspectiva da solução preconizadas pela Impugnante, pelo que qualificamos esta omissão outrossim como nulidade parcial da sentença por falta parcial de especificação de fundamentos de facto da decisão, nos termos do artigo 125º do CPPT, a qual é susceptível de determinar a sua anulação nos termos do artigo 662º nº 2 alª c) do CPC, se não for suprível nos termos do nº 1 do mesmo artigo.
Considerando, porém, que estes factos não foram impugnados pela AT e podem ser conferidos mediante consulta do RIT e dos seus anexos, acrescentá-los-emos, como provados, à decisão da 1ª Instância em matéria de facto, deste modo a alterando nos termos do citado artigo 662º nº 1 do CPC.
Em suma e em conclusão, julgamos que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão parcial da especificação dos fundamentos de facto da decisão, conforme artigo 125º nº 1 do CPPT, mas não determinamos a sua anulação, como era pedido no recurso, antes suprimos a nulidade alterando a decisão em matéria de facto mediante o aditamento, sob uma nova alínea – U.1, dos seguintes factos provados:
U-1 Na utilização do desconto em venda ulterior são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 119 (transferências de caixa) pelo valor bruto;
2. débito da conta 2434 (IVA regularizações) por contrapartida da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído);
3. o montante do IVA regularizado é calculado com base na taxa efectiva do IVA do produto transaccionado e alvo do desconto.
- Caso os vales de desconto não sejam rebatidos no prazo limite dos 38 dias para a sua utilização, são efectuados os seguintes registos:
1. débito da conta 268 (devedores e credores diversos) por contrapartida da conta 718 (descontos e abatimentos em vendas), anulando-se assim o lançamento inicial;
2. débito da conta 716 (IVA das vendas com imposto incluído) por contrapartida da conta 268 (devedores e credores diversos) pela anulação do IVA estimado aquando da emissão do talão de desconto.

4ª Questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de o próprio talão da venda inicial fazer referência ao talão de desconto e este ser igualmente mencionado no talão de venda subsequente – conforme excertos dos depoimentos das testemunhas indicadas na conclusão XIII e o anexo XI do RIT – não ter sido levada à selecção de factos provados a matéria de facto constante da conclusão XV das alegações de recurso da Impugnante?
Recordemos que factos são esses, constantes da conclusão XIII:
“- QUE a Recorrente, nas vendas que efectua, emite talão de venda com indicação dos produtos e do preço final com IVA incluído;
- QUE todo o sistema de controlo destes descontos é automatizado e informatizado;
- QUE o vale de desconto está indexado ao código de barras constante do respectivo talão de venda;
- QUE no talão de venda subsequente existe referência ao número do talão de desconto correspondente;
- QUE ficam digitalmente arquivados todos os talões processados, seja de venda, seja de desconto.”
Tal como a propósito da questão anterior, cumpre notar, antes de mais, que o primeiro facto agora em causa está abrangido pela transcrição do RIT integrante da alínea U da discriminação dos factos provados na sentença recorrida.
Depois, convir-se-á em que o segundo é um facto que decorre de tudo o mais que é descrito na referida transcrição do RIT e é um facto notório, pelo que se pode ter em consideração na decisão de direito sem que tenha de estar expressamente vertido na selecção da matéria de facto provada e relevante (alª c) do nº 2 do artigo 5º e artigo 412º nº 1 do CPC).
O terceiro (suposto) facto é uma afirmação conclusiva: não sabemos de que facto ou factos e relacionamentos de factos concretos resulta a “indexação” do “sistema” ao código de barras que figura no talão de venda. Como tal, não podia nem devia ser levado à discriminação dos factos provados.
Do quarto facto, não há correspondente alegação na PI, nem decorre da alegação do recurso ou dos autos que fosse de considerar nos termos do nº 2 a) e b) do artigo 5º do CPC, pelo que tão pouco se impunha a sua selecção.
Quanto ao quinto, e último - QUE ficam digitalmente arquivados todos os talões processados, seja de venda, seja de desconto – cumpre reconhecer que foi alegado, no artigo 616 da Petição, um facto que o abrange:
«616. Acresce que, tanto no caso deste tipo de desconto, como no do "desconto artigo", ficam arquivados fotograficamente todos os talões processados - o que possibilita uma auditoria reconstitutiva completa das operações efectuadas.»
Considerando que aquele facto não foi impugnado e se harmoniza com a descrição feita no RI, acrescentamo-lo, como provado, à decisão em matéria de facto, deste modo a alterando nos termos do citado artigo 662º nº 1 do CPC.
Em suma, julgamos a sentença recorrida nula por omissão parcial da especificação dos fundamentos de facto da decisão, conforme artigo 125º nº 1 do CPPT, mas não determinamos a sua anulação, como era pedido no recurso, antes suprimos a nulidade alterando a decisão em matéria de facto mediante o aditamento do seguinte facto provado:
U-2: ficam digitalmente arquivados todos os talões processados, seja de venda, seja de desconto.

5ª Questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de resultar expressamente do RIT, bem como dos depoimentos das testemunhas indicadas na conclusão XXVII das alegações de recurso da Impugnante e, de todo o modo, ser um facto publico e notório – não levou à discriminação da matéria de facto julgada provada que a recorrente se dedica ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais – híper e supermercados – vendendo essencialmente, em cerca de 99%, a consumidores finais?

Estamos mais uma vez perante a alegação, antes de mais, de uma omissão de selecção, como relevantes, de factos tidos como tais pela parte, a saber, que a recorrente se dedica ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais; e que, nessa actividade, as vendas a consumidores finais representam cerca 99%, das duas vendas.
Percorrida a PI, vemos que o facto de que a Impugnante se dedica ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais é alegado directamente em dois artigos, designadamente:
“234 - 234. Como referido no intróito do presente articulado, a Impugnante dedica-se, de há décadas, à actividade do grande retalho”.
“588 – (…) as empresas do sector do grande retalho - onde a Impugnante se insere - viram-se na contingência de criar novas formas de desconto”.
Já a afirmação de que cerca de 99% das vendas são feitas a consumidores finais contém uma dimensão conclusiva que lhe retira a susceptibilidade de ser objecto de prova. O que deveremos entender como sendo cerca de 99%? Qualquer percentagem entre 99 e 100? 98 virgula muito ou virgula pouco por cento? Porque não 97% - uma vez que também fica cerca, isto é, perto, de 99%?
No artigo 676 da PI, a propósito da alegação de que não se coloca sequer a questão do reembolso por que só os sujeitos passivos de IVA é que têm direito a dedução do IVA pago nas suas aquisições, a Impugnante foi mais concreta:
676. e como na esmagadora maioria das vezes (mais de 99%) os clientes são consumidores particulares, obviamente que estes não deduzem. porque, como é óbvio, não podem deduzir, o IVA que lhes é liquidado nas compras que efectuam”.
Mais de 99% já indica uma percentagem entre 99, inclusive, e 100, exclusive. Mas não é a omissão da consideração deste concreto facto, se não daquela conclusão, que a impugnante alega como “erro de julgamento” e causa de anulação da sentença nessa parte.
Assim, tal alegação improcede.
A outra proposição alegadamente ignorada tem por objecto um facto e é manifesta a sua relevância para a solução da lide propugnada pela Impugnante, pois o que esta sustenta é que não é aplicável in casu o nº 5 do artigo 71º do CIVA (78º do actual) porque os beneficiários do desconto em talão são consumidores finais e aquela norma só se aplicaria a sujeitos passivos: com direito a dedução, portanto.
Assim, a pronúncia sobre a prova ou não prova do facto de que a recorrente se dedica ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais devia integrar a fundamentação de facto da sentença recorrida.
Interpretamos, porém, a alínea U da fundamentação de facto, no sentido de que, embora transcreva apenas parte do RIT, a afirmação da sua emissão, com indicação da sua localização no processo, não deixa de se referir a todo ele, mesmo na parte não transcrita.
Ora, efectivamente o RIT contém, no capítulo “II - 3 – 1 caracterização da empresa” a informação de que o “objecto social da Impugnante é o comércio a retalho em supermercados e hipermercados, a que corresponde a CA E7111”.
Visto o que acima dissemos quanto à valia das informações constantes do RIT como menção da prova de factos relevantes, concluímos que não há omissão de selecção, para a matéria de facto relevante e provada, do facto de que a Impugnante “se dedica ao comércio a retalho em grandes superfícies comerciais – híper e supermercados”.
Nestes termos conclui-se que não procede a alegação de falta de discriminação como provados, dos sobreditos dois factos.

6ª questão
Incorreu, a sentença recorrida, em erro no julgamento em matéria de facto – a implicar a sua anulação – na medida em que, apesar de isso resultar das inquirições das testemunhas mencionadas na conclusão XXX, designadamente dos excertos transcritos no ponto 105 das alegações de recurso da Impugnante, bem como do anexo XI do RIT, não levou à selecção da matéria de facto provada que, nos casos excepcionais de vendas a sujeitos passivos, estes têm todas as condições para regularizarem a favor do Estado o IVA que inicialmente tenham deduzido a mais, uma vez que: i) têm pleno conhecimento da factura inicial, que lhes foi entregue; ii) têm pleno conhecimento do talão de desconto que lhes foi concedido; iii) têm pleno conhecimento de qual foi a factura inicial que propiciou esse desconto, e; iv) têm, obviamente, pleno conhecimento da redução propiciada pelo desconto?
Também aqui cumpre notar que estamos, antes de tudo, perante uma alegação de omissão de consideração de factos, na decisão recorrida, tidos como relevantes para a mesma, de onde se seguem A... S.A consequências lógico-jurídicas que enunciámos em geral a propósito da questão 3ª.
Há, portanto e antes de mais, que verificar se e em que medida se trata de factos e de factos de algum modo alegados ou atendíveis nos termos do nº 2 do artigo 5º do CPC.
Ora, que os sujeitos passivos de IVA, adquirentes de bens e utilizadores dos talões de desconto, têm todas as condições para regularizarem a favor do Estado o IVA que inicialmente tenham deduzido a mais, é uma conclusão que versa sobre os factos restantes. Portanto, o objecto de tal proposição não podia nem devia ser seleccionada como facto provado ou não provado.
Também envolve uma conclusão a afirmação de que os sujeitos passivos compradores na venda inicial e utilizadores do talão de desconto “têm pleno conhecimento da redução propiciada pelo desconto”, porque o intérprete da alegação fica sem saber a que redução se refere a proposição: à redução do preço da venda inicial ou à redução da venda subsequente, em que é utilizado o talão? Portanto trata-se de uma proposição insusceptível de prova, pelo que não podia nem devi ter sido levada aos facos provados.
Quanto às restantes três proposições (têm pleno conhecimento da factura inicial, que lhes foi entregue; têm pleno conhecimento do talão de desconto que lhes foi concedido; iii) têm pleno conhecimento de qual foi a factura inicial que propiciou esse desconto, quid juris?
A alegação foi feita na Petição, designadamente, nos artigos 668 a 670ª e repetida no 705º.
« 668. Com efeito, tais sujeitos passivos têm pleno conhecimento da factura inicial, que lhes foi entregue;
669. têm pleno conhecimento do talão de desconto que lhes foi concedido:
670. têm pleno conhecimento de qual foi a factura inicial que proporcionou esse desconto».
705. Como se disse, aqueles sujeitos passivos têm pleno conhecimento da factura inicial que lhes foi passada; têm pleno conhecimento do talão de desconto que lhes foi concedido; têm pleno conhecimento de qual foi a factura inicial que propiciou esse desconto; (…)»
A menção, como provados, destes factos, atento o contexto em que é feita, mostra-se desnecessária para a decisão da causa, mesmo no ponto de vista da impugnante, pois não se trata de mais do que presunções ou ilações que a parte, acertadamente ou não - retira de factos já alegados e mencionados na matéria de facto provada, directamente ou no RIT, designadamente que ao comprador sujeito passivo que intervenha nessa qualidade é passada e entregue factura da venda inicial (em vez de talão de venda inicial) e da subsequente e, também lhe é entregue, enquanto adquirente, o talão de desconto condicional e diferido aqui em causa.
Como assim, também improcede, esta outra alegação de omissão de matéria de facto provada, bem como o conexo pedido de anulação da sentença.

7ª Questão
Incorre, a sentença recorrida, em erro de julgamento em matéria de direito, ao fundamentar a validade das correcções – na parte ora recorrida – no disposto no artigo 71º nº 5 do CIVA (nas numeração e redacção vigentes em 2005) quando esta norma só dispõe sobre transacções entre sujeitos passivos – não entre o sujeito passivo e o consumidor final – conforme resulta da sua ratio legis que consiste em evitar evasão fiscal (por parte dos sujeitos passivos, já que só estes têm direito a dedução) entendimento que é sancionado pelos pareceres, junto aos autos, dos Profs. António Carlos dos Santos e Xavier de Basto e que já subjazia ao Ofício Circulado nº 6322 da DSIVA de 1986, segundo o qual o regime das regularizações de IVA consagrado no artigo 71.º do CIVA tem aplicação «(...) para o caso específico em que a transacção se realiza entre dois sujeitos passivos de imposto (fornecedor e adquirente sujeito passivo.)»?
Cumpre começar por notar que do citado ofício circulado não consta nem resulta a adopção de qualquer auto-vinculação da AT no sentido de o nº 5 do artigo 71º do CIVA apenas ser aplicável a rectificações de IVA pago a mais em transacções entre sujeitos passivos (já não a transacções entre um sujeito passivo e o consumidor final).
Tudo o que ali se supõe é que quem pode rectificar o imposto anteriormente liquidado é quem o liquidou, ou seja, o sujeito passivo, pois só este liquida IVA.
O consumidor final, não é destinatário da norma, por isso que não liquida IVA, apenas o paga, pelo que tão pouco o pode rectificar. Porém, pode e deve beneficiar da rectificação mediante o reembolso, pelo sujeito passivo, do IVA entregue a mais.
O discurso de fundamentação de direito da sentença recorrida, visado pela alegação do recorrente que resulta nesta questão, reside no seguinte excerto:
«Também não procede o argumento invocado pela impugnante no sentido de que o artigo 71.°, n.° 5, do Código do IVA apenas é aplicável a sujeitos passivos de imposto, e não a consumidores finais, sendo que a maioria dos clientes da impugnante são consumidores finais.
Antes de mais, impõe-se clarificar que o IVA é liquidado pelo operador económico vendedor (sujeito passivo) e transmitido - para ser suportado - ao particular adquirente (consumidor final) através da sua inclusão no preço dos bens e serviços que lhe são oferecidos (repercussão).
Em primeiro lugar, no n.° 5 do artigo 71.° o legislador refere-se ao “sujeito passivo” a propósito da regularização e a “adquirente” a propósito do conhecimento da rectificação ou do reembolso, pelo que da letra da lei resulta que com o termo “adquirente” o legislador pretendeu abranger não só os sujeitos passivos de imposto mas também os consumidores finais; de contrário, referiria “sujeito passivo”, e não “adquirente”, como o fez na primeira parte da norma.
Em segundo lugar, se o artigo 226.° da Directiva IVA impõe a menção do IVA nas facturas que os operadores emitam e entreguem aos respectivos clientes, logicamente que também a estes deve ser dado conhecimento da rectificação ou do reembolso de imposto.
Em terceiro lugar, a finalidade primeira que está na base do carácter formalista do IVA - formalismo que se manifesta naquela exigência da prova do conhecimento da rectificação ou do reembolso - é a prevenção da evasão fiscal, sendo que a referência daquela exigência relativamente aos consumidores finais se justifica, desde logo, por exemplo, numa situação em que o sujeito passivo que pretende simular uma devolução de mercadoria por parte do cliente para efectuar a regularização do IVA a seu favor, caso em que aquela exigência intensifica o controlo sobre estas situações, evitando-as, na medida em que para a simulação seria necessário o conluio do consumidor final.
Finalmente, em quarto lugar, e reportando-nos à situação específica do caso em apreço, se o consumidor final suportou IVA a mais na primeira aquisição, a regularização do IVA em virtude de um desconto posterior implica, necessariamente, um reembolso a favor daquele, com o que se impõe que o sujeito passivo prove o conhecimento dessa situação por parte do mesmo.
Acrescentamos ao clarividente discurso da Mª Juiz a qua o seguinte:
Não fazendo, o legislador, tal distinção, não cabe ao intérprete faze-la. Nem a mesma se torna necessária em ordem a uma razoabilidade da disposição em causa, pois quem opera a rectificação é sempre um sujeito passivo interveniente como vendedor.
Aliás, o adquirente consumidor final, embora não possa deduzir IVA, sempre terá o interesse de reaver a parte de imposto apenas putativamente devida, cujo meio de pagamento lhe pertence e estará, afinal, indevidamente na posse do sujeito passivo que tiver procedido à rectificação, pelo que a norma do nº 5 do artigo 78º do CIVA não perde sentido nem objecto possível e útil quando se trate da redução do valor de uma venda ao consumidor final.
Concluindo, a resposta à presente questão é negativa.

8ª Questão
Ao sancionar a interpretação e uma aplicação, pela Administração Fiscal, dos sobreditos artigos 16º nº 6 alª b) e 71º nºs 2 e 5 do CIVA, que cria um obstáculo formal ao exercício do direito à dedução, despido de sentido útil, a sentença recorrida contende com a neutralidade do Imposto em relação às diversas áreas económicas, divergindo, assim, da jurisprudência do TJUE, nomeadamente, dos acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.º 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. l-1, n.º 15, e Gabalfrisa n.º 44.
O objecto da critica desta questão é redutível aos seguintes excertos da sentença recorrida:
«Do “IVA indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de talões de desconto e de vales de combustível como meio de pagamento”
Relativamente a este ponto, conforme resulta do relatório de inspecção tributária, a Administração Tributária entendeu que, considerando a impugnante que o desconto que tem por base um vale - a cujo valor nominal/facial equivale - por si emitido e entregue gratuitamente aos seus clientes numa compra inicial de determinados produtos retroage ao momento dessa compra - não se efectivando numa compra ulterior, em que aceita do cliente aquele vale -, ocorre uma correcção da base tributável da transacção anterior aquando da utilização do vale, pelo que a impugnante só pode regularizar o IVA liquidado na compra inicial quando “tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto”, nos termos do n.° 5 do artigo 71.° do CIVA. Não dispondo a impugnante de tal prova no caso em apreço, a Administração Tributária considera indevida a respectiva dedução.
Contrapõe a impugnante que os descontos são reportados e imputados à compra inicial mas só quando são rebatidos numa compra subsequente é que o IVA é deduzido, não sendo aplicável ao caso o artigo 71.°, n.° 5, do CIVA, o qual está previsto para situações de rectificação do valor tributável de uma operação ou do respectivo imposto, estando os descontos em causa excluídos do valor tributável das transmissões de bens, nos termos do artigo 16.°, n.° 6, alínea b), do Código do IVA.
Vejamos.
Importa analisar as operações em causa de modo a aferir se a impugnante deduziu o IVA indevidamente, o que implica saber, antes de tudo, se é aplicável ao caso a norma do n.° 5 do artigo 71.° do Código do IVA, norma esta na qual assentou a Administração Tributária para concluir pela dedução indevida de IVA e cuja aplicabilidade ao caso é contestada pela impugnante.
Nos termos do n.° 1 do artigo 44.° do Código do IVA, na redacção aplicável ao caso, “A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controlo, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto. ” Para o efeito, as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo deverão ser objecto de registo - cfr. n.° 2, alínea a), do mesmo artigo. Tal registo deverá ser efectuado após a emissão das correspondentes facturas ou documentos equivalentes - cfr. n.°s 1 e 2 do artigo 45.°. Do n.° 2 do artigo 71.° decorre que “Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45°, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável (...) pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço poderá efectuar a dedução do correspondente imposto (...). ” Acrescenta o n.° 5 que “Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.”
Em suma, do quadro legal exposto retira-se, com relevância para a decisão da questão em apreço, que se, depois de efectuado o registo das transmissões de bens efectuadas pelo sujeito passivo (após a emissão das correspondentes facturas ou documentos equivalentes), for reduzido o valor tributável da operação pela concessão de descontos, o mesmo sujeito passivo (fornecedor do bem) pode efectuar a dedução do correspondente imposto mas apenas quando tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução. adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.
Retornemos ao caso em apreço.
Como resulta da matéria assente:
a) ao longo do ano de 2005, a impugnante concedeu aos seus clientes, pela compra de determinados produtos - sobre a qual incidia IVA -, vales cujo valor nominal equivalia a uma percentagem do valor da compra ou a um valor fixo, sem identificação do beneficiário, para serem utilizados como meio de pagamento numa compra subsequente em intervalo de tempo previamente estipulado; retornemos ao caso em apreço.
Como resulta da matéria assente:
a) ao longo do ano de 2005, a impugnante concedeu aos seus clientes, pela compra de determinados produtos - sobre a qual incidia IVA -, vales cujo valor nominal equivalia a uma percentagem do valor da compra ou a um valor fixo, sem identificação do beneficiário, para serem utilizados como meio de pagamento numa compra subsequente em intervalo de tempo previamente estipulado;
(…)
d) aquando da transacção inicial, a impugnante liquida IVA de acordo com as diferentes taxas aplicáveis a essa transacção sobre o valor total da compra; aquando da (e só com a) utilização pelos clientes dos vales como meio de pagamento numa transacção posterior, a impugnante regulariza a seu favor o IVA que considera estar contido no valor do vale (emitido na compra inicial), ou seja, às taxas de imposto aplicáveis aos produtos adquiridos inicialmente.
Subsumindo esta factualidade ao direito aplicável, temos que, depois de efectuado o registo da primeira compra, o seu valor tributável foi reduzido pela concessão de um desconto nos seguintes termos: com a primeira compra, é emitido um vale a conceder ao portador do mesmo um crédito que funciona como um desconto a efectivar numa segunda compra mas por referência à primeira; quer dizer, o adquirente “sente” o desconto na segunda compra - pela qual paga a menos o valor do desconto - embora o mesmo seja efectuado à primeira compra, ou seja, a impugnante trata o desconto imputando-o à primeira compra, imputação essa que é evidenciada não só pelo tratamento contabilístico da operação como também pela circunstância de a mesma pretender regularizar o IVA relativamente a essa mesma operação.
(…)
A este propósito, note-se que, não obstante a impugnante alegar na p.i. que “a venda inicial é registada contabilisticamente já com o desconto concedido ab initio" para daí retirar que não há qualquer correcção ao valor tributável da primeira operação, esse tratamento contabilístico não coincide com a materialidade das operações, na medida em que, como resulta assente, aquando da transacção inicial, a impugnante liquida IVA de acordo com as diferentes taxas aplicáveis a essa transacção sobre o valor total da compra, ou seja, como se não houvesse desconto, tanto mais que, como a própria reconhece, se o desconto não for utilizado numa segunda compra, tudo se passa como se não houvesse desconto. Assim, importa deixar claro que o tratamento contabilístico dado pela impugnante não prevalece sobre a materialidade das operações e o seu tratamento documental considerando o carácter formalista do IVA com vista a evitar a evasão fiscal.
Concluindo-se que, depois de efectuado o registo da primeira compra, o seu valor tributável foi reduzido pela concessão de um desconto, estão verificados os pressupostos legais de aplicação da norma do n.° 5 do artigo 71.° do Código do IVA, pelo que falece razão à impugnante quando defende a inaplicabilidade ao caso de tal normativo.
Ao contrário do que defende a impugnante, a tal aplicabilidade não obsta o disposto na alínea b) do n.° 6 do artigo 16.° do Código do IVA uma vez que esta norma exclui do valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto os descontos, abatimentos e bónus concedidos e efectivados prévia ou simultaneamente à realização da operação. Ora, no caso, estamos perante descontos efectivados após a realização e o registo da primeira operação, o que, como se disse, conduz à modificação Sublinhado nosso
do valor tributável da mesma, nos termos do n.° 5 do artigo 75.° do Código do IVA.
(…)
Importa agora aferir da verificação da condição aí prevista para a efectivação da dedução do imposto, de modo a apurar se a mesma foi indevida, como defende a Administração Tributária, o que implica saber se ficou provado o conhecimento por parte do adquirente da rectificação operada ou do reembolso do imposto.
E também neste ponto, a tese da impugnante cai por terra. Efectivamente, como resulta da matéria assente, os vales de desconto emitidos aquando da transacção inicial não contêm a identificação do beneficiário, são títulos ao portador que, como tais, podem ser utilizados por qualquer pessoa diferente da que efectuou a compra inicial, caso em que não há reembolso (nem, muito menos, conhecimento do mesmo) nem conhecimento da rectificação por parte do adquirente da compra inicial na medida em que o beneficiário do desconto não coincide com o adquirente na transacção inicial em que foi “gerado” o desconto. Efectivamente, a emissão de talões de desconto ao portador não permite à impugnante controlar se os mesmos são utilizados pelo adquirente da compra inicial e, caso assim não seja, como se disse, não é dado conhecimento ao mesmo da rectificação nem do reembolso, podendo. Por conseguinte, daqui se retira que a impugnante não tem na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, razão pela qual, nos termos da parte final do n.° 5 do artigo 71° do Código do IVA, a respectiva dedução se considera indevida.
Nem se diga, como o fez a impugnante, que a exigência da prova do conhecimento viola o princípio da proporcionalidade pois que para o cumprir, bastaria à impugnante emitir talões nominativos fazendo constar dos mesmos o conhecimento da rectificação ou do reembolso, em vez de os emitir ao portador.»
A análise e a critica, em todas as frentes do argumento da Impugnante, da não aplicabilidade, in casu, do nº 5 artigo 71º por virtude do artigo 16º nº 6 alª b), feita na sentença recorrida, mostra-se bem fundamentada, sem fragilidades, de maneira que, sem prejuízo da consideração que nos merecem os académicos autores dos pareceres juntos, merece que a confirmemos.
Cumpre, entretanto, acrescentar o seguinte:
Convir-se-á em que, à luz da invocada jurisprudência do TJUE, provado que fosse o conhecimento, por cada adquirente de cada compra inicial, da rectificação por outras vias que não uma prova detida pelo sujeito passivo, a exigência desta resultaria prejudicada e desnecessária para se aceitar a rectificação Sobre o sentido, o alcance e os limites do nº 5 do artigo 71º do CIVA no contexto do IVA como Imposto da União Europeia, nomeadamente em função do desígnio de neutralidade fiscal e do direito à dedução, veja-se o Ac. deste TCAN de 17/12/2020 no processo 105/2001 – Porto, publicado em www.dgsi.pt.
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Porém, a realidade com que desta feita nos deparamos é a de uma impossibilidade, pela natureza das coisas, não só de a Impugnante deter, como de se fazer, a posteriori, essa prova: daí que a Recorrente sustente não ser aplicável o nº 5 do artigo 71º do CIVA, embora se quera valer do nº 2 do mesmo artigo.
Sucede que essa impossibilidade prática não decorre do nº 5 do artigo 78º do CIVA, mas antes do, pelo menos, peculiar tratamento contabilístico dado, pela Recorrente aos talões de desconto.
Vejamos:
Em termos reais, isto é, do que acontece no mundo das coisas (abstraindo, agora do tratamento contabilístico que a Impugnante deu aos respectivos talões) o desconto só acontece “de certeza”, em valor “determinado” e a favor de um “cliente determinado”, se e quando o talão é apresentado na efectuação de uma compra logicamente posterior à que causou a emissão e a entrega do talão.
Note-se bem: dada a natureza não nominativa do talão, o sujeito beneficiário desse desconto pode ser ou não ser o cliente que efectuou a compra “inicial”.
Quer dizer, por muito que a Impugnante refira estes descontos como descontos diferidos no tempo mas relativos à compra inicial e, portanto, redutores da mesma enquanto facto tributário objecto de IVA, ainda que sob as condições suspensiva da utilização do talão e resolutiva de essa utilização ocorrer em determinado prazo, na realidade, quem vai beneficiar do desconto – o qual, note-se também, só será verdadeiramente desconto se restar ainda algo a pagar – é a indeterminada e indeterminável pessoa que for portadora do talão e o apresentar em nova compra, pelo que real e economicamente o contrato de compra e venda objecto de desconto certo e determinado é a compra subsequente: não a inicial.
Assim, é forçoso denotar a natureza algo especulativa do tratamento contabilístico dado, pela Impugnante, aos descontos em talão.
Se o tratamento contabilístico assumisse – em vez de se desfasar dela, quiçá para efeitos de alguma vantagem fiscal – a realidade de que o desconto só acontece historicamente com a utilização do talão e na compra em que ele é utilizado, não se acharia, a Impugnante, na alegada necessidade de recorrer ao regime da regularização do imposto pago (regime utilizado por, como diz, não haver alternativa), pois o artigo 16º nº 6 alª b) do CIVA actuaria sem mais, excluindo ab initio da tributação a parte descontada do preço da compra sucessiva, de maneira que o valor do IVA liquidado e cobrado na venda subsequente, seria ab initio e sempre o devido, o mesmo se passando com o liquidado e cobrado na venda inicial (sobre que não teria incidido, assim, qualquer desconto) nada havendo, portanto, a rectificar.
Na verdade, a impugnante coloca-se deliberadamente na situação de ter de corrigir o IVA liquidado na compra inicial, nos termos do artigo 71º nº 2 do CIVA (hoje 78º) como se de uma redução do preço dessa se tratasse, mas depois não quer sujeitar-se ao requisito formal exigido pelo nº 5 desse artigo para que seja admissível essa regularização. Alega que só recorre à regularização nos termos deste artigo porque não há outra vial legal, mas aí parece esquecer que foi ela mesma quem criou a “perplexidade” ao afastar-se de um tratamento contabilístico mais próximo de uma realidade bem mais simples do que aquela que a sua “interpretação” contabilística representa, e que a neutralidade do IVA estaria plenamente assegurado se o desconto tivesse sido contabilizado relativamente à venda sucessiva, única que – como a Impugnante desde sempre soube – poderia ser objecto de desconto actual e determinado.
Enfim, dando de barato que este tratamento contabilístico ainda se compreende na autonomia do sujeito passivo para organizar a sua contabilidade em função do que cuidar ser a melhor gestão fiscal, dir-se-á apenas que a Impugnante tem de assumir as consequências jus-fiscais disso: não pode querer “o melhor de dois mundos” que se excluem: o mundo do artigo 71º (regularização do IVA liquidado a mais) e o mundo do artigo 16º nº 6 alª b) (exclusão dos descontos da incidência de IVA).
É certo que no nosso caso a Impugnante se vê na impossibilidade prática de comunicar e provar que comunicou a cada um dos consumidores – e até aos mais ou menos residuais sujeitos passivos compradores – beneficiários do “desconto” formalmente imputado à compra inicial, a rectificação, para menos, do valor do IVA liquidado inicialmente. Mas também o é que foi a Impugnante quem se colocou deliberadamente nessa situação. No mínimo, não era forçoso tratar tão especiosamente o desconto em talão.
Note-se que, sendo o desconto imputável à venda subsequente, poderia não haver, sequer, desconto subsumível ao artigo 16º nº 6 do CIVA – bastaria que o portador do talão de desconto fizesse compras apenas no valor do talão ou em valor inferior. Com efeito, para haver desconto, e não uma transmissão gratuita, é mister que algum preço seja devido. Quiçá foi para garantir a aplicabilidade daquela norma de não incidência que a Impugnante optou por imputar o desconto à venda inicial. O certo é que é desta opção, não da Lei ou da interpretação que dela fizeram a AT e o Tribunal a quo, que resulta a impossibilidade de “rectificar” o IVA liquidado a mais.
Não se diga que não havia devolução ou reembolso a comunicar porque a mesma é conhecida e a devolução do IVA pago a mais pelo consumidor acaba operada mediante a consumação do desconto no momento da compra subsequente, o qual inclui o IVA proporcional da compra inicial.
Mais uma vez a Impugnante recorre a um tratamento especulativo da realidade, pois não só dá como facto algo que não é mais do que uma sua conclusão jurídica – que o desconto inclui a devolução proporcional do IVA às taxas aplicadas na compra inicial – como parece ignorar que, não sendo o talão nominativo, como não é, o consumidor adquirente na compra inicial pode não vir a ser o beneficiário desse desconto diferido e condicional.
Efectivamente, a ter sido o desconto em talão referido, também contabilisticamente, à compra e ao comprador sucessivo, em que efectivamente relevou, nada haveria a regularizar no direito à dedução.
Note-se: a perplexidade assim artificialmente gerada acaba por demonstrar convincentemente como tem sentido a blindagem formalística (não formalista) com que o legislador comunitário se tem esforçado cada vez mais por dotar o IVA, em ordem não só à despistagem como também a dissuasão, não só da evasão como mera da elisão fiscal, blindagem de que seguramente é uma afloração a exigência plasmada no sobredito nº 5.
Quanto à suposta falta de neutralidade, desta feita do IVA em discussão, ela é, bem vistas as coisas, uma quimera em quimera baseada, pois resulta exclusivamente da “construção” contabilística gizada pela Impugnante. Como já dissemos, se o desconto em talão fosse tratado na contabilidade como relativo aos sujeitos e ao objecto venda subsequente, aliás, de acordo coma realidade económica e histórica, nada haveria a regularizar fiscalmente.
Mais: atenta a realidade prévia ao tratamento contabilístico da Impugnante, julgamos que é precisamente pela impossibilidade prática de provar que os por si considerados beneficiários dos descontos em talão tomaram conhecimento da rectificação IVA nas compras iniciais, que se realiza o desígnio do legislador comunitário e se respeita, em concreto, a invocada jurisprudência do TJUE no sentido de o IVA ser um imposto neutro relativamente à actividade económica e de se assegurar, sempre que comprovado, o exercício do direito à dedução. Com efeito tudo se passa, ao fim e ao cabo, e quanto ao IVA a cargo do sujeito passivo, aqui impugnante e recorrente, como se não tivesse incidido desconto algum sobre as vendas iniciais, como de facto, na realidade económica pré-contabilidade, não incidiu.
Embora não tenham sido invocados, na fundamentação dos actos impugnados, nem os seus pressupostos de facto estejam provados, não é despropositado lembrar, a este propósito, como indicador de quanto o Legislador fiscal presa a realidade material dos factos tributariamente relevantes, o que já dispunha o nº 2 do artigo 38º da LGT, na redacção que vigorava em 2005:
São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Enfim, modo nenhum é falha de sentido e utilidade a exigência de a Impugnante cumprir, in casu, com a exigência, de natureza formal, do nº 5 do artigo 71º (hoje nº 78º) do CIVA para poder regularizar o IVA que entende liquidado a mais nas vendas que deram origem, em 2005, a talões de desconto efectivamente utilizados em compras subsequentes, pelo que improcede a alegação de erro de julgamento de direito, na sentença recorrida por ter sancionado, com indevida aplicação do nº 5 do artigo 71º do CIVA (hoje 78º), uma interpretação da Lei nacional que incompatível com a neutralidade do Imposto em relação às diversas áreas económicas, e com a citada jurisprudência do TJUE.
Pelo exposto, a reposta à questão supra enunciada é, em suma, a seguinte: o nº 5 do artigo 71º do CIVA (actual artigo 78º nº 5) era aplicável à pretensão de regularização operada pela impugnante relativamente aos IVA liquidado nas vendas iniciais que deram causa à emissão de talões de desconto efectivamente utilizados em compras sucessivas pelos clientes da Impugnante, pelo que, com tal fundamento, o recurso não procede.

Conclusão:
Da resposta para as sobreditas questões resulta que o recurso da Impugnante também improcede.

Segue-se, da improcedência de ambos os recursos, a confirmação de todo o dispositivo da sentença recorrida.

V – Custas
Da improcedência de ambos os recursos resulta que as custas destes ficam a cargo do respectivo recorrente.

Quanto às custas da 1ª Instancia resulta que fica intacto o ali decidido também quanto a essa matéria, nada havendo, aqui, a ser disposto.

Considerando que é notável a extensão das peças processuais apresentadas pela Impugnante (entre elas uma petição inicial com praticamente mil artigos e uma alegações de recurso com 267 parágrafos e 70 extensas “conclusões” em 94 páginas) – por um lado – que – por outro – a conduta processual da mesma partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e que, por fim, o concreto valor das custas a suportar por ela, atento o decaimento total no seu recurso, se mostra desproporcionado, entendemos que se justifica dispensá-la de parte do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

Assim, pagará, a Recorrente A... S.A---, de taxa de justiça devida pelo seu recurso, ainda mais 20 UCs relativamente ao que já auto-liquidou e pagou. Quanto ao mais que remanesceria da aplicação do nº 2 do mesmo artigo 7º, vai dispensada.
Considerando a bem menor extensão das peças processuais apresentadas pela Recorrente AT e bem assim a sua adequada conduta processual, bem como o concreto valor das custas a suportar por esta parte no decaimento total no seu recurso, valor que se mostra desproporcionado, entendemos que se justifica a dispensa da totalidade do remanescente o da taxa de justiça devida pelo seu recurso, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Como assim, vai a recorrente AT dispensada do pagamento de todo o remanescente da Taxa de Justiça devida pelo seu recurso.

VI – Dispositivo

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento a ambos os recursos.

Custas de cada recurso pelo respectivo recorrente, com dispensa parcial e dispensa total do remanescente da taxa de justiça, respectivamente, nos ternos acima especificados.

Porto, 19/5/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Maria Santos da Nova
Cristina Travassos Bento