Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00681/10.7BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/29/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTRATO DE CONCESSÃO MUNICIPAL DE SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA DOMILICIÁRIA E CAPTAÇÃO E TRATAMENTO DE EFLUENTES– DECISÃO ARBITRAL:
- INCUMPRIMENTO DOS ÓNUS IMPUGNATÓRIOS DA MATÉRIA DE FACTO- INVALIDADE DO CONTRATO DE CONCESSÃO- ERRO NA DECLARAÇÃO- PRINCÍPIO DA CONFORMIDADE DO CLASULADO CONTRATUAL ÁS PEÇAS DO PROCEDIMENTO- FALTA DE FIM PÚBLICO
Sumário:1-É nas conclusões de recurso que se define o objeto do recurso e se delimita o “thema decidendum” a que o Tribunal ad quem se encontra adstrito, não podendo conhecer de questões não suscitadas que não tenham sido identificadas nas conclusões de recurso, exceto se estas forem do conhecimento oficioso do Tribunal.

2-Tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se -impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, o porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.

3-O art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

4-Impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”.

5-Não cumpre manifestamente o ónus previsto na al.a) n.º1 do art.º 640.º do CPC, a invocação na conclusão 5.ª das alegações de recurso que o tribunal recorrido «julgou com flagrante erro e contradição, em, pelos menos, alguns pontos de facto determinantes (como resulta dos documentos acima citados, e das gravações dos depoimentos, transcritas, e gravações mencionadas): ...»
6- Com a celebração de um contrato de “concessão de serviço público”, a Administração Pública confere temporariamente a uma entidade privada os poderes bastantes de que aquela necessita para explorar um serviço público, sob fiscalização do concedente, durante o prazo estipulado, incluindo os investimentos necessários para a sua manutenção, e a entidade concessionária atua por sua conta e risco, como se fora o concedente, sendo remunerada por meio de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes ou consumidores do respetivo serviço público.

7- Sendo a concessão de serviço público um contrato administrativo de colaboração e com objeto passível de ato administrativo, considerando a data da sua celebração- 30/12/2004- o mesmo encontra-se sujeito ao regime de invalidade estabelecido no artigo 185.º, n.ºs 2 e 3 do CPA, na redação ao tempo vigente e ao regime do D.L.379/93.

8-O princípio geral em matéria de invalidade do contrato administrativo é o de que ele será nulo ou anulável, quando de acordo com os princípios do direito administrativo, o mesmo constitua, pela sua autoria, procedimento, forma, pressupostos, conteúdo ou fim, uma violação de exigências legais ou regulamentares a que a Administração estivesse normativamente sujeita nessa matéria.

9- Não há erro na declaração de vontade da Concessionária ao subscrever o Contrato de Concessão, quando se constata que as alterações que foram introduzidas no clausulado do contrato de concessão foram discutidas entre as partes, num clima de negociação sem percalços, de confiança mútua entre as partes, e durante um período de tempo dilatado, em que o Concedente teve a possibilidade de recorrer a apoio técnico especializado e não o fez, quando não podia ignorar que os seus serviços não estavam particularmente habilitados a seguir a conclusão de um contrato com tanta complexidade, pelo que, só pode concluir-se que considerou estar em condições de outorgar o referido contrato de concessão cujas alterações lhe foram explicadas, sendo de notar que pese embora a elevada complexidade técnica de realidades como o Caso-Base e a TIR acionista, as mesmas não são ininteligíveis e, no que concerne à questão do aumento de taxas, o facto de no respetivo anexo se falar em “tarifário restruturado” não impedia a compreensão de que nesse capítulo se estava a operar uma alteração do tarifário em face do que resultaria das peças do procedimento do concurso e da proposta adjudicada.

10- Deve existir uma correspondência genérica do conteúdo normativo do contrato com as peças do procedimento, para que não se ponha em crise “a função paramétrica do CE”. Este princípio, na altura, não estava positivado, mas conhecia já alguns afloramentos no artigo 14.º, n.º3 do DL 197/99 de 08/06 e alíneas e) e f) do n.º1 do artigo 40.º do CPTA( embora sobre a legitimidade de terceiros para impugnarem o contrato). Atualmente tem previsão expressa no artigo 99.º. n.º 2 do CCP.

11- De acordo com o quadro legal então vigente, todas e quaisquer alterações ou ajustamentos introduzidos ao conteúdo dos contratos abrangidos pelo artigo 14.º do DL 197/99, na fase pós-adjudicatória, em cláusulas que não fossem meramente acessórias e em que o único beneficiário não fosse a entidade adjudicante, não eram legalmente admissíveis. Não assim, a partir da entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, que consagrou expressamente o princípio da conformidade ou da adequação do clausulado contratual às peças do procedimento de adjudicação, nos termos previstos no artigo 99.º.

12-O DL 197/99 aplicava-se aos contratos relativos à locação e aquisição de bens móveis e de serviços (art.º 1), e apenas subsidiariamente aos demais contratos, e com as devidas adaptações. Sendo assim, tendo em conta as profundas diferenças entre aqueles contratos e os contratos de concessão de serviço público, as devidas adaptações a efetuar para a sua aplicação subsidiária recomendam que um tal princípio, com aquelas fortíssimas restrições, se deva ter por inaplicável a contratos cuja duração se prevê para um período de tempo longo, em que as obrigações das partes cocontratantes não se esgotam numa só prestação, mas se renovam em sucessivas e repetidas prestações ao longo de um dilatado período de vigência contrato, que obviamente introduz nestes contratos uma maior imprevisibilidade do efeito do tempo na estabilidade das respetivas prestações.

13. A « invalidação de um contrato com fundamento no desrespeito do princípio da sua adequação às peças do procedimento exigiria a demonstração de que, com as alterações introduzidas: (i) A proposta do adjudicatário não teria sido a selecionada; (ii) Com a introdução de alterações, se perpetrava a violação de uma regra vinculativa dos documentos do concurso ( v.g. caderno de encargos); (iii) As alterações se traduziam na apropriação de aspetos da proposta de outro(s) concorrente (s)».

14. Os órgãos da Administração Pública devem nortear a sua atuação de acordo com um “mandato de otimização” informado pela eficiência, ou seja, a Administração não deve limitar-se a promover o bem-estar, mas a promove-lo de forma eficiente (o juízo de eficiência surge-nos como um parâmetro organizatório da Administração – artigo 267.º, n.º 2 da CRP e art.º 10.º do CPA).Contudo, o princípio da prossecução do interesse público é dissociável do princípio da eficiência: a Administração pode prosseguir o interesse público satisfazendo as necessidades coletivas, e, por essa via, alcançar os objetivos legalmente pré-determinados, mas pode não o conseguir fazer com eficiência.

15.O interesse público que o Concedente visa prosseguir com o contrato de concessão de serviço público consubstancia-se na satisfação das necessidades coletivas básicas ligadas à distribuição domiciliária de água para consumo humano e à recolha, tratamento e rejeição de efluentes, assegurando, por um lado, a prestação de tais serviços de forma regular, contínua e conforme com certos padrões de qualidade, e, por outro, a progressiva redução dos custos económicos para a população e para o ente público titular do serviço, através da racionalidade e eficácia dos meios utilizados nas diferentes fases daqueles processos.

16.Os vícios de conteúdo não determinam a nulidade do contrato, mas a sua anulabilidade, pelo que, decorrido o prazo previsto na lei para a sua dedução em juízo- 6 MESES- os mesmos tornam-se insindicáveis.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I-RELATÓRIO

1.1.“ÁGUAS (...), SA”, Concessionária no “Contrato de Concessão da Exploração e Gestão dos Serviços Públicos de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais de (...)”, celebrado no dia 30 de dezembro de 2004 entre a referida empresa e o MUNICÍPIO (...), Concedente no referido contrato, na sequência da modificação unilateral desse contrato e discordando dos seus termos requereu, em 11 de julho de 2008, ao abrigo da cláusula 100.ª do contrato de concessão, a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo que o Concedente fosse condenado:
a- a repor o equilíbrio financeiro da Concessão, nos termos do artigo 86.º do Contrato de Concessão, através da adoção de alterações ao “Caso Base”;
b- a pagar à Concessionária uma compensação financeira direta no valor de €30.099.690,00:
c- a pagar à Concessionária o montante de € 1.052.952,70, acrescido de juros de mora vincendos até integral pagamento, relativo ao montante da tarifa variável de saneamento que a Concessionária não cobrou por força da suspensão da sua cobrança imposta pela Concedente;
d- a ver declarado que a modificação unilateral do contrato de concessão operada pelo Concedente determina que a renda anual a pagar-lhe pela disponibilização das infraestruturas cuja construção e financiamento foram assumidos pelo Concedente, apenas será devida a partir do momento e na proporção dessa disponibilização.
SUBSIDIARIAMENTE , formulou o seguinte pedido alternativo, a exercer por escrito no prazo de 60 dias após a sentença arbitral definitiva:
e- que fosse reconhecida e declarada a violação grave ou reiterada pelo Concedente do Contrato de Concessão, impedindo a execução do mesmo em termos financeira e tecnicamente equilibrados, nos termos e para efeitos do disposto na cláusula 98ª, n.º2, alínea a) do Caderno de Encargos.
f- que fosse reconhecido o direito da Concessionária de proceder à resolução do Contrato de Concessão, por comunicação escrita a remeter ao Concedente com fundamento na violação grave e reiterada do Contrato de Concessão por parte do Concedente;
g-que fosse fixado o valor da indemnização em €15.682.880,52, atualizada nos termos da alínea b) do n.º6 da cláusula 98ª do Contrato de Concessão, que deverá ser paga pela Concedente à Concessionária, nos termos da citada cláusula e o prazo para o respetivo pagamento de 30 dias após a receção da comunicação prevista na alínea anterior.
1.2.O Concedente apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação e por exceção, alegando, em síntese:
(i) “a invalidade total do contrato e nulidade de muitas das (suas) cláusulas invocadas (“causa de pedir”) pela demandante”, decorrente da respetiva minuta ter sido congeminada pela Concessionária, de a mesma ter alterado as cláusulas do Caderno de Encargos “sempre a favor da adjudicatária”, e da omissão de anexos na altura da sua aprovação pela Assembleia Municipal ( artigos 1.º a 23.º do articulado);
(ii) a ilegalidade da instituição do Tribunal Arbitral e a sua incompetência (artigos 24.º a 32.º do articulado);
(iii)O não conhecimento por parte da Assembleia Municipal dos anexos do Contrato de Concessão” ( artigo 50.º do articulado);
(iv) A exclusão do contrato de construção (artigos 121.º a 129.º do articulado)
(v) O incumprimento pela Concessionária das obrigações decorrentes do Contrato de Concessão, por esta “não ter vindo a atuar tendo em vista a continuidade do serviço e globalidade do sistema” ( artigo 148 do articulado);
(vi) A não assunção pela Concessionária da globalidade das infraestruturas (artigos 215 e seguintes do articulado).
1.2.1. O Concedente apresentou reconvenção, na qual formulou os seguintes pedidos:
a-“ deverá ser julgado ( e a demandante condenada a reconhecer) que são inválidas e/ou não devem ser aplicadas, mas antes juridicamente desconsideradas diversas cláusulas acima mencionadas do contrato de concessão invocadas pela demandante”;
b-Declaração do incumprimento pela Concessionária das suas obrigações decorrentes da lei, do Caderno de Encargos e do Contrato de Concessão e reconhecimento ao Concedente do direito à rescisão do contrato;
c-Reconhecimento da verificação de uma alteração superveniente de circunstâncias relativamente à decisão de contratar do Concedente, em especial quanto a alguns dos pontos do Contrato, o que legitimava uma alteração/modificação deste, seja quanto à estrutura tarifária, seja quanto à retirada do seu objeto de «várias obras de investimento» candidatáveis a fundos comunitários;
d- Reconhecimento de que é legitimo que a alteração/modificação unilateral do Contrato de Concessão consubstanciada na retirada à Concessionária de uma parte das despesas de investimento, com a consequente diminuição dos correspondentes encargos, reverta proporcionalmente, ao menos em parte, para os munícipes, através da atenuação da evolução do tarifário e, assim, obstando-se a um «enriquecimento injusto» da Concessionária;
e-Reconhecimento de que é igualmente legítimo que uma parte dos valores previstos do custo das obras que não ficam a cargo da Concessionária seja transferida para esta última, nomeadamente através de «rendas» mensais, para pagar parte da sua realização e a sua disponibilização pelo Concedente- e se os valores de renda propostos pelo Concedente são fundados e legítimos e devem valer por agora provisoriamente, enquanto não houver acordo das partes ou decisão arbitral definitiva;
f-Condenação da Concessionária pelo seu comportamento de atrasos e incumprimentos e não aceitação de propostas legitimas de acordo que causam prejuízos à população do (...) e ao Concedente, no pagamento de uma indemnização cuja liquidação se apurará posteriormente.
1.3. Em 08 de junho de 2008, finda a fase dos articulados, celebrou-se acordo entre a Concessionária e o Concedente e ,ainda, entre os Árbitros, no qual todos acordaram sobre as designações dos Árbitros, sobre a validade da cláusula arbitral e a jurisdição do Tribunal Arbitral, tendo-se estabelecido que a arbitragem teria por objeto verificar e decidir:
1º - se a concessionária tem direito à reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão, nos termos da cláusula 86.ª do contrato de concessão, através da alteração do respetivo caso base;
2º - se, sendo esse o caso, o concedente (MMC) deverá pagar à concessionária uma compensação financeira direta de 30.099.690M€; ELATÓRIO DE AUDITORIA N.º 03/14 - 2.ª SECÇÃO
3º - se o concedente deve ser condenado a pagar à concessionária o montante de 1.052.952,70€, acrescidos de juros de mora, correspondente aos montantes da taxa variável de saneamento que a concessionária não cobrou, em razão de o concedente ter determinado a suspensão dessa cobrança;
4º - se a renda a pagar pela concessionária ao concedente, nos termos da modificação unilateral do contrato por este decidida, e correspondente às infraestruturas cuja construção e financiamento o segundo passou a assumir, apenas é devida a partir do momento e na proporção em que tais infraestruturas sejam disponibilizadas à primeira;
5º - se, em alternativa aos pedidos anteriores, deve ser reconhecida à concessionária o direito de optar, no prazo de 60 dias após a sentença arbitral definitiva, pela resolução do contrato, com fundamento na violação grave e reiterada do mesmo contrato pelo concedente, e, com ele, o direito a uma indemnização no montante de 15.682.880,52€;
6º - se, ao invés, todos ou alguns pedidos formulados pela concessionária devem ser julgados parcial ou integralmente improcedentes;
7º - se a concessionária e demandante não deu cumprimento às suas obrigações decorrentes da lei, do caderno de encargos e do contrato, e se, em razão da gravidade desse incumprimento, deve ser reconhecido ao demandado e concedente o direito à rescisão;
8º - se ocorreu uma alteração superveniente das circunstâncias, relativamente à decisão de contratar do concedente, em especial quanto a alguns pontos do contrato, o que legitimava uma alteração/modificação deste, seja quanto à estrutura tarifária, seja quanto à retirada do seu objeto de “várias obras de investimento” candidatáveis a fundos comunitários;
9º - se é legítimo que a alteração/modificação ao contrato consubstanciada na retirada à concessionária de uma parte das despesas de investimento, com a consequente diminuição dos correspondentes encargos, reverta proporcionalmente, ao menos em parte, para os munícipes, através da atenuação da evolução do tarifário;
10º - se é igualmente legítimo que uma parte dos valores do custo das obras que não ficam a cargo da concessionária seja transferida para esta última, nomeadamente através de “rendas” mensais, para pagar parte da sua realização e a sua disponibilização e se os valores da renda propostos pelo concedente são fundados e legítimos e devem valer por agora provisoriamente, enquanto não houver acordo das partes ou decisão arbitral definitiva;
11º - se a concessionária, com o seu comportamento, de atrasos e incumprimentos e não aceitação de propostas legítimas de acordo, causou prejuízos, que continuam em curso, à população do conselho do (...) e ao concedente, prejuízos cuja liquidação se apurará em momento posterior.
1.4.A 20 de julho de 2010, o TRIBUNAL ARBITRAL proferiu acórdão no qual decidiu:
(i)Não reconhecer o pedido de indemnização, formulado pelo MUNICÍPIO (...), por alegados prejuízos causados pela concessionária “ÁGUAS (...), SA” à população do conselho;
(ii)Julgar procedente o pedido da concessionária “ÁGUAS (...), SA” de ver reconhecido o direito ao reequilíbrio económico-financeiro da concessão, determinando a atribuição, pelo Município de (...), de uma compensação financeira no valor de 16 milhões de euros;
(iii)Julgar procedente o pedido de reconhecimento de um crédito a favor da concessionária “ÁGUAS (...), SA”, sobre o Município de (...), no valor de 892.976,52€, relativo à faturação global da taxa variável de saneamento (entre o início da concessão e 31 de dezembro de 2007), acrescido dos juros de mora vencidos;
(iv) Que a renda anual estabelecida na Modificação Unilateral do contrato de concessão, que ficará a cargo da concessionária “ÁGUAS (...), SA” relativa às infraestruturas a construir pelo concedente, só será devida na proporção em que as referidas infraestruturas sejam disponibilizadas para entrada em serviço;
(v)Julgar improcedente o pedido alternativo da concessionária “ÁGUAS (...), SA” de ver reconhecido o direito de rescindir unilateralmente o contrato de concessão com base em violação do mesmo contrato e o concomitante direito a indemnização.
1.5.O acórdão arbitral de 20 de julho de 2010, foi objeto de retificação, interpretação e integração pelo acórdão de 14/12/2010.
1.6. Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, o MUNICÍPIO (...) interpôs recurso para o TAF de Penafiel, terminando as respetivas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«1 – O acórdão arbitral é inválido e deve ser revogado: por vícios de forma e por vícios fundo, como acima se apontaram.
2 – É inválido e por vícios de fundo (mérito), quanto ao direito aplicado, desde logo na questão da validade (total ou parcial) do contrato de concessão celebrado: julgou o acórdão recorrido que esse contrato é válido, quando na verdade tal contrato é absolutamente nulo e inválido (i) pelos vícios fortíssimos da sua celebração e (ii) por implicar alterações substantivas das cláusulas gerais dispostas no caderno de encargos do concurso, e violação das regras do programa do concurso (iii) e por corresponder na cláusula 64ª e nos 17 anexos a alterações substantivas da proposta económica do concorrente, aumentando nomeadamente as suas receitas em 122 milhões de euros e os seus lucros (já “líquidos”, após mais custos, aliás na maior parte indemonstrados) em mais de 50% e as próprias taxas internas de rentabilidade (TIR) dos acionista futuros da concessionária, etc., etc.
3 – Na verdade, diga-se que
5 – E é inválido porque, também sob este tema da invalidade do contrato e processo da sua celebração, julgou com flagrante erro e contradição, em, pelos menos, alguns pontos de facto determinantes (como resulta dos documentos acima citados, e das gravações dos depoimentos, transcritas, e gravações mencionadas): ...
6 – Com efeito, e ainda por ter feito aplicação e ter interpretado normas concursais e relativas à relação jurídica contratual de um modo interpretativo (“normativo”) que viola princípios fundamentais como o da distribuição de risco, prossecução devida do interesse público, etc., e princípios constitucionais, acima mencionados.
16 – E é inválido, porque contém muitas omissões e nulidades, e foi produzido com violação de princípios essenciais do processo, com importância decisiva para o julgamento, e por omissão de apreciação de questões essenciais, bem como negação de prova sobre questões factuais essenciais e suscitadas e requeridas, conforme acima referido, devendo por isso, ser anulado.
27 – Com efeito, e ocorreram também
28 – Por conseguinte, face ao exposto, a douta decisão recorrida é nula e COMO tal deve ser declarada; quando assim se não entenda e subsidiariamente, deve ela ser revogada por ter violado por erro de interpretação o disposto nos antes citados preceitos e diplomas legais, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decida no sentido antes expendido,
E ASSIM, POR V. Exs. REVOGADO E ANULADO O ACÓRDÃO,
FAR-SE-Á JUSTIÇA!»
1.7. Por despacho de 26/10/2010, exarado a fls. 597 (processo físico) proferido pelo senhor juiz do TAF de Penafiel, admitiu-se o recurso, e ordenou-se a notificação da Recorrida para contra-alegar.
1.8. A Recorrida apresentou contestação quanto à ação subsidiariamente deduzida e contra-alegações quanto ao recurso interposto, que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
«1 – Quanto ao despacho de admissão do recurso:
(i) Irrecorribilidade do Acórdão arbitral
A) O despacho do TAF Penafiel de admissão do presente recurso viola a lei, uma vez que as partes renunciaram ao direito ao recurso (arts. 1º, n.º 1, 21º, n.º 1 e 29º, n.º 1 da 1, Lei da Arbitragem Voluntária, art.º. 180º, n.º 1, a) do CPTA, art. 4º, n.º 1, alínea f) do ETAF) e porque aquele não é o tribunal hierárquica e territorialmente competente para admitir o recurso (arts. 29º da LAV e art. 684º-B do CPC ex vi art. 140º do CPTA).
B) A interposição do presente recurso com a “justificação” supra exposta, além de ilegal porque o Recorrente renunciou ao recurso, constitui um manifesto e fulcral abuso por parte do Recorrente, na modalidade de venire contra factum proprium que não pode sair incólume e que impõe e exige a aplicação da competente sanção, a condenação em litigância de má fé e no pagamento de uma indemnização
C) Na cláusula arbitral (cláusula 100º do Contrato) as partes optaram por uma formulação genérica de submissão de litígios à arbitragem, sem exclusão expressa de qualquer matéria, o que permite concluir, de acordo com as regras da interpretação previstas nos arts. 236º e ss. do Código Civil (CC), que a matéria da (in)validade do Contrato está incluída na cláusula compromissória acordada entre as partes.
D) E tanto assim é que o Recorrente na sua Contestação, na arbitragem constituída ao abrigo desta cláusula, expressamente invocou a invalidade de determinadas cláusulas do Contrato, entre as quais a da cláusula arbitral (cláusula 100º do Contrato), na sua Contestação e deduziu pedido reconvencional de declaração da invalidade dessas cláusulas arbitrais, sem ter, assim, qualquer dúvida, que a matéria podia ser objeto da arbitragem.
E) O facto de na letra da cláusula arbitral em causa não constar a expressão “validade” do Contrato não obsta ao exposto, porquanto para que o sentido da declaração supra defendido valha basta que “tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, conforme disposto no art. 238º, n.º 1 do CC relativamente à interpretação de negócios formais (cfr. acórdão da Relação do Porto de 23.10.2007, relatora Maria Eiró, proc. 0623032, disponível in www.dgsi.pt).
F) Ora, a matéria da validade do Contrato é uma matéria subjacente e inerente às expressamente referidas pelas partes, de interpretação, integração ou execução do Contrato, ou, dito de outro modo, estas pressupõem aquela.
G) Tal interpretação da cláusula arbitral foi confirmada pelas partes no acordo celebrado em 08.06.2008, quando expressamente confirmaram a validade da cláusula arbitral – que tinha sido posta em causa pelo Recorrente nos seus articulados – e sobretudo aceitaram “a jurisdição do Tribunal, atribuindo sem qualquer reserva, competência bastante para apreciar a legalidade e aplicação do Contrato.”
H) Ou, no mínimo dos mínimos, sempre se diria que as partes no referido acordo aditaram tal matéria à cláusula arbitral constante da cláusula 100º do Contrato.
I) Por conseguinte, a renúncia ao direito ao recurso constante do n.º 6 da cláusula 100º do Contrato de Concessão abrange também o recurso com fundamento na (alegada) invalidade do Contrato de Concessão, por as partes terem submetido esta matéria à arbitragem nos termos da convenção arbitral acordada entre as partes e composta pela cláusula 100º do Contrato de Concessão e pelo ponto 4 do Acordo de 08.06.2008.
J) Caso o Tribunal Arbitral tivesse decidido sobre uma matéria não incluída no objeto da cláusula arbitral – como defende o Recorrente – tendo as partes expressamente renunciado ao direito ao recurso – como é o caso – a consequência desse facto, i. é., do Tribunal Arbitral ter conhecido de uma questão não abrangida pela convenção de arbitragem, seria a incompetência do Tribunal Arbitral.
K) Uma decisão do Tribunal Arbitral sobre matéria não incluída na cláusula arbitral, ou seja, não submetida por vontade expressa das partes à arbitragem, enquanto jurisdição convencional que é, conduz à incompetência do Tribunal arbitral sobre essa questão e não ao “afastamento” da renúncia ao recurso do acórdão arbitral expressamente prevista pelas partes.
L) E essa incompetência do Tribunal arbitral deve ser arguida em sede de anulação da sentença arbitral e não em sede de recurso desta, por as partes terem renunciado a este, nos termos do disposto no art. 27º, n.º 1, alínea b) e art. 29º, n.º 1 da Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto. (Lei da Arbitragem Voluntária, LAV), (Cfr. Acórdão do STJ de 10.07.2008, proc. 08A1698, Relator João Camilo, disponível in www.dgsi.pt).
M) As partes submeteram a questão da (in)validade contratual à arbitragem, o que é legalmente admissível nos termos do arts. 1º, n.º 1 e 4 da LAV e art. 180º, n.º 1, alínea a) do CPTA) e renunciaram ao direito ao recurso (cfr. art. 29º, n.º 1 da LAV).
N) E nem quanto à legalidade dos atos administrativos pré-contratuais, se verifica qualquer incompetência do Tribunal Arbitral, ou excesso de pronúncia, pois o Tribunal apreciou essa questão invocada pelo Recorrente, a título incidental e não a título principal. Mais a decisão arbitral não declara a validade dos atos administrativos pré-contratuais.
O) Sem prejuízo do exposto, mesmo que alguma razão assistisse ao Recorrente, sempre se diria que o mesmo estaria inibido de recorrer do Acórdão arbitral com tal fundamento por incorrer em abuso de direito.

(ii) Da Incompetência do TAF Penafiel para admitir o recurso
P) O TAF Penafiel não é o tribunal competente, para admitir o recurso em apreço, devendo o despacho do TAF de Penafiel ser revogado, por violar o disposto no art 29º da LAV e o art. 684º B, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 140º do CPTA e art. 29º da LAV.
Q) De acordo com o art. 684º B n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 140º do CPTA e ao abrigo do princípio da equiparação consagrado no art. 29º da LAV, o presente recurso deveria ter sido interposto no Tribunal arbitral recorrido (cfr. Luís Carvalho Fernandes, Dos Recursos em Processo Arbitral, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura, volume II, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pp. 160 e 161 e ainda em Repercussões do Novo Regime dos Recursos Cíveis no Processo Arbitral – breves notas, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, volume II, Almedina, pp. 218 e 219),
R) Ou, em alternativa, deve ser interposto na secretaria do tribunal que há-de conhecer do objeto do recurso, neste caso o TCA Norte. (cfr. Paula Costa Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, ROA, Ano 52, Dezembro de 1992, p. 994 e 945).
S) A jurisprudência tem seguido a primeira solução (cfr. decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.11.1999 (reclamação, processo n.º 5814/99 da 8ª Secção) na qual se constata que os recursos das decisões arbitrais entrados neste Tribunal da Relação mostram, sem exceção que conheçamos, admitidos pelo respetivo Árbitro Presidente.” (decisão que se junta como doc. 1, por não estar publicada – sublinhado e realce nossos)
T) O TAF de Penafiel não é o tribunal territorialmente competente para a admissão do presente recurso, pois se o tribunal da relação competente para apreciar o recurso é o tribunal do lugar da sede da arbitragem (conforme a melhor doutrina: Luís Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 174, Paula Silva Costa, ob. cit., p. 997 e Luís Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, a Determinação do Estatuto da Arbitragem, Almedina, p. 174), o mesmo critério deveria presidir à definição da competência territorial do tribunal de primeira instância para a admissão do recurso da sentença arbitral.
U) O tribunal competente seria o tribunal de primeira instância da sede da arbitragem, ou seja, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pois a arbitragem foi no Porto, cfr. n.º 8 da cláusula 100ª do Contrato de Concessão.

2 – Do Recurso
(i) Da Omissão de pronuncia quanto à litigância de má fé
V) Ao Tribunal arbitral não lhe assiste autoridade para a aplicação de multas às partes, tal como a prevista no n.º 1 do art. 456º do CPC, para o caso da litigância de má fé, logo o Tribunal arbitral carece de poderes para condenar a parte como litigante de má fé (neste sentido, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, p. 66, nota 20).
W) Atento os limites subjetivos da referida convenção, o Tribunal arbitral é também incompetente para decidir sobre o pedido de condenação no pagamento de uma indemnização por litigância de má fé, pois não poderia fazer intervir no processo arbitral terceiros não vinculados (os representantes da sociedade, cfr. art. 458º do CPC) pelo compromisso arbitral.
X) Assim, qualquer decisão que o Tribunal arbitral tomasse sobre o pedido de litigância de má fé seria nula por incompetência do mesmo, o que, por si só, inutiliza qualquer apreciação sobre a omissão de pronúncia relativamente a esta questão.
Y) Não obstante, a verdade é que qualquer apreciação da questão relativa à litigância da má fé da Recorrida, Demandante nos autos arbitrais, conduziria inevitavelmente ao insucesso da mesma, pois, a Recorrida não deformou ou ocultou informação essencial sobre os factos relevantes para a decisão sobre o mérito da causa arbitral.

(ii) Da Invalidade do Contrato de Concessão
Z) Tudo o que vem alegado nas páginas 86 a 101 das Alegações de recurso, e em particular as nulidades imputadas ao Acórdão recorrido nos artigos 152.º a 158.º, deve ser julgado improcedente.
AA) Quanto à não coincidência entre a Proposta apresentada no concurso e o Contrato, em especial quanto à TIR o Tribunal Arbitral decidiu, e bem, com base nos 44º a 46º Factos provados (assentes no Relatório pericial e no esclarecimento prestado pelo Perito designado pelo Tribunal), que “assim sendo, não poderá dizer-se que o Contrato se haja significativamente desequilibrado (e, portanto, “desfigurado” nos seus elementos essenciais), nem significativamente desequilibrado em benefício da Concessionária. (cfr. p. 89 do Acórdão).
BB) Pelo que inexiste a nulidade apontada pelo Recorrente quanto a esta matéria.
CC) O Acórdão recorrido andou bem ao concluir que as cláusulas do Contrato em causa – aquelas que o Recorrente identificou na sua Defesa, nomeadamente no pedido Final, incluindo o pedido reconvencional – não são nulas, cada uma das alegadas alterações ao Caderno de Encargos é legítima – no mesmo sentido, cfr. o já citado Parecer do Senhor Doutor PG..., em especial páginas 37 a 51.
DD) Também a causa de nulidade de contrato, alegada agora nos artigos 83.º e ss. das alegações do Recorrente (pp. 58 a 64) improcede: por falta da base factual, porque as alterações introduzidas no Contrato foram conhecidas pelo Concedente que não incorreu em qualquer erro, porque as mesmas alterações traduzem um equilíbrio entre as prestações das partes decorrente nas novas solicitações da iniciativa do Concedente.
EE) Caso assim não fosse (e é), não poderia ser aplicável o instituto do “desvio de poder” e logo não ocorreria qualquer causa de nulidade do contrato, antes seria o mesmo anulável por violação do princípio da proporcionalidade entre as prestações contratuais. Mas, como bem se julgou no Acórdão recorrido, o Contrato prossegue o fim público a que lhe está subjacente à decisão municipal de o celebrar e não foi rompido o equilíbrio das prestações.
FF) Relativamente à questão da alegada, ausência de “parecer” do IRAR como fundamento da nulidade do Acórdão recorrido, deve a mesma improceder, porque, como entende a Recorrida, pura e simplesmente não havia a obrigatoriedade de colher um parecer do IRAR, porque o Decreto-Lei n.º 362/98 não estabelece a obrigatoriedade de consulta do IRAR nestas matérias, ou porque, como equaciona o Acórdão recorrido, a ocorrer uma “irregularidade” ela nunca seria “grave” nem causadora da invalidade do procedimento e do ato que decide a celebração do contrato, improcede o alegado a este propósito pelo Recorrente.
GG) No que concerne à questão do «erro» dos órgãos municipais na celebração do contrato, esteve bem o Tribunal arbitral ao concluir que os factos dados como provados não suportam a aplicação da tese do “erro” no caso dos autos; e, de facto, como resulta à abundância das presentes alegações, o Município conheceu o teor do Contrato e dos seus anexos e quis celebrar o Contrato nos seus precisos termos.
HH) E quanto à questão da nulidade do ato de adjudicação – a “invalidade derivada” do Contrato -, julgou bem o Acórdão recorrido ao considerar que, em si mesma, a adjudicação à ora Recorrida pela Câmara Municipal de (...) nas circunstâncias descritas não viola, nem os princípios gerais do concurso público, nem a regra mais específica do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 379/93.
II) Isto porque apesar da inexistência de preceito expresso que permita uma segunda adjudicação, uma vez “caducada” (lato sensu) a primeira, desse silêncio da lei não deve tirar-se a conclusão defendida pelo Recorrente quanto à proibição da segunda adjudicação, porque se afigura excessiva face à exigência do concurso e sua à lógica, bem como aos interesses públicos que na circunstância concorrem (cfr. Parecer do Senhor Doutor PG... junto aos autos arbitrais).

(iii) Da matéria de facto
JJ) Os factos considerados provados pelo tribunal arbitral e impugnados pelo Recorrente, 4º, 16º, 41º, 46º, 42º, 44º, 39º, 40º, 22º, 24º, 15º Factos sob a epígrafe A) Adjudicação e celebração do Contrato do Acórdão arbitral e resposta aos quesitos 2 a 5. devem ser mantidos, por, nas poucas vezes em que o Recorrente identifica os meios probatórios, estes não contrariam a decisão do Tribunal recorrido e por noutros casos, não ter cumprido o ónus de alegação previsto no art. 685º B do CPC, aplicável ex vi art. 140º do CPTA.
KK) Deve ser mantida a redação do 4º Facto do Acórdão arbitral, indeferindo a alteração e o aditamento requeridos pelo Recorrente, porque seria misturar matéria de direito com matéria de facto e porque é o próprio Concedente, aqui Recorrente, que faz referência às “negociações” do contrato, conforme se pode constatar pela ata de reuniões anexa à proposta do Dr. AL... junta como doc. 38 da pi do processo arbitral.
LL) Também deve ser mantido o 16º Facto e indeferido o aditamento do Facto 16 A requerido pelo Recorrente, dado que os meios probatórios indicados pelo Recorrente não contrariam o dado como provado com base nos depoimentos das testemunhas PF... (depoimento em 04.02.2009) e JM... (depoimento em 05.02.2009).
MM) Para além disso, parte daquilo que o Recorrente pretende que seja considerado provado consta já, dentro da medida do possível, dos 21º e 24º Factos.
NN) Deve ser igualmente mantido o 41º Facto, por o depoimento da testemunha PF..., foi coerente e isento, do qual resultou claro que os principais quadros do Caso Base foram apresentados ao Recorrente, sendo que o Recorrente nem sequer identificou quais os documentos que poderiam contrariar tal facto e nem os depoimentos das testemunhas invocados pelo Recorrente impunham outra decisão.
OO) Em relação à impugnação dos 39º, 42º, 44º e 46º Facto, deve a mesma ser indeferida por o Recorrente não ter apresentado nenhum meio de prova que os contrariasse, incumprindo o ónus previsto no art. 685º B, n.º 1 do CPC, ex vi art. 140º do CPTA.
PP) Quanto ao aditamento pretendido pelo Recorrente em relação ao 40º Facto, deve o mesmo ser indeferido por se tratar de matéria que não foi alegada pelo próprio nos seus articulados (cfr. princípio do dispositivo).
QQ) As alterações requeridas pelo Recorrente aos 22º e 24º Factos são irrelevantes, contendo estes já toda a matéria necessária para a decisão da matéria de facto, devendo, por isso, serem rejeitadas.
RR) O Recorrente requereu a correção do 15º Facto, sem ter proposto uma nova redação do mesmo, sendo certo que tal facto resultou efetivamente provado pelos depoimentos das testemunhas PF... e JM... e pelos relatórios periciais (de 23.10.2009 e 03.11.2009).
SS) Quanto ao pedido do Recorrente de que os quesitos 2 a 5 da Base Instrutória sejam considerados integralmente provados, importa referir que o Tribunal arbitral já deu como provados tais quesitos na medida daquilo que ficou demonstrado nos autos pelos meios probatórios carreados pelas partes (cfr. 5º a 7º, 9º, 10º, 120 a 170, 19º a 33º, 39º a 42º, 44º a 46º Factos sob a epígrafe A) Adjudicação e celebração do Contrato do Acórdão Arbitral e meios de prova identificados pelo Tribunal arbitral), não podendo ir além disso.

(iv) Quanto a outra nulidade do Acórdão arbitral
TT) Inexiste a nulidade invocada pelo Recorrente com fundamento na reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato, sem a atualização das previsões quanto à população, à capitação média de consumo e à taxa EURIBOR constantes do Caso Base.
UU) Com efeito, não se verifica nenhum caso de enriquecimento sem causa, ou violação dos princípios da justiça, da boa fé e proporcionalidade, nem dos princípios gerais da responsabilidade patrimonial por danos, cujas regras nem sequer tem aqui aplicação, mesmo porque não existe qualquer facto ilícito.
VV) Contrariamente ao que o Recorrente pretende fazer crer, a equação económico-financeira, traduzida no Caso Base, Anexo XV do Contrato, foi estabelecida entre as partes à data da celebração do Contrato, isto é, em 2004, para uma duração de 35 anos de Concessão.
WW) Conforme Rui Pereira de Sousa, Contratos de Concessão, Perspetiva Económica, Financeira e Contabilística, Áreas Editora, p. 74: “Constitui princípio geral do direito dos contratos administrativos, nos quais se incluem os contratos de concessão, o princípio da reciprocidade dos interesses (do equilíbrio financeiro ou do equilíbrio das prestações), segundo o qual a equação económico-financeira de início estabelecida entre as partes (concessionário e Estado) deve ser mantida durante a vigência do contrato. A manutenção do equilíbrio das prestações nos contratos de concessão destina-se a contrabalançar o poder de que dispõe a Administração de alterar as prestações ou as circunstâncias de execução da concessão, sem que para tal necessite de obter o consentimento do concessionário.. (sublinhado e realce nosso).
XX) E como refere Rui Pereira de Sousa, ob. cit., p. 74: “Não se trata aqui de garantir a gestão equilibrada da concessão, nem o risco assumido pela concessionária em condições normais. Nas palavras de CORREIA (1972, p. 4) trata-se assim duma garantia da álea administrativa, inconfundível com a garantia da álea económica, comum a todos os contratos, constituída pelo principio da imprevisão.. (sublinhado e realce nosso).
YY) No caso dos autos arbitrais, o evento que originou o direito da Concessionária, ora Recorrida, à reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato foi a modificação unilateral do contrato operada pelo Recorrente que conduziu ao desequilíbrio da Concessão, conforme reconhecido pelo Tribunal arbitral na pág. 100 do seu Acórdão, ora recorrido, e que é um poder (ius imperiu) que licitamente assiste ao Concedente, aqui Recorrente, nos termos do art. 180º, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo
ZZ) Quanto às alterações das previsões invocadas pelo Recorrente, estas correspondem à álea económica, devendo, por isso, os respetivos prejuízos ser partilhados pelas partes.
AAA) Acresce que, a manutenção destas projeções, características da álea económica, umas favoráveis à Concessionária, Recorrida (como a da taxa EURIBOR), outras favoráveis ao Concedente Recorrente (com) a da população e a da capitação média do consumo), acaba por ser uma partilha equilibrada do risco e são uma decorrência lógica da teoria da imprevisão.
BBB) Para além do exposto, o Tribunal arbitral não violou o princípio constitucional do julgamento justo e equitativo porque não incorreu em qualquer inversão total do ónus da prova quanto à medida da reposição.
CCC) A Recorrida provou todos os factos de que dependiam o seu direito à reposição do equilíbrio do Contrato: a equação económico-financeira do Contrato constante do Caso Base (Anexo XV do Contrato), a modificação unilateral do contrato e o desequilíbrio económico-financeiro decorrente da modificação face àquela equação J) Reequilíbrio económico-financeiro da concessão, 11º Facto, pp. 44 e 45 do Acórdão arbitral].
DDD) A prova do Caso Base, como Anexo XV do Contrato, foi feita por apresentação da certidão do Contrato de Concessão e de todos os seus anexos junta aos autos arbitrais por requerimento da Recorrida de 11.03.2009, que, enquanto documento autêntico, tem valor probatório pleno, nos termos do art. 371º do Código Civil.
EEE Tendo o Recorrente impugnado tal documento competia a este e não à Recorrida, fazer prova que o documento impugnado, constante de documento autêntico, não correspondia à verdade, o que não conseguiu fazer conforme 39º a 42º Factos do Acórdão Arbitral.

(v) Litigância de má fé
FFF) A conduta processual do Recorrente nos presentes autos está em manifesta e frontal contradição com a conduta anteriormente assumida no processo arbitral (venire contra factum proprium) e é somente justificada pela conveniência de fundamentar o presente recurso e assim obter o efeito suspensivo do Acórdão arbitral, sabendo, como sabe, e está obrigado a saber, que se assim fosse (e não é) apenas poderia ter lançado mão da Acão de anulação, mas nunca da interposição deste recurso.
GGG) No caso em apreço, a conduta do Recorrente insere-se, sem qualquer dúvida, na previsão constante das alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 456º do CPC, ou seja, dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento não podia desconhecer e fazer um uso manifestamente reprovável dos meios processuais com o fim de obter um objetivo ilegal.
HHH) Resulta também do exposto que o Recorrente agiu com dolo, com a única intenção de obter o efeito suspensivo do Acórdão arbitral, para, deste modo, impedir a execução do mesmo.
III) Em suma, o Recorrente deve ser condenado como litigante de má fé e no pagamento de uma multa e de uma indemnização à Recorrida, correspondente ao reembolso das despesas a que a má fé do Recorrente fizeram e farão a Recorrida incorrer, incluindo honorários dos seus mandatários e ainda na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela Recorrida como consequência direta ou indireta da má fé do Recorrente (cfr. arts. 456º, n.º 1 e 457º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC), tudo a liquidar em incidente posterior.
NESTES TERMOS e NOS DE MAIS DE DIREITO:
1. DEVE O PRESENTE RECURSO SER REJEITADO, POR O ACÓRDÃO ARBITRAL NÃO SER RECORRÍVEL.
SUBSIDIARIAMENTE,
2. DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, QUER QUANTO À MATÉRIA DE FACTO, QUER QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO, POR FALTA DE FUNDAMENTOS E
CUMULATIVAMENTE AO PEDIDO EM 1 OU AO PEDIDO EM 2,
3. DEVE O RECORRENTE SER CONDENADO COMO LITIGANTE DE MÁ CONDENADO NO PAGAMENTO DE MULTA E DE UMA INDEMNIZAÇÃO, NO VALOR A LIQUIDAR EM INCIDENTE POSTERIOR,

FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA»
1.9. O Senhor Juiz do TAF de Penafiel proferiu despacho em que se julgou incompetente para conhecer dos presentes autos, ordenando a subida de todo o processo para o Tribunal Central Administrativo Norte.
1.10. A 11/10/2014, o Senhor Desembargador Relator proferiu despacho considerando que «a entidade competente para, em primeiro lugar, decidir acerca da admissão ou não do recurso, cabe ao Sr. Juiz Presidente do Tribunal Arbitral, in casu, ao Sr. Doutor JM...», revogando o despacho do TAF de Penafiel de 26/10/2010- fls. 597 dos autos», e ordenando a devolução dos autos ao Tribunal Arbitral, com vista ao cumprimento do decidido.
1.11. Em 21/12/2011, o Senhor Juiz Presidente do Tribunal Arbitral proferiu o despacho de fls. 844 a 850 dos autos, de não admissão do recurso interposto pelo MUNICÍPIO (...), com base no facto de ambas as partes terem acordado, no início do processo, aceitar a validade da cláusula arbitral e a jurisdição do tribunal, atribuindo-lhe, sem qualquer reserva, competência para apreciar a legalidade e a aplicação do contrato de concessão, ou seja, a validade do contrato de concessão foi apreciada e confirmada e ambas as partes acordaram (conforme cláusula 100.ª do contrato de concessão), decorrendo desse ato a aceitação de que as decisões do Tribunal Arbitral não são passíveis de recurso.
1.12. O Recorrente Município reclamou junto do TCAN do despacho de não admissão do recurso, nos termos e com os fundamentos que constam do requerimento de fls. 856 a 891 dos autos.
1.13. Em 22/02/2012, o Senhor Desembargador relator proferiu despacho em que decidiu, com fundamento no disposto nos artigos 144.º, n.º3 do CPTA em conjugação com o preceituado no artigo 186.º, n.º2 do mesmo Código, que os autos fossem apresentados Senhor Juiz Presidente deste TCAN ( fls. 929).
1.14. O Município o (...) apresentou o requerimento de fls. 956 e seguintes, no qual solicitou que sobre o despacho de 22/02/2012 (de fls. 929 dos autos) recaísse acórdão da conferência nos termos dos artigos 27.º, n.º3 do CPTA e 700.º, n.º5 do CPC.
1.15. A “ÁGUAS (...), SA”, notificada do sobredito despacho, sustentou que a decisão questionada de fls. 929 é a que resulta do artigo 144.º, n.º 3 do CPTA.
1.16. Por despacho de 10/05/2012, de fls. 1133 dos autos, o Senhor Juiz Presidente do TCAN remeteu os autos ao Relator para que fossem submetidos à Conferência.
1.17. Por acórdão deste TCAN de 15/06/2012, foi decidido que todas as reclamações de não admissão de recurso (ou da sua retenção) devem ser decididas pelo Sr. Juiz Presidente deste TCAN, pelo que acordaram «em conferência, os juízes deste Tribunal em manter o despacho de fls. 929 dos autos» ( cfr. fls. 1138 a1142).
1.18. Inconformado com referido acórdão, o MUNICÍPIO (...) interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.
1.19. Por despacho de 19/10/2012, ordenou-se a notificação para apresentação de contra-alegações e a subsequente subida dos autos ao STA (fls. 1295).
1.20. Em de 09/01/2013, o STA proferiu acórdão em que considerou verificados os pressupostos do n.º1 do artigo 150.º do CPTA e admitiu a revista ( cfr. acórdão de fls. 1324 a 1328).
1.21. Por acórdão de 15/05/2013, o STA concedeu provimento ao recurso «julgando-se o TCA, e não o seu Presidente, o competente para apreciar a reclamação em causa nos autos».
1.22. Por acórdão de 31/01/2014 (fls.1462 a 1491), o TCAN decidiu «não admitir o recurso e assim manter a decisão do Presidente do Tribunal Arbitral».
1.23. O MUNICÍPIO (...) interpôs recurso de revista deste acórdão para o STA, nos termos que constam do requerimento de fls. 1505 a 1587 dos autos.
1.24. Por acórdão de 10/09/2014, o STA admitiu a revista (fls. 1847 a 1850 dos autos).
1.25. Por acórdão de fls. 1868 e seguintes, com a retificação de fls. 1929, o STA decidiu «revogar o Acórdão recorrido, baixando o processo ao Tribunal Central Administrativo Norte para aí ser admitido o recurso, se a tal nada mais obstar».
1.26. Por despacho do Relator de 20/01/2017, foi admitido o recurso interposto pelo Município de (...), do acórdão do Tribunal Arbitral que condenou o Município referido a pagar à empresa recorrida a compensação de 16 milhões de euros, além de outras importâncias e solicitado ao Recorrente, nos termos do artigo 639.º do CPC, e de acordo com o princípio da cooperação, que, num esforço de síntese, apresente as suas alegações de recurso, de forma clara e sintética, e com numeração sequencial, bem como esclareça as suas conclusões.
1.27. Respondendo ao convite, o Recorrente Concedente apresentou o articulado de fls. 1988 e seguintes e de fls. 2071 a 2498, sobre os quais recaiu o despacho de 17/10/2018, de fls. 2608 a 2609, que decidiu dar sem efeito as alegações de recurso e respetivas conclusões apresentadas, bem como o articulado de resposta, considerando que não foi cumprido o solicitado pelo Tribunal. Mais se decidiu que « como foram apresentadas alegações e conclusões no documento inicial de recurso não pode o Tribunal deixar de se debruçar sobre elas, apesar de se reconhecer que não são o esperado, uma vez que outra conclusão violaria o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Assim sendo o recurso debruçar-se-á sobre os articulados inicialmente propostos».
1.28. O MUNICÍPIO (...) reclamou para a conferência deste despacho de 17/10/2017.
1.29. Por acórdão de 16/02/2018, o TCAN indeferiu a reclamação apresentada contra aquele despacho, que dera sem efeito as alegações de recurso e respetiva resposta produzidas após convite ao aperfeiçoamento.
1.30. O MUNICÍPIO (...) interpôs recurso de revista para o STA do referido acórdão, invocando ainda a nulidade do mesmo, que foi indeferida por acórdão do TCAN de 21/12/2018.
1.31. Por acórdão de 11/02/2019, o STA não admitiu o recurso de revista (fls. 2712 a 2714).

1.32. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.

1.33. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1 Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Questão prévia
2.2.1. Nas conclusões de recurso apresentadas pela Recorrida Concessionária, a mesma invocou a irrecorribilidade do Acórdão Arbitral e a incompetência do TAF de Penafiel para admitir o recurso interposto pela Recorrente [Ver alíneas A) a U)] .
Conforme se expôs no relatório que antecede, a questão de saber a quem pertence a competência para admitir ou não admitir o recurso em causa, e bem assim, se o acórdão arbitral é ou não recorrível para o Tribunal Central Administrativo, foi definitivamente decidida pelo STA, que por acórdão que se encontra junto aos autos, decidiu revogar o acórdão do TCAN que se pronunciara em sentido contrário e ordenar a baixa dos autos àquele para aí ser admitido o recurso, o que veio a verificar-se por despacho do Senhor Desembargador Relator de 20/01/2017.
Assim sendo, encontra-se decidida intraprocessualmente a questão ora suscitada pela apelada de modo a não poder ser mais apreciada sob pena de violação do caso julgado formal que cobre o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido da admissibilidade do recurso.
Nesta sequência, sobre esta questão nada mais há a decidir.
2.2.2. Nesse mesmo despacho, o Senhor Desembargador Relator convidou o Recorrente, nos termos do artigo 639.º do CPC, e de acordo com o princípio da cooperação, que, num esforço de síntese, apresentasse as suas alegações de recurso, de forma clara e sintética, e com numeração sequencial, bem como que esclarecesse as suas conclusões.
Em resposta ao convite que lhe foi dirigido, o Recorrente apresentou o articulado de fls. 1988 e seguintes e de fls. 2071 a 2498, mas essas novas alegações de recurso e respetivas conclusões foram dadas sem efeito por despacho de 17/10/2018, de fls. 2608 a 2609, considerando que não foi cumprido o solicitado pelo Tribunal. E decidiu-se, ademais, que « como foram apresentadas alegações e conclusões no documento inicial de recurso não pode o Tribunal deixar de se debruçar sobre elas, apesar de se reconhecer que não são o esperado, uma vez que outra conclusão violaria o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Assim sendo o recurso debruçar-se-á sobre os articulados inicialmente propostos». Esta decisão que transitou em julgado.
Assim, as alegações de recurso e respetivas conclusões a considerar no presente recurso são as que foram apresentadas pelo Recorrente inicialmente, assim como as contra-alegações a considerar são as que igualmente foram apresentadas pela Recorrida como resposta a essas primeiras alegações de recurso do Recorrente.

2.3. Assentes nestas premissas as questões que se encontram submetidas ao conhecimento deste tribunal são as seguintes:
1- Saber se o acórdão arbitral recorrido padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito por essa decisão implicar alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no “Caderno de Encargos” (CE), no programa do concurso (PC) e por ter desconsiderado que a cláusula 64ª e os 17 anexos correspondem a alterações substantivas da proposta económica do concorrente, aumentando nomeadamente as suas receitas em 122 milhões de euros e os seus lucros (já “líquidos”, após mais custos, aliás na maior parte indemonstrados) em mais de 50% e as próprias taxas internas de rentabilidade (TIR) dos acionista futuros da concessionária;
2- Saber se o acórdão arbitral recorrido padece de erro de julgamento de direito por ter desconsiderado a existência de erro na declaração (artigo 247.º do Código Civil).
3- Saber se o acórdão arbitral recorrido enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito por ter feito aplicação e ter interpretado normas concursais e relativas à relação jurídica contratual de um modo que viola princípios fundamentais como o da distribuição de risco, prossecução devida do interesse público, e princípios constitucionais.

2.4. Considerando que são as conclusões que recurso que delimitam o seu objeto cumpre desde já esclarecer que não faz parte do mesmo a impugnação da matéria de facto julgada provada ou não provada pelo acórdão arbitral recorrido (ponto 5 das conclusões de recurso).
Lê-se neste ponto das conclusões de recurso que o acórdão arbitral: “5– E é inválido porque, também sob este tema da invalidade do contrato e processo da sua celebração, julgou com flagrante erro e contradição, em, pelo menos, alguns pontos de facto determinantes (como resulta dos documentos acima citados, e das gravações dos depoimentos, transcritas, e gravações mencionadas): ...»
A reapreciação da decisão proferida por um Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria da facto por parte de um Tribunal de 2.ª Instância, constitui uma função central, senão mesmo a mais emblemática das funções que estão reservadas aos tribunais de recurso, uma vez que, em grande número de casos, será dessa reapreciação da matéria de facto que dependerá a sorte quanto ao mérito da causa e o resultado da ação.
Trata-se de uma tarefa exigente, e árdua, cuja complexidade decorre sobretudo da dificuldade em captar, com sentido crítico e analítico, os factos controvertidos a partir da narração que é trazida, nomeadamente pela prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impondo-se ao juiz o dever de procurar alcançar a verdade material, que não a meramente formal, assim se fazendo Justiça.
Perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo ( cfr. art.º 1.º do CPTA) tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a 2.ª Instância deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância. Como verdadeiro tribunal de substituição, a 2.ª Instância aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação a 2.ª Instância não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância.

Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela 2.ª Instância em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em 1.ª Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.
Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto- cfr. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153- estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Daí que, o dever qualificado que impende sobre o juiz de fundamentação e de motivação crítica da prova - cfr. art. 607º, nº 4, do CPC- que é também um imperativo constitucional consagrado no artigo 205.º, n.º1 da CRP e no art.º 154.º do CPC para as decisões judiciais em geral, tenha como contraponto a exigência imposta ao Recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto, de cumprir os ónus de impugnação particularmente exigentes estabelecidos no art.º 640º do CPC.
Como se sabe, ao ónus que impende sobre o Recorrente, na interposição de qualquer recurso, de apresentar a sua alegação na qual deve concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o art. 639º do CPC, acresce o ónus previsto no art. 640º, estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.
Tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, o porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Note-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes- cfr. ob. cit., pág. 155- sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo, a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da 2.ª Instância, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” – cfr- Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
Como consequência do que se vem dizendo, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, al. b); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”- cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
Os critérios que se acabam de enunciar têm sido aqueles que têm sido seguidos, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, que tem abundante jurisprudência sobre a matéria, o qual, no entanto, tem operado uma distinção entre: a) ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso em sede de impugnação da matéria de facto, onde os requisitos impostos à parte se encontram ligados com o mérito ou demérito da pretensão; e b) ónus secundários, que se prendem com os requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente, se impõe a rejeição do recurso.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os enunciados no n.º 2 daquele art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenha sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, a jurisprudência considera que embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” – cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
Argumenta-se que se está perante meros requisitos de forma, destinados a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento”.
Enunciados que estão os ónus a que o apelante se encontra subordinado em sede de impugnação da matéria de facto, verifica-se desde logo, que o mesmo não deu cumprimento ao preceituado na al. a), do n.º 1 do art. 640º do CPC, que o obrigava, nas conclusões, a delimitar o objeto da impugnação da matéria de facto de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados. No caso, não cumpre manifestamente esse ónus, a invocação na conclusão 5.ª das alegações de recurso que o tribunal recorrido «julgou com flagrante erro e contradição, em, pelos menos, alguns pontos de facto determinantes (como resulta dos documentos acima citados, e das gravações dos depoimentos, transcritas, e gravações mencionadas): ...»
Resulta do exposto que não tendo o apelante manifestamente dado cumprimento ao ónus primário enunciado no art. 640º, n.º 1, al. a), impõe-se rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Nesta conformidade, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, que assim se mantém inalterada.


2.5. Igualmente, também não faz parte do objeto de recurso as pretensas omissões e nulidades do acórdão arbitral recorrido, sequer a apreciação de alegadas violações dos “princípios essenciais, com importância decisiva para o julgamento” e “por omissão de apreciação de questões essenciais, bem como a negação de prova sobre questões factuais essenciais e suscitadas e requeridas” ( conclusão 16.ª).
Vejamos.
É nas conclusões de recurso que se define o objeto do recurso e se delimita o “thema decidendum” a que o Tribunal ad quem se encontra adstrito, não podendo conhecer de questões não suscitadas que não tenham sido identificadas nas conclusões de recurso, exceto se estas forem do conhecimento oficioso do Tribunal.
No caso, cumpria ao Apelante identificar quais a concretas omissões e nulidades que imputa ao acórdão arbitral sob sindicância, tanto mais que, como é consabido, as nulidades de sentença são única e exclusivamente as previstas no nº 1 do artigo 615.º do CPC e onde, com exceção da falta de assinatura do juiz, as restantes invalidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º1 desse preceito, excetuada a ininteligibilidade da parte decisória, apesar de crismadas pela lei adjetiva de nulidades, são rigorosamente anulabilidades da sentença e portanto, não são de conhecimento oficioso do juiz - cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 3.ª Edição, Almedina, pág. 375.
De igual modo incumbia ao Apelante discriminar de forma clara, concreta e especifica, nas conclusões de recurso, de modo a ser apreendido por um declaratário médio, quais as nulidades processuais que imputa ao processado- caso seja esse o caso- sabendo-se que, por regra, as nulidades processuais têm um modo especifico de reação e carecem de ser exercidas dentro de prazos específicos, uma vez que, em regra, são nulidades secundárias que não são de conhecimento oficioso pelo Tribunal e que portanto apenas podem ser conhecidas a requerimento das partes e que, caso não o façam no prazo legal estabelecido para o efeito, ficam sanadas, não podendo posteriormente ser suscitadas pelos interessados – cfr. artigos 195.º, 197.º e 199.º do CPC.
De igual modo, incumbia ao Apelante, de forma concreta, especifica e clara, por forma a ser apreendido por um declaratário médio, discriminar quais os princípios essenciais do processo, nomeadamente em sede de julgamento e, bem assim, quais as concretas questões de prova que suscitou e requereu e que lhe foram negadas, sabendo-se, aliás, que as decisões que indeferem ou deferem articulados ou requerimentos de prova, são imediatamente recorríveis, nos termos do art.º 644.º, n.º2, al. d) do CPC, pelo que, sob pena de não sendo interposto recurso destas decisões as mesmas se consolidarem na ordem jurídica e, portanto, transitarem em julgado tornando-se inatacáveis intraprocessualmente.
Ora, conforme se retira da conclusão 16.ª das alegações de recurso, nela o Apelante limita-se a alegar de forma absolutamente conclusiva e genérica que “ é inválido, porque contém muitas omissões e nulidades, e foi produzido com violação de princípios essenciais do processo, com importância decisiva para o julgamento, e por omissão de apreciação de questões essenciais, bem como negação de prova sobre questões factuais essenciais e suscitadas e requeridas, conforme acima referido, devendo por isso, ser anulado”, não identificando, pois, que nulidades são essas, desconhecendo-se se se trata de nulidades do acórdão arbitral ou de nulidades processuais e que concretos princípios essenciais do processo pretende terem sido violados, nomeadamente, no âmbito do julgamento, ficando-se sem saber que concretas questões por ele suscitadas e requeridas foram preteridas e quais a concretas provas requeridas e que lhe foram negadas.
Em face do exposto, é patente que todas essas “questões não identificadas” não fazem parte do objeto do processo.
**
III.FUNDAMENTAÇÃO

A.DE FACTO
O Tribunal Arbitral deu como assentes os seguintes factos:
«
15.
A) Adjudicação e celebração do Contrato.
1° — Por anúncio publicado no Diário da República, III Série, de 11 de Novembro de 2002, e no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 22 de Outubro de 2002, o Município do (...) abriu concurso público internacional com vista à adjudicação da «Concessão da Exploração e Gestão dos Sistemas de Abastecimento de Água para Consumo Público e Recolha, Tratamento e Rejeição de Efluentes do Concelho do (...)» [A11.
2° — O Caderno de Encargos, o Programa do Concurso e os respetivos Modelos são os que se encontram nos autos, como documentos IN 2 e 3 juntos com a petição inicial (doravante PI). A Concessionária apresentou a sua proposta no dia 6 de Fevereiro de 2003 (Documento n° 1 da Contestação, doravante Cont.) [A21].
3° — Realizado o concurso, a Câmara Municipal deliberou adjudicar a concessão á concorrente «CG---». Em consequência de falta de entendimento entre o concedente e a adjudicatária, quanto ao conteúdo que o contrato de concessão deveria assumir, veio tal adjudicação, porém, a ser revogada por deliberação da Câmara, de 15 de Março de 2004 (v. art. 142°/144° e Doc. n° 38 PI) [A31.
4° — Posto isso, e em simultâneo, deliberou a Câmara Municipal do (...) proceder à adjudicação da concessão ao segundo dos dois concorrentes, o agrupamento organizado (ou a organizar) pela «AO---, S.A.», convidando-o para a negociação e celebração do respetivo contrato (art.º 144° segs. e Docs. 38 a 40 PI) [A.4].
5° — Antes da tomada destas deliberações, a Câmara Municipal enviara, em 18 de Fevereiro de 2004, à adjudicatária uma nova minuta de contrato, «seguindo o
modelo mais recente para este tipo de contratos», e realizaram-se reuniões, em 25 e 27 de Fevereiro do mesmo ano, entre o Vereador Dr. LF--- e um representante daquela 1" adjudicatária, em que tal minuta foi analisada, reuniões que foram inconclusivas quanto a uma solução (mesmo Doc. 38 P1) [Quesito 2]

6° - Por outro lado, havendo já a indicação de que a 1" adjudicatária não desejaria assumir a concessão, mas em data que não se apurou, o vereador Dr. LF--- contactou a AO---, na pessoa do Eng° FC..., para indagar da disponibilidade de o agrupamento por ela organizado aceitar a adjudicação da concessão, no caso de desistência daquela 1" primeira adjudicatária — dele tendo recebido urna resposta afirmativa (depoimento do mesmo Vereador) [Quesito 2].
7" Em 13 de Fevereiro de 2004, a AO--- veio desistir da instância de recurso contencioso e do pedido de suspensão de eficácia do primeiro ato de adjudicação, que interpusera junto do Tribunal Administrativo competente, e comunicou (na mesma data) tal desistência à Câmara Municipal do (...) (fotocópias juntas como Doc. n° 1 ao requerimento do Concedente, de 2. VL2009) [Quesito].
8° — A minuta do contrato de concessão foi entregue pela Concedente ao novo Adjudicatário em 30 de Março de 2004 (art. 147° e art. 30° da Réplica, doravante Rel.)
[A5.].
9° — A minuta de contrato recebida pelo novo Adjudicatário (reto, pela AO---, empresa que organizou a sua constituição, precisão esta que fica feita e doravante se omite, referindo-se simplesmente «o Adjudicatário»), e por ela exibida nestes autos, compreende duas partes: uma primeira, com três folhas (em que se encontra uma numeração de fis. 640 a 642 e uma rubrica de autoria desconhecida), correspondendo ao teor da escritura pública a outorgar para celebração do contrato; e uma segunda, composta por 75 páginas, com o timbre e o selo da Câmara Municipal do (...), correspondendo ao conteúdo propriamente dito do contrato, integrado pelas cláusulas 1" a 103" (Doc. n° I do requerimento da Concessionária de 28. V 2009). Pelo menos esta parte da minuta, relativa ao conteúdo do contrato, foi-lhe entregue em mão (art. 30° Répl. e seu contexto) [Quesitos 1 e 2 ].
10º — Essa minuta (a minuta com o conteúdo do contrato) é a mesma que fora enviada já, em 18 de Fevereiro (supra, n° 5º), à 1.ª adjudicatária (confronto do teor da minuta com o teor da «ata de reuniões» que integra o Doc. 38 PI) [Quesitos 1 e 2 ]
11° — Tal minuta foi submetida à apreciação do IRAR, pela Câmara, também em 18 de Fevereiro de 2004 (art. 4° e Doc. n° 38 PI), o qual sobre ela se pronunciou nos termos do ofício de 8 de Março seguinte — com comentários a apenas três das suas cláusulas (Doc. n° 5 PI).
12° — A minuta do contrato que vem sendo referida não foi elaborada pelas técnicas do Gabinete Jurídico da Câmara ou pela funcionária da mesma que atuou como notária na escritura do contrato (depoimentos das mesmas técnicas, Dras. CA... e SC... e da testemunha Dr. JP...) [Quesitos 2 a 41].
13° — Após a entrega da minuta do contrato, seguiram-se conversações, entre a Câmara e o novo adjudicatário, sobre o conteúdo final daquele [A5].
14° — Pelo menos segundo a experiência da Concessionária, é usual — e mesmo praticamente inevitável — que, no quadro da celebração de contratos de concessão, decorra, entre a entidade concedente e o adjudicatário, um processo de reexame, acerto e definição final do conteúdo contratual, relativamente à proposta apresentada — desde logo, em razão do tempo entretanto decorrido. No caso, o contrato não era de natureza diferente do celebrado pela empresa adjudicatária com outros Municípios e o processo decorreu em termos semelhantes (depoimentos das testemunhas FC..., SC... e JM...) [Quesitos 2 a 41,
15° — No caso concreto, as conversações entre o Município concedente e o Adjudicatário prolongaram-se ao longo dos meses que mediaram até à celebração do contrato, e tiveram como pontos centrais — sem excluir outros, suscitados por uma ou outra das partes — os seguintes: — a intenção, manifestada pelo Município de alargar a área de cobertura dos serviços a concessionar, prevista na proposta do adjudicatário; — a possibilidade de tal se fazer através do recurso, pelo Município, a fundos comunitários ainda disponíveis, e a falta de falta de fundos próprios do Município para arcar com a sua comparticipação; — o problema da falta de licenciamento das origens da água e a possibilidade de aumentar a produção de água; — o aumento de investimento a assumir pelo adjudicatário; — a correspondente repercussão em termos de custos financeiros e operacionais, e, consequentemente, no nível das tarifas; — por outro lado, a necessidade de obviar a sobreposições detetadas entre o investimento em obras prevista na proposta do adjudicatário e investimento que entretanto foi sendo realizado pelo Município ou a realizar por este através do recurso a fundos comunitários (depoimentos das testemunhas FC..., SC..., e, em particular, JM..., e ainda das testemunhas NS..., Eng° VP... e Dr. LF..., os dois primeiro quanto às sobreposições e recurso a fundas comunitários, e o último quanto a tarifas) [Quesitos 2 a 4]
16° — Ao longo dessas conversações (em que foram considerados mais do que um cenário) foram mostradas e explicadas (designadamente com recurso a quadros e quantificando números) aos representantes do Município as incidências económico-financeiras — mormente no tocante às tarifas, e ao aumento real destas, em 4% ao ano, nos três primeiros anos da concessão — das alterações a introduzir assim no contrato final, relativamente à proposta inicialmente apresentada pelo adjudicatário (depoimentos das testemunhas Eng° FC... e, em particular; Eng° JM..., e ainda, quanta ás tarifas, da testemunha Dr. LF---) [Quesitos 2 a 4].
17° - Entretanto, resultou dessas conversações que a Concessionária pagaria ao Concedente, a título de retribuição da concessão, uma verba de 2 milhões de euros, com o objetivo de facultar à Câmara os meios financeiros de que necessitava para poder concorrer aos fundos comunitários (depoimentos do Eng° JM..., NS... e Eng° VP...) E resultou, bem assim, que a Concessionária entraria também com uma contribuição, até um milhão e cem mil euros, para a aquisição dos terrenos necessários às obras a realizar (depoimento do Eng° JM...). (Cfr., em definitivo, Documento referido infra, e 219. [Quesitos 2 a 4].
18° - Igualmente ficou entendido, nas mesmas conversações, que, no caso de se concretizar a utilização de fundos comunitários, e a Câmara vir assim a realizar obra ou investimentos previstos no plano da Concessionária, esta compensaria o investimento que assim deixava de efetivar com a realização de outro, de valor equivalente, É isto mesmo que vem a ser formalizado ulteriormente, já depois de celebrado o Contrato, pelo Protocolo assinado pelas partes em 2 de Setembro de 2005 (Doc. n° 3 Cont. e, por último, depoimento complementar do Eng° JM..., em 16X1.2009).
19° — No mesmo período que mediou entre a adjudicação e a celebração do Contrato, o Adjudicatário solicitou à Câmara informação vária, incluindo para «alteração ou confirmação dos pressupostos considerados na fase de elaboração da proposta» (fotocópias de fax enviados à Camara em 16 de Julho e 18 de Novembro de 2004 e de um fax da Câmara de 17 de Agosto do mesmo ano, Juntos pela Concessionária na audiência de 16.1(1,2009) [Quesitos 2 a 4].
20° - Durante esse mesmo período, mas sobretudo na parte final, foram sendo enviados pelo Adjudicatário à Câmara Municipal vários elementos relativos ao contrato, designadamente em minutas provenientes de escritórios de advogados ligados àquele (depoimento da Eng.' SP...) [Quesito 2].
21° — Em particular, o Adjudicatário, em 2 de Setembro de 2004 enviou à Câmara uma minuta alterada do contrato, chamando especificamente a atenção para os seguintes pontos: — comprometimento da Concessionária de contribuir para os custos de aquisição de terrenos, até ao montante de E 1.100.000 (cláusula 260); — consideração de um valor de retribuição ao Concedente de £ 2.000.000 (cláusula 710); — consideração de um aumento real das tarifas nos anos de 2006 a 2008 (cláusulas 64° a 69°) (Doc. n° 2 do requerimento do Concedente, de 8. V.2009) [Quesitos 2 a 4]
22° — Ao longo do processo antes descrito — e apesar de os seus serviços não estarem particularmente habilitados a seguir a conclusão de um contrato com tanta complexidade — a Camara não recorreu a qualquer assessoria externa para o efeito. Agiu num quadro de confiança com a adjudicatária AO--- (cfr. depoimentos das testemunhas NS... e Dr. JO...) [Quesitos 2 a 4].
23° No mesmo processo intervieram, por parte da Câmara Municipal do (...), designadamente o Vereador, e então Vice-Presidente, NS... e o Vereador Dr. LF--- (cfr•., desde logo., depoimento da testemunha Eng° JM...). Segundo o primeiro, o «contrato» (naturalmente a versão final) foi enviado à Câmara com tempo para poder ser por esta analisado; e o próprio nunca se sentiu enganado, naquelas conversações, pelo Adjudicatário — ainda que admitindo, agora, que algumas situações poderiam ter sido melhor esclarecidas pela empresa, mas que a Câmara o deveria ter solicitado na altura. De acordo com a perceção do segundo, tudo decorreu normalmente nesse processo de acerto do contrato entre a Câmara e o Adjudicatário; o mesmo admitiu que, face à urgência da Câmara, possa ter havido algum aproveitamento, mas não favorecimento, do Adjudicatário; e ainda acrescentou que o Anexo XV do Contrato [infra, n°s 39° e seguintes] não foi visto (pelo mesmo pelo depoente), nem tinha de sê-lo, já o tarifário sendo significativo (respetivos depoimentos) [Quesitos 2114].
24° — Entretanto, as alterações à minuta do contrato, na versão deste enviada pelo Adjudicatário em 2 de Setembro de 2004 (supra, n° 21°) — sintetizadas e explicadas num documento provindo do Adjudicatário — foram objeto da «Informação» pelas Técnicas do Gabinete Jurídico da Câmara, de 15 do mesmo mês, junta aos autos, por solicitação do Tribunal, na audiência de 2,VI.2009 — «Informação» essa que lhes foi solicitada, no mesmo dia, peio Vereador NS.... As mesmas Técnicas não tiveram qualquer intervenção no concurso da concessão em apreço, não conhecendo o respetivo Caderno de Encargos e Programa ou a minuta do contrato (depoimento das Técnicas, nessa mesma audiência) [Quesitos 2 a 4].
25° — Posto isso, a minuta do contrato, com as alterações nela assim introduzidas, foi aprovada pela Câmara Municipal em reunião de 20 de Setembro de 2004 (Doc. n° 1 da PI; e extrato da ata, constante da certidão junta pelo Concedente na audiência de 16.X1,2009) [Quesitos 2 a 5].
26° — Subsequentemente, foi submetida à Assembleia Municipal, em sessão de 1 de Outubro de 2004, «a apreciação e deliberação, sob proposta da Câmara Municipal, do Contrato de concessão da gestão e exploração dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do (...)» (Ponto 7 da respetiva «ordem de trabalhos»), tendo-se registado a sua aprovação, por maioria, por 30 votos a favor, 19 contra e 7 abstenções (certidão da ata da sessão da Assembleia, incorporando o Doc. n° 2 do requerimento da Concessionária, de 28. V2009) [Quesito 5].
27° — Mais tarde, no entanto, em 1 de Dezembro seguinte, uma nova versão do contrato vem a ser enviada pela AO--- (Eng° JM...) à Câmara Municipal (Vereador NS...), com a indicação de que assim se fazia «conforme o combinado» e de que se tratava «de pequenas alterações de redação e alterações nas cláusulas 9, 38" e 71" decorrentes da falta de licenças para as captações» (documento junto pela Concessionária na audiência de 16.XI.2009) [Quesitos 2 a 41.
28° — Esta nova e última versão do contrato, com a indicação das alterações que incorporava, acompanhada de uma nova «Informação» de uma técnica do Gabinete Jurídico da Câmara e do oficio do IRAR acima referido (no 11°), foi de novo submetida à Câmara Municipal, em sessão de 15 de Dezembro de 2004, e por ela aprovada por maioria (com uma abstenção, do Vereador do Partido Socialista) (extrato da acta da sessão, junta nas condições referidas supra, n°25°}. [Quesitos 2 a 51.
29° — Em sessão de 28 de Dezembro de 2004, foi novamente submetida à Assembleia Municipal «a apreciação e deliberação, sob proposta da Câmara Municipal, do 'Contrato de concessão da gestão e exploração dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do (...)» (Ponto 16 da respetiva «ordem de trabalhos»), tendo-se registado a sua aprovação, por maioria, com 46 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções (certidão da acta da sessão da Assembleia, incorporando igualmente o Doc. n° 2 do requerimento da Concessionária, de 28.17.2009) [Quesito 5].
30° — No tocante à sessão da Assembleia de 1 de Outubro, os respetivos membros «não foram informados em tempo útil» de vários anexos integrantes do Contrato de Concessão (declaração de voto dos deputados municipais do PSD, constante da respetiva acta, Integrando o Doc. n° 2 do requerimento da Concessionária de 28.V.2009), só lhes havendo sido entregues uma minuta do contrato e 2 anexos, com o tarifário e o tarifário reestruturado (depoimento das testemunhas Eng° JS... e Dr. JP...) [Quesito 5].
31° — Ainda no tocante à mesma sessão da Assembleia, de 1 de Outubro, e ao ponto em que apreciou o contrato ora em causa, os únicos documentos enviados àquela pela Câmara Municipal, e existentes no arquivo da Assembleia, foram, além do extrato da acta contendo a deliberação da Uniam e da «Informação» referida supra, n° 24°, a minuta do contrato e os seus anexos IX e X (com o tarifário e o tarifário reestruturado) e um «memorial», sem indicação de autoria, datado de Sintra, em 9 de Setembro de 2004, com a epígrafe «(...) — Principais vantagens da opção de adjudicação dos sistemas de Abastecimento de Agua e Saneamento ao agrupamento liderado pela AO---» (certidão emitida pelo Presidente da Assembleia, junta pelo Concedente em requerimento apresentado na audiência de 16,172009) [Quesito 5].
32° — Na mesma sessão da Assembleia foi prestada informação sobre as alterações introduzidas no contrato e debatida a questão das tarifas (depoimentos das testemunhas Eng° JS... e Dr. JP...; cfr. ainda certidão da acta, referida supra, n°26" [Quesito 3].
33° — Por sua vez, no tocante à sessão da Assembleia de 28 de Dezembro de 2004 e relativamente ao mesmo ponto, os únicos documentos enviados àquela pela Câmara Municipal, e existentes no arquivo da Assembleia, foram, além do extrato da acta contendo a nova deliberação da Câmara, e de cópia da «Informação» e do ofício reportados na mesma acta (supra, n° 28°), a parte da minuta do contrato relativa às cláusulas objeto de (nova) alteração (mesma colida() referida no número anterior)
110 [Quesito 5].
34° - A versão final do contrato, com todas as alterações sucessivamente introduzidas na respetiva minuta (incluindo, pois, a relativa ao tarifário), não foi submetida a nova apreciação do IRAR (ausência de referência, na deliberação da Câmara de 15 de Dezembro .
35° — Todo o «processo» antes descrito, veio a culminar, em 30 de Dezembro de 2004, na ratificação, pela Câmara, da adjudicação antes feita à Concessionária, e na celebração do Contrato de Concessão — por escritura pública da mesma data, outorgada perante a Notária Privativa da Câmara — entre o Município do (...) e a sociedade Demandante, «ÁGUAS (...), S.A.», entretanto constituída, para esse fim, pelo Adjudicatário [A]
36° — O Contrato de Concessão é o que se encontra nos autos, junto como Doc. n° 1 da P1, constituindo o documento anexo à escritura antes referida e compreendendo dezassete anexos [A7].
37° Entretanto, por aditamento de 22 de Abril de 2005, foi retirado ao Contrato de Concessão o Anexo XIII, denominado «Contrato de Construção» — contrato esse mediante o qual a Demandante transferia para o ACE contraparte desse contrato a realização dos trabalhos de conceção, projeto, construção e montagem de obras e equipamentos abrangidos pela concessão e respetivo de Plano de Investimentos, e que nos temias do Contrato de Concessão ficara a seu cargo (art. 18° e Doe, n° 2 Cont. e aras. 128° e 129° Répl.)
38° — Tal ocorreu — essa retirada do Contrato de Construção — em consequência da posição negativa (com devolução, sem visto, do Contrato de Concessão) tomada pelo Tribunal de Contas quanto à admissibilidade da sua inclusão (em razão de se excluir assim o concurso público para a realização das obras implicadas na concessão) no contrato principal (fotocópias dos ofícios do Tribunal de Contas, de 17 de Janeiro e 30 de Março de 2005, juntos pelo Concedente como Doc. n° 1, em 8,V.2009) [Quesito 4].
39° — Entre os anexos ao Contrato, conta-se o Anexo XV, contendo o respetivo «Caso Base», que exprime o modelo económico-financeiro do mesmo Contrato — na definição que neste último dele se dá: «o conjunto de pressupostos e projeções económico financeiras» [cláusula P, alínea d)) que «representa a equação financeira com base na qual se celebra o contrato» (cláusula 86", n° 4) — e que reflete, como resultado final, o clausulado no mesmo contrato ou noutros seus anexos (cfr. depoimentos dos FC... e SC...) O Anexo XV em causa foi elaborado pela empresa K---, com dados fornecidos pelo Adjudicatário e sendo da responsabilidade deste a sua validação e está referido à data de 7.11.2004 (certidão Integral da escritura do contrato, incluindo todos os anexos, junta pela Concessionária por requerimento de 11,111.09) [Quesitos 2 a 51.
40° — Esse Anexo XV do Contrato foi enviado pelo Adjudicatário à Câmara Municipal apenas em versão escrita, para ser incluído na escritura. A Câmara não solicitou ao Adjudicatário o envio de uma versão informática do mesmo Caso Base (cfr. depoimentos das testemunhas Engs° FC..., SC... e JM..., e ainda da testemunha Dr. LF---) [Quesitos 2 e 59].
41° — Ao longo das conversações atrás referidas foram, porém, exibidos à Câmara Municipal pelo menos os quadros mais importantes do Caso Base (depoimento da testemunha Eng° FC...) [Quesitos 2 a 4 e 59].
42° — A versão escrita do Caso Base, tal como consta da escritura do contrato, é legível, embora com a dificuldade decorrente do tamanho A4 em que está impressa — e contém uma folha inicial, com o «painel de controlo do modelo», que compendia todos os seus indicadores principais; mas deparou-se nele com quatro quadros de difícil leitura (documento referido supra, n° 39°; cfr. depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF..., e depoimentos das testemunhas "'hino da Conceição, VP..., JS... e, em particular, da testemunha Dr. NC--- ­com divergências; e ((Relatório da perícia», p. 7). Seja como for, essa versão foi utilizada, seja para preparar documento que serviu à Câmara para se decidir pela Modificação Unilateral do Contrato, seja nos documentos com que aquela encerrou o correspondente procedimento do reequilíbrio, como decorre das referencias ao Caso Base que • neles se faz (v. «Relatório» da empresa de consultadoria Planeamento e Arquitetura, Ld.ª", junto pelo Demandado em audiência de 2.V.1.2009, aquando da audição da testemunha Dr. NC---; e docs. 78 e 82 PI) [Quesitos 3 e 4 e 59].
43º — A versão editável do Caso Base — junta aos autos com o requerimento da Concessionária de 1../1.71. 2008 — corresponde à e reproduz a versão escrita do mesmo que constitui o Anexo XV do contrato de concessão (< Relatório da perícia» realizada no processo, n° 3; e já o depoimento da testemunha Dr. NC---) [Quesito 58].
44° — Ocorrem diferenças, com expressão significativa, entre o «Estudo Económico-Financeiro do Projeto de Concessão», que integra a proposta apresentada ao Concurso de Concessão pela Concessionária (junta em versão escrita, incompleta, pelo Concedente, com o requerimento de 13.1.09, e, incluído em versão CD da Proposta, junta pelo mesmo em 12 de Março seguinte; e junto, Integrando a versão integral da Proposta, e, por último em versão informática editável, pela Concessionária, com os requerimentos, respetivamente de 4. V e 17.V112009), e o Caso Base do Anexo XV do Contrato (depoimentos das testemunhas FC..., SC..., JM..., e ainda Eng° VP...) [Quesitos 3 a 51.
45° — As diferenças em causa, entre o mencionado «Estudo» da Proposta e o Caso Base do Contrato, no tocante aos elementos economicamente relevantes de um e outro, apuradas em perícia complementar, são as que constam do respetivo «Relatório», de 23.X2009 (a fls..), e se dão aqui por reproduzidas [Quesitos 3 a 51
46º -- Em esclarecimento solicitado pelo Tribunal, o Perito por este designado manifestou o entendimento de que a diferença da TIR acionista, que se verifica entre a o Estudo económico-financeiro que integrou a Proposta da Concessionária e o Caso Base do Anexo XV do Contrato (mais 1,49 ponto percentuais neste último, passando de 10,87% para 12,36%), não é despropositada ou desrazoável e pode justificar-se atento o aumento do investimento e o inerente aumento do risco da Concessionária (esclarecimento em audiência, em 16.2(1.2009) [Quesitos 3 a 5].

B) Início da concessão e assunção de infraestruturas preesxistentes
1°— A concessão teve inicio em 16 de Maio de 2005 — nessa data tendo a Câmara Municipal publicado Edital a transferir unilateralmente para a Concessionária todos os serviços de gestão e exploração dos sistemas municipais de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho do (...), com a introdução no objeto da concessão das infraestruturas preexistentes enumeradas no Anexo VI do respetivo Contrato (Doc. 6 P1) [A.9].
2° — Por Edital de 3 de Maio anterior, fora entretanto tornada pública pela Câmara a alteração à tabela de taxas relativas a esses serviços, para entrar em vigor quinze dias após a publicação (Doc. 4 P1) [A1
3° — A Concessionária aceitou expressamente a transferência antes referida e começou a operar os mencionados sistemas em 16 de Maio de 2005 (Doc. 10 PI), assumindo todas as atividades objeto do contrato de concessão (art. 210 PI e art. 57° Cont,) [A11].
— Por ocasião e em ordem à transferência referida e ao início da concessão, a Concessionária elaborou e apresentou ao Concedente o «auto de vistoria» e «auto de consignação», juntos como documentos nos 8 e 9 da petição inicial, os quais, todavia, não foram assinados (arts. 24°a 28' PI e ar!. 65° Cont.) [A121.
5° — A Câmara Municipal facultou instalações à Concessionária para que esta realizasse a vistoria subjacente aos autos antes referidos; e a correspondente pesquisa, levantamento e exame dos locais foi realizada com o acompanhamento de técnicos daquela (depoimentos das testemunhas JM... e PO...) [Quesito 71.
6° — Os autos referidos supra, n° 4°, foram entregues em mão, pela Concessionária, em reunião realizada na Câmara Municipal, em Maio de 2005, na qual participaram um Vereador e técnicos da Câmara — e ficaram para exame desta, que teve urna atitude de reserva, e não os aceitou de imediato nem veio a aceitá-los depois (depoimentos das testemunhas JM... e PO...; e ainda da testemunha VP...) [Quesito 7].
7° — Além das infraestruturas, relativas a abastecimento de água e a saneamento elencadas no Anexo VI do Contrato, outras, destinadas aos mesmos ou semelhantes serviços, existiam e existem na área do Município do (...) — que a Concessionária ião conheceu aquando da visita (prevista no Programa do Concurso) que efetuou previamente à apresentação da sua proposta ao concurso de concessão, e que só veio a identificar na vistoria agora em causa (depoimento das testemunhas JM..., PO... e depoimento parte, pela Demandante, do Eng° JF..., e ainda, quanto à primeira parte, depoimento da testemunha Eng° VP...) [Quesitos 8 e 9].
8° - Algumas das infraestruturas &meadas no Anexo VI do Contrato apresentavam-se mais degradadas cio que à época do concurso, e a Concessionária assumiu-as sob essa reserva (depoimento da testemunha Eng° PO... e Anexos aos «autos» referidos ,supra. n° 4°, integrando os Docs. 8 e 9 Pl) [Quesito 8].
9° - Relativamente às infraestruturas não elencadas no Anexo VI do Contrato, referidas supra, n° 7°, a Concessionária apenas assumiu ou integrou operacionalmente (não formalmente) no seu serviço as relativas aos sistemas de água (com ressalva das que continuam a ser operados por juntas de freguesia e mesmo outras entidades) e uma parte das relativas a saneamento: quanto a estas últimas, tão-só nas situações onde havia «clientes» que já o eram anteriormente da Câmara e foram «transferidos» para a Concessionária, e a que esta continuou a prestar o serviço nos mesmos termos (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e depoimentos das testemunhas Eng°s PO... e AC..., e cfr. ainda depoimento da testemunha Eng° VP...; em definitivo, mapa apresentado pela testemunha Eng° AC... na audiência de 18.111.2009, e que ficou junto aos autos) [Quesitos 9 e 10].
100 - O documento n° 7 junto pelo Concedente com o articulado superveniente de 5.X11,2008 reporta-se a um «cliente» nas circunstâncias antes indicadas (depoimento da testemunha Eng° AC... e documento junto pela Concessionária com a resposta de 19.X11.2008) [Quesito 10-C].
11° - As infraestruturas de saneamento antes referidas (IV 95 consistem em unidades de dimensão relativamente pequena, como reservatórios, fossas sépticas coletivas e ETAR's compactas, nomeadamente incluídas em urbanizações (em causa, estão apenas as já transferidas para o domínio municipal) que não se encontram licenciadas e se apresentam - polo menos algumas delas - muito degradadas (em más condições de equipamento ou funcionamento) e a maior parte sem clientes associados
(depoimento das testemunhas Eng°s JM..., PO... e AC...: cfr. ainda mapa apresentado por este último, referido antes) [Quesitos 9 e 10-13].
12° — Nas situações referidas no número anterior, e que não assumiu, a Concessionária só presta serviço avulso de limpeza, mediante pagamento (depoimento e mapa, já referido, apresentado pela testemunha A…) da Conceição [Quesito 9].
13° — A situação referida supra, n° 9°, mantinha-se sensivelmente nos mesmos termos à data do antes referido articulado superveniente do Concedente (assim decorre da própria resposta a esse articulado) — e mesmo depois (ainda o mapa apresentado pela testemunha Eng° AC..., Já referido) [Quesito 10-A].

C) Retribuição ao Concedente.
1° — Em 1 de Julho de 2005, a Concessionária pagou ao Concedente o montante de € 1.234.200, correspondente ao valor atualizado da primeira prestação, de 1.000,000, da importância de e 2.000.000, a qual, nos termos da alínea a) do n° 2 da cláusula 71° do Contrato de Concessão, era devida àquela pela atribuição da mesma concessão (ares. 17°/18° e 231° P1" e art. 192° Cone.) [6_12].
2° — A segunda prestação de E 1.000.000, prevista na alínea b) do n° 2 da referida cláusula 71° não foi ainda paga pela Concessionária, com fundamento em que ainda se dão venceu [A13].

D) Suspensão da taxa de venda de saneamento.
1° — Após uma primeira comunicação do Concedente, de 22 de Julho de 2005 (Doc. 11 P1), nesse sentido, após o esclarecimento subsequente da Concessionária e sua disponibilidade para analisar o assunto (Doc. 12 P1) e a reunião que sobre ele tiveram, foi suspensa, por determinação do Concedente, a faturação aos consumidores da parte do tarifário relativa à parcela variável do saneamento, denominada no Plano Tarifário «taxa de venda de saneamento» (Docs. 12, 13 e 14 PI) — com efeitos retroativos a Maio/Junho, isto é, logo ao primeiro período de faturação da Concessionária [Bi].
2° — Na comunicação enviada pela Câmara Municipal à Concessionária em 26 de Julho de 2005, relativa à suspensão antes mencionada, ressalva-se expressamente que «tal medida poderá provocar alterações que lesem a v/Empresa no plano financeiro» e que «se tal se verificar, esta Câmara por proposta minha [sen., do subscritor, Vice-Presidente da Câmara] irá assegurar tal diferença» (cit. Doc. 13 P1) [D2].
3° — A suspensão da faturação da «taxa do venda de saneamento» manteve-se ao longo da restante parte elo ano de 2005 e dos anos de 2006 e 2007 — só havendo cessado a partir do início do ano de 2008 [Docs. 81 (n° 4) e 82, In fine, P13 [R].
4° — Em consequência de tal suspensão, nos termos referidos, a Concessionária emitiu ao Concedente cinco faturas correspondentes aos montantes da taxa de venda de saneamento que deixara de faturar aos consumidores, relativas aos períodos de Maio a Outubro de 2005, Novembro de 2005 a Junho de 2006, Julho a Dezembro de 2006 e Janeiro a Dezembro de 2007, perfazendo — com a dedução que a Concessionária fez à primeira dessas faturas de uma importância por si devida ao Concedente — o montante total de e 949.761,52 (art. 54° e Docs.15 a 19 PI; art. 251° Cont) [a4].
5° — As faturas em causa respeitam apenas a taxa de saneamento (does. antes referidos) e os seus valores — ainda que globalmente expressos — nunca foram antes contestados pela Câmara, a qual procedeu mesmo a uma provisão para o seu pagamento (depoimentos das testemunhas Eng° AC... e Dr. JO..., este, especialmente, quanto ao último ponto) [Quesito li].
6° — Por outro lado, a solicitação da Concessionária, a Câmara prestou aos auditores daquela a informação de que o valor em que se encontrava em dívida com a mesma Concessionária, em 31 de Dezembro de 2008, era de E 1.078.126,28 — praticamente correspondente ao da soma das faturas atrás referidas (documentos 1 e 2 juntos pela Concessionária, pelo requerimento de 21.1E2009) [Quesito 11].
7° — Em 4 de Fevereiro 2009, a Câmara Municipal procedeu a um pagamento parcial à Concessionária, no montante de € 66,785,00, imputado ao valor da primeira das faturas supra referidas, tendo continuado sem pagamento o restante (documentos n° 2 junto pela Concessionária, pelo requerimento de 21.IV.2009) [Facto superveniente, que prejudica e altera o especificado em da Base Instrutória].

E) Revisão tarifária:
1° — Em 15 de Novembro de 2005, a Concessionária enviou ao Concedente, com a base do respetivo cálculo, o plano tarifário a aplicar em 2006 — tendo em conta o estipulado nas cláusulas 64°, n.º 4, e 69° do Contrato de Concessão (Doc. 22 PI) [Cl].
2° — Por indicação da Concedente, em reunião de 25 de Novembro seguinte, a aplicação do novo tarifário ficou, porém, suspensa, mantendo-se o tarifário inicial [C2].
30 — o Concedente e a Concessionária mantiveram então vários contactos sobre a revisão tarifária, tendo a Concessionária apresentado várias propostas ou cenários para a sua efetivação, os quais, porém, não foram aceites pela Câmara Municipal, porque, no entender desta, «nenhum deles correspondia ao objetivo perseguido [por ela] de baixar significativamente o tarifário» (arts. 72° segs. PI e art. 91°Cont.) IC31.
4° — As propostas antes referidas (da Concessionária) tinham sempre como pressuposto a manutenção da receita total (art.84° P1);
5° — Em 30 de Novembro de 2006, a Concessionária solicitou ao Concedente urna posição sobre a possibilidade de revisão do tarifário para 2007 (art. 163° e Doc. 45
P2) .
6° — Ao ofício em que formulou a solicitação antes referida, a Concessionária não juntou qualquer proposta de plano tarifário para 2007 (.. o respetivo documento e depoimento da testemunha Eng° AC...) [Quesito 121
7° — Até 31 de Dezembro de 2007 manteve-se em vigor, pois, o tarifário de 2005 LQ1.
80 — À data de 18 de Novembro de 2008 (apresentação de articulado superveniente pela Concessionária), o Concedente não tinha ainda submetido ao IRAR a proposta do revisão do tarifário para 2009 (que lhe tinha sido enviada por aquela em 29 de Outubro anterior). Veio a fazê-lo em 24 do mesmo mês de Novembro (documento n° 5 da resposta do Concedente, de 2.XII. 2008, àquele articulado), sendo que, entretanto, se pronunciara sobre a mesma proposta, junto da Concessionária, em 21 ainda desse mês (documento n° 6 da mesma resposta do Concedente) [Quesitos 12-A o

F) Plano de investimentos e projetos de execução de obras e disponibilização de terrenos:
1º O Contrato de Concessão compreende um Plano de Investimentos — Anexo VIII — por cuja execução ficava responsável a Concessionária (cláusulas 47" e seguintes)
2° — Durante o «período de transição», decorrido entre a assinatura do contrato e a assunção dos sistemas pela Concessionária (cm Maio de 2005), esta não apresentou ao Concedente qualquer projeto de execução de obras, designadamente relativos às obras a candidatar pelo Município a fundos comunitários [cfr. supra, alínea A), nos 17° e 21°], que a Câmara ficou a aguardar desde o inicio (cfr. a data da primeira apresentação de projetos: infra, número seguinte; e depoimento da testemunha Eng° VP...) [Quesito 27].
3° Em 11 de Agosto de 2005, a Concessionária apresentou ao Concedente três projetos de execução de obras (Doc. 50 191), que foram por ele aprovados desde que fossem "levadas em linha de conta as recomendações" mencionadas no Doc. 51 junto com a P1 (arts. 194° e 195° PI e art. 149° Cont) [D2].
4° Em 31 de Agosto e 27 de Outubro do mesmo ano, foram apresentados pela Concessionária outros projetos de execução de obras, que, porém, não foram objeto de pronúncia por-parte do Concedente (arts, 202' e 203°, e Docs. 55 e 56 P1) [Dal
5° — Os primeiros projetos de execução de obras apresentados não continham os «pormenores-tipo», mas a situação ficou sanada com a apresentação dos projetos de 31 de Agosto (depoimento da testemunha Eng° VP...) [Quesito 29].
6° — Estes últimos projetos — os apresentados em 31 de Agosto — foram os disponibilizados pela Concessionária para o Concedente candidatar, como candidatou, a fundos comunitários disponíveis (do Programa Operacional do Norte - PON) algumas obras (de saneamento), destinadas a alargar as redes da concessão, e a ser integradas nesta (arts. 2320 e 233° P1 e art. 192°-3°/5° e Doc. 3 Cont) [D10, com mais precisa especificação e completado pelo depoimento da testemunha Eng° VP...].
7° — No primeiro semestre de 2006 a Concessionária procedeu ao levantamento das necessidades em termos de infraestruturas prioritárias e das intervenções a realizar, bem como ao levantamento das zonas do concelho para a implementação dessas infraestruturas (arts. 216' e 218° P.1 e art. 186° Cont) [D5].
8° -- A Concessionária veio a apresentar ulteriormente novos projetos de execução de obras (arts. 208° c Doc. 58, e 211" PI; e cfr. art. 178° Cont., impugnando apenas parcialmente).
9° — Até 31 de Dezembro de 2006, a Concessionária já tinha enviado ao Concedente os projetos de execução referidos no art. 212° P1 (cfr., de novo, art. 178° Cont., [W].
10° — Destes projetos — os quais, acrescidos de um ai ao mencionado, mas constante do doc. 58 PI, perfazem um total de 32 (cfr ainda depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e depoimento da testemunha Eng° AL..., sem contestação especifica, quanto a esse total, por testemunhas do Município) —120. são os referidos supra, no 3°, seis e um, respetivamente, os entregues em 31 de Agosto e 27 de Outubro de 2005 (agora, n° 4°) e dezasseis foram entregues em 21 cia Julho de 2006 (Doc. 58 P/). Quanto aos restantes sois (os últimos referidos a fls. 3 do doc. 58 P1) não se apurou a data da sua apresentação. A Concessionária ainda veio a apresentar alguns projetos de obras em 2008 (depoimento da testemunha Eng° JS...; e «Relatório» de gerência da Concessionária relativo a 2008, junto corno documento n. °3 do requerimento de 12.V1.2009). [Quesito 30].
11° — Por outro lado, em 26 de Abril (ou seja, antes ainda da transferência dos sistemas) e em 20 de Junho de 2005, a Concessionária solicitou ao Concedente a disponibilização dos terrenos referidos nos artigos 197° a 199° da Petição (e Docs. 52, 53 e 54, aí mencionados) [1341].
12° -- Entretanto, após as eleições autárquicas de 2005 e a entrada em funções do novo Presidente e da nova vereação da Câmara Municipal do (...), esta última — no seguimento, de resto do que já havia sido debatido e anunciado durante a campanha eleitoral — comunicou à Concessionária a sua intenção de proceder a uma análise global do contrato de concessão [v, infra, alínea DL em ordem uma sua revisão que conduzisse, por um lado, a um abaixamento considerável das tarifas e, por outro lado, a um alargamento da área de cobertura da concessão — sem excluir, nesse quadro, a própria possibilidade ou eventualidade da rescisão do contrato [depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e da testemunha Eng° JM...; depoimentos de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara e da testemunha Eng° JS...; doc. 70 PI, com entrevista do Presidente da Câmara; e, quanto à hipótese de rescisão ou resolução do Contrato, ainda o depoimento da testemunha Dr. NC--- e o «Relatório» junto aquando do mesmo depoimento, referido 6upra, aliena A), n° 417 [Quesitos 13 e 14].
13° — Aquando da análise e avaliação do contrato, antes referida, a Câmara Municipal não emitiu qualquer instrução formal, dirigida à Concessionária, no sentido de esta suspender a execução do Plano de Investimentos do Contrato (depoimentos de parte, pelo Demandado do Presidente da Câmara e da testemunha Eng° JS...; e ausência nos autos de qualquer documento que mostre o contrário) [Quesito 141.
14° — Todavia, nesse mesmo contexto, a Câmara Municipal — designadamente na reunião de 5 de Janeiro de 2006 — anuiu ou aceitou implicitamente, pelo menos, que, enquanto decorressem as negociações entre as partes e não houvesse unia decisão quanto ao futuro ou destino da concessão, não fazia sentido iniciar o Plano de Investimentos (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e da testemunha JM...) [Quesito 13].
15° — A Concessionária não formalizou junto da Câmara, em comunicação a tanto especificamente destinada, tal entendimento, nem lhe opôs, por essa via, alguma ressalva ou reserva (depoimento de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara; e ausência nos autos de qualquer documento nesse sentido) [Quesito 15].
16° — A Concessionária suspendeu efetivamente, a partir de então, a execução do Plano de Investimentos (infraestruturas novas) mantendo apenas investimentos e obras necessárias à operacionalidade dos sistemas existentes — e fazendo depender de indicação expressa da Câmara a realização de obras de infraestruturas, que, apesar de tudo, se mostravam prioritárias (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e das testemunhas JM... e AC...) [Quesito
17° — Nesses investimentos (que a Concessionária continuou, de todo o modo, a promover) contam-se nomeadamente: os relativos a telegestão, beneficiação de reservatórios, beneficiação da ETA, alternativas de captação de água e informação geográfica (cadastro) (depoimentos de parte, pela Demandante, do Ene JF... e das testemunhas Eng° AC..., e ainda Eng° VP...; cfr, artigos 214°, 215°, 217°, 219° e 220° PI) .
18" — Por outro lado, e ainda no contexto que vem referindo-se, a Concessionária tão-pouco se prevaleceu do silencio (ou «aprovação» tácita) da Câmara sobre os projetos (cláusula 51a, n° 3, do Contrato de Concessão), para lhes dar execução (depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e das testemunhas JM... e AC...) [Quesito 19].
19° -- Fê-lo, não só em razão dessa mesma suspensão, mas ainda porque não seria Guria) não colher o parecer da Câmara e respetivos serviços, que conhecem o terreno e podem formular sugestões e alterações (como aconteceu com os primeiros projetos: supra, n° 3°) (depoimentos de parte, pela Demandante, Eng° JF... e das testemunhas JM... e AC...) [Quesito 23].
20° — Só com a comunicação da Câmara à Concessionária, da decisão de promover a modificação unilateral do contrato, o Concedente invocou perante a segunda o facto de ela não estar a executar o Plano de Investimentos, apesar de os projetos se acharem «tacitamente deferidos» (depoimentos das testemunhas JM... e AC...; e cfr. ainda o depoimento de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara). [Quesito 22].
21° — Nessa oportunidade, e em resposta ao assim referido em tal comunicação, a Concessionária explicou ou justificou por que não se prevalecia de tal «deferimento tácito» (carta de 6 de Agosto de 2007, Doc. 69 PO. Antes disso a questão não era levantada (depoimento da testemunha Eng° AC...) [Quesito 24].
22° No seu «Relatório de Gestão» relativo a 2006, apresentado em 2007 (Doc. 29 P1), a Concessionária refere que «o Plano de Investimentos, na sua componente de construção de novas infraestruturas foi suspenso a pedido da Concedente. Uma referência expressa similar não se encontra noutro documento junto aos autos, nomeadamente no «Relatório de Gestão» da mesma Concessionária relativo a 2005 e apresentado em 2006, no qual ainda se faz uma apreciação positiva do decurso da concessão. (Doc. 57 PI) [Quesito 17].
23° — Ao longo do ano de 2006 e ainda em 2007 — mais precisamente: em 30 de Janeiro, 21 de Julho e 21 de Agosto de 2006 e em 9 de Fevereiro e 7 de Novembro de 2007 — a Concessionária enviou ao Concedente as cartas, relativas ao funcionamento e andamento da concessão, que correspondem aos documentos n°8 26, 58, 27, 60 e 63 juntos com a petição inicial, e cujo teor é o desses documentos. A tais cartas não houve resposta. (V. arts. 206°, 208°, 209° e ainda 222° e 224° e 274° PI e docs. aí referidos; e cfr. o reconhecimento explícito ou implícito dessa correspondência nos arts. 168° segs. Cont.) [pá] .
24° — Nas cartas de 30 de Janeiro e 21 de Agosto de 2006 e de 9 de Fevereiro de 2007 (Docs. 26, 27 e 60 PI) — e ainda na última referida, mas esta posterior já ao anúncio da Modificação Unilateral do Contrato — a Concessionária pede à Câmara que tome posição sobre, ou dê indicação ou autorização para a execução de obras relativas a «novas infraestruturas», tidas como prioritárias pela mesma Concessionária (mais precisamente, as obras de renovação e substituição das condutas adutoras entre a ETA e três reservatórios, sendo que tais obras eram, inclusivamente, as dos três primeiros projetos apresentados pela Concessionária, sobre que a Câmara chegou a pronunciar-se: suo, n°3°) [Quesitos 15, 16 e 17].
25° — A suspensão e a não realização do Plano de Investimentos ocorreram nas circunstâncias referidas ao longo dos números anteriores [Quesitos 25 e 26].
26° — A suspensão da cobrança da tarifa de saneamento e a não atualização do tarifário em 2006 e 2997 implicaram, no imediato, uma diminuição dos meios de financiamento da Concessionária, que ela poderia afetar a investimento {cfr. supra, alíneas D), n° 7°, e E), n° 5°] [Quesito 25].
27° — Dos terrenos referidos mim, n° 11°, apenas foi disponibilizado — ainda durante o mandato do anterior executivo da Câmara — o referido no Doe. 52 P1, estando a situação ultrapassada; e, quanto ao referido no Doc. 54, decorriam negociações com o proprietário, em finais de 2008, para obter a sua disponibilização (depoimentos das testemunhas VP... e JS...). A não disponibilização dos terrenos é impeditiva da realização das obras a que os mesmos se referem, mas não necessariamente a realização de outras (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e depoimento da testemunha Eng° AC..., e, ainda, dos VP... e JS... — com divergências) [Quesitos 21 e 22).
28° — Já depois de apresentados os articulados — o que é dizer, depois também da Modificação Unilateral do Contrato — a Concessionária continuou a não executar obras referentes a infraestruturas prioritárias, designadamente na conduta adutora entre a ETA do Semealho e o reservatório de Maria Gil. Isso, por entender que se trata de obra nova — a responsabilidade cuja execução passou, com aquela Modificação, para o Concedente, mas relativamente à qual continuou a adotar a posição descrita supra, n° 16°, ou seja, de procurar uma solução de acordo com a Câmara, como já tinha feito antes (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e depoimento da testemunha Eng° AC..., e Doc. 63 PI, referido, supra, n° 23) [Quesitos 26-A e 2.6_43].
29° — A obra referida no número anterior tem as características e implicações referidas no doc. 63 PI. A infraestrutura em causa já existente — tem a extensão total de 6 a 7 quilómetros; a obra a executar, sendo diferente consoante os troços, passará, em quase todos deles, pela renovação e substituição da conduta e, num deles, mesmo pela construção-de uma conduta nova, noutro local (depoimentos das testemunhas VP... e SM...) [Quesitos 26-A e 26-13].
30° — As obras referidas supra, n° 6°, foram adjudicadas e iniciadas no 1° trimestre de 2007 (depoimento de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara e depoimento da testemunha Eng° VP...) — sendo que as candidaturas das mesmas aos fundos comunitários disponíveis só foram aprovadas no final de 2006 (depoimento da testemunha Eng° JS...). O início dessas obras não foi comunicado formalmente à Concessionária (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e da testemunha AC...), delas só tendo tido conhecimento informal (cfr.. «Relatório e Contas» da Concessionária, relativo a 2008, p. 8, por ela junto em 20.1V.2009; cfr., ainda, depoimento do Ene Virar Pires), O prazo para a sua conclusão era o 1° semestre de 2008 (depoimentos Imediatamente antes mencionadas), sendo que estava ligado ao prazo de utilização dos fundos comunitários em causa
(depoimento da testemunha Eng° JS..., e ainda, depoimento da testemunha Eng° AC... 1 o). As obras, porém, só ficaram concluídas no semestre seguinte, salvo quanto a uma delas (uma ETAR), ainda não terminada (depoimentos das testemunhas VP... e JS...). À data dos depoimentos, encontravam-se — ao menos algumas dessas obras — em procedimento de entrega à Concessionária (depoimentos das testemunhas acabadas de citar e ainda da testemunha Eng° AC...; e documentos. 5 e 6, juntos pelo requerimento da Demandante, de28.V.2009) [Quesito 31].
31° — A par das obras — obras de saneamento — a que se refere o número anterior, o Concedente, aproveitando a abertura das valas a que as mesmas obrigavam, instalou igualmente condutas de água, numa extensão de aproximadamente 11 quilómetros; e, além disso, construiu 4 ETAR's (duas delas já incluídas no Plano de Investimento da concessão), das quais apenas uma (em Soalhães) corista do elenco dos projetos respeitantes às mesmas obras (supra, n° 6"), mas que foi, por sua vez, objeto de alargamento e modificação, relativamente ao inicialmente projetado. Tal representará um aumento potencial de clientes e u potencial beneficio (acréscimo de receitas) para a Concessionária (depoimentos das testemunhas VP... e JS... e confronto com doc. 55 PI). [Quesito 32].
32° -- O valor total do investimento da Concessionária contratualmente previsto para 2005, 2006 o 2007 era, respetivamente, de 18.211.194, C 13.270.792 e 7.825,614, a preços constantes de 2003 (artigos 95° e 97° PI). Desses valores, a Concessionária executou investimento, durante o ano de 2005, no valor de E 4,005.574 (art. 205° PI) e, até 31 de dezembro de 2007, e desde o início da concessão, no valor acumulado de E 7.106.891,65 (art. 230° PI) [D1].
33" -- Em 16 de Setembro de 2008, realizou-se uma reunião entre representantes da Concessionária (Engºs AC... e JF...) e representantes da Câmara Municipal (Vereador Eng° JM... e Eng° C...), com o objetivo de aquela colher informação sobre o andamento das obras referidas supra, sob os n.ºs 6° e 30°, e sobre o que a Câmara projetava fazer em 2009, para a Concessionária organizar o seu orçamento. Do que foi dito nessa reunião por aquele Vereador, extraíram os representantes da Concessionária a percolação e a convicção claras de que a Câmara não ia realizar obra nova (respeitante ao objeto da concessão) no ano de 2009, e previa investir (nesse mesmo domínio) até 2013 a verba de 3,7 milhões de euros, com um apoio do QREN de 2,6 milhões de coros (depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e da testemunha Eng° AC...). [Quesitos 32-A e 32­C].
34" - Tal perceção e tal convicção ficaram registadas em documento redigido pelos referidos representantes da Concessionária (denominado de «acta» da mencionada reunião) e que foi enviado por correio eletrónico ao Vereador JM..., em 10 de Outubro seguinte; ao que se seguiu, em 31 do mesmo mês, uma carta da Concessionária à Câmara, advertindo para quanto o antes referido representava, em termos de incumprimento ou impossibilidade de cumprimento do novo Plano de Investimentos da concessão, tal como estabelecido pela Modificação Unilateral do Contrato (documentos n° 1, última parte, e n° 2, juntos com o articulado superveniente da Demandante, de 18.X1. 2008) [Quesitos 32-A e 32-B].
35° — Segundo o Vereador Eng° JM..., a perceção, que os representantes da Concessionária colheram da mencionada reunião, é errada, não correspondendo o que se refere na dita «acta», no seu todo, ao conteúdo da reunião, e ao que nela afirmou, e não sendo corretas as conclusões tiradas (seu depoimento como testemunha) [Quesitos 32-B e 32-c].
36° — Com referência à carta da Concessionária, de 31 de Outubro, a Câmara Municipal enviou àquela um oficio, em 26 de Novembro (posteriormente, pois, à apresentação pelo articulado superveniente pela Demandante), no qual, e em resumo (no que possa aqui interessar), diz: — que, no quadro do PONorte-QREN, está atribuída ao Município do (...) uma verba de 11 milhões de euros, nos quais se inclui uma verba de 2,6 milhões para o ciclo da água, estando a trabalhar-se nos respetivos projetos e indo realizar-se as correspondente obras em 2009; — que, adicionado isso às obras entretanto em vias de conclusão, se atingia em 2008 e 2009 um investimento dentro da média prevista; — e que, essas verbas do QREN seriam apenas uma parte do financiamento comunitário possível, porque seriam ainda apresentadas candidaturas a um outro programa, o Programa Operacional de Valorização do Território, de âmbito nacional (documento n° 1 junto com a resposta do Demandado ao articulado superveniente da Demandante) [Quesito(32-C e 32-D].
37° — O Plano e o Orçamento da Câmara Municipal do (...) para o ano de 2009 não previam qualquer verba para a realização de obras novas (isto é, para além das já em curso) respeitantes ao objeto da concessão; por outro lado, não havendo qualquer obra lançada em Março de 2009 (data do depoimento), não se via como pudesse haver obra realizada até ao fim do ano (depoimento da testemunha Eng° AC...) [Quesitos 32-A e 32-B].
38° — Atendendo à natureza nacional do Programa, e ao seu primário destino para investimentos intermunicipais, não se afigura muito fácil, se não possível, que o Município do (...), concorrendo com o conjunto de todos os municípios do País, possa vir a beneficiar de verbas significativas do referido plano «nacional» do QREN (depoimento da testemunha Eng° AL...) [Quesitos 32-A e 32-B].
39° — O Município do (...) encontra-se numa situação financeira difícil, tendo apresentado a quem de direito um Plano de Reequilíbrio Financeiro, em Abril de 2009 (documento n" 2 junto pelo Demandado em 18.VI.2009) [Quesitos 32-B a 32-D).

G) Regulamento dos serviços.
1" — Após obter, junto do Concedente, uma prorrogação do respetivo prazo, a Concessionária enviou e submeteu à aprovação daquele, em 6 de Outubro de 2005, uma proposta do «Regulamento de Serviços» contratualmente previsto (arts. 1730/174° e Doc. 49 PI).
2" — O Concedente, porém, não contactou ainda a Concessionária sobre tal proposta, nem procedeu à sua aprovação (art. 178° PI e art. 147° Cont.) [p2],
3° — O «Regulamento dos Serviços» permitirá uma melhor regulação e prestação dos serviços de água e saneamento (em aspetos como, por exemplo, os da prevenção da contaminação dos sistemas, do controlo do fornecimento e da qualidade da água, e outros: cfr. os artigos 179° e 180' da Petição) e é necessário para corrigir a desatualização e insuficiências do Regulamento em vigor; mas não se provou que fosse «essencial» para o funcionamento dos serviços (depoimentos do Eng° AC..., e ainda do Eng° VP... — com divergências) [Quesito33].

H) Auditoria do IRAR:
1° — Por solicitação do Concedente (art. 237° e 239' PI e art. 198°4° Com), o Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR) promoveu uma auditoria à concessão, que se iniciou em Fevereiro de 2007 [fi] •
2° — Após a apresentação de um relatório preliminar, para efeitos de contraditório, o IRAR apresentou em 17 de Julho do mesmo ano o seu relatório definitivo, que constitui o documento 65 junto com a Petição Inicial — e cujas observações e conclusões (parcialmente transcritas pelas partes, naquela Petição e na Contestação) se dão aqui por reproduzidas, no que ao objeto da arbitragem possa interessar [P21.

I) Modificação Unilateral do Contrato de Concessão:
1° — A partir de Novembro de 2005, com a entrada em funções do novo Executivo da Câmara Municipal do (...), emergente das eleições autárquicas desse ano, entendeu essa Câmara reapreciar e reavaliar o Contrato de Concessão, do que logo fez ciente a Concessionária, em reuniões de 25 daquele mês e 1 de Dezembro (cfr. arts.. 74°e 80° PI) [M]. [Cfr. já supra, alínea F), n° 121.
2° — Em consequência da posição assim assumida pela Câmara Municipal, iniciou-se um longo processo de discussão e negociação entre as partes, que decorreu basicamente durante todo o ano de 2006 e o primeiro semestre de 2007, e que pode ver­-se pormenorizadamente descrito ao longo da Petição Inicial (v, nomeadamente arts. 82°, 87°, 99°, 105°, 108° segs., 126°, 132°, 152°) — descrição que, ao menos quanto às suas linhas gerais e ao seu objeto, o Concedente não põe em causa na Contestação (e antes 6 aí confirmada: cfr. art. 137°) [G2].
3° - Entretanto, em Julho de 2006, foi o Contrato de Concessão objeto, igualmente, de reavaliação pela Assembleia Municipal do (...) (art. 136" a 140° P1) — em reunião para a qual a Concessionária foi convidada pela Câmara (art. 126° e Doc. 33 PI), e para cuja presença aquela se disponibilizou nas condições referidas na sua resposta (Doc. 34 e arts. 12r, transcrevendo, e 128°1'1). Tal presença, porém, não chegou a verificar-se (art. 136° PI e art. 119°, 2" parte, Cont.)
Os termos da reavaliação levada a cabo pela Assembleia são os constantes do «Ponto Quatro» da Acta da respetiva reunião, junta como Doc. 37 PI, de onde decorre que, representantes de várias forças políticas nela representadas fizeram urna apreciação crítica do Contrato e da atuação da Concessionária. [G3].
4° — No processo negocial referido, em suma, estava essencialmente em causa o nível tarifário e «o objetivo de manter as taxas e tarifas aos utentes em patamar mais próximo do existente no início de 2005» (v., por intimo, art. 137° Cont., e cfr. art. 21° Répl) [Ç4].
5° - Ao longo desse processo, as partes — um e outra — foram apresentando várias propostas ou cenários de solução do problema (cfr., em particular, arts. 860, 110", 1530, 159", e Docs. 25, 43 e 44 P1), mas sem que alguma delas haja sido aceite (cfr., nomeadamente, art. 151" e Doc. 42, e art. 161° todos da P1) e sem que, portanto, hajam chegado a acordo (05].
6° — Durante o mesmo processo a Concessionária apresentou-se sempre disponível para encontrar uma solução, nomeadamente considerando a possibilidade de recorrer a novos fundos comunitários ou mesmo a da sua participação numa empresa mista, e apresentou ao Concedente vários cenários sobre as possibilidades e implicações das modificações pretendidas, seja em termos de investimento seja em termos de tarifas (v. Docs. 25 e 44 PI„- cfr, ainda Parecer do IRAR, Doc. 68 PI, p. 54, observado relativa à clausula 86° do Contrato). Tal disponibilidade, porém, esteve limitada á manutenção dos pressupostos económico-financeiros da concessão (ainda que haja chegado a encarar-se uma solução que se dizia implicar redução da TIR: cfr. cit. Doc. 44) e à impossibilidade, segundo a Concessionária, de simultaneamente aumentar investimentos e reduzir tarifas (Depoimentos de parte, pela Demandante, do Eng° JF... e das testemunhas FC..., JM... e AC...; e cfr. depoimentos das testemunhas VP... e JS...) [Quesitos 34 e 351
7° — Os níveis tarifários propostos pela Concessionária para o ano de 2006 (Doc. 22 PI) apresentavam-se, no que toca às tarifas variáveis de água e saneamento, como consideravelmente superiores aos praticados em municípios vizinhos (como Penafiel e Amarante, onde a prestação dos correspondentes serviços permanece «municipalizada») ou no município de Santa Maria da Feira (onde essa mesma prestação de serviços se encontra concessionada) (documento junto pelo Concedente por requerimento de 8.1".2009; cfr. ainda depoimentos das testemunhas Eng° VP..., Eng" JS... e Dr. JT...), na medida em que, em cenários referidos no número anterior, a Concessionária figurou o aumento de algumas das tarifas mencionadas propostas para 2006 (Doc. 25 PI), elas eram aí, pois, ainda mais altas do que as correspondentes nesses outros municípios [Quesitos 36 e 37].
8° — Respondendo à proposta de diminuição do tarifário que lhe foi enviada pelo Concedente em 1 de Setembro de 2006 (Doc. 43 PI), e que se traduzia numa redução global da sua receita (ao longo da concessão) de 32%, a Concessionária considerou que o seu acolhimento exigiria uma redução do seu investimento de 57,3 ME (preços de 2003) para 18,3 ME pelo que contrapropôs uma alternativa, que passava por uma diminuição tarifária menor, implicando uma diminuição da sua receita em 20%, com uma diminuição do seu investimento para 25ME — redução do investimento, pois, de 68%, no primeiro caso, e de 56%, no segundo, ou seja, reduções de investimento em mais do dobro das reduções da receita (Doc. 44 P1). Não existe, porém, «uma relação economicamente determinística entre as duas variáveis, pois, num projeto de investimento, não tem de se verificar uma qualquer constante de proporcionalidade entre variações de investimentos previstos e alterações de proveitos esperados» (resposta unânime do «Relatório» da perícia, n° 4.1; de resto, cfr. já depoimento da testemunha Dr. JT...) [Quesito 38].
9° — Frustrado o processo de negociação que vem referindo-se, e depois da apresentação do relatório final do IRAR, atrás mencionado [v. um, alínea H), n° 21, o Concedente anunciou à Concessionária, em 24 de Julho de 2007, a sua intenção de proceder à «Modificação Unilateral do Contrato de Concessão», e de abrir com ela as respetivas negociações (art. 252' e Doc. 67 P1) M].
10° — Os termos e pressupostos da modificação anunciada são os que constam do documento antes citado, compreendendo basicamente quatro vetores: — a revisão e recalendarização do Plano de Investimentos, retirando deste e à Concessionária, e passando para o Concedente, a responsabilidade pelos investimentos em terrenos, obras, equipamentos e instalações que aquela não tivesse ainda realizado, e mantendo na responsabilidade da Concessionária os investimentos referidos nos arts. 255° e 256° PI; — o pagamento de uma renda, pela Concessionária, pela afetação à concessão das infraestruturas, equipamentos e instalações, cuja execução ficava a cargo do Concedente; ­fixação em 85% e 75% das taxas de atendimento no abastecimento de água e no saneamento; — estabelecimento de um tarifário inferior em 30% ao então previsto, tendo as atualizações em conta o perfil dos utilizadores e as praticadas em municípios vizinhos (c.fr. arts. 254° a 258° P1) [g_2],
11º — Na fundamentação da sua deliberação, o Concedente, através da sua Câmara Municipal, invoca a inexecução do Contrato de Concessão por parte da Concessionária — alegando, nomeadamente, que esta não estava a cumprir o Plano de Investimentos, não obstante terem sido «tacitamente deferidos» os projetos de execução por si apresentados e que «tal inexecução consubstancia um incumprimento gravíssimo e continuado ou reiterado das obrigações emergentes do contrato» por parte dela, o qual «persiste, nomeadamente, desde há mais de dois anos e meio, sem que a Concessionária tenha tornado qualquer iniciativa para reverter a situação» — mas invoca também o interesse pública (cfr. art. 252° e doc. 67 PI e art. 204° Cont) [08].
12° — À comunicação do Concedente respondeu a Concessionária em 6 de Agosto seguinte, nos termos do Doa 69 PI [O].
13° — Nessa resposta, a Concessionária não impugnou a faculdade de o Concedente promover a modificação unilateral do contrato, mas rejeitou expressamente, ab initio, que esta se pudesse fundar em «qualquer tipo de insatisfação por incumprimento contratual da sua parte» e que antes se devia a «uma legítima alteração de perspetiva e da estratégia da Câmara Municipal relativamente aos investimentos a realizar, ao nível de Serviço e aos valores tarifários suscetíveis de serem transmitidos aos munícipes, na sequência das recomendações formuladas pelo IRAR» (art. 276° P1) [010].
14° — Em 28 de Setembro de 2007 o Concedente comunicou à Concessionária a manutenção da sua deliberação de modificar o contrato — repetindo basicamente, nessa deliberação final, os fundamentos antes invocados, mas acrescentando-lhes uma contradita do que fora alegado pela Concessionária, sobre o seu comportamento, na resposta referida supra, n° 12° (art. 291° e Doc. 74 PI) [2.1_1],
15° — A Modificação Unilateral do Contrato — tendo sido anunciada em Julho de 2007 (supra, no 9°) — só começou a produzir efeitos em 1 de Janeiro de 2008 (Docs. 78 e 82 PI; e depoimentos de parte, pelo Demandado, do Presidente da Câmara, e da testemunha Eng° AC...) [Quesito 39].

J) Reequilíbrio económico-financeiro da concessão:
1° — Comunicada à Concessionária, em definitivo, a modificação unilateral do Contrato, iniciaram-se então as negociações com vista à reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão, negociações que tiveram por base o documento, elaborado e apresentado pelo Concedente, junto com a petição inicial como Doc. 75, e que decorreram ao longo de várias reuniões, nomeadamente em 31 de Outubro e 26 de Novembro de 2007 [1-111.
2° — Nessas negociações a Concessionária apresentou vários cenários e estudos alternativos desenvolvidos por si (arts. 300' e 296", ab initio, P1, e cfr. arts 227° e 228° Cont.,) e forneceu ao Concedente os elementos por este solicitados, incluindo relativos ao Caso Base do contrato (arts. 304" e 305° e Does. 76 e 77 P1). Mas, mantendo as partes as suas divergências amplamente reveladas pelo teor da Petição (art.ºs 291° segs.) e da Contestação (arts. 227° sega) — o termo do prazo das negociações chegou sem que tivesse havido acordo (art 3070 P1) U-12.1.
3º Posto isso, o Concedente, cm 28 de Janeiro de 2008, comunicou à Concessionária o «encerramento do período de negociações relativas à reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato» (art. 308' e Doc. 78 PI e art. 229° Cont.).
4º A essa comunicação juntou o Concedente o documento a ela anexo, em que são analisados os termos da Modificação Unilateral do Contrato, e em que conclui que «com eles se atinge um novo equilíbrio económico-financeiro, não havendo assim qualquer obrigação de reposição [desse equilíbrio] por força da modificação do contrato imposta pela CMMC» (art. 310° e Doc. 78 P1 com transcrições nos artigos seguintes da Petição, em que se explicitam os fundamentos dessa concitado) [HM.
5° — Convidada a Concessionária a pronunciar-se sobre essa comunicação e sobre esse documento, e porque aí se fazia referência a um documento complementar, sobre o tarifário, que lhe não havia sido remetido, solicitou aquela, em 12 de Fevereiro, essa prévia remessa, mas não deixando logo de manifestar a sua discordância quanto à desnecessidade de reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão (arts 323"a 326° .PI).
6° — Em 21 de Fevereiro, foi enviado à Concessionária, pelo Concedente, o referido documento complementar, contendo o «tarifário a praticar», ou seja, «a nova estrutura tarifária, com preços líquidos de IVA, que substituem para todos os efeitos o Anexo IX, a partir de 1 de Janeiro de 2008» (arts. 328° e 329° e Doc. 80;
7° — De posse desse elemento, pronunciou-se então a Concessionária, em definitivo, por Fax de 26 de Fevereiro, sobre as consequências da Modificação Unilateral do Contrato e do novo tarifário, em termos de equilíbrio financeiro da concessão, reiterando, em suma, a necessidade de repor esse equilíbrio «por alteração do Caso Base e pagamento de uma compensação financeira direta a apurar em sede arbitral» (arte 334° e 335° e Doc. 81 PI) [117],
8° — A necessidade de tal reequilíbrio, entretanto, reporta-a ainda a Concessionária, nesse documento, aos demais factos e circunstâncias referidos no trecho do mesmo documento transcrito no citado artigo 335° da Petição MI.
9° Ainda no mesmo Fax a Concessionária comunica que «em cumprimento da decisão de Modificação Unilateral do Contrato de Concessão [...] irá aplicar o novo tarifário na faturação de Março, com retroativos a Janeiro de 2008» (cfr. art. 334° PI)
10° — Em 3 de Março, o Concedente respondeu à Concessionária, confirmando os termos da Modificação Unilateral do Contrato e o entendimento de que não havia lugar à reposição do equilíbrio económico-financeiro deste — e comunicando-lhe que devia aplicar o novo tarifário, a partir de 1 de Janeiro de 2008, na íntegra (arts. 343° a 347° e Doc. 82 PI) [1110].
11° — Através da correção do Cenário 1 (apresentado pela Concessionária ao Concedente, nas negociações para o reequilíbrio do contrato: supra, n° 2°), mediante o reajustamento, nele operado pelo Concedente — e que encontrou expressão nos quadros do documento referido supra, n° 4°, que é o Doc. 78 P1 — das rendas a pagar pela Concessionária, e dos financiamentos e encargos financeiros a que a mesma terá de recorrer e em que terá de incorrer, não se chega ao equilíbrio do contrato, tal como definido na sua cláusula 86° — isto é, tendo como referência o Caso Base e a necessidade da sua reposição &Relatório» da perícia, n° 4.1, quesito b), e declaração complementar, sobre o mesmo ponto, do Perito designada pelo Demandado, que não se vê que contrarie o essencial dessa conclusão; e já depoimentos das testemunhas Dr. JT... e Dr. NC.]. E nem mesmo esse equilíbrio se atinge com as correções ulteriores, feitas já aos quadros do documento antes mencionado, constantes do documento junto pelo Demandado em 18.VI.2009 (como resulta dos termos em que o «Relatório» comum da perícia fundamenta a anterior conclusão) [Quesito 401
12° O «Novo Tarifário» constante do «documento complementar» referido supra, n° 6°, é diferente do constante do dito Cenário 1. O exame pericial não permitiu, porém, uma conclusão unânime sobre o reflexo dessa diferença em termos de proveitos, apenas um dos peritos (o designado pela Concessionária) havendo entendido que ele podia estimar-se em menos e 442.000, «em termos médios anuais, a partir de 2008 e até ao término da concessão» &Relatório» da perícia, n° 4.1, quesito c), e declaração de voto, quanto ao mesmo ponto, do mencionado Perito] [Quesitos 41 e 42j.
13° — O estabelecimento e a aplicação do novo tarifário, a redução dos investimentos em infraestruturas a cargo da Concessionária, e a obrigação do pagamento, por esta última, de uma renda pela utilização das estruturas construídas pelo Concedente, à medida que as mesmas forem disponibilizadas, tudo nos termos da Modificação Unilateral do Contrato, implicam, conjugadamente, um desequilíbrio económico-financeiro da concessão, tomando como referência o Caso Base do contrato /Relatório» da perícia, n° 4.1, quesitos d) e 1) e declarações de voto, sobre os mesmos quesitos, de cada um dos peritos] [Quesitos 43 e 45].
14° — A não atualização tarifária nos anos de 2006 e 2007 provocou igualmente um desequilíbrio da concessão &Relatório» da perícia, n° 4.1, idem, e ainda quesito e), com a correspondente declaração de voto do Perito da Demandada)] [Quesitos 43 e 45],
15° — Não são quantificáveis os impactos que possam ter tido no equilíbrio da concessão, seja o atraso na efetivação ou a suspensão do plano de investimentos (independentemente da parte a que devam imputar-se), seja a não disponibilização de terrenos pela Concedente, seja a não aprovação e entrada em vigor do novo Regulamento de Serviços [Relatório» da perícia, n° 4.1, quesito e, com declaração de voto, sobre o ponto, do Perito designado pelo Demandado, mas não contrariando propriamente a conclusão] [Quesitos 43 a 45].
16° — A dever reconhecer-se à Concessionária o direito à correspondente compensação, a assunção, pela mesma, de infraestruturas mais degradadas do que na fase da apresentação da sua proposta, terá tido impacto, mas um impacto marginal, no equilíbrio da concessão [Relatório da perícia, n° 4.1, quesito] [Quesitos 44 e 45].
17° — A dever relevar-se esse facto, a exclusão, do âmbito do Contrato de Concessão, do denominado «Contrato de Construção», teve impacto negativo no equilíbrio da mesma concessão &Relatório» da perícia, n° 4.1, quesito h), mas com ressalva da declaração de voto, sobre o ponto, do Perito designado pelo Demandado] [Quesitos 44 e 451
18° — Não houve entendimento unânime entre os peritos, seja quanto ao valor, seja quanto à forma de repor o equilíbrio da concessão. Assim: o Perito indicado pelo Tribunal estima que esse reequilíbrio se atingirá através de uma compensação financeira paga pelo Concedente à Concessionária no valor catual de e 16.714,846 ou de 13.631,083, conforme deva ou não ser considerado o impacto da exclusão do Contrato de Construção, referido no número anterior («Relatório» da perícia, declaração de voto, n°s 6.1 e 6.2); o Perito designado pela Demandante estima que o valor atual dessa compensação deve antes ser de e 26.983,008 ou de e 23.899,245, consoante a mesma alternativa &Relatório» da perícia, declaração de voto, resposta aos quesitos d) e 1), in fine]; finalmente, resulta do seu laudo que o Perito designado pelo Demandado entende que o equilíbrio se atingirá se o valor global das rendas a pagar pela Concessionária ao Concedente, nos termos da Modificação Unilateral do Contrato, for reduzido para 9.919.179 («Relatório» da perícia, declaração de voto, n° 2, in fine), sendo que a renda prevista pelo Concedente, no documento referido supra, n° 4º, para o cenário de investimento (pelo mesmo Concedente) a 8 anos, é de e 15,559,497 (cfr. mesmo documento, que é o Doc. 78 P1, eidos quadros ampliados formam o Doc. 6 Con9 [Quesitos 46 o 471,

L) Negado incumprimento do contrato pela Concessionária.
— Na mesma data — 24 de Julho de 2007 -- em que comunicou à Concessionária a intenção de promover a modificação unilateral do Contrato, o Concedente, por outro oficio, notificou e advertiu a Concessionária para a «retoma do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de concessão» — pormenorizando um elenco de alegados incumprimentos desse contrato, nos termos que constam do doc. 68 junto com a Petição (arts. 261° e 262° P1) [Ti].
2° — A Concessionária respondeu por carta de 7 de Agosto seguinte (doc. 21 P1), refutando cada um dos invocados incumprimentos (cfr.. arts. 280° a 290° P1) {1[2] .
3° — A Concessionária suspendeu a execução do Plano de Investimentos nas condições descritas supra, alínea F), n°3 14° e seguintes [Quesito 511.
4° -- A Concessionária não assumiu e integrou na concessão certas infraestruturas de saneamento, como fossas e ETAR's compactas de urbanizações, nas condições referidas supra, alínea B), n°s 7°, 9° e 11° [Quesito 51].
5° — O elenco de comportamentos imputados à Concessionária no referido Doc. 69 PI (supra, n° 1°) tem a sua fonte no .Relatório da Auditoria do IRAR [supra, alínea H), n° 2°] — como o confronto dos dois documentos claramente evidencia. Desses comportamentos e dos mais alargadamente referidos no artigo 199", para que remete o artigo 310° Cont. — configurando-se como factos específicos e concretos da Concessionária, relativos a cláusulas contratuais — verificaram-se os seguintes [Quesitos 49 a 52):
não inclusão num contrato de prestação de serviços com terceiros da ressalva prevista na cláusula 78", n° 1, do Contrato;
—não fornecimento trimestral ao Concedente de cópias dos relatórios de controlo analítico das águas e efluentes [cláusula 79", n° 3, b), do Contrato];
não apresentação suficientemente detalhada, nos relatórios semestrais, do «resumo dos resultados do controlo analítico efetuado» (cláusula 80" do Contrato);
não apresentação detalhada ao Concedente da referência e função de cada elemento da sua estrutura (cláusula 21a, n° 5, do Contrato).
(.Relatório do IRAR, supra referido; e cfr. ainda a resposta da Concessionária, no mencionado Doc. 71)
6° — A reposição de pavimentos, quando a abertura de valas, demora sempre algum tempo, por razões técnicas, e tem sido efetuada segundo procedimentos comuns (sendo que outros tipos de procedimento, mais sofisticados e eficientes, não são habitualmente utilizados entre nós, por entidades sobre as quais recai tal tipo de obrigação). A Concessionária recebeu duas queixas sobre essa matéria; e houve um caso de acentuada demora. (Depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF..., e depoimentos das testemunhas . AC... e VP...). Face ao que o Concedente perante ele alegou, o IRAR recomendou à Concessionária «a necessidade de garantir a qualidade dos trabalhos de reposição dos pavimentos» (Relatório citado, p. 18) [Quesitos 52-A e 52-B]
7° — Registaram-se queixas, de um munícipe residindo na proximidade dessa infraestrutura, relativas a odores e maus cheiros emitidos pela ETAR de S. Nicolau. Trata-se de uma situação que vem de trás — de uma ETAR que funciona normalmente, mas antiga, com tanques abertos, em que não há «sistema» de desodorização. A instalação de um tal sistema poderá melhorar a situação, mas sem a eliminar em absoluto. (Depoimento de parte, pela Demandante, do Eng" JF..., e depoimentos das testemunhas FP..., AC..., VP... e SM...) [Quesitos 52-C e 52-01.
8° — A Concessionária não presta o serviço de descarga de fossas integradas em urbanizações, por não ter assumido essas infraestruturas na concessão (salvo quando havia clientes anteriores), conforme o referido sura, alínea 13), Ws 7", 9" e 11" (ma n040). Quanto a «fossas particulares», a Concessionária presta o correspondente serviço de descarga (e tem-no prestado em larga escala), mediante o correspondente pagamento, salvo quanto a fossas localizadas em zonas servidas por rede de saneamento (em ordem a «pressionar» a ligação dos respetivos utentes à mesma rede). (Depoimentos das testemunhas VP... e JS..., quanto à primeira parte, e depoimento de parte, pela Demandante, do JF... e da testemunha Ene AC..., quanto à segunda) [Quesitos 52-,E e 52-E, corrigida a referência, no primeiro, apenas a «fossas particulares»].

M) Alegado incumprimento do contrato pelo Concedente.
1° A Concessionária não apresentou ao Concedente a comunicação prevista na cláusula 98", n° 3, do Contrato, nem lhe apresentou, quanto aos factos em que pretende fundamentar o seu direito à rescisão do mesmo contrato, qualquer reserva ou pretensão indemnizatória (depoimento da testemunha Eng° JS...) [Quesitos 53].
2° — No caso de vir a ser reconhecido à Concessionária o direito à rescisão do contrato, por incumprimento do Concedente, o montante da indemnização a arbitrar àquela, determinado por recurso aos fatores enunciados na cláusula 98", n° 6, do mesmo contrato, situar-se-á, segundo o entendimento dos peritos (neste ponto, não unânime), num dos valores dos seis cenários por eles apresentados — sendo o menor de 10.976.134 e o maior de € 14.999.955 consoante o relevo que, no cálculo daqueles fatores, deva ser dado (o que é matéria de direito) a certos factos ou circunstâncias («Relatório» da perícia, n° 5. I, e declarações de voto dos peritos da Demandante e do Demandado, referidas ao quesito 3 da perícia) [Quesito 541.
3º — As receitas da Concessionária, nos anos de 2005 a 2007, cifraram-se no valor de 4.761.000 («Relatório» da perícia, n° 5.2) [Quesito 551.
4° — Tais receitas são imputáveis a investimento realizado, na sua quase totalidade, pelo Concedente, nos bens e no estabelecimento que disponibilizou para a concessão (assim já resulta do referido supra, alínea F), n°s 11°, 12°e 32'; e cfr., ainda, depoimentos de parte, pelo Demandante, do Eng° JF... e das testemunhas VP... e JS...) [Quesito 55].
5° —No mesmo período entre o início da concessão, em Maio de 2005, e o termo do exercício de 2007 o número de clientes de água da Concessionária passou de cerca de algo mais de 7.000 para 7.715 e, o de clientes de saneamento, de cerca de cerca de 4.900 para 5.305 (cfr. «Relatório e Contas» da Concessionária, relativo a 2005 — Doc. 28 PI-- e mesmo «Relatório», relativo a 200Z junto em 20.V.2009) [Quesito 55].
O valor atribuído aos bens e estabelecimento do Concedente que passaram a integrar a concessão, constantes do Anexo VI do Contrato, foi neste estimado e fixado, para efeitos de seguro, em e 8.978.362,15 (cláusula 87", n° 3, do Contrato; e .. «Relatório» da perícia, n° 5.2) [Quesito 55].

N) Alteração das circunstâncias.
1° — O anúncio da nova taxa variável de saneamento e do novo tarifário, introduzidos no inicio da concessão, provocou um sentimento muito vivo de reação por parte da população do Município do (...), que conduziu, em particular, a uma manifestação expressiva junto aos Paços do Concelho (depoimentos das testemunhas NS..., Eng° VP... e Dr. JO...) [Quesito 56].
- A possibilidade de recurso a fundos comunitários do novo QREN2006/2013, para a realização de obras integradas no âmbito da concessão, não se colocou aquando da celebração do correspondente contrato, em 2004. A elegibilidade de obras desse tipo para tais fundos só veio a ser conhecida em 2007. (Depoimentos das testemunhas Dr. JO... e Eng° JS...) [Quesito 571
17. Não lograram provar-se outros factos levados à Base Instrutória. Ou só ficaram provados parcialmente, ou nos termos que podem retirar-se das «respostas» que antecedem.
Importa agora, à luz da factualidade provada, extrair as conclusões de direito.»
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III.B. DE DIREITO

b. Dos erros de julgamento sobre a matéria de direito: enquadramento

Como vimos, nas conclusões de recurso que apresentou o Recorrente restringiu o objeto do recurso que interpôs contra o acórdão arbitral, de tal modo que está apenas em causa saber se o acórdão arbitral sob sindicância enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito ao ter considerado válido o contrato de concessão celebrado entre as partes quando o mesmo comporta alterações substanciais das cláusulas gerais dispostas no “Caderno de Encargos” (CE) do concurso e violação das regras do “Programa do Concurso” (PC), desconsiderando, designadamente, que a cláusula 64ª e os 17 anexos correspondem a alterações substantivas da proposta económica do concorrente, aumentando nomeadamente as suas receitas em 122 milhões de euros e os seus lucros (já “líquidos”, após mais custos, aliás na maior parte indemonstrados) em mais de 50% e as próprias taxas internas de rentabilidade (TIR) dos acionistas futuros da concessionária. E bem assim, por ter feito aplicação e ter interpretado normas concursais e relativas à relação jurídica contratual de um modo que viola princípios fundamentais como o da distribuição de risco, prossecução devida do interesse público, e princípios constitucionais.
O Recorrente sustenta, no essencial, que o contrato de concessão celebrado com a Concessionária, aqui recorrida, é nulo ou anulável, por resultar do mesmo e dos vários anexos que o integram, a atribuição à Concessionária de benefícios excessivos e injustificados, que fazem do mesmo um contrato usurário, com ganhos potenciais desmedidos e sem risco proporcionado, em subversão às normas do CE e à proposta económica adjudicada à mesma, contendo deveres e responsabilidades para o Concedente, e vantagens económicas novas para a Concessionária, com uma transferência do risco para a esfera do Concedente, em benefício da Concessionária, totalmente assimétrica e cujo real alcance ignorava quando outorgou o contrato de concessão.
Aduz que na minuta do contrato de concessão, após o ato de adjudicação, foram introduzidas pela Concessionária alterações substanciais ao conteúdo do contrato tal como resultaria da vinculação ao CE e à proposta económica apresentada pela Concessionária, todas em claro benefício desta, e não previstas nem consentidas pelo CE, nem pela proposta económica que a Concessionária apresentou no concurso e que foi objeto de adjudicação, designadamente as que conduziram : (i) ao aumento em 122M€ de receitas para a concessionária ( acima dos 314M€ constantes da proposta económica); (ii) ao incremento em mais 50% dos lucros líquidos para a concessionária; (iii) à introdução do conceito de “Caso Base e de uma TIR dos acionistas; (iv) e ao aumento de 13,4% da TIR acionista.
Concretiza, quanto às receitas, que o CE, nas cláusulas 52.ª e 58.ª estabelecia que:
(i)A Concessionária teria direito a cobrar, no primeiro ano de concessão, a tarifa que indicava na sua proposta, e, nos restantes anos, aquela que decorresse da aplicação da fórmula de revisão, por si também indicada nesse documento;
(ii)Qualquer outra alteração do tarifário teria de ser aprovada pelo Concedente e ser objeto de parecer prévio do IRAR.
Com base nestes dois fatores e tendo em conta as estimativas de consumo constantes dos elementos técnicos do processo de concurso, a Concessionária estimava uma previsão global de receitas tarifárias de 324.710.794,00€. Não obstante, o Contrato de Concessão, na cláusula 64.ª, n.º4 relativa ao “tarifário” veio prever que, para além da revisão anual normal das tarifas, regulada na cláusula 69.ª, a Concessionária poderia cobrar, a partir de janeiro de 2006, as tarifas previstas no Anexo X, intitulado “Tarifário reestruturado”. Deste documento resultam aumentos tarifários reais de 4% em 2006, e depois de mais 4% em 2007, e ainda de mais 4% em 2008.
Ademais, o Contrato de Concessão inclui o anexo respeitante ao “Caso-Base” – Anexo XV- que reflete também aquele novo aumento tarifário nas receitas esperadas, e conjugando os elementos constantes desses dois anexos, resulta que o Contrato de Concessão prevê um acréscimo de receitas ao longo do período da concessão de 47.532.210,00€ para a Concessionária.

O Recorrente invoca ainda alterações a várias outras das cláusulas insertas no Caderno de Encargos, tais como as que determinaram: (i) aumento da taxa de indemnização em caso de resgaste, de “3,5%”, prevista na cláusula 18.ª, n.º 5, al. a) do CE para “5%” prevista na cláusula 96.ª, n.º6, al.a) do Contrato; (ii) aa estipulação, na cláusula 86.ª, n.º1, al. a) do Contrato do valor de 20% de diferença de caudal de água como caso de reposição obrigatória do equilíbrio do contrato, reportada aos valores previstos no “Caso- Base”, quando no CE se referia que era reportada aos valores “previstos no processo de concurso” ( ver cláusula 58.ª, n.º5, al.a) do CE) ou ainda (iii) a estipulação, na cláusula 98.ª, n.º2, al.a) do Contrato da percentagem de 50% de variação em relação aos valores anuais de água, segundo o Caso Base, (cujas subidas em relação à proposta foram enormes) como situação justificante de resolução pela concessionária, quando na cláusula 77.ª, n.º1, al.c) do CE se reportava a valores do “presente caderno de encargos” e em que a baixa de valores decorresse de factos que não fossem imputáveis à Concessionária.

Em suma, para o Recorrente, o Contrato de Concessão comporta novos deveres para o Concedente que não existiam no CE e muitos direitos novos e acrescidas posições económicas de vantagem para a adjudicatária, diferentes das contempladas nas cláusulas do CE, o que determina a invalidade do contrato de concessão, tendo em conta que o mesmo subverteu completamente as condições gerais do CE do concurso.
Nesse sentido, pese embora afirme que o Tribunal Arbitral errou no julgamento da matéria de facto que deu como provada, porque julgou em contradição com os documentos e a demais prova produzida, ainda assim, mesmo perante os factos que deu como assentes, impunha-se que tivesse julgado nulo o Contrato de Concessão, dadas as alterações que nele foram introduzidas pela Concessionária, que violam, designadamente, o disposto nos artigos 8,15,17,19 e 24 do Programa do Concurso, artigos 182.º, n.º1 conjugadamente com os n.ºs 2 e 5 e artigo 173.º, n.º1 do CPA, artigo 47.º, n.ºs 2,4 e 5, 59.º e ss, e 108.º do DL n.º 59/99, artigo 10.º do DL 390/82, artigo 10.º, n.º1 e n.º 2, al. g) e artigo 17.º do DL n.º 379/93, de 05.11, assim como, os princípios gerais da contratação pública, designadamente, os princípios da concorrência, da publicidade, da transparência, da estabilidade das propostas, em especial, quanto ao disposto no artigo 14.º, n.º3 do D.L. 197/99 aplicável ex vi art.º 189.º do CPA, que proíbe a possibilidade de alterar as propostas, até à adjudicação, ou após elas, a de introduzir quaisquer ajustamentos que não sejam “inequivocamente em benefício da entidade adjudicante”.
Observa que um dos traços identitários dos contratos de concessão é o da transferência da esfera pública para a iniciativa privada de riscos inerentes à exploração de um serviço público, sendo o cocontratante quem terá de suportar as consequências desfavoráveis resultantes de as estimativas em que se baseou se mostrarem discrepantes da realidade, por força de circunstâncias exteriores materialmente conexionadas com o risco transferido. Porém, no caso, o contrato celebrado alterou, em proporção substancial, o que neste domínio resultava do CE e da proposta , de risco para a concessionária, dele resultando uma distribuição de riscos substancialmente diversa da que caracteriza o contrato resultante dos elementos concursais, o que tudo leva a que se possa afirmar estar-se perante um “outro contrato”.
Sob outro prisma, refere que sendo o critério de adjudicação no concurso em causa o da proposta mais vantajosa e sendo o principal fator densificador, com uma valoração de 70%, o da tarifa média proposta, tendo sido adotada por via do contrato um tarifário totalmente distinto daquele que resultaria da aplicação da tarifa média e da sua revisão anual pela fórmula prevista na proposta, do qual resulta um acréscimo de receitas para a Concessionária, ao longo do período da concessão, de 47.532.210,00M€, também por este prisma se tem de concluir que tais negociações deram lugar a um contrato de concessão diferente do prefigurado, o que determina a nulidade do contrato.
Assevera que tendo a entidade adjudicante lançado um procedimento destinado a celebrar um contrato com um conteúdo vinculado ao quid que constava do CE e àquilo que tinha sido oferecido na proposta do adjudicatário, procedimento que foi encerrado com a adjudicação, a mesma não podia em momento posterior, celebrar um contrato substancialmente distinto, significando tal, celebrar um contrato por ajuste direto, incumprindo, em absoluto, as exigências procedimentais de formação de vontade administrativa por concurso público, decorrentes do artigo 10.º, n.º1, do D.L. 379/93.
Mais alega que tendo o contrato celebrado, distanciado do que resultava do CE e da proposta adjudicada, verifica-se uma falta objetiva de “fim público” na decisão de celebrar um contrato com termos diferentes dos predefinidos, o que determina a nulidade do contrato nos termos do n.º1 do artigo 133.º do CPA.
Em suma, sustenta que ocorreu um vício de desvio de procedimento, na medida em que houve (i) um aumento de receitas para a Concessionária de 112M€; (ii) um aumento dos “lucros líquidos” para a concessionária de mais de 50%; (iii) a introdução de uma estrutura contratual complexa e não prevista ;(iv) a introdução de “acordos diretos” com os bancos financiadores da adjudicatária assumindo responsabilidades inicialmente não previstas e (v) introdução do conceito de Caso Base e de uma TIR dos acionistas como critério determinante para reposições de equilíbrio financeiro do contrato.
Salienta particularmente que o Tribunal Arbitral errou ao tratar a taxa interna de rentabilidade (TIR) acionista e o referido Contrato de Concessão, como se o mesmo obedecesse a um figurino de concessão em total “project finance”, quando no concurso em questão não foi pedida, de modo central, que essa TIR fosse expressa pelos proponentes, sendo que a mesma também não foi expressa pelo adjudicatário, nem na sua proposta, nem no “estudo económico-financeiro”, correspondente ao modelo que constitui o Caso Base, que não indicou qualquer TIR acionista necessária da futura concessionária, não tendo sido um elemento que tivesse sido visto ou fosse necessário ser visto pela Comissão de Apreciação das Propostas do Concurso.
Caso essa “síntese global” de “todas as variáveis” consubstanciada na TIR dos futuros acionistas da concessionária fosse assim tão importante teria que ser um ponto central da análise das propostas e não foi. Daí que, remata o Recorrente, tudo quanto vem dito a tal respeito no Acórdão Arbitral se pode corresponder à filosofia final do contrato que foi celebrado, de modo algum corresponde à filosofia especifica da concessão nos termos do concurso público que a publicitou.
O que está em causa nos autos, assevera, é esta mudança de filosofia no processo adjudicatório.
Daí que, quando o Acórdão Arbitral se permite dizer que a TIR é o “sumo” e é tudo…”é ela que dá a medida determinante do equilíbrio do contrato- e que assim reflete (como que quantifica) o equilíbrio entre o benefício esperado pelo investidor e a utilidade que a entidade pública se propõe alcançar com o serviço e as condições que tem de assumir”, incorre em erro de julgamento, porque o concessão pretendida não foi lançada com uma típica estrutura contratual de “project finance”.
Assim, entende ser ilegal e inconstitucional, em consideração dos princípios da prossecução do interesse público, da justiça e da proporcionalidade a interpretação efetuada dos artigos 10.º, 13.º e 17.º do DL 379/93 no sentido muito redutor de que “ o equilíbrio financeiro” do contrato de concessão municipal de abastecimento de água e saneamento, se expressa e resume numa “TIR acionista” de futuros acionistas da sociedade concessionária.
Ademais, essa TIR foi substantivamente alterada no Caso Base anexo ao Contrato, ao estabelecer-se aí em valor de 12,36%, o que acaba por significar que subiu cerca de 14% relativamente ao tal “equilíbrio síntese” que resultava dos dados e projeções da Proposta económica, que apontava para uma TIR de 10,87%, não cuidando o Tribunal Arbitral de explicar porque considerou esse aumento pouco significativo, uma vez que não indica as fontes técnicas em que se sustentou, o que tudo inquina a decisão de erro e julgamento.
Na perspetiva do Recorrente, tendo o Tribunal Arbitral dado como provada a matéria dos pontos 12.º, 20º, 22º, 23.º, 24º, 25.º, 30.º, 39º, 40º, 44.º e 45.º [ alínea A) do elenco dos factos provados ( capitulo relativo à “Adjudicação e celebração do contrato”)] , e concluído no acórdão arbitral que “ É incontroverso- e indisputado- que entre a proposta apresentada a concurso pela Concessionária e o contrato que esta veio a celebrar, ocorrem diferenças, e diferenças assinaláveis, algumas delas expressas logo em cláusulas daquele, e todas elas refletidas na equação financeira, que é o Caso Base” , e bem assim, de acabar por reconhecer que entre a Proposta Adjudicada e o Contrato ( e o respetivo Anexo XV) está em causa um substancial aumento dos “lucros líquidos” previstos para a Concessionária, em mais de 50%, passando de 73 milhões de euros expressos na proposta da Concessionária para 111 milhões de euros , no XV Anexo ao Contrato, o Acórdão Arbitral incorreu em erro de julgamento ao julgar válido o referido Contrato de Concessão, tanto mais que sabia que se estava perante um concurso público internacional, sem fase de negociação de propostas e que nos termos do artigo 10.º, n.º2, al.g) do DL n.º 379/93 não eram permitidas apresentações de propostas com “variantes” ou “alternativas ou condicionadas”, donde decorria uma proibição de adjudicação a propostas com divergências quanto ao CE.

Por outro prisma, o Recorrente invoca que desconhecia o alcance e o significado das alterações introduzidas no Contrato de Concessão face ao CE e à proposta económica apresentada pela Concessionaria, desconhecendo que a referida mudança de tarifário para um tarifário reestruturado implicava só por si e automaticamente um aumento correspondente a 47 M€ nas receitas projetadas da Concessionária. Mais afirma que inexistia um mínimo de conhecimento adequado do Caso-Base, que foi congeminado pela Concessionária, desconhecendo igualmente as implicações que resultavam do Anexo V, intitulado “ Acordo Direto celebrado entre a Concedente e as Entidades Financiadoras”, dada a carência de conhecimentos e a inexperiência neste domínio por parte da Concedente, que não lhe permitia antever o impacto em termos de equilíbrio do contrato e de futuras situações de reposição de equilíbrio, que resultavam do conteúdo do contrato de concessão.
Assim, defende que a vontade declarada pelo Município ao celebrar o contrato de concessão não correspondia à sua vontade real, havendo uma situação de erro na declaração, que determina a invalidade do contrato de concessão.

Em relação aos vícios de conteúdo que assaca ao contrato de concessão sustenta que os mesmos são geradores de nulidade. Para o caso de assim se não entender, considerando-se que os mesmos determinam a mera anulabilidade do contrato, ainda assim entende estar em tempo para invocar a anulabilidade do contrato de concessão.
Vejamos se lhe assiste razão.

Está em causa um contrato de concessão de serviços públicos celebrado entre o MUNICÍPIO (...) e a Concessionária em 30/12/2004, numa altura em que se assistia á “redescoberta” – Cfr. Maria João Estorninho, in “Concessão de Serviços Públicos- que futuro?”, pág. 21- da figura da concessão de serviço público, que como sabemos, aparece associada « a um contexto em que, dominado pela concorrência e pela globalização, se verifica uma vontade dos governos em limitarem a intervenção dos poderes públicos, por um lado, e por outro lado, propiciarem que o setor público beneficie da experiência técnica e dos modos de funcionamento do setor privado» - cfr. Estudos da Contratação Pública- I, Cedipre, Fernanda Maças “ A concessão de serviço público e o Código dos Contratos Públicos”, pá. 373-374-.
Através da celebração de contratos de concessão de serviço público, as entidades públicas almejavam, por um lado, tornear os constrangimentos derivados das restrições orçamentais num tempo em que os Governos já se confrontavam com a necessidade premente de redução da despesa pública, e concomitantemente, nesse contexto de fortes restrições orçamentais, continuar a garantir e até reforçar a realização de infraestruturas e a prestação de serviços essenciais às populações, assegurando a um cada vez maior número de cidadãos o acesso ao abastecimento de água potável através da rede pública, assim como a recolha e tratamento de efluentes.
Por via do mecanismo da “concessão de serviço público”, a Administração Pública confere temporariamente a uma entidade privada os poderes bastantes de que aquela necessita para explorar um serviço público, sob fiscalização do concedente, durante o prazo estipulado, incluindo os investimentos necessários para a sua manutenção, e a entidade concessionária atua por sua conta e risco, como se fora o concedente, sendo remunerada por meio de taxas ou tarifas a pagar pelos utentes ou consumidores do respetivo serviço público – cfr. ob. cit.pág.380.
Sublinhamos que na definição de concessão de serviço público designadamente por contraposição ao contrato público de serviços, assumiu particular relevância a “ Comunicação interpretativa sobre concessões em Direito Comunitário ( 2000/C 121/02)”, emitida com o objetivo de esclarecer os operadores económicos, podendo ler-se na mesma que « uma concessão existe quando o operador suporta os riscos ligados ao serviço em causa ( estabelecimento do serviço e sua exploração), sendo remunerado pelo utente, nomeadamente através da cobrança de taxas, sob qualquer forma que seja. O modo de remuneração do operador é, como na concessão de obras, um elemento que permite determinar a assunção do risco de exploração. Tal como na concessão de obras, a concessão de serviços caracteriza-se por uma transferência da responsabilidade de exploração».
Como referem PG.../Rodrigo Esteves de Oliveira “sem álea económico-financeira, sem risco, não há portanto, na perspetiva da Comissão, contrato de concessão-há, sim, mero contrato público”- cfr. As Concessões Municipais de Distribuição de Eletricidade, Coimbra Editora, 2001, p.48.
Entre nós, com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), a Administração Pública passou a dispor de base legal para, no exercício da sua autonomia administrativa, e no âmbito das suas atribuições, conceder a particulares a exploração de serviços públicos (cfr. art.º 178.º), tendo de recorrer obrigatoriamente ao procedimento de concurso público para a escolha do cocontratante (art.º 182.º).
No caso, o contrato de concessão de serviço público foi celebrado a 30/12/2004, na vigência do D.L. n.º 379/93, de 05/11, diploma que, na sequência da alteração da lei de delimitação de setores, que permitiu o acesso de capitais privados às atividades de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, aprovou o regime jurídico de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais dedicados àquela atividade.
Nos termos deste diploma, os municípios passaram a deter a possibilidade de obter a colaboração do setor privado na gestão destes serviços públicos essenciais, estabelecendo-se que o Município pode, mediante a abertura de um concurso público ( artigo 10.º) celebrar um contrato com uma entidade privada para a exploração do serviço concessionado para os fins e com os limites consignados no contrato (artigo 11.º), reservando-se ao Concedente o poder de modificação unilateral do contrato, salvaguardada a reposição do equilíbrio financeiro do mesmo (artigo 12.º), cabendo à Concessionária a exploração do serviço por sua conta e risco, remunerando-se a partir das taxas exigidas aos utentes ( artigos 13.º e 15.º).
Nos termos do DL n.º 379/93, de 05/11, a concessão dos sistemas municipais assentava ainda numa relação bilateral entre Município concedente e concessionário privado, devendo o segundo responder perante o primeiro, quer pela qualidade do serviço (obrigação de apresentação de programas de investimento e investigação), quer pela eficiência do seu desempenho (aprovação municipal prévia das taxas a exigir aos utentes). Para além disso, eram reconhecidos ao concedente os poderes típicos de uma autoridade administrativa no âmbito de uma relação contratual assente num contrato administrativo: modificação unilateral por razões de interesse público, sequestro ou resgate da concessão.
«A triangulação da relação jurídica começa a operar-se com o Decreto-Lei n.º 147/95, de 21 de junho, cujo objetivo central, explicado no preâmbulo, era precisamente o de explicar em ato legislativo um conjunto de regras que antes se achavam pressupostas no modelo de serviço público assente na gestão direta estadual. Para o efeito, o diploma não só instituiu o Observatório Nacional dos Sistemas Multimunicipais e Municipais, como ainda fixou regras para o cálculo das tarifas, de forma a moderar o risco de exercício de poder de mercado pelas empresas».
« O legislador, tomando em consideração as dificuldades sentidas pelos municípios nesta matéria, designadamente a sua vulnerabilidade técnica, perante o crescente know-how das entidades privadas ( concessionárias), aprovou um novo regime jurídico- o Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20/08, no qual veio estabelecer algumas regras que visam equilibrar a posição das partes no que respeita à preparação técnica para a celebração e administração destes contratos, tais como a instituição de mecanismos de coadjuvação dos municípios por entidades especializadas, como acontece, por exemplo, com as recomendações da entidade reguladora (IRAR) à entidade adjudicante na elaboração das peças do procedimento ( artigo 37.º), assim como a instituição de uma comissão de acompanhamento da concessão ( artigo 44.º), a constituir no momento da celebração do contrato, da qual fazem parte um representante designado pelo concedente, outro designado pelo concessionário e um terceiro cooptado pelos anteriores, que assumirá a presidência.
Deste modo, pode concluir-se que « se compararmos o grau de preparação técnica exigido a um Município para cumprir o disposto no Decreto-Lei n.º 379/93, onde apenas se exigia que constassem do contrato, por exemplo, os poderes de aprovação, fiscalização, modificação unilateral e de aplicação de sanções pelo concedente, o regime de tarifas a pagar pelos utentes, os direitos e deveres específicos das partes contratantes, facilmente verificámos a evolução técnica, financeira e jurídica subjacente a estes contratos de concessão.
Assim , por exemplo, estabeleceu-se no artigo 54.º do DL 194/2009, a possibilidade de revisão do contrato de concessão por solicitação do Concedente caso se perspetive uma taxa interna de rentabilidade (TIR) para o investimento acionista relativa a todo o período da concessão superior ao dobro daquela que consta do caso base do modelo financeiro vertido no contrato de concessão inicial.
Não obstante a regra de acordo com a qual os contratos devem ser pontualmente cumpridos, aquiescemos com o Senhor Professor José Carlos Vieira de Andrade- in parecer junto aos autos- quando refere que a regra “pacta sunt servanda” não pode legitimar a cristalização de uma equação financeira ( o caso base) que se revele ruinosa para o interesse público, seja por impor a manutenção de tarifas desproporcionadas, seja por obrigar à reposição do equilíbrio financeiro em caso de alteração das cláusulas financeiras do contrato, suportada por indemnizações pagas pelo concedente.
O contrato de concessão de serviço público, como o que está em análise, é um contrato administrativo de colaboração, por via do qual a Concessionária se obriga a colaborar na prossecução de um fim de interesse público, operacionalizando um conjunto de infraestruturas e equipamentos destinados a assegurar a distribuição domiciliaria da água e a recolha e tratamento dos efluentes na área do MUNICÍPIO (...), tendo, por conseguinte, um fim de imediata utilidade pública, sendo várias as cláusulas contratuais que se referem a esta obrigação de serviço público, de que são exemplo, as cláusulas 11.ª, 34.ª, 38.ª a 41.ª e 56.ª.
Sendo a concessão de serviço público um contrato administrativo, tendo em conta a data da sua celebração- 30/12/2004- o mesmo encontraa-se sujeito ao regime de invalidade estabelecido no artigo 185.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. a) do CPA e D.L.379/93.
O artigo 185.º, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 6/96, sob a epígrafe “Regime da invalidade dos contratos” estabelecia a seguinte disciplina legal:
«1. Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os atos administrativos de que haja dependido a sua celebração.
2. São aplicáveis a todos os contratos administrativos as disposições do Código Civil relativas à falta e vícios da vontade.
3. Sem prejuízo do disposto no n.º1, à invalidade dos contratos administrativos aplicam-se os regimes seguintes:
a) Quanto aos contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo, o regime da invalidade do ato administrativo estabelecido no presente Código;
b) Quanto aos contratos administrativos com objeto passível de contrato de direito privado, o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no Código Civil».
Precise-se que o princípio geral em matéria de invalidade do contrato administrativo é o de que ele será nulo ou anulável, quando de acordo com os princípios do direito administrativo, o mesmo constitua, pela sua autoria, procedimento, forma, pressupostos, conteúdo ou fim, uma violação de exigências legais ou regulamentares a que a Administração estivesse normativamente sujeita nessa matéria.
No n.º1 do art.º 185.º, consagrou-se o princípio da invalidade derivada ou consequencial, ou seja, o princípio da anulabilidade ou nulidade dos contratos administrativos quando sejam anuláveis ou nulas as decisões- destacáveis ou finais- dos procedimentos que hajam precedido a sua celebração e que, obviamente, tenham tido repercussão na decisão de contratar.
A este respeito Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim- in CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, Comentado, 2.ª Edição, pág. 845- observam que «pelo menos, a invalidade do contratual derivada de anulabilidade de anteriores atos procedimentais só pode tornar-se efetiva pela impugnação tempestiva desses atos; por outro lado, a legitimidade ativa para os processos de invalidação procedimentalmente derivada dos contratos administrativos é restrita ( quer nos casos de anulabilidade quer nos de nulidade) àquelas pessoas que tenham legitimidade para a impugnação da invalidade procedimental originária».
Já no n.º 2 do artigo 185.º do CPA, prevê-se a aplicação aos contratos administrativos das disposições do Código Civil que contêm o regime da invalidade por falta e vícios da vontade.
Por sua vez, o n.º3 do artigo 185.º do CPA dispõe sobre a denominada invalidade originária do contrato, ou seja, da invalidade do contrato não dependente de uma invalidade no procedimento de formação, estabelecendo que se aplicará o regime previsto no CPA ou o fixado no Código Civil, conforme o contrato seja passível de ato administrativo ou de contrato de direito privado.
No caso em análise, está apenas em discussão saber se o contrato de concessão celebrado entre o Recorrente e a Concessionária enferma de invalidade originária, decorrente de erro na declaração e da desconformidade do seu conteúdo com o CE, o PC e a proposta adjudicada, por isso, sujeita ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 185.º do CPA. Ou seja, estão apenas em causa vícios do próprio contrato.
No caso, não oferece dúvida que se está perante um «contrato com objeto passível de ato administrativo», por ser inequívoco que os contratos de concessão de serviços públicos municipais de abastecimento de água domiciliária e de saneamento, têm, em abstrato, um objeto passível de ato administrativo, conquanto a exploração desses serviços apenas pode ser atribuída a entidades privadas por via de um ato administrativo concessório mas que, em concreto, a lei determina que essa transferência de poderes se faça por via contratual – vide artigo 9.º e seguintes do D.L. n.º 379/93.

Assim, e para o que releva à economia dos presentes autos, o contrato de concessão de serviço público em discussão nestes autos, será nulo ou anulável quando o fosse um ato administrativo “ com o mesmo objeto e idêntica regulamentação da situação concreta”.
Em consonância com o regime da invalidade do ato administrativo (artigos 133.º e seguintes do CPA, na versão aplicável) o contrato administrativo, caso enferme de algum vício, será em princípio meramente anulável, por ser este o regime regra em matéria de invalidade dos atos administrativos.
Assim, o contrato administrativo apenas será nulo se o vício de que padece estiver previsto como causa de nulidade ou se, nas circunstâncias do caso e em função da natureza do vício, existirem razões para se considerar que apesar de viciado, o mesmo não deve, todavia, ser invalidado, hipótese em que estará presente a figura da irregularidade ( cfr. parecer junto aos autos de PG..., pág. 8).
Nos termos do disposto no artigo 41.º, n.º 2 do CPTA, na versão aplicável aos autos: «Os pedidos de anulação, total ou parcial, de contratos podem ser deduzidos no prazo de seis meses contado da data da celebração do contrato ou, quanto a terceiros, do conhecimento do seu clausulado».
Este preceito fixa em seis (6) meses o prazo para a instauração da ação destinada a obter a anulação de um contrato, o qual se conta desde a data da celebração do contrato, para a as partes contratantes, e da data do conhecimento do clausulado, para quem surja na posição de terceiro relativamente à relação contratual.
A este respeito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha- in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, Almedina, pág. 277- adiantam que quanto «à dedução de pedidos de impugnação de contratos, o n.º2 deste artigo 41.º estabelece um prazo de caducidade de seis meses. O preceito diferencia, entretanto, quanto ao momento a quo para a contagem deste prazo, consoante o demandante seja parte na relação contratual ou um terceiro em relação ao contrato.
Sendo ele uma das partes contratantes, compreende-se que o prazo para a propositura da ação comece a contar a partir da celebração do contrato, pois desde esse momento as partes têm pleno conhecimento do seu conteúdo e poderão ficar cientes da existência de qualquer ilegalidade que justifique a impugnação». Note-se que, estes autores ressalvam que «quando haja vício da vontade que impeça a parte de suscitar a invalidade, o prazo só deverá correr a partir do momento da cessação do vício» ( cfr. nota 238).
No mesmo sentido, José Carlos Vieira de Andrade – in parecer junto aos autos, fls. 45- defende que «em caso de erro que impeça a parte de suscitar a invalidade, por a desconhecer, o prazo só poderá obviamente correr a partir do momento da cessação do erro que serve de fundamento ao pedido de anulação- na realidade a contagem do prazo a partir do contrato, quando o autor seja parte contratual, pressupõe justamente, em comparação com os terceiros, o conhecimento pleno do conteúdo do contrato, que não existe em caso de erro na declaração, enquanto o erro subsistir».

Feito este enquadramento, não podemos deixar de referir que pese embora os contratos de concessão de serviço público celebrados ao tempo vinculassem a escolha do cocontratante a um procedimento pré-contratual de concurso público, e os contratos celebrados estivessem sujeitos a visto do Tribunal de Contas, a verdade é que o modo como esses contratos foram celebrados suscitou as maiores críticas do Tribunal de Contas, que pelo menos em duas das auditorias que realizou a estes contratos, onde se inclui o contrato de concessão em apreço, que foi visado por aquele tribunal ( ver auditorias que estão disponíveis na respetiva página eletrónica), alertou que a maioria destas concessões não transferiram para o cocontratante privado os riscos de mercado, procura, financeiros, de construção e de exploração, pondo com isso em causa o princípio da partilha do risco que deve estar subjacente a uma concessão.
Num desses relatórios, sobre o tipo de concessão de serviço público como o que está em causa nestes autos, o Tribunal de Contas observou que “cerca de 74% dos contratos de concessão preveem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios concedentes em relação ao caso base, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água faturado e da estimativa de evolução do número de consumidores”.
Lê-se numa dessas auditorias que as projeções adotadas nos contratos quanto ao crescimento populacional e quanto às capitações apresentam “em muitas dessas concessões, um desfasamento substancial da realidade de muitos municípios”, com a agravante de estas estimativas terem sido aprovadas sem serem postas em causa pelos municípios.
Colhe-se dessas auditorias que, em regra, a previsão da água consumida e faturada está entre 10% e 30% abaixo dos valores estimados no contrato de concessão, citando-se como exemplos os casos das concessões de (...), (...), (...), (...) e (...), localidades onde “os consumos efetivos estão abaixo do previsto em mais de 20%”.
Observa ainda o Tribunal de Contas que perante projeções e estimativas que se revelaram sistematicamente otimistas... o risco de o concedente assumir um encargo permanente e insustentável é elevado”.
Note-se, contudo, que o Tribunal de Contas não isenta de responsabilidade as câmaras municipais, observando que dos sistemas auditados, 95% não foram objeto de qualquer estudo de viabilidade económica e financeira por parte dos municípios, e “na generalidade dos contratos de concessão não existiram evidências de qualquer preocupação, por parte dos municípios concedentes, com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associados a eventuais cenários adversos das concessões”, concluindo que essa atuação levou a que os interesses financeiros e dos próprios utilizadores não fossem devidamente defendidos.
Especificamente em relação às cláusulas dos contratos de concessão relacionadas com o reequilíbrio financeiro, o Tribunal de Contas afirma que as mesmas revelaram-se “demasiado abertas” e não permitiram “identificar de forma clara e objetiva os eventos elegíveis” para acionar esse mecanismo, constando-se que todas as concessões foram alvo de reequilíbrio ou de alterações contratuais, que, contudo, nunca levou a qualquer redução do tarifário em benefício dos consumidores.
Perante um tal cenário, o Tribunal de Contas fez um conjunto de recomendações ao Governo e à Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, sinalizando como uma das prioridades, que em sede de revisão ou de negociação contratual, as partes envolvidas acordem a redução das TIR acionistas, quando estas sejam superiores a 10%.
Entende o Tribunal de Contas que o quadro orçamental e económico vigente não é compatível com taxas de rentabilidade que oscilam entre os 9,5% em Cascais e os 15,5% em Campo Maior. Os constrangimentos orçamentais que os municípios enfrentam também levaram o Tribunal de Contas a aconselhar uma reavaliação dos “ambiciosos planos de investimento assumidos por alguns municípios”, recomendando ainda a criação de mecanismos de partilha de benefícios, com os utentes e os concedentes, “em especial, os resultantes da descida programada, para os próximos anos, em sede de IRC” e a eliminação progressiva de cláusulas contratuais que implicam a transferência de riscos operacionais, financeiros e de procura para as câmaras.
O contrato de concessão aqui em causa também foi objeto destas auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas, pelo que, as suas conclusões também se lhe aplicam. Contudo, daí não decorre automaticamente que se imponha julgar os contratos de concessão celebrados nesses moldes, como inválidos, designadamente, como enfermando de vícios que os fulminem com a sanção da nulidade, não sendo despiciendo notar que o próprio Tribunal de Contas concedeu o visto a estes contratos e mesmo depois das auditorias realizadas não assinalou nenhuma patologia que na sua perspetiva fulminasse estes contratos de nulidade, tendo antes recomendado a sua renegociação de modo a que as TIR acionistas não permanecessem em valores superiores a 10%.

Destarte, e centrando a análise no acórdão recorrido constatamos que o Tribunal Arbitral, depois de assinalar que o Concedente, para além das invalidades originárias apontadas ao contrato em sede de contestação, veio também arguir, em sede de alegações finais, a invalidade de todo o contrato e assacar-lhe a invalidade decorrente do procedimento administrativo prévio e conducente à conclusão do contrato, ou de atos que integram esse procedimento, ou seja, a denominada «invalidade derivada» ou consequente do contrato, não deixou de assinalar que qualquer uma dessas questões coloca problemas quanto aos poderes de cognição do Tribunal Arbitral, conquanto «representam obstáculos ou limites do maior tomo à possibilidade de o Tribunal conhecer em toda a extensão da invalidade do contrato, como pretendido pelo Concedente», tendo em conta, quer o disposto no artigo 273.º do Código Processo Civil (CPC), que impede a ampliação do pedido em alegações finais, quer a limitação decorrente do disposto no artigo 180.º, n.º1, alínea a) do CPTA que exclui o procedimento da formação do contrato do âmbito da jurisdição arbitral. Adianta-se também no acórdão recorrido que em relação a esses aspetos novos o Tribunal só poderá extrair a conclusão da sua invalidade se a mesma se traduzir em verdadeira nulidade do contrato, uma vez que a nulidade pode ser conhecida independentemente da invocação da parte e que, no caso de vícios do procedimento de formação do contrato, mesmo perante uma nulidade, sempre se continua a colocar a questão de saber se o Tribunal Arbitral pode conhecer da mesma numa matéria excluída da sua jurisdição.
Questiona-se ainda a possibilidade de o Tribunal Arbitral conhecer das invalidades que o Concedente invocou na contestação/reconvenção, e que aí considerou como geradoras de nulidade, se as mesmas apenas forem suscetíveis de gerar a anulabilidade do Contrato de Concessão, tendo em conta o prazo de seis meses para a sua arguição previsto no artigo 41.º, n.º2 do CPTA.
Porém, quanto a todas essas questões que enunciou, o Tribunal Arbitral decidiu que “deixará de remissa, por agora” tais questões “relativas aos limites do seu poder de cognição”, optando por “analisar as diferentes situações alegadamente geradoras de invalidade contratual que se acham suscitadas no processo, em ordem a apurar se tal invalidade efetivamente se verifica, e como deve qualificar-se; e só depois disso encarará, se e na medida do necessário, aquelas questões”.
A este respeito, importa sublinhar que do objeto do presente recurso não faz parte nenhuma questão relativa às denominadas invalidades derivadas ( considerando a restrição do objeto do recurso operada em sede de conclusões pelo Concedente), pelo que não se coloca a questão prévia de saber se essas invalidades derivadas ou procedimentais estavam ou não excluídas do âmbito de cognição do Tribunal Arbitral, se são geradoras de nulidade ou de mera anulabilidade e, neste caso, se o Recorrente estava em tempo para pedir a anulação do contrato de concessão no âmbito da presente ação ou se esse prazo – 6 meses- já tinha expirado.
Contudo, apraz-nos referir que com a entrada em vigor do D.L. n.º129/84, de 27 de abril, que aprovou o ETAF, passou a prever-se no seu artigo 2.º, n.º2 a existência de tribunais arbitrais no domínio do “contencioso dos contratos administrativos e da responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública, incluindo o contencioso das ações de regresso”.
Este diploma passou a funcionar como norma habilitadora para a Administração recorrer à arbitragem, seguindo-se-lhe, em 1986, a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, que veio disciplinar a arbitragem voluntária (LAV).
Note-se que no artigo 1.º, n.º4 da LAV passou a prever-se que «o Estado e outras pessoas coletivas públicas podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto fossem autorizadas por lei especial ou se estiverem em causa litígios respeitantes a relações de direito privado».
Foi, porém, com a Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), “diploma escolhido pelo legislador para determinar o alcance e os termos da abertura do Direito Administrativo à arbitragem” , que o legislador nacional consagrou em termos mais amplos a possibilidade de um particular exigir da Administração Pública a celebração de compromisso arbitral (artigo 182.º do CPTA).
E se é certo que até à entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22/02, a possibilidade da existência de arbitragem de Direito Administrativo só se verificava «em dois domínios muito específicos – o dos litígios sobre contratos administrativos e o da responsabilidade civil da Administração – e, ainda aí, só na medida em que a resolução desses litígios não envolvesse a apreciação de pedidos de impugnação de atos administrativos, que exprimissem o exercício de poderes públicos de autoridade» -( cfr. artigo de Mário Aroso de Almeida, “Arbitragem de Direito Administrativo: Que lições retirar do CPTA?” in “ A Arbitragem Administrativa em Debate: Problemas Gerais e Arbitragem no Âmbito do Código dos Contratos Públicos”, Coord. por Carla Amado Gomes e Ricardo Pedro, 2018, AAFDL Editora, pág. 14)-, a partir de então, conforme Mário Aroso Almeida observa no citado artigo, «as coisas mudaram, na medida em que o CPTA passou a admitir, na alínea a) do n.º 1 do artigo 180.º, que a arbitragem sobre questões respeitantes a contratos pudesse compreender a apreciação dos eventuais atos administrativos praticados no âmbito da sua execução (…). E, por outro lado, o Código dos Contratos Públicos veio consagrar, no artigo 307.º, um regime que, alterando de modo significativo o quadro normativo anterior, veio generalizar a prática de atos administrativos no âmbito das relações contratuais administrativas, tornando, nesse contexto, omnipresente a figura do ato administrativo, inclusivamente no domínio das empreitadas de obras públicas» (ob. cit., pág. 16). E prossegue o mesmo autor, concluindo que o «CPTA deu, desse modo, um importante passo no sentido de ultrapassar o preconceito segundo o qual tribunais arbitrais não podiam proceder à fiscalização da legalidade de atos administrativos- passo que entretanto veio a ser aprofundado e consolidado, na recente revisão do CPTA, com a consagração nos mais amplos termos, na alínea c) do n.º1 do artigo 180.º, da previsão genérica da possibilidade de arbitragem sobre a legalidade de atos administrativos». ( ob. cit., pág.17).
O legislador do CPTA introduziu assim uma relevante inovação face ao regime anteriormente vigente, em que o contencioso da legalidade dos atos de autoridade da Administração Pública em matéria de execução dos contratos, estava subtraída aos tribunais arbitrais, viabilizando a possibilidade de, num mesmo processo, ser «apreciada a globalidade da relação jurídica controvertida, nos diferentes planos e dimensões em que ela se desdobra».
Porém, importa frisar, tendo em conta a versão do CPTA em vigor ao tempo em que o presente litígio foi submetido a arbitragem voluntária que, conforme refere Manuel Pereira Barrocas- in Manual de Arbitragem, Almedina, pág.96- «outros atos administrativos igualmente relativos ao contrato administrativo não são arbitráveis, como é o caso dos atos administrativos preparatórios da celebração do contrato», apoiando-se, para tanto, na posição manifestada por J.M. Sérvulo Correia, in “Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lex Edições Jurídicas”.
Enuncie-se que o CPTA, na versão vigente à data (anterior à revisão de 2015) consagra um regime especial de arbitragem administrativa que admite em termos muito amplos o recurso à arbitragem para resolver questões relativas a contratos administrativos, e inclui também no âmbito da arbitragem a apreciação de atos administrativos relativos à execução dos contratos. Mas relativamente aos atos administrativos que precedem à celebração dos contratos administrativos, entendendo-se como tal, não só o ato de adjudicação do concurso para o contrato, mas também a deliberação de abrir o concurso, e ainda a deliberação no sentido de celebrar o contrato, aprovando a respetiva minuta, não estão abrangidas pela cláusula geral de recurso à arbitragem consagrada no artigo 181.º, n.º1, alínea a), do CPTA na versão aqui aplicável.
No mesmo sentido, JOSE ROBIN DE ANDRADE- in ” ESTUDOS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA- I”, Cedipre, Coimbra Editora, artigo “ “ Arbitragem e Contratos Públicos”, pág.955-966 -, a respeito da questão de saber se, no enquadramento legal ao tempo vigente, poderia ou não ser submetida a arbitragem voluntária a decisão sobre a validade dos atos preparatórios do contrato, refere que:
« Os Autores que sobre o assunto se pronunciaram entendem que não ( José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p.242).
O recurso à arbitragem para questões respeitantes a contratos está genericamente facultado pelo artigo 180.º, n.º1, alínea a), no pressuposto de que nos encontramos perante um espaço de autonomia pública, derivando nesse caso a arbitragem do exercício dessa mesma autonomia.
Ora o procedimento de seleção do cocontratante pela Administração é um procedimento prévio em relação à contratação e está sujeito a regras próprias, que podem até envolver a criação de poderes estritamente vinculados.
Não nos parece assim que se possa alargar ao procedimento de formação dos contratos o regime da admissibilidade da arbitragem consignado no artigo 180.º, n.º1, alínea a), do CPTA.
Nada impede porém, que lei especial o permita, alargando então em certos casos específicos o âmbito da arbitragem».
No mesmo sentido, veja-se também MÁRIO AROSO DE ALMEIDA - in Comentário ao Código de Processo e Procedimento Administrativo, 3.ª Edição, Almedina, pág.1147 - onde expressamente refere, em relação a esta questão que: «Mantém-se, no entanto, a exclusão da possibilidade de arbitragem em relação aos atos destacáveis do procedimento pré-contratual, com a consequência de, nesse particular, já não ser possível apreciar no mesmo processo, perante um tribunal arbitral, a questão da validade de um ato pré-contratual e da invalidade (derivada ou consequente) do próprio contrato ( cfr. Artigo 47.º, n.º2, alínea c)). Se uma questão pré-contratual for, portanto, suscitada no âmbito de uma ação contratual submetida a tribunal arbitral, este terá de sobrestar no seu conhecimento e aguardar que o tribunal estadual competente se pronuncie sobre a validade do ato pré-contratual».
Significa tal que, ainda que o Recorrente, conforme resulta da consideração das conclusões de recurso não tivesse restringido o objeto do recurso ás invalidades originárias do contrato, sempre as questões relativas à invalidade do contrato de concessão por vícios decorrentes do procedimento de formação do mesmo não poderiam ser conhecidas por este tribunal por se tratarem de questões cujo âmbito de cognição estava excluído do âmbito de competência do Tribunal Arbitral.

Em discussão estão apenas as questões relativas à invalidade originária do contrato de concessão decorrente do desvio que o conteúdo desse contrato alegadamente comporta quando em confronto com o regime que resultaria da sua vinculação ao CE, PC e proposta adjudicada (violação dos princípios da conformidade do contrato com as peças do procedimento previsto no art.º 14.º do DL 197/99 e da vinculação da Administração à prossecução do interesse público).
Efetivamente, nos termos das conclusões de recurso, o Recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido na parte em que considerou válido o contrato de concessão outorgado entre o mesmo e a Concessionária, por a seu ver, esse contrato comportar cláusulas que desrespeitam o Caderno de Encargos (CE), o Programa de Concurso (PC) e a proposta apresentada pela Concessionária no âmbito do concurso público que foi objeto do ato de adjudicação, alterações que desconhecia quando outorgou o contrato e que retiram ao mesmo o fim público que devia prosseguir, violando um conjunto de regras e de princípios que determinam a sua nulidade.
Vejamos se lhe assiste razão.
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b.1. Do erro de julgamento sobre a matéria de direito decorrente de o acórdão recorrido ter julgado improcedente a invocação da existência de erro na declaração de vontade emitida pelo Concedente quando outorgou o contrato de concessão.

Prima facie, o Recorrente assevera que apenas aceitou o conteúdo do contrato de concessão que outorgou por desconhecer o alcance das alterações introduzidas em relação ao que seria o seu conteúdo se estivesse em conformidade com o disposto no CE, PC e na proposta económica adjudicada.
Insurge-se particularmente contra a equação financeira estabelecida no contrato já após a adjudicação da proposta à Concessionaria, concretamente, contra o aumento tarifário ( ver cláusula 64.º) e contra os parâmetros do “Caso- Base” (ver cláusula 86.ª ), conquanto a mesma, se afasta “ sem fundamento válido e sem acordo esclarecido, dos parâmetros inicialmente fixados na proposta apresentada a concurso e posteriormente adjudicada, albergando uma solução desvantajosa para o interesse público e prejudicial para os utentes do serviço”. Afirma que a vontade que declarou (a vontade declarada) não correspondia à sua vontade real, julgando que estava a subscrever um contrato com um equilíbrio económico- financeiro ( ou um caso-base) que correspondesse, rigorosamente ou no essencial, ao estabelecido no caderno de encargos e na proposta da adjudicatária, e , afinal, subscreveu um contrato com um caso-base diferente, que, comparado com esse padrão, implica um desequilíbrio sensível entre as prestações.
A seu ver, tal erro na declaração é essencial e é relevante, na medida em que, nas circunstâncias do caso, o erro ou, pelo menos, a sua essencialidade é cognoscível pela contraparte- tanto mais que se verifica uma ofensa objetiva ao princípio geral do regime dos contratos administrativos que proíbe ao contraente público a assunção de obrigações manifestamente desequilibradas, em especial quando esse desequilíbrio prejudique os direitos dos utentes de serviços públicos, tendo em conta o poder-dever de proteção que, neste tipo de contrato, incumbe legalmente ao ente administrativo.
Como tal, e defendendo estar em tempo para pedir a anulabilidade do contrato de concessão e das suas cláusulas afetadas por erro do Município aquando da celebração do contrato, considera que o Tribunal Arbitral errou ao julgar não verificado o apontado erro na declaração.
O que dizer?
Antes de nos debruçarmos sobre esta questão, considerámos útil transcrever a fundamentação de facto aduzida pelo Tribunal Arbitral no acórdão recorrido, com base na qual deu como não verificado o invocado erro na declaração, e que foi a seguinte:
«A) Adjudicação e celebração do Contrato
(…)
13° — Após a entrega da minuta do contrato, seguiram-se conversações, entre a Câmara e o novo adjudicatário, sobre o conteúdo final daquele [A5].
14° — Pelo menos segundo a experiência da Concessionária, é usual — e mesmo praticamente inevitável — que, no quadro da celebração de contratos de concessão, decorra, entre a entidade concedente e o adjudicatário, um processo de reexame, acerto e definição final do conteúdo contratual, relativamente à proposta apresentada — desde logo, em razão do tempo entretanto decorrido. No caso, o contrato não era de natureza diferente do celebrado pela empresa adjudicatária com outros Municípios e o processo decorreu em termos semelhantes (depoimentos das testemunhas FC..., SC... e JM...) [Quesitos 2 a 41,
15° — No caso concreto, as conversações entre o Município concedente e o Adjudicatário prolongaram-se ao longo dos meses que mediaram até à celebração do contrato, e tiveram como pontos centrais — sem excluir outros, suscitados por uma ou outra das partes — os seguintes: — a intenção, manifestada pelo Município de alargar a área de cobertura dos serviços a concessionar, prevista na proposta do adjudicatário; — a possibilidade de tal se fazer através do recurso, pelo Município, a fundos comunitários ainda disponíveis, e a falta de falta de fundos próprios do Município para arcar com a sua comparticipação; — o problema da falta de licenciamento das origens da água e a possibilidade de aumentar a produção de água; — o aumento de investimento a assumir pelo adjudicatário; — a correspondente repercussão em termos de custos financeiros e operacionais, e, consequentemente, no nível das tarifas; — por outro lado, a necessidade de obviar a sobreposições detetadas entre o investimento em obras prevista na proposta do adjudicatário e investimento que entretanto foi sendo realizado pelo Município ou a realizar por este através do recurso a fundos comunitários (depoimentos das testemunhas FC..., SC..., e, em particular, JM..., e ainda das testemunhas NS..., Eng° VP... e Dr.LF..., os dois primeiro quanto às sobreposições e recurso a fundas comunitários, e o último quanto a tarifas) [Quesitos 2 a 4]
16° — Ao longo dessas conversações (em que foram considerados mais do que um cenário) foram mostradas e explicadas (designadamente com recurso a quadros e quantificando números) aos representantes do Município as incidências económico-financeiras — mormente no tocante às tarifas, e ao aumento real destas, em 4% ao ano, nos três primeiros anos da concessão — das alterações a introduzir assim no contrato final, relativamente à proposta inicialmente apresentada pelo adjudicatário (depoimentos das testemunhas Eng° FC... e, em particular; Eng° JM..., e ainda, quanta ás tarifas, da testemunha Dr. LF---) [Quesitos 2 a 4].
17° - Entretanto, resultou dessas conversações que a Concessionária pagaria ao Concedente, a título de retribuição da concessão, uma verba de 2 milhões de euros, com o objetivo de facultar à Câmara os meios financeiros de que necessitava para poder concorrer aos fundos comunitários (depoimentos do Eng° JM..., NS... e Eng° VP...) E resultou, bem assim, que a Concessionária entraria também com uma contribuição, até um milhão e cem mil euros, para a aquisição dos terrenos necessários às obras a realizar (depoimento do Eng° JM...). (Cfr., em definitivo, Documento referido infra, e 219. [Quesitos 2 a 4].
18° - Igualmente ficou entendido, nas mesmas conversações, que, no caso de se concretizar a utilização de fundos comunitários, e a Câmara vir assim a realizar obra ou investimentos previstos no plano da Concessionária, esta compensaria o investimento que assim deixava de efetivar com a realização de outro, de valor equivalente, É isto mesmo que vem a ser formalizado ulteriormente, já depois de celebrado o Contrato, pelo Protocolo assinado pelas partes em 2 de Setembro de 2005 (Doc. n° 3 Cont. e, por último, depoimento complementar do Eng° JM..., em 16X1.2009).
19° — No mesmo período que mediou entre a adjudicação e a celebração do Contrato, o Adjudicatário solicitou à Câmara informação vária, incluindo para «alteração ou confirmação dos pressupostos considerados na fase de elaboração da proposta» (fotocópias de fax enviados à Camara em 16 de Julho e 18 de Novembro de 2004 e de um fax da Câmara de 17 de Agosto do mesmo ano, Juntos pela Concessionária na audiência de 16.1(1,2009) [Quesitos 2 a 4].
20° - Durante esse mesmo período, mas sobretudo na parte final, foram sendo enviados pelo Adjudicatário à Câmara Municipal vários elementos relativos ao contrato, designadamente em minutas provenientes de escritórios de advogados ligados àquele (depoimento da Eng.' SP...) [Quesito 2].
21° — Em particular, o Adjudicatário, em 2 de Setembro de 2004 enviou à Câmara uma minuta alterada do contrato, chamando especificamente a atenção para os seguintes pontos: — comprometimento da Concessionária de contribuir para os custos de aquisição de terrenos, até ao montante de E 1.100.000 (cláusula 260); — consideração de um valor de retribuição ao Concedente de £ 2.000.000 (cláusula 710); — consideração de um aumento real das tarifas nos anos de 2006 a 2008 (cláusulas 64° a 69°) (Doc. n° 2 do requerimento do Concedente, de 8. V.2009) [Quesitos 2 a 4]
22° — Ao longo do processo antes descrito — e apesar de os seus serviços não estarem particularmente habilitados a seguir a conclusão de um contrato com tanta complexidade — a Camara não recorreu a qualquer assessoria externa para o efeito. Agiu num quadro de confiança com a adjudicatária AO--- (cfr. depoimentos das testemunhas NS... e Dr. JO...) [Quesitos 2 a 4].
23° No mesmo processo intervieram, por parte da Câmara Municipal do (...), designadamente o Vereador, e então Vice-Presidente, NS... e o Vereador Dr. LF--- (cfr•., desde logo., depoimento da testemunha Eng° JM...). Segundo o primeiro, o «contrato» (naturalmente a versão final) foi enviado à Câmara com tempo para poder ser por esta analisado; e o próprio nunca se sentiu enganado, naquelas conversações, pelo Adjudicatário — ainda que admitindo, agora, que algumas situações poderiam ter sido melhor esclarecidas pela empresa, mas que a Câmara o deveria ter solicitado na altura. De acordo com a perceção do segundo, tudo decorreu normalmente nesse processo de acerto do contrato entre a Câmara e o Adjudicatário; o mesmo admitiu que, face à urgência da Câmara, possa ter havido algum aproveitamento, mas não favorecimento, do Adjudicatário; e ainda acrescentou que o Anexo XV do Contrato [infra, n°s 39° e seguintes] não foi visto (pelo mesmo pelo depoente), nem tinha de sê-lo, já o tarifário sendo significativo (respetivos depoimentos) [Quesitos 2114].
24° — Entretanto, as alterações à minuta do contrato, na versão deste enviada pelo Adjudicatário em 2 de Setembro de 2004 (supra, n° 21°) — sintetizadas e explicadas num documento provindo do Adjudicatário — foram objeto da «Informação» pelas Técnicas do Gabinete Jurídico da Câmara, de 15 do mesmo mês, junta aos autos, por solicitação do Tribunal, na audiência de 2,VI.2009 — «Informação» essa que lhes foi solicitada, no mesmo dia, pelo Vereador NS.... As mesmas Técnicas não tiveram qualquer intervenção no concurso da concessão em apreço, não conhecendo o respetivo Caderno de Encargos e Programa ou a minuta do contrato (depoimento das Técnicas, nessa mesma audiência) [Quesitos 2 a 4].
25° — Posto isso, a minuta do contrato, com as alterações nela assim introduzidas, foi aprovada pela Câmara Municipal em reunião de 20 de Setembro de 2004 (Doc. n° 1 da PI; e extrato da acta, constante da certidão junta pelo Concedente na audiência de 16.X1,2009) [Quesitos 2 a 5].
26° — Subsequentemente, foi submetida à Assembleia Municipal, em sessão de 1 de Outubro de 2004, «a apreciação e deliberação, sob proposta da Câmara Municipal, do Contrato de concessão da gestão e exploração dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do (...)» (Ponto 7 da respetiva «ordem de trabalhos»), tendo-se registado a sua aprovação, por maioria, por 30 votos a favor, 19 contra e 7 abstenções (certidão da acta da sessão da Assembleia, incorporando o Doc. n° 2 do requerimento da Concessionária, de 28. V2009) [Quesito 5].
27° — Mais tarde, no entanto, em 1 de Dezembro seguinte, uma nova versão do contrato vem a ser enviada pela AO--- (Eng° JM...) à Câmara Municipal (Vereador NS...), com a indicação de que assim se fazia «conforme o combinado» e de que se tratava «de pequenas alterações de redação e alterações nas cláusulas 9, 38" e 71" decorrentes da falta de licenças para as captações» (documento junto pela Concessionária na audiência de 16.XI.2009) [Quesitos 2 a 41].
28° — Esta nova e última versão do contrato, com a indicação das alterações que incorporava, acompanhada de uma nova «Informação» de uma técnica do Gabinete Jurídico da Câmara e do oficio do IRAR acima referido (no 11°), foi de novo submetida à Câmara Municipal, em sessão de 15 de Dezembro de 2004, e por ela aprovada por maioria (com uma abstenção, do Vereador do Partido Socialista) (extrato da acta da sessão, junta nas condições referidas supra, n°25°}. [Quesitos 2 a 51.
29° — Em sessão de 28 de Dezembro de 2004, foi novamente submetida à Assembleia Municipal «a apreciação e deliberação, sob proposta da Câmara Municipal, do 'Contrato de concessão da gestão e exploração dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do (...)» (Ponto 16 da respetiva «ordem de trabalhos»), tendo-se registado a sua aprovação, por maioria, com 46 votos a favor, 9 contra e 2 abstenções (certidão da acta da sessão da Assembleia, incorporando igualmente o Doc. n° 2 do requerimento da Concessionária, de 28.17.2009) [Quesito 5].
(…)
35° — Todo o «processo» antes descrito, veio a culminar, em 30 de Dezembro de 2004, na ratificação, pela Câmara, da adjudicação antes feita à Concessionária, e na celebração do Contrato de Concessão — por escritura pública da mesma data, outorgada perante a Notária Privativa da Câmara — entre o Município do (...) e a sociedade Demandante, «ÁGUAS (...), S.A.», entretanto constituída, para esse fim, pelo Adjudicatário [A]
36° — O Contrato de Concessão é o que se encontra nos autos, junto como Doc. n° 1 da P1, constituindo o documento anexo à escritura antes referida e compreendendo dezassete anexos [A7].
37° Entretanto, por aditamento de 22 de Abril de 2005, foi retirado ao Contrato de Concessão o Anexo XIII, denominado «Contrato de Construção» — contrato esse mediante o qual a Demandante transferia para o ACE contraparte desse contrato a realização dos trabalhos de conceção, projeto, construção e montagem de obras e equipamentos abrangidos pela concessão e respetivo de Plano de Investimentos, e que nos temias do Contrato de Concessão ficara a seu cargo (art. 18° e Doe, n° 2 Cont. e aras. 128° e 129° Répl.).
38° — Tal ocorreu — essa retirada do Contrato de Construção — em consequência da posição negativa (com devolução, sem visto, do Contrato de Concessão) tomada pelo Tribunal de Contas quanto à admissibilidade da sua inclusão (em razão de se excluir assim o concurso público para a realização das obras implicadas na concessão) no contrato principal (fotocópias dos ofícios do Tribunal de Contas, de 17 de Janeiro e 30 de Março de 2005, juntos pelo Concedente como Doc. n° 1, em 8,V.2009) [Quesito 4].
39° — Entre os anexos ao Contrato, conta-se o Anexo XV, contendo o respetivo «Caso Base», que exprime o modelo económico-financeiro do mesmo Contrato — na definição que neste último dele se dá: «o conjunto de pressupostos e projeções económico financeiras» [cláusula P, alínea d)) que «representa a equação financeira com base na qual se celebra o contrato» (cláusula 86", n° 4) — e que reflete, como resultado final, o clausulado no mesmo contrato ou noutros seus anexos (cfr. depoimentos dos FC... e SC...) O Anexo XV em causa foi elaborado pela empresa K---, com dados fornecidos pelo Adjudicatário e sendo da responsabilidade deste a sua validação e está referido à data de 7.X11.2004 (certidão Integral da escritura do contrato, incluindo todos os anexos, junta pela Concessionária por requerimento de 11,111.09) [Quesitos 2 a 51].
40° — Esse Anexo XV do Contrato foi enviado pelo Adjudicatário à Câmara Municipal apenas em versão escrita, para ser incluído na escritura. A Câmara não solicitou ao Adjudicatário o envio de uma versão informática do mesmo Caso Base (cfr: depoimentos das testemunhas Engs° FC..., SC... e JM..., e ainda da testemunha Dr. LF---) [Quesitos 2 e 59].
41° — Ao longo das conversações atrás referidas foram, porém, exibidos à Câmara Municipal pelo menos os quadros mais importantes do Caso Base (depoimento da testemunha Eng° FC...) [Quesitos 2 a 4 e 59].
42° — A versão escrita do Caso Base, tal como consta da escritura do contrato, é legível, embora com a dificuldade decorrente do tamanho A4 em que está impressa — e contém uma folha inicial, com o «painel de controlo do modelo», que compendia todos os seus indicadores principais; mas deparou-se nele com quatro quadros de difícil leitura (documento referido supra, n° 39°; cfr. depoimento de parte, pela Demandante, do Eng° JF..., e depoimentos das testemunhas VP..., JS... e, em particular, da testemunha Dr. NC--- ­com divergências; e ((Relatório da perícia», p. 7). Seja como for, essa versão foi utilizada, seja para preparar documento que serviu à Câmara para se decidir pela Modificação Unilateral do Contrato, seja nos documentos com que aquela encerrou o correspondente procedimento do reequilíbrio, como decorre das referencias ao Caso Base que • neles se faz (v. «Relatório» da empresa de consultadoria PA---, Ld.ª", junto pelo Demandado em audiência de 2.V.1.2009, aquando da audição da testemunha Dr. NC---; e docs. 78 e 82 PI) [Quesitos 3 e 4 e 59].
43º — A versão editável do Caso Base — junta aos autos com o requerimento da Concessionária de 1../1.71. 2008 — corresponde à e reproduz a versão escrita do mesmo que constitui o Anexo XV do contrato de concessão (< Relatório da perícia» realizada no processo, n° 3; e já o depoimento da testemunha Dr. NC---) [Quesito 58].
(…)»
Damos aqui por reproduzidas as considerações que supra se expenderam sobre o regime da invalidade dos contratos administrativos, salientando que o artigo 247.º do Cód. Civil exige para a relevância do erro na declaração que “o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
Conferida a matéria de facto acima transcrita, dela não pode retirar-se como demonstrada a existência de uma situação de erro na declaração por parte do Concedente no momento em que outorgou o contrato de concessão. Sequer que, a permitirem os factos dados como assentes concluir pela existência de uma situação de erro na declaração, o que não se consente, que a mesma apenas foi conhecida do recorrente no momento em que teve de reagir à ação que lhe foi instaurada pela Concedente para efeitos de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, e que já não a conhecesse, a existir, há mais de seis meses atento o momento em que invocou esse vício.
A respeito deste vício, desde já adiantámos que a decisão arbitral não merece qualquer censura da nossa parte no modo como encarou e decidiu o invocado erro na declaração, cujos fundamentos subscrevemos integralmente, e de cujo teor destacamos os seguintes excertos, que reproduzimos para melhor compreensão:
« (…)
Não se poderá negar que, no tocante à definição do conteúdo de um contrato de concessão como o dos autos, empresas como a Demandante se encontram numa posição de vantagem, relativamente à generalidade das autarquias municipais, no que concerne ao conhecimento, ao domínio e à gestão de todas as correspondentes implicações, seja no plano técnico, seja, em particular, no plano económico-financeiro. E o mesmo certamente sucedeu…no quadro do relacionamento ocorrido no caso, em ordem à celebração do Contrato em apreço, entre a Câmara Municipal …e a empresa. E pode mesmo aceitar-se que aí haja ocorrido alguma falta de diligência ou mesmo alguma inconsideração da Câmara.
Mas daí não se pode concluir que tal posição de vantagem foi artificiosamente aproveitada e manipulada pela Demandante …em termos de se poder afirmar que ela agiu com «dolo», ou, ao menos, que essa posição de vantagem gerou ou propiciou um «erro» essencial do Demandado quanto à decisão de contratar, ao conteúdo do negócio ou à sua mesma declaração- do reconhecimento dessa posição de vantagem da Demandante até poder tirar-se uma qualquer dessas conclusões ( o que seria indispensável para dar como verificado, e juridicamente relevante, algum dos correspondentes vícios da vontade) vai um largo passo, que os factos provados não permitem efetivamente dar.
Por isso, não respondeu o Tribunal afirmativamente a quesitos como os de saber se a minuta do contrato foi «congeminada» pela Concessionária, ou se esta nela introduziu «encapotadamente e disfarçadamente» cláusulas várias em seu proveito, aproveitando-se da necessidade e inexperiência do Concedente, «cláusulas que este nunca quis e de que nunca se deu conta» ( Quesitos 2 a 4 da Base Instrutória). É que, na verdade, provado ficou sim …:
-que o Concedente, ele próprio, manifestou desejo de ver introduzidas no contrato alterações que, permitindo aumentar a taxa de cobertura da rede, implicavam maiores investimentos e custos para a Concessionária;
-que, sobre as alterações a introduzir no contrato ( as indicadas e outras) decorreram conversações entre Concedente e Adjudicatário, que se prolongaram ao longo de meses, e em que esta última foi dando a conhecer à primeira as implicações económico-financeiras de tais alterações; e, bem assim, troca de correspondência entre ambas as partes, com a solicitação, pelo Adjudicatário à Concedente, de elementos para atualizar os dados do contrato, ou a informação a esta última de cláusulas a alterar;
-que, nomeadamente, o Concedente ficou ciente da alteração do contrato em termos tarifários (ponto evidentemente nuclear)- alteração essa corporizada na existência de dois tarifários diferentes, constantes dos Anexos V e VI ao Contrato, um para vigorar no 1.º ano da concessão, e outro a partir de início de 2006, Anexos esses ( recorde-se) que não deixaram de ser presentes à Assembleia Municipal;
- que o Concedente dispôs de tempo adequado para examinar as decorrências das alterações ao contrato e para recorrer, se o tivesse desejado, a uma consultadoria externa que o auxiliasse nessa análise, ou para solicitar mais desenvolvidos esclarecimentos à Concessionária;
-que, se é certo que um dos anexos mais relevantes do contrato- o Anexo XV, contendo o Caso-Base-, tendo sido preparado pela Concessionária, apenas foi por ela enviado ao Concedente em versão escrita, certo é também que o Concedente não pediu à Concessionária outra versão; e que, se tal Anexo, nessa versão escrita, apresenta dificuldades de leitura ( emergentes da dimensão dos seus caracteres), todavia não é ( nem foi) uma peça «ilegível»;
- e, finalmente, que as conversações sobre o contrato se desenrolaram num clima de confiança entre os representantes do Concedente e do Adjudicatário, que nunca os primeiros puseram em causa;
Pois bem: um quadro factual como este -e mais não será necessário acrescentar- não é de molde, decerto, a suportar a conclusão de que o Concedente haja outorgado o Contrato com uma vontade viciada, cometendo, seja um erro na declaração, seja um erro-vício, e seja «espontaneamente», seja induzido por artificio ou dolo da contraparte» (negrito da nossa autoria).
É factual que o presente contrato de concessão de serviço público foi celebrado na vigência do DL n.º 379/93, numa altura em que o “Know-how” técnico detido pelas administrações municipais sobre a complexa realidade da concessão de serviços públicos municipais de abastecimento de água domiciliária e recolha de efluentes era deveras deficitário, em comparação com o nível de conhecimentos e apetrechamento técnico detido pelas entidades concessionarias à data.
Porém, essa circunstância, ainda que aliada ao facto de o Município não ter obtido o apoio de entidades terceiras especializadas no setor no momento da celebração do contrato, nem para a elaboração dos documentos que serviram de base ao concurso, nem para a avaliação da proposta que a concessionária apresentou a concurso e que ficou graduada em segundo lugar, nem, principalmente, para a avaliação das modificações introduzidas durante o período das negociações, não habilita automaticamente á conclusão de que, por ser assim, o Município incorreu numa situação de erro na declaração quando subscreveu o contrato de concessão com o conteúdo que o caracteriza.
Não há erro na declaração de vontade da Concessionária ao subscrever o Contrato de Concessão, quando, como bem se assinala no acórdão recorrido, as alterações que foram introduzidas no clausulado do contrato de concessão foram discutidas entre as partes, num clima de negociação sem percalços, de confiança mútua entre as partes, e durante um período de tempo dilatado, em que o Concedente teve a possibilidade de recorrer a apoio técnico especializado e não o fez, quando não podia ignorar que os seus serviços não estavam particularmente habilitados a seguir a conclusão de um contrato com tanta complexidade, pelo que, só pode concluir-se que considerou estar em condições de outorgar o referido contrato de concessão cujas alterações lhe foram explicadas, sendo de notar que pese embora a elevada complexidade técnica de realidades como o Caso-Base e a TIR acionista, as mesmas não são ininteligíveis e, no que concerne à questão do aumento de taxas, o facto de no respetivo anexo se falar em “tarifário restruturado” não impedia a compreensão de que nesse capítulo se estava a operar uma alteração do tarifário em face do que resultaria das peças do procedimento do concurso e da proposta adjudicada.
Ademais, é insofismável, como decorre dos factos provados, que não houve da parte da Concessionaria qualquer ocultação de informação relevante para a formação da vontade da Concedente, tendo-se provado que no curso das negociações pós-adjudicatórias a Concessionária mostrou e explicou ao Concedente as incidências económico-financeiras, designadamente, no tocante às tarifas, e ao aumento real destas, em 4% ao ano, nos três primeiros anos da concessão, e, por conseguinte, das alterações a introduzir no contrato final relativamente à proposta inicialmente apresentada pelo adjudicatário.
Ou seja, não se provou que a Concessionária tivesse agido com dolo para fazer incorrer em erro ou manter em erro o Concedente, sequer se provou que a vontade declarada do Concedente ao celebrar o contrato não correspondia à sua vontade real, e que o mesmo desconhecia que estava a subscrever um contrato cujo equilíbrio económico- financeiro não correspondia, no essencial, ao estabelecido no caderno de encargos e na proposta do adjudicatário.
Aliás, o longo período de tempo em que decorreram as negociações não é compatível com a alegação do Concedente em como desconhecia que o conteúdo do contrato de concessão celebrado introduziu alterações na equação económico-financeira subjacente às peças procedimento e à proposta adjudicada. É que, a não ocorrer a necessidade de introduzir alterações no conteúdo do contrato em face do que seria por referência às peças do procedimento e à proposta adjudicada, então porque razão foram entabuladas umas tão longas negociações, com várias reuniões, com pedidos de informação e troca de documentação?
Também não é despiciendo ter presente que, no caso, o executivo camarário que estava em funções na data da outorga deste contrato não era o mesmo que estava em funções na data da instauração da ação arbitral, tendo sido os novos titulares do executivo camarário que vieram suscitar a questão da invalidade do contrato de concessão com fundamento em erro na declaração. Daí que, num certo sentido, como refere o Senhor professor PG... – in parecer junto aos autos, fls, 23- «Hoc sensu, o MUNICÍPIO (...) de 2004 não será a mesma entidade que o Município de (...) de 2007», e que «analisadas as particularidades do processo sub iudice, verifica-se que – hoc sensu- o mesmo MUNICÍPIO (...) se conforma, durante dois ou três anos, com as ilegalidades que mais tarde viria a imputar ao Contrato. Mais: o mesmo Município só viria a fazer essa imputação em reação, e não por via de uma ação proposta para invalidar o Contrato» (negrito nosso).
Não podemos também deixar de realçar que a impugnação deste segmento da decisão arbitral dependia em grande parte da procedência do erro de julgamento sobre a matéria de facto dada como assente, que como se decidiu supra, não faz parte do objeto do presente recurso jurisdicional, contanto que o apelante incumpriu o ónus impugnatório de nas conclusões de recurso identificar os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorretamente julgados, impedindo o Tribunal ad quem de entrar no conhecimento do erro de julgamento sobre a matéria de facto.
Por fim, sempre se impõe referir que, ainda que resultasse da matéria de facto dada como provada, que a vontade declarada pelo Concedente ao celebrar o contrato de concessão não correspondia à sua vontade real, por julgar que estava a subscrever um contrato de concessão com um conteúdo que era o que resultava da fusão do CE com a proposta económico-financeira apresentada pela Concessionária, e, por conseguinte, em que o Caso-Base era o que correspondia ao estabelecido no CE e na proposta da adjudicatária, mas afinal outorgou um contrato com um conteúdo distanciado do equilíbrio previsto nesses elementos do procedimento concurso, então impunha-se decidir pela caducidade do direito de obter a anulação do contrato de concessão com esse fundamento, conquanto sendo esse vício gerador de mera anulabilidade, a sua arguição teria de ocorrer no prazo de seis meses a contar da celebração do contrato de concessão, o que não sucedeu no caso, ou quando muito, do momento em que cessou a situação de erro em que se encontrava o Concedente, que o mesmo não demonstrou ter acontecido há menos de seis meses a contar da sua arguição no âmbito da presente ação.
Neste sentido, lê-se no acórdão recorrido que: « c) Uma última nota: se se houvesse concluído pela ocorrência de algum vício na vontade de contratar do Demandado, a consequência jurídica a extrair seria …não a da «nulidade» mas a da simples «anulabilidade» do contrato ( ou das suas cláusulas afetadas por esse vício). E isto poria o problema…da tempestividade da sua arguição na presente ação arbitral.
Assim sendo, forçoso é concluir pela improcedência do invocado fundamento de recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
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b.2. Do erro de julgamento sobre a matéria de direito, decorrente de o acórdão recorrido não ter considerado procedente a nulidade do contrato de concessão celebrado, decorrente do seu conteúdo comportar alterações substantivas das cláusulas gerais dispostas no Caderno de Encargos do Concurso, das regras do Programa de Concurso e violar princípios fundamentais da contratação pública, como o da distribuição do risco, prossecução devida do interesse público e outros princípios constitucionais.

Importa agora verificar se o Contrato de Concessão enferma da invalidade originária que lhe vem apontada pelo Recorrente por alegadamente as alterações que comporta no seu conteúdo em relação ao que deveria ser se correspondesse à fusão do CE, do PC e da proposta adjudicada, terem transfigurado o contrato a celebrar num outro contrato, tudo em violação dos princípios da contratação pública e de regras legais, que fulminam o contrato de concessão de nulidade por falta de fim público.
De acordo com a tese do Recorrente, considerando as alterações introduzidas no Contrato de Concessão perante o que resultaria se o respetivo conteúdo observasse as estipulações do CE e as vinculações emergentes da proposta adjudicada, e aos seus termos substanciais desequilibrastes em favor de uma das partes- a Concessionária- , só poderá concluir-se que foi postergado o fim de interesse público que deveria nortear a celebração do aludido contrato, o que redunda na nulidade do contrato nos termos do artigo 133.º, n.º1 do CPA.
Sublinha que o procedimento contratual adotado e legalmente devido - o concurso público internacional- não previa uma fase de negociações que pudesse conduzir legitimamente à celebração de um contrato com alterações substanciais relativamente ao Caderno de Encargos e, sobretudo, à proposta adjudicada. Cita, a este respeito, SÉRVULO CORREIA, LINO TORGAL & CARLOS CADILHA- cfr. parecer junto aos autos- para quem « o Contrato celebrado apresenta, nos seus termos essenciais- desde logo, quanto à transferência dos riscos de exploração do serviço para o contraente privado-, um conteúdo substancialmente distinto [manifestado em alterações diversas das cláusulas jurídicas do Caderno de Encargos e em alterações da proposta económica]daquilo que vinculativamente resultaria da fusão entre o Caderno de Encargos e as condições que tinham sido oferecidas na proposta do adjudicatário; ora, se a entidade adjudicante lançou um procedimento administrativo destinado a celebrar um contrato com um determinado conteúdo, o qual foi encerrado com a prática do ato de adjudicação, e, em momento posterior, decide outorgar um contrato substancialmente distinto-ou seja, um novo contrato- com um outro parceiro privado, teria obrigatoriamente de lançar um novo procedimento para o efeito”.
Não o tendo feito, e optando, simplesmente, por negociar livremente o clausulado do acordo com o concorrente classificado em segundo lugar, acabou, na prática, por celebrar o contrato em parte por ajuste direto, incumprindo em absoluto as exigências de procedimento de formação de vontade administrativa por concurso público, decorrentes do artigo 10.º, n.º1 do Decreto-lei n.º 379/93- com a cominação expressa da nulidade imposta desde logo no art. 17.º deste diploma ( e art. 133.º, n.º1 do CPA e 185.º, n.º1).
Para o Recorrente, o contrato de concessão celebrado, mercê das alterações que lhe foram introduzidas no período pós-adjudicação, deixou de prosseguir o interesse público específico que a lei lhe assinala, prosseguindo antes o interesse privado da Concessionária como resulta de todas as alterações terem sido introduzidas a favor desta. Considera, assim, que o contrato de concessão se encontra desligado da sua função legal.
Concretizando, o Recorrente alega a existência de diferenças assinaláveis ao nível das receitas da Concessionária, provenientes da cobrança de tarifas aos consumidores dos serviços de abastecimento de água e saneamento, durante o período de vigência da concessão, que é de 35 anos.
Refere que o CE previa, nos seus artigos 52.º e 58.º que: (i) a Concessionária teria direito a cobrar, no primeiro ano de concessão, a tarifa que indicava na sua proposta, e, nos restantes anos, aquela que decorresse da aplicação da fórmula de revisão, por si também indicada nesse documento; (ii) Qualquer outra alteração do tarifário teria de ser aprovada pelo Concedente e ser objeto de parecer prévio do IRAR.
Sustenta que, tomando em consideração o disposto nas citadas cláusulas do CE, a Concessionária estimou uma previsão global de receitas tarifárias no valor de 324.710.794,00€, conforme resulta do “Estudo económico-financeiro do projeto” apresentado por aquela e que constitui parte integrante da proposta. Porém, o Contrato de Concessão, na cláusula 64.ª, n.º4, relativa ao tarifário, estabeleceu que, para além da revisão anual normal das tarifas ( regulada na cláusula 69.ª), a Concessionária poderia cobrar, a partir de janeiro de 2006, as tarifas previstas no Anexo X do Contrato. Este anexo, intitulado “Tarifário reestruturado”, para além de desdobrar, aumentando, alguns escalões do tarifário da proposta, procedeu também à fixação de todas as tarifas para o ano de 2006, 2007 e 2008, com um aumento de 4% em cada ano, num total de 12%.
Outrossim, o Contrato de Concessão incluiu também o Anexo XV, respeitante ao Caso Base que reflete igualmente o novo tarifário nas receitas estimadas. Ora, conjugando os elementos constantes destes dois anexos, verifica-se que, relativamente àquilo que resultava da proposta da Concessionária, o Contrato de Concessão passou a prever para a mesma um acréscimo de receitas ao longo do período de concessão de 47.532.210,00€.
O Caso Base, que de acordo com as “Definições” que constam da cláusula 1.ª do Contrato de Concessão, constitui “ o conjunto de pressupostos e projeções económico-financeiras da concessão” ( Anexo XV), prevê também, quanto ao consumo de água para abastecimento, ao volume de efluentes a efluir ao sistema e bem assim quanto a outros serviços conexos, valores de receitas tarifárias divergentes da proposta, diferença da qual resultou um aumento de € 64.950,709,00€.
Por conseguinte, comparando o valor das receitas tarifárias previstas na proposta apresentada a concurso e o que resulta dos anexos para que remete o Contrato de Concessão, houve um aumento de 34,6%.
Por outro lado, quanto aos lucros (resultados líquidos acumulados dos exercícios) previstos, verifica-se um aumento de 50%, passando os mesmos de 73.891.381,00€, na proposta, para 111.046.530,00€ no Anexo XV ( Caso Base) para que remete o contrato de concessão.
E não se ficam por aqui as alterações introduzidas. Assim, também no que respeita à matéria da reposição do equilíbrio financeiro da concessão, afirma que existem alterações entre a regulação contida no Contrato de Concessão e a que decorre do CE e da proposta adjudicada.
Nos termos do CE, só haveria fundamento para a reposição do equilíbrio financeiro do contrato de concessão se ocorresse uma alteração nos caudais superior a 20% aos “valores previstos no presente processo de concurso” ( art.º 58.º, n.º5, al.a) e b)), mas o Contrato de Concessão veio estabelecer como padrão os “valores previstos para o ano em causa no Caso-Base” ( cláusula 86.ª, n.º1, alíneas a) e b)), pelo que, sendo os valores estimados neste documento superiores aos que resultavam das peças concursais, esta alteração ampliou a proteção contratualmente conferida à Concessionária contra eventuais diminuições na procura de serviços por si prestados.
Refere que essa cláusula 86.ª do Contrato de Concessão, incorpora ainda uma alteração relevante em face do CE, quanto ao modo de calcular a indemnização devida a título de reposição do equilíbrio financeiro, ao estabelecer, no n.º5 que esse equilíbrio financeiro da concessão só se considerará reposto, quando cumulativamente, os valores mínimo e médio do “ratio de cobertura anual do serviço de dívida” e do “ratio de cobertura da vida do empréstimo” atingirem os valores constantes do Anexo XVI, e a TIR acionista ( taxa interna de rentabilidade dos acionistas), aí prevista, for reposta.
Para além ainda de outras alterações, como sejam as relativas ao poder de aplicação de multas contratuais, dos pressupostos para a resolução do contrato, veja-se ainda o que se estipulou no contrato de concessão quanto ao poder de resgate, alargando-se o montante da indemnização devida pelo Concedente, que passa de 3,5% do valor da faturação global ( art.º 18, n.º5, al a) do CE) para 5% desse valor ( cl.96.ª, n.º6, al. a) do Contrato de Concessão).
Todas estas alterações traduzem-se em vantagens para a Concessionária e em maior onerosidade para o Concedente.
Vejamos.
A respeito da invocada falta de interesse público, o Tribunal Arbitral começou por assinalar que os factos a considerar para a decisão a proferir sobre este fundamento «revertem em larga medida, aos analisados no número anterior» ou seja, a respeito do erro na declaração. Esses factos são atinentes à circunstância de as alterações introduzidas pelo Contrato de Concessão terem na sua génese solicitações da iniciativa do Concedente, visando aumentar a taxa de cobertura da rede, implicando maiores custos e investimentos para a Concessionária, e de as mesmas terem sido objeto de conversações entre as partes.
A este respeito, lê-se no acórdão recorrido, que ora transcrevemos que:
«(…) Provado ficou sim (resumindo agora o essencial dos pontos de facto para que já acima se remeteu que:
- que o Concedente, ele próprio, manifestou desejo de ver introduzidas no contrato alterações que, permitindo aumentar a taxa de cobertura da rede, implicavam maiores investimentos e custos para a Concessionária;
-que, sobre as alterações a introduzir no contrato ( as indicadas e outras) decorreram conversações entre Concedente e Adjudicatário, que se prolongaram ao longo de meses, e em que esta última foi dando a conhecer à primeira as implicações económico-financeiras de tais alterações; e, bem assim, troca de correspondência entre ambas as partes, com a solicitação, pelo Adjudicatário à Concedente, de elementos para atualizar os dados do contrato, ou a informação a esta última de cláusulas a alterar;
-que, nomeadamente, o Concedente ficou ciente da alteração do contrato em termos tarifários (ponto evidentemente nuclear)- alteração essa corporizada na existência de dois tarifários diferentes, constantes dos Anexos V e VI ao Contrato, um para vigorar no 1.º ano da concessão, e outro a partir de início de 2006, Anexos esses ( recorde-se) que não deixaram de ser presentes à Assembleia Municipal;
- que o Concedente dispôs de tempo adequado para examinar as decorrências das alterações ao contrato e para recorrer, se o tivesse desejado, a uma consultadoria externa que o auxiliasse nessa análise, ou para solicitar mais desenvolvidos esclarecimentos à Concessionária;
-que, se é certo que um dos anexos mais relevantes do contrato- o Anexo XV, contendo o Caso-Base-, tendo sido preparado pela Concessionária, apenas foi por ela enviado ao Concedente em versão escrita, certo é também que o Concedente não pediu à Concessionária outra versão; e que, se tal Anexo, nessa versão escrita, apresenta dificuldades de leitura ( emergentes da dimensão dos seus caracteres), todavia não é ( nem foi) uma peça «ilegível»;
- e, finalmente, que as conversações sobre o contrato se desenrolaram num clima de confiança entre os representantes do Concedente e do Adjudicatário, que nunca os primeiros puseram em causa;
Pois bem: um quadro factual como este -e mais não será necessário acrescentar- não é de molde, decerto, a suportar a conclusão de que o Concedente haja outorgado o Contrato com uma vontade viciada, cometendo, seja um erro na declaração, seja um erro-vício, e seja «espontaneamente», seja induzido por artificio ou dolo da contraparte».
Estas conclusões foram extraídas pelo Tribunal Arbitral da factualidade correspondente aos “Quesitos 2 a 4”, particularmente, do ponto 15.º da Alínea A) da fundamentação de facto do acórdão recorrido no qual se deu como provado que:
«15° — No caso concreto, as conversações entre o Município concedente e o Adjudicatário prolongaram-se ao longo dos meses que mediaram até à celebração do contrato, e tiveram como pontos centrais — sem excluir outros, suscitados por uma ou outra das partes — os seguintes: — a intenção, manifestada pelo Município de alargar a área de cobertura dos serviços a concessionar, prevista na proposta do adjudicatário; — a possibilidade de tal se fazer através do recurso, pelo Município, a fundos comunitários ainda disponíveis, e a falta de falta de fundos próprios do Município para arcar com a sua comparticipação; — o problema da falta de licenciamento das origens da água e a possibilidade de aumentar a produção de água; — o aumento de investimento a assumir pelo adjudicatário; — a correspondente repercussão em termos de custos financeiros e operacionais, e, consequentemente, no nível das tarifas; — por outro lado, a necessidade de obviar a sobreposições detetadas entre o investimento em obras prevista na proposta do adjudicatário e investimento que entretanto foi sendo realizado pelo Município ou a realizar por este através do recurso a fundos comunitários (depoimentos das testemunhas FC..., SP..., e, em particular, JM..., e ainda das testemunhas NS..., Eng° VP... e Dr.LF..., os dois primeiros quanto às sobreposições e recurso a fundos comunitários, e o último quanto a tarifas) [Quesitos 2 a 4]».
Na ótica do Tribunal Arbitral as alterações introduzidas ao contrato de concessão foram determinadas, em grande parte, pelas pretensões do próprio Concedente e daí que, no acórdão recorrido se afirme que importa conjugar estes factos com os factos «por assim dizer objetivos ou mais objetivos-precisamente os que têm a ver com o conteúdo em si das alterações introduzidas no contrato, e que se pretende haverem destruído o seu equilíbrio em favor da Concessionária.
Este outro aspeto, irá o Tribunal analisá-lo detidamente de seguida. Mas, para responder à questão agora em apreço, importa desde já antecipar que, dessa análise, e em qualquer caso, não logrará o Tribunal retirar que as alterações ao Contrato hajam sido exclusiva ou essencialmente introduzidas em benefício da Concessionária e determinadas pelo seu interesse. O facto é que nessas alterações se cruzou o interesse do Município na concessão, e na expressão dela, com os correspondentes interesses da Concessionária.»
Nesse seguimento, o Tribunal Arbitral considerou que não existe base fática para concluir que ao Contrato de Concessão não subjaz o correspondente interesse público, qual seja « o fim de servir, ou melhor servir, certa necessidade pública ( no caso, de abastecimento de água e recolha de efluentes) que é o que deve determinar a deliberação municipal de dar em concessão certo ou certos serviços e celebrar os correspondentes contratos. Mal ou bem-melhor ou pior interpretado ou entendido esse interesse- o certo é que não pode dizer-se que ele não esteve presente na celebração, pelo MUNICÍPIO (...), do Contrato em causa ( ou na deliberação de celebrá-lo, tomada pelos respetivos órgãos municipais».
Quanto aos princípios especificamente aplicáveis aos contratos administrativos sujeitos a concurso publico, como é o caso do contrato de concessão em análise, o Tribunal Arbitral começou por identificar os princípios da publicidade e transparência e o princípio da concorrência, referindo que ao tempo da celebração do contrato de concessão em apreço o seu enunciado constava do D.L. n.º 197/99, de 08/06, aplicável à generalidade dos contratos administrativos «com as necessárias adaptações», como legislação subsidiária prevista no artigo 189.º do CPA, sublinhando que os mesmos «se acham voltados essencialmente para a proteção, não ( ou em primeira linha) das partes, e antes de terceiros: os potenciais interessados em contratar ou concorrer e, decerto em particular, os que hajam efetivamente participado no concurso ( ou, mais genericamente) candidatado a contratar».
Referiu ainda o princípio a congruência ou da estabilidade, “a saber, de «adequação, de correspondência ou de conformidade do conteúdo dos contratos com as peças do procedimento de adjudicação»”, como um princípio consensual que encontrava expressão, ao tempo, no artigo 14.º do DL n.º 197/99 e com reflexos em preceitos como as alíneas e) e f) do n.º1 do artigo 40.º do CPTA, sobre a legitimidade para a instauração de ações relativas a contratos, adiantando que « não é esse um princípio absoluto, que imponha uma completa «coincidência» entre o conteúdo do contrato e as peças concursais…que não podem pré-definir todo o clausulado futuro do contrato: não podem fazê-lo na parte que fica justamente aberta à concorrência entre as propostas, de modo que, aí, há-de ser o contrato que, com base na proposta acolhida, irá integrá-las e completá-las, preenchendo o que nelas ficou em aberto. Mas, mesmo para além disso, não é de excluir ( e não era nem é excluída), de todo em todo, a possibilidade de introduzir, no contrato, ajustamentos e modificações à proposta, ou seja, não é absolutamente forçoso que o conteúdo do contrato resulte, ponto por ponto, de uma «fusão» entre a proposta e aquelas peças concursais: necessário é que, dessa forma, não sejam com isso postos em causa interesses de terceiros ( ou algum eventual impreterível interesse público).
(…) Mas que o procedimento é ( e era) lícito veio confirmá-lo hoje o Código dos Contratos Públicos, no seu artigo 99.º»
E quanto à previsão do artigo 14.º, n.º3 do DL n.º 197/99, que apenas permitia os ajustamentos em «cláusulas acessórias» e «inequivocamente» em benefício da entidade adjudicante, diz-se na decisão recorrida que a sua aplicação subsidiária estava sujeita ás necessárias adaptações, pelo que, considerando que « um contrato de concessão de serviço público apresenta características muito diversas, em todos os aspetos salientados, e de tal modo que, atento o seu objeto, complexidade e duração, um critério tão rígido ( ao menos aparentemente) como o da disposição em causa não parece realmente o mais apropriado ( pese mesmo algum paradoxo) para definir as balizas dentro das quais será legítimo ajustar o conteúdo do contrato. Basta pensar no risco do «tempo», com que há-de aí contar-se, e relativamente ao qual é razoável que as partes…se acautelem», importando apenas assegurar que « as alterações nunca podem ser de tal monta que subvertam, afinal, o próprio concurso, e convertam o contrato num contrato por «ajuste direto»».
O acórdão arbitral, tomando como referência o princípio da conformidade ou congruência do contrato com os elementos do concurso, apreciou algumas das situações invocadas pelo Concedente como demonstrativas das alterações que o Contrato de Concessão introduziu em face das cláusulas que constavam do CE e em relação à proposta adjudicada.
Assim, lê-se no acórdão recorrido a respeito desta matéria:
«29. A primeira das disposições contratuais que vem questionada, por não corresponder ao caderno de encargos, é a cláusula 33.º, n.º4. Nela se estatui que, se na vistoria a realizar durante o período de transição ….vier a constatar-se a «existência de bens que apresentem vícios ou defeitos, desconhecidos da Concessionária, que possam pôr em causa o bom funcionamento dos sistemas, deverão tais bens ser reparados pela Concedente» nesse caso se «prorrogando a data da Consignação, no que respeita a esses bens até ao momento em que esteja concluída a respetiva reparação».
…Mas a verdade é que, se o Caderno de Encargos não estabelecia in litteris a obrigação em causa do Concedente, não deixava de prever, no seu nº2 , uma «vistoria » prévia aos sistemas a transferir para a Concessionária.
(…) Seja como for, e mesmo admitindo que se trata de algo de novo relativamente ao Caderno de Encargos, não se tem por inadmissível e ilegítima a introdução no contrato da disposição em apreço. E isto fundamentalmente, por se afigurar razoável que a Concessionária seja protegida- e esse é o objetivo em vista- contra defeitos nos sistemas que não pode conhecer e considerar quando apresentou e elaborou a sua proposta, nomeadamente por eles terem ocorrido subsequentemente.
Seja por uma razão ou por outra, não se vê, pois, que ocorra aqui a violação do princípio da conformidade do contrato com as peças do concurso- nem tão-pouco que a cláusula, nova ou não, seja censurável à luz do princípio da atribuição à Concessionária do risco da exploração ( artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 379/93)
30. Outra disposição contratual é a cláusula 69.º, n.º1, relativa aos fatores para revisão anual do tarifário…
(…) Neste caso está-se, sem dúvida, perante algo que o Caderno de Encargos não previa. Só que, não vai aí nenhuma contradição do Contrato com ele, e antes o preenchimento de um espaço ( o das fórmulas de revisão do tarifário) que o Caderno de Encargos deixou deliberadamente aberto à concorrência e para ser regulado no contrato: assim precisamente se dispõe no seu artigo 58.º, n.º1.
Não cabe falar aqui, por conseguinte, de desconformidade entre o Caderno de Encargos e o Contrato.
(…)
31. Questionada vem igualmente, e de modo particular, a cláusula 86.º, n.ºs 4,5 e 7, do Contrato. Trata-se agora, da introdução, neste último, do Caso Base, que representa a «equação financeira» com base na qual ele se celebra e servirá de «referência» para a «reposição do equilíbrio económico-financeiro da concessão» (n° 4); da definição dos critérios-chave para esse reequilíbrio (n° 5); e, por outro lado, da imposição de certa modalidade de reequilíbrio- através da atribuição de uma compensação financeira pelo Concedente — nos casos em que a sua necessidade resulte de determinadas circunstâncias [n.º 7, reportando-se às alíneas c), d), g) e h) do n° 1 e à alínea e) do n.º3].
Nada disto, como alega o Demandado, se encontra no Caderno de Encargos. Mas nem por isso tão-pouco ocorre aqui entorse ilegítima ao princípio da conformidade do contrato às peças contratuais (ou a qualquer regra específica das concessões com o objeto da que está em causa): do que essencialmente se trata, de novo, é de preencher um espaço deixado à concorrência e destinado a ser definido no contrato.
Efetivamente, o Caderno de Encargos, quando trata da reposição do equilíbrio contratual, no n.º 5 do artigo 58.º, limita-se a enunciar uma série de situações em que a ele deverá haver lugar — mas nada diz acerca dos seus elementos de referência. Ora, é impensável que num contrato da natureza de um contrato de concessão, com a complexidade e a duração de que se reveste, e que se traduz na assunção de um projeto de investimento a longo prazo em que o contratante particular vai assumir o correspondente risco — é impensável que, num contrato assim, não fiquem definidos ab initio aqueles elementos de referência, e se deixe tudo para avaliações empíricas ad hoc, sem critérios pré-determinados. Consequentemente, não pode deixar de considerar-se que o preceito citado do Caderno de Encargos ficava aberto a um necessário e indispensável complemento — complemento que o n° 4 e o n° 5 da cláusula 89.º vieram introduzir. E introduziram-no, de resto, de um modo que não é senão usual e corrente em contratos do tipo em causa — contratos que têm de assentar numa certa «base», incorporando determinados «critérios», que, sendo o suporte da decisão de investir e da assunção do correspondente risco, deverá ser naturalmente a referência para o reequilíbrio do contrato, quando a ele houver lugar.
Mas ao que fica dito acresce — e não menos determinantemente — que, se o Caso Base não é referido no Caderno de Encargos, não deixa de sê-lo, ainda que sem esse nome, noutra peça concursal : é o caso do Programa do Concurso, quando nele se exige aos concorrentes (ponto 11.1.1.) que incluam na sua proposta um «estudo económico-financeiro do projeto de concessão». A esse respeito tem inteira razão a Demandante quando insiste em que esse elemento concursal «corresponde» ao elemento Caso Base do Contrato (outra coisa é a exata «coincidência», ou não, do «conteúdo concreto» de um e de outro). Ora, a exigência de um tal «estudo» aos concorrentes só faz sentido para o efeito de vir a figurar no contrato a «base» ou a «equação» económico-financeira em que ele se vai firmar.
Apenas num aspeto ocorre uma divergência, ao menos aparente, entre os dispositivos ou, mais rigorosamente, um dos dispositivos questionados da cláusula 89° do Contrato e o Caderno de Encargos: já não se trata, porém, do n.º 4 ou 5, e antes do n° 7, em confronto com o n° 7 do artigo 58° daquele Caderno. O que está em causa é o facto de neste último número se «impor» uma certa modalidade de reequilíbrio para certas situações (como começou por dizer-se) e tal imposição não se achar prevista nesse outro ponto do Caderno de Encargos, que se ocupa justamente das «modalidades» do reequilíbrio: aí, efetivamente, deixava-se sempre a escolha da modalidade de reequilíbrio ao acordo das partes, suprido, quando não se verificasse, pelos «mecanismos de resolução de divergências previstos no contrato».
Não se vê, porém, por que não havia de consentir-se que ficasse já previamente «acordada» no contrato (pois que afinal é disso que se trata) a modalidade de reequilíbrio a adotar em certas circunstâncias — e tanto mais quanto se trata de uma das modalidades de equilíbrio já constantes do próprio elenco do referido preceito do Caderno de Encargos [alínea c)]. Não se afigura que tal «ajustamento» vá além dos limites que devem aceitar-se ao princípio da concordância do contrato com as peças do concurso, ou contrarie de modo irremissível a lógica desse princípio ou daqueles, mais amplos, de onde o mesmo decorre — ou, então, dos que enformam o Decreto-Lei n° 379/93.
E dir-se-á que no caso é tanto mais assim quanto, se o n" 6 do Caderno de Encargos não contempla expressamente a fixação antecipada, no contrato, de certa modalidade de equilíbrio, a verdade é que prevê que as partes possam acordar em «qualquer outra modalidade de equilíbrio», para além das que ele próprio (o n° 6) enumera.
32. Outra disposição contratual cuja validade se impugna é a cláusula 43.º, n.º1 , parte final. Trata-se de que, ao estabelecer-se aí que « são da responsabilidade da Concessionária todos os trabalhos de manutenção e reparação inerentes ao normal funcionamento dos Sistemas e que respeitam às Infraestruturas, Equipamentos e Instalações», se acrescentou « nos termos previstos no Caso Base». Embora a redação do artigo 28.º, n.º1 do Caderno de Encargos, não seja exatamente a mesma, o ponto está nesse acrescento final, com nova referência ao Caso Base. Há-de reconhecer-se que o aditamento suscita alguma perplexidade- e, isso, porque não é fácil de perceber se ele efetivamente «adita» alguma coisa e o quê, nomeadamente uma «limitação» ( é o que alega o Demandado) à responsabilidade da Concessionária. Mas crê-se bem que não.
(…) se a introdução do Caso Base no Contrato não é contestável ( como acabou de concluir-se), então também não poderão ter-se por ilegítimas as referências que noutras cláusulas do Contrato a ele se façam.
33. Ainda impugnado, quanto à sua validade, pelo Demandado foi o disposto na cláusula 98.º, n.ºs 1, 2, 4 e 6 do Contrato- cláusula essa respeitante à rescisão pela Concessionária. Trata-se da inclusão, no elenco das causas de rescisão do artigo 77.º do Caderno de Encargos, de situações aí não nomeadas ( n.ºs 1 e 2); da atribuição de eficácia imediata à rescisão ( n.º4); e das regras para o cálculo da indemnização, em caso de rescisão ( n.º 6).
(…)
34. Resta um último ponto: o da não coincidência do conteúdo do Caso Base do contrato da Concessionaria, recte, do estudo económico-financeiro que a integrou.
a) O Tribunal admitiu, oportunamente (decisão interlocutória de 19 de Março de 2009: supra, n° 12), que um tal tema pudesse ser analisado no quadro dos Quesitos 2 a 5 da Base Instrutória, relativos às «circunstâncias» da preparação e conclusão do Contrato, e aos alegados vícios que aí ocorreriam. Esta matéria, e sem excluir o relevo de que nela pudesse revestir-se esse mesmo tema, já ficou atrás apreciada -- não cabendo, pois, voltar a ela.
Havendo, porém, o tema em questão sido trazido aos autos, tendo-se produzido prova sobre ele, incluindo a de uma «perícia complementar», a seu exclusivo respeito, que o Tribunal ordenou, e estando os correspondentes factos, portanto, processualmente adquiridos e o Tribunal na posse do seu conhecimento, não pode ele deixar de examinar o seu relevo sob um qualquer outro ângulo (diferente do das «circunstâncias» da celebração do Contrato) que porventura possa conduzir a uma conclusão de «nulidade» do Contrato ou de alguma das suas cláusulas ou anexos, concretamente do Anexo XV, contendo o mencionado Caso Base.
Ora, esse outro possível ângulo será, justamente, o do princípio da conformidade do contrato com as peças concursais, em particular na dimensão da «estabilidade» da proposta.
b) Já se disse acima [supra, n° 28, alínea b)] sobre os termos em que um tal princípio, nomeadamente nessa sua mais precisa dimensão, deve ser entendido. Quid juris, então, no concreto caso sub judicio?
É incontroverso — e indisputado — que entre a proposta apresentada a concurso pela Concessionária e o contrato que esta veio a celebrar, ocorrem diferenças, e diferenças assinaláveis, algumas delas expressas logo em cláusulas daquele, e todas refletidas na sua equação financeira, que é o Caso Base.: cfr. supra II.I., alínea A), sob os n°s 44° e 45°.
Tais diferenças traduzem-se, desde logo, na atualização ou acerto de elementos factuais da proposta (apresentada cerca de dois anos antes da assinatura do Contrato), Como, por exemplo, o número de clientes já existentes ou o número de contadores da água — atualização essa que, seguramente, não põe nenhum problema
Mas as diferenças em causa vão muito para além disso. Assim, e salientando as grandes variáveis: aumenta o investimento da Concessionária; aumentam os seus custos; prevêem-se aumentos reais das tarifas nos três primeiros anos a seguir ao do início da concessão; aumenta a receita globalmente obtida pela Concessionária ao longo dos 35 anos da concessão; e ocorre, mesmo, um incremento da TIR acionista.
O exame pericial permitiu aferir essas diferenças, na sua expressão quantitativa, que é a seguinte (a preços correntes): aumento de investimento: de 39,313 M€ para 51,609M€ (31,3%); custos operacionais: de 165,721 M€ para 199,331 M€ (20,3%); Proveitos operacionais: de 324,710 M€ para 437,193 M€ (34,6%); resultados líquidos: de 73,891 M€ para 111,046 (50,3%) M€.
O exame pericial registou ainda a mudança de tarifários, com a inclusão no contrato, não de um único tarifário (como se previa na proposta), mas de dois, sendo o segundo aplicável a partir de 2006, e contemplando aumentos reais de tarifas, de 4% em cada ano, nos anos de 2006, 2007 e 2008 (é o que encontra logo expressão nos Anexos IX e X do Contrato, já mais de uma vez referidos).
Registou o exame pericial, igualmente, que entre o aumento de custos da Concessionária está o da retribuição a pagar ao Concedente: trata-se da verba de € 2.000.000, tendo como objetivo facultar à Câmara o acesso a fundos comunitários [supra, II.I, alínea A), sob o n° 17; e cláusula 71ª do Contrato]. E assinalou, bem assim, no quadro em que registou as diferentes verbas em investimento, a de € 1.193.973 para aquisição de terrenos, não prevista na proposta, e correspondente, na sua quase totalidade, à contribuição (até € 1.100.000) que a Concessionária se comprometeu a fazer para esse efeito (v. supra idem, e cláusula 26º, n° 2, do Contrato).
Além disso, começou o exame pericial por registar ainda as seguintes alterações: um aumento da capitação do consumo diário de água de 80 para 116,3 m3; uma diminuição do rácio de habitantes por contador de 3,5 para 2,25; um ajustamento das taxas de atendimento que, no primeiro ano, sobem, de 46,2% para 55,5%, no consumo de água, e de 31,2% para 42,7%, em saneamento, e, no último ano, baixam, respetivamente, de 84,6% para 74,8% e de 63,4% para 54,4%. O resultado global será, segundo a perícia, um aumento da faturação de 8.684.371 rn3 (mais 11,9%), em consumo de água, e de 4.450.625 in3 (mais 8,2%), em saneamento,
Assinalou-se, por outro lado, um aumento (que não se quantificou) da percentagem de clientes com consumos em escalões superiores.
Finalmente, registou a perícia um aumento da TIR acionista (que exprime globalmente o efeito conjugado de todas as alterações descritas) de 10,87% para 12,36% (1,49 pontos percentuais).
Postas em evidencia as diferenças básicas entre a Proposta e o Contrato (recte, entre o Estudo económico-financeiro da primeira e o Caso Base do segundo), segue-se responder à questão de saber se elas cabem ainda dentro dos limites que o princípio da conformidade do contrato com os elementos do concurso comporta e, em particular, se estão dentro das possibilidades de alteração da proposta.
A tal questão responderá o Tribunal afirmativamente — assim, e a um tempo, afastando a conclusão de que as mudanças ocorridas teriam implicado mesmo uma subversão do princípio do concurso, e a substituição deste por um ajuste direto.
No sentido de dessa resposta afirmativa não pode deixar de convergir, logo em primeiro lugar, o contexto em que ocorreram as alterações descritas e o facto — dado como provado [supra, alínea A), sob o n° 15 — da iniciativa que a esse respeito o próprio Município teve e do interesse que nesse sentido manifestou à Concessionária, não pode deixar de reconhecer-se, assim, que às alterações esteve subjacente um interesse público, tal como ao tempo interpretado pela Câmara Municipal do (...): está portanto preenchida uma condição básica da admissibilidade das alterações à proposta.
Por outro lado, no juízo sobre esse interesse público não deixava de ir também, certamente, o empenho do Município em aproveitar o concurso que tinha aberto, para tentar, sem mais delongas, dar início à satisfação (ou melhor satisfação) de uma necessidade vivamente sentida no concelho — e de afastar o risco de insucesso de um novo concurso. E um risco, esse, que bem se podia figurar como real, face à rarefação dos concorrentes que se haviam apresentado ao concurso que estava a realizar-se: apenas dois, e tendo um deles, depois da adjudicação que em primeiro lugar lhe fora feita, desistido,
Depois, e numa outra perspetiva, se algumas das alterações introduzidas foram em favor da Concessionária, ou em maior garantia do seu risco (como, sobretudo, a previsão do aumento real das tarifas), outras foram-no em favor do Concedente e para ir justamente ao encontro dos seus desígnios (lembre-se a retribuição da concessão, com o objetivo de se obter um aumento da área de cobertura, por recurso à utilização de fundos comunitários, conjugado com a obrigação da Concessionária, depois protocolada, de transferir o seu investimento para outras zonas; a contribuição para a aquisição de terrenos; o aumento — em mais de e 5.000.000, como se evidencia no mapa organizado pelos peritos — em investimento para abastecimento de água). Tudo o que significa não pode concluir-se que, sob a aparente capa do interesse público, as alterações tenham sido, sim, em benefício da Concessionária.
Em contrário salienta o Demandado, de modo particular, o aumento de proveitos da Concessionária. Mas, se o número pode, á primeira vista, impressionar, ele não pode ser tido em conta só por si. Há que conjugá-lo com todos os restantes, e verificar - e esse, sim, é o ponto decisivo — se o «equilíbrio contratual», tal como assumido na proposta, verdadeiramente se rompeu. Ora, é isso que não pode afirmar-se.
Mostra-o, ao fim e ao cabo, o aumento verificado da TIR acionista, registado pela perícia. É na TIR que confluem todas as variáveis económico-financeiras (investimento, financiamento, proveitos, custos, resultados e fluxos de caixa) do contrato - as que vão num sentido e as que vão no outro-, a qual delas faz como que uma síntese global. É ela, pois, que dá a medida determinante do equilíbrio do contrato - e que, assim, reflete (e como que quantifica) o equilíbrio entre o beneficio esperado do investidor e a utilidade que a entidade pública se propõe alcançar com o serviço por ele prestado e as condições que para tanto tem de assumir. Donde que seja também essencialmente a variação da TIR que, em caso de alteração do contrato- agora, na situação que está a ser considerada, de alteração da proposta para o contrato - revelará ou espelhará com precisão se se registou um desequilíbrio do contrato, e em favor de quem.
Ora, o aumento da TIR acionista, que se verifica entre a proposta e o contrato, é de apenas 1,49 pontos percentuais (de 10,87% para 12,36 %), Trata-se, pois, de um aumento muito pouco significativo e um aumento que — segundo o entendimento manifestado pelo Perito designado pelo Tribunal [supra, II.I., alínea A), sob o n° 46.º, não se afigura desrazoável, face ao aumento de investimento projetado, e bem pode encontrar justificação no consequente aumento de risco do investimento. Assim sendo, não poderá dizer-se, nem que o Contrato se haja significativamente desequilibrado (e, portanto, «desfigurado» nos seus elementos essenciais), nem significativamente desequilibrado em benefício da Concessionária.
Também, por conseguinte, não poderá falar-se, no caso, de privilegiamento da Concessionária, face a outros concorrentes (com postergação, portanto do princípio da concorrência, que é a razão última dos limites postos à alteração das propostas) — e muito menos ainda no contexto do caso, em que os concorrentes eram só dois e um renunciou.
Eis -- no conjunto de tópicos que ficam enunciados — as razões que levam o Tribunal a entender que a alteração com que se depara no Caso Base do Contrato, constante do seu Anexo XV, relativamente ao «Estudo económico-financeiro» que integrou a Proposta apresentada ao concurso pela Concessionária, não são de molde a determinar ou gerar a invalidade desse Anexo ao contrato. E, em particular, não representam, uma violação e uma subversão do princípio do concurso, imposto em matéria de concessão de serviços municipais de águas e saneamento pelo Decreto-Lei n° 379/93.
Resta acrescentar uma nota: é que, se com a alteração da Proposta para o Caso Base não houve violação do princípio do concurso, tão-pouco houve - ao contrário do que alega ainda o Demandado- violação da regra, consagrada no diploma acabado de citar, da inadmissibilidade da apresentação de variantes às propostas, ou propostas alternativas [artigo 10°, n° 2, alínea d)]. É que se trata de coisas diferentes - a apresentação de propostas com variantes e a alteração da proposta depois da adjudicação pelo que só o princípio relativo aos limites desta última cabe chamar aqui à colação.
c) Entretanto, em conexão com a questão da desconformidade do Caso Base do Anexo XV do Contrato com a Proposta da Demandante, levantou o Demandado, em requerimento de 13.1.2009 (que o Tribunal tomou como equivalendo a um articulado superveniente) a questão da «falsidade» do mesmo Caso Base. Na decisão de 4 de Fevereiro seguinte (supra, no 10), em que se pronunciou sobre esse requerimento, relegou o Tribunal, porém, a apreciação dessa questão para a decisão final.
Importa assim, e por último, dizer agora que tal questão improcede - logo pela razão de que (até por tudo quanto ficou dito antes) não é a desconformidade do Caso Base com o Estudo económico-financeiro da Proposta que pode fundar, só por si, a «falsidade» do primeiro. Mas a isso acresce - para afastar qualquer dúvida acerca da «veracidade» do Anexo XV- que foi atestado pela perícia que esse Anexo, na sua versão escrita, coincide com a correspondente versão informática, oportunamente junta aos autos [supra, 11.1., alínea A), no 43°].”
O que dizer?
Assinale-se que o assim decidido pelo Tribunal Arbitral teve voto de vencido do juiz árbitro indicado pelo MUNICÍPIO (...) (professor João Pacheco de Amorim), que começa por salientar que o procedimento adjudicatório conducente à celebração do contrato em apreço constitui «a mais espantosa coleção de atropelos à legalidade concursal e ao princípio da prossecução do interesse público que alguma vez se deparou ao signatário».
Diversamente do que considerou o Tribunal Arbitral no acórdão recorrido, cremos que no caso o conteúdo do Contrato de Concessão introduziu alterações em aspetos relevantes e com algum significado na “equação financeira” em relação ao que resultaria da fusão do Caderno de Encargos com a proposta adjudicada, alterando, o que neste domínio resultava do CE e da proposta, de risco para a concessionária, dele resultando uma distribuição de riscos diversa da que caracteriza o contrato resultante dos elementos concursais sem que, contudo, se possa afirmar estar ausente deste contrato um fim de interesse publico ou que se esteja perante um outro contrato, como melhor veremos.
Essa conclusão é evidente quando se consideram os seguintes factos que foram dados como provados na fundamentação de facto do acórdão recorrido:
«A) Adjudicação e celebração do Contrato
(…)
44°- Ocorrem diferenças, com expressão significativa, entre o «Estudo Económico-Financeiro do Projeto de Concessão», que integra a proposta apresentada ao Concurso de Concessão pela Concessionária (junta em versão escrita, incompleta, pelo Concedente, com o requerimento de 13.1.09, e, incluído em versão CD da Proposta, junta pelo mesmo em 12 de Março seguinte; e junto, Integrando a versão integral da Proposta, e, por último em versão informática editável, pela Concessionária, com os requerimentos, respetivamente de 4. V e 17.V112009), e o Caso Base do Anexo XV do Contrato (depoimentos das testemunhas Eng. FC... SC..., JM..., e ainda Eng° VP...) [Quesitos 3 a 51.
45° - As diferenças em causa, entre o mencionado «Estudo» da Proposta e o Caso Base do Contrato, no tocante aos elementos economicamente relevantes de um e outro, apuradas em perícia complementar, são as que constam do respetivo «Relatório», de 23.X2009 (a fls..), e se dão aqui por reproduzidas [Quesitos 3 a 51
46º - Em esclarecimento solicitado pelo Tribunal, o Perito por este designado manifestou o entendimento de que a diferença da TIR acionista, que se verifica entre a o Estudo económico-financeiro que integrou a Proposta da Concessionária e o Caso Base do Anexo XV do Contrato (mais 1,49 ponto percentuais neste último, passando de 10,87% para 12,36%), não é despropositada ou desrazoável e pode justificar-se atento o aumento do investimento e o inerente aumento do risco da Concessionária (esclarecimento em audiência, em 16.2(1.2009) [Quesitos 3 a 5].»
Assim, a primeira questão a decidir passa por saber se era legalmente permitido às partes que após a adjudicação introduzissem, no contrato, ajustamentos e modificações à proposta e ás cláusulas do CE ou se, ao invés, o contrato teria de corresponder integralmente a uma «fusão» entre a proposta e aquelas peças concursais.
No acórdão recorrido, considerou-se que não tinha de haver uma correspondência “ponto por ponto” entre o conteúdo do contrato e as peças concursais/ proposta, entendendo-se, ademais, que o disposto no artigo 14.º do DL 197/99 não era aplicável aos contratos de concessão.
Independentemente de existir ou não a positivação de um tal princípio, é consensual a exigência de uma adequação ou correspondência entre o conteúdo dos contratos administrativos celebrados com o disposto nas peças do procedimento de adjudicação. De contrário, teríamos uma porta escancarada para a adulteração dos fins de proteção de uma saudável concorrência, da igualdade, da transparência e da publicidade que o legisladores nacional e comunitário erigiram como referenciais a observar nos procedimentos de contratação pública. A não sere exigida essa conformidade, estar-se-ia a desrespeitar outros princípios jurídicos gerais da contratação pública, como os princípios da transparência, da concorrência, da igualdade e da publicidade, hoje referidos no artigo 1.º, n.º4 do CCP. Deve, por isso, existir uma correspondência genérica do conteúdo normativo do contrato com as peças do procedimento, para que não se ponha em crise “a função paramétrica do CE”. Note-se que também a exigência de comparabilidade das propostas pressupõe e reclama uma lógica de estabilidade das peças do procedimento, que de certo modo se projeta e converte num imperativo de adequação, de correspondência ou de conformidade do contrato ao disposto no CE e na proposta, sobretudo, tendo em vista a proteção de terceiros.
Este princípio, na altura da celebração do contrato de concessão em causa nestes autos não estava positivado, mas conhecia já alguns afloramentos no artigo 14.º, n.º3 do DL 197/99 de 08/06 e alíneas e) e f) do n.º1 do artigo 40.º do CPTA( embora sobre a legitimidade de terceiros para impugnarem o contrato). Atualmente tem previsão expressa no artigo 99.º. n.º 2 do CCP.
Dispunha o artigo 14.º, n.º3 do DL 197/99, de 08/06 que « efetuada a adjudicação, podem ser introduzidos por acordo entre as partes, ajustamentos à proposta, desde que as alterações digam respeito a condições acessórias e sejam inequivocamente em benefício da entidade adjudicante».
A respeito deste normativo, dir-se-á que mais do que a concretização do princípio da estabilidade das peças do procedimento, estava em causa a concretização de uma dimensão do princípio da intangibilidade ou da imodificabilidade da proposta. O propósito da lei era pois, em primeiro lugar, o de proibir o adjudicatário de, por si só, introduzir à proposta apresentada( daí a referência ao acordo); em segundo lugar, limitava-se o próprio espaço de intervenção do acordo, o qual só poderia atingir “condições acessórias” da proposta e, por fim, exigia-se que as alterações a introduzir fossem inequivocamente em benefício da entidade adjudicante. Com esta tripla limitação, a lei confirmava a vinculação do concorrente à proposta por si apresentada, em consonância com o princípio da intangibilidade das propostas- cfr. PG..., in parecer junto aos autos, fls. 32.
O legislador deixava pouco espaço para um diálogo negocial que implicasse uma alteração de elementos, relevados pelo critério de adjudicação.
A lei acolhia, à data, a posição do professor Fausto de Quadros que afastava liminarmente a possibilidade de negociações pós-adjudicatórias que incidissem sobre “ aspetos substanciais ou essenciais do contrato, como sejam os preços ( incluindo o regime da sua revisão), os prazos de cumprimento, as chamadas «prestações financeiras», principais ou acessórias” – cfr. o Concurso Público na Formação do Contrato, pág. 717-718- mesmo que as alterações introduzidas fossem apenas no “sentido mais favorável ao contraente público”.
Segundo o professor Fausto de Quadros, a “função do concurso público é a de apurar a proposta mais vantajosa para o interesse público”, questionando-se o mesmo como “se poderá afirmar que a proposta escolhida na adjudicação, mas mais tarde modificada por acordo firmado exclusivamente entre o dono do concurso e o adjudicatário, é a mais vantajosa, se, sobre os aspetos negociados, em rigor não houve concurso, isto é, se sobre eles não se ficou a conhecer a posição dos outros [potenciais] concorrentes, porque as negociações só tiveram lugar com o adjudicatário?”. Para o autor, numa situação deste tipo, “o contrato a que se chega, com o conteúdo que possui, não é aquele que resultou do concurso, é um outro contrato, formado à margem e à revelia do concurso, e em ajuste direto entre o dono do concurso e autor da proposta escolhida na adjudicação”. Para o administrativista citado, estamos perante uma “mera aparência de contrato”, que “deve ser fulminado com a mais grave sanção que o Direito pode aplicar a um ato jurídico, e que é a simples e completa inexistência jurídica”.
Naturalmente que serão inaceitáveis alterações à proposta adjudicada que tenham apenas em vista acomodar interesses privados do adjudicatário, ou seja, que se destinem em exclusivo a aumentar, veja-se, a remuneração do adjudicatário.
É incontornável que nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º3 do D.L. 197/99, de 08/06, se exigia que as alterações pós-adjudicatórias ocorressem em relação a cláusulas acessórias e inequivocamente em beneficio da entidade adjudicante.
Este diploma, onde se integrava o referido preceito, aplicava-se aos contratos relativos à locação e aquisição de bens móveis e de serviços, bem como, em menor medida, às empreitadas de obras públicas, mas já em relação à sua aplicação aos contratos de concessão de serviço público, entendeu o Tribunal Arbitral que estes ficam fora do seu âmbito de previsão, uma vez que estando a sua aplicação subsidiária a outros contratos administrativos dependente das necessárias adaptações, no caso, tendo em conta as necessárias adaptações reclamadas pelo tipo de contrato administrativo em causa, se impunha considerar que estes contratos estavam excluídos da aplicação desse preceito.
É certo que, no que concerne aos contratos de concessão, antes da entrada em vigor do CCP, o princípio da adequação do conteúdo do contrato às peças do procedimento pré-contratual não resultava de nenhuma norma que lhe fosse diretamente aplicável, mas a sua sujeitação a um tal princípio era desde logo uma decorrência dos princípios fundamentais da concorrência, da transparência e da igualdade, e o seu sentido e alcance, deduziam-se do sentido daqueles outros princípios, devendo, nestes termos, considerar-se inaceitáveis e ilegais, todas as alterações e ajustamentos ao conteúdo dos contratos que se revelassem suscetíveis de violar os direitos e os interesses protegidos pelos princípios da concorrência, da transparência e da igualdade, ou seja, fundamentalmente os interesses dos concorrentes. Por outro lado, comportando a legislação nacional uma previsão normativa como a do artigo 14.º, n.º3 do DL 197/99, de aplicação subsidiária, com as necessárias adaptações, aos demais procedimentos não regulados diretamente por aquele diploma, coloca-se a questão de saber se os contratos de concessão se encontram sujeitos à «formulação especialmente severa de uma certa dimensão do princípio da correspondência do clausulado contratual».
Quanto a esta questão, perfilhamos a posição veiculada no acórdão recorrido. Os contratos de concessão de serviço público celebrados ao abrigo do DL 379/93, de 05/11 são contratos administrativos de duração longa- no caso, 35 anos de vigência-, e em que o legislador sentiu a necessidade de estabelecer como obrigatório o recurso ao procedimento do concurso público para a escolha do cocontratante, e onde, naturalmente, a pressão do tempo de faz sentir de forma particular em relação aos demais contratos de execução instantânea.
Com interesse, tenha-se presente que já antes da entrada em vigor do CCP, a doutrina sustentava, com exceção do Senhor professor Fausto de Quadros, que a adjudicação não fazia surgir a relação contratual.
Na verdade, diferentemente da tese sustentada por Fausto Quadros « o facto de a adjudicação identificar a proposta ( e, por esta via o concorrente) que melhor satisfaz ( por apresentar o mais baixo preço ou por responder de forma cabal aos fatores e subfactores que densificam o critério da proposta economicamente mais vantajosa) o interesse público subjacente ao contrato público em formação, não obriga a que o projeto contratual ( máxime a proposta adjudicada) se mantenha inalterável. Se a proposta adjudicada traduzir, ainda, a melhor resposta ao caderno de encargos submetido à concorrência, as alterações introduzidas em nada terão desrespeitado o sentido da adjudicação, a natureza e finalidade do procedimento adjudicatório ou os princípios fundamentais da contratação pública» - cfr-Estudos de Contratação Pública, III, Cedipre, Coimbra Editora, págs. 263, 266, 267.
É certo que perante o quadro legal então vigente, todas e quaisquer alterações ou ajustamentos introduzidos ao conteúdo dos contratos abrangidos pelo artigo 14.º do DL 197/99, na fase pós-adjudicatória, em cláusulas que não fossem meramente acessórias e em que o único beneficiário não fosse a entidade adjudicante, não eram legalmente admissíveis.
Não assim, a partir da entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, que consagrou expressamente o princípio da conformidade ou da adequação do clausulado contratual às peças do procedimento de adjudicação, nos termos previstos no artigo 99.º onde se estabelece que:
«1- O órgão competente para a decisão de contratar pode propor ajustamentos ao conteúdo do contrato a celebrar, desde que estes resultem de exigências de interesse público e, tratando-se de procedimento em que se tenha analisado e avaliado mais de uma proposta, seja objetivamente demonstrável que a respetiva ordenação não seria alterada se os ajustamentos propostos tivessem sido refletidos em qualquer das propostas.
2- Os ajustamentos referidos no número anterior não podem implicar, em caso algum:
a) A violação dos parâmetros base fixados no caderno de encargos nem a dos aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência;
b) A inclusão de soluções contidas em proposta apresentada por outro concorrente»
Desde modo, a primeira questão a dilucidar é a de saber, como dissemos, os contratos de concessão celebrados antes da entrada em vigor do CCP, como é o caso do contrato em apreço, estava sujeito à fortíssima exigência de conformidade do conteúdo do contrato às peças do procedimento.
Como enuncia PG...- in parecer junto aos autos, fls. 32- « o propósito da lei era pois, em primeiro lugar, o de proibir o adjudicatário de, por si só, introduzir alterações à proposta apresentada ( daí a referência a acordo); em segundo lugar, limitava-se o próprio espaço de intervenção do acordo, o qual só poderá atingir “condições acessórias” da proposta e, por fim, exigia-se que as alterações a introduzir fossem inequivocamente em benefício da entidade adjudicante. Com esta tripla limitação, a lei confirmava a vinculação do concorrente à proposta por si apresentada, em consonância com o princípio da intangibilidade da proposta».
Tal como considerou o Tribunal Arbitral, tendo em conta que o DL 197/99 aplicava-se aos contratos relativos à locação e aquisição de bens móveis e de serviços (art.º 1), e apenas subsidiariamente aos demais contratos, e com as devidas adaptações, então, tendo em conta as profundas diferenças entre aqueles contratos e os contratos de concessão de serviço público, as devidas adaptações a efetuar para a sua aplicação subsidiária recomendam que um tal princípio, com aquelas fortíssimas restrições, se deva ter por inaplicável a contratos cuja duração se prevê para um período de tempo longo, em que as obrigações das partes cocontratantes não se esgotam numa só prestação, mas se renovam em sucessivas e repetidas prestações ao longo de um dilatado período de vigência contrato, que obviamente introduz nestes contratos uma maior imprevisibilidade do efeito do tempo na estabilidade das respetivas prestações. Em contratos desta natureza, é compreensível que aquelas restrições das quais resulta a imposição de uma adequação quase ponto por ponto do conteúdo do contrato com as peças do procedimento e com a proposta, sejam inaplicáveis.
No caso, o contrato de concessão celebrado entre as partes, com as alterações e ajustamentos no seu conteúdo que resultaram demonstradas em termos diferenciados do que resultaria da fusão entre as peças do concurso e a proposta adjudicada, pese embora contenha alterações em cláusulas que não são meramente acessórias e essas alterações não tenham sido introduzidas em beneficio exclusivo da Concedente, tal não determina a sua invalidade, máxime, a nulidade do contrato celebrado.
Deste modo, como bem sintetiza PG... – in parecer junto aos autos, fls. 35- « a invalidação de um contrato com fundamento no desrespeito do princípio da sua adequação às peças do procedimento exigiria a demonstração de que, com as alterações introduzidas: (i) A proposta do adjudicatário não teria sido a selecionada; (ii) Com a introdução de alterações, se perpetrava a violação de uma regra vinculativa dos documentos do concurso ( v.g. caderno de encargos); (iii) As alterações se traduziam na apropriação de aspetos da proposta de outro(s) concorrente (s)».
Citando ainda PG... «não se pode sustentar uma hipótese de invalidação de uma cláusula contratual apenas com base numa discrepância ou num desencontro literal, sistemático ou até substantivo entre as cláusulas de um contrato e as disposições de um prévio caderno de encargos. Nos casos em que uma tal discrepância exista, importa saber a seguir se esta afronta os valores protegidos por um princípio fundamental da contratação pública ligado à proteção da concorrência e da igualdade entre os concorrentes. Não ficando isso demonstrado, tem de se concluir que as divergências se justificam no quadro do desenvolvimento de uma capacidade de modelação do conteúdo contratual que as partes detêm mesmo após a adjudicação».
Nestes termos, quanto a esta questão, subscrevemos a tese sustentada pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida, nos termos da qual não são proibidas todas e quaisquer alterações ás peças do procedimento na fase pós-adjudicação, admitindo-se que sejam efetuadas alterações, ainda que não em benefício exclusivo da entidade adjudicante, desde que nos termos que entretanto vieram a ser expressamente previstos no artigo 99.º, n.º 2 do CCP.
Contudo, importa ter presente que «só o respeito da “equação adjudicatória” permite asseverar que o contrato surgiu na sequência de um procedimento de adjudicação, em que a Administração identificou a melhor proposta. Na verdade, admitir que não seja respeitada a estrutura do projeto contratual sobre que incidiu a resposta dos concorrentes ou permitir ajustamentos à proposta vencedora que, se introduzidos em momento anterior, determinariam que fosse outra a oferta eleita, seria transformar a adjudicação num ato meramente destinado a escolher um determinado sujeito com quem a Administração construiria o respetivo contrato.
(…) Se os ajustamentos desrespeitarem o disposto no caderno de encargos ou revelarem que, se introduzidos antes da adjudicação, teria sido outra a proposta adjudicada, esta perde o seu estatuto de melhor resposta ao projeto contratual submetido à concorrência.
(…) Em suma: as alterações que põem em causa a “equação adjudicatória” revelam um favorecimento injustificado do adjudicatário face aos seus competidores…».
Na situação vertente, tudo está em saber se as alterações efetuadas constituem uma verdadeira modificação do projeto contratual adjudicado, decorrente da fusão do caderno de encargos com a proposta vencedora, ou se traduzem já a adjudicação de um novo projeto contratual, realizada sem prévio apelo à concorrência, ou em violação da concorrência gerada no procedimento que a antecedeu.
Considerando algumas das alterações que foram introduzidas no Contrato de Concessão em face do que resultava do CE e da proposta apresentada, afigura-se-nos que houve efetivamente lugar a alterações em aspetos relevantes, que modificaram o equilíbrio económico do contrato, e essencialmente, embora não exclusivamente, a favor do adjudicatário.
A favor da Concessionária, indica-se a título meramente exemplificativo, a alteração da cláusula respeitante ao “tarifário”, que passou a remeter para um anexo ao contrato a futura “nova estrutura tarifária” (cláusula 64ª nº 4), implicando, uma subida de tarifas no desdobramento de escalões a que procede e, fundamentalmente, uma subida em geral de todas as tarifas em 4% + 4% + 4% (no total, acumulado, 12,48%) a partir dos primeiros anos da concessão, e, o aumento da TIR acionista.
A favor do Concedente, previu-se no Contrato de Concessão ( cl. 26.ª, n.º2) que a Concessionária se obrigava a contribuir para os custos de aquisição dos terrenos necessários à construção de infraestruturas e instalações a serem utilizadas na concessão até ao montante máximo de 1.100.000,00 €, obrigação que não constava do CE, em cujo artigo 15.º se estipulava que todos esses custos seriam suportados pelo Concedente . Mais se estipulou, na cláusula 71.ª do Contrato de Concessão que a Concessionária se vinculava a pagar ao Concedente uma retribuição “pela atribuição da concessão”, fixada no valor de 2.000.000,00€, a qual não era imposta pelo CE, que nada previa a esse respeito.
Todas as demais alterações, como as que dizem respeito ao aumento do tarifário e à estipulação do Caso-Base traduzem alterações ao conteúdo normativo do contrato favoráveis à Concessionária e que não correspondem ao que resultaria da fusão das cláusulas do caderno de encargos com o conteúdo da proposta adjudicada.
E, tomando como referência os factos provados nos pontos 44.º, 45.º e 46.º da fundamentação de facto do acórdão recorrido, afigura-se-nos, por outro lado, que o contrato de concessão celebrado pelo Município e a Concessionaria comporta vinculações para o interesse público mais desvantajosas do que as que resultariam das peças do procedimento, com uma transferência de risco para a Concedente que não resultava nesses moldes das peças do procedimento e da proposta, e que deveria ter sido melhor acautelada pelo Concedente, na linha, aliás, das observações que o Tribunal de Contas efetuou nas auditorias realizadas.
Contudo, essas alterações não são de tal monta que levem a que possa afirmar-se que deixou de existir uma finalidade de interesse público na celebração do Contrato de Concessão e que o mesmo apenas serve para prosseguir os interesses privados da Concessionária.
Com a celebração do presente contrato de concessão de serviço público o MUNICÍPIO (...), impulsionado por preocupações de eficiência, privatizou o serviço de abastecimento de água domiciliária e a captação e tratamento de efluentes, procurando por essa via a colaboração do setor privado na satisfação de uma necessidade coletiva. Como refere PG... «o contrato administrativo de colaboração, que origina uma aliança entre um parceiro público e um parceiro privado, revela-se, por sua própria natureza, um instrumento de realização simultânea, não apenas de interesses de diferentes sujeitos, mas ainda de interesses de diferente natureza: o interesse público e o interesse privado» e daí a «impossibilidade de aplicar na teoria da invalidade do contrato, um instituto, como o desvio de poder para fins privados, pensado para atos unilaterais, que, nos termos da lei, têm por fim único a realização do interesse público»- cfr. parecer do professor PG....
Daí que, «o critério jurídico orientador no direito dos contratos públicos não resida na proibição do desvio de poder para fins privados, mas antes no “princípio da proporcionalidade das prestações”, do “equilíbrio prestaciona”, entre prestações e contraprestações dos contratantes”».
Ora, é indiscutível que a Administração Pública deve atuar no cumprimento das suas atribuições de modo a alcançar a melhor realização do interesse/fim publico. Para alguns autores o juízo de eficiência está inclusivamente coenvolvido no princípio da prossecução do interesse público. Nesta corrente de opinião inscrevem-se, entre outros, Diogo Freitas do Amaral para quem, “O princípio da prossecução do interesse público, constitucionalmente consagrado implica, além do mais, a existência de um dever de boa administração, quer dizer, um dever de a Administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível. O dever de boa administração, ou o princípio da eficiência está expressamente previsto na alínea c) do artigo 81.º da CRP para o setor público empresarial. Mas o artigo 10.º do CPA, parte final, estendo-o a toda a atividade da Administração Pública”- cfr. Diogo Freitas do Amaral, em colaboração com Lino Torgal, Curso de Direito Administrativo, Vol.II, 2001, 38.
Em idêntico sentido, associando o “princípio da boa administração, do mérito ou da eficiência”, ao princípio da prossecução do interesse público, vide Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito Administrativo, Vol.I, 1999, 114.
É consensual que os órgãos da Administração Pública devem nortear a sua atuação de acordo com um “mandato de otimização” informado pela eficiência, ou seja, a Administração não deve limitar-se a promover o bem-estar, mas a promove-lo de forma eficiente (o juízo de eficiência surge-nos como um parâmetro organizatório da Administração – artigo 267.º, n.º 2 da CRP e art.º 10.º do CPA).
Para prosseguir o interesse público “ao nível da formação dos contratos, a administração deve procurar a otimização das necessidades coletivas que lhe incumba prosseguir” - Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in Contratos Públicos- Direito Administrativo Geral, pág. 74.
Contudo, o princípio da prossecução do interesse público é dissociável do princípio da eficiência: a Administração pode prosseguir o interesse público satisfazendo as necessidades coletivas, e, por essa via, alcançar os objetivos legalmente pré-determinados, mas pode não o conseguir fazer com eficiência.
No caso em apreço, o interesse público que o Concedente visa prosseguir com o contrato de concessão de serviço público consubstancia-se na satisfação das necessidades coletivas básicas ligadas à distribuição domiciliária de água para consumo humano e à recolha, tratamento e rejeição de efluentes, assegurando, por um lado, a prestação de tais serviços de forma regular, contínua e conforme com certos padrões de qualidade, e, por outro, a progressiva redução dos custos económicos para a população e para o ente público titular do serviço, através da racionalidade e eficácia dos meios utilizados nas diferentes fases daqueles processos. São estes os objetivos fundamentais a que deve presidir a gestão dos sistemas municipais, expressamente enunciados, para o domínio do abastecimento de água, no artigo 2.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de dezembro, e, para o vetor do saneamento, no artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de setembro.
No caso, afigura-se-nos incontornável que o Contrato de Concessão negociado e outorgado pelo Concedente e a Concessionária, apresenta em alguns dos seus elementos um conteúdo diferente daquele que teria caso o contrato de concessão fosse o resultado ponto por ponto da fusão do Caderno de Encargos e da proposta do concorrente AGS.
Por outro lado, é inquestionável que um dos traços nucleares ou identitários do contrato de concessão de serviço público como o que está em análise é o da transferência da esfera pública para a iniciativa privada de riscos inerentes à exploração de um serviço público.
Na situação vertente, os ajustamentos introduzidos, em virtude da negociação realizada, no modelo contratual que resultaria do Caderno de Encargos e da proposta do adjudicatário, alteraram a medida da transferência para o ente privado dos vários riscos inerentes à exploração do objeto concessionado – os riscos de operação, de manutenção e de diminuição da procura dos serviços de abastecimento de água e saneamento. É exemplo disso, o aumento das receitas da Concessionária em valores superiores a 112.000.000,00 Euros (que correspondem a cerca de 35% das receitas totais da concessão), resultantes da vinculação do Concedente a determinado tarifário e a certas previsões de consumos incluídas nos anexos X e XV ao Contrato, estabelecendo, aliás, um direito de reposição do equilíbrio financeiro da concessão no caso de existirem variações nesse tarifário ou nesses consumos; porque, depois, dela resultou a vinculação do Concedente, em termos inovatórios, a realizar qualquer reposição do equilíbrio financeiro de modo a garantir à Concessionária um conjunto de índices de rentabilidade que decorrem das projeções financeiras, traduzidas no Caso-Base.
Porém, parte dos ajustamentos introduzidos no conteúdo do contrato de concessão também tiveram na sua base alterações ditadas em razão do interesse do Concedente, como já se viu, não tendo sido o resultado de ajustamentos introduzidos por referência exclusiva ao interesse privado da Concessionária.
Deste modo, pese embora as alterações introduzidas no conteúdo do contrato de concessão sejam evidentes relativamente ao que resultaria da estrita vinculação às peças do concurso e à proposta adjudicada, não pode afirmar-se que o referido contrato se tenha descaracterizado, deixando de prosseguir uma finalidade de interesse público, passando antes a viabilizar uma finalidade de interesse privado, conquanto, por via desse contrato, o MUNICÍPIO (...) transferiu para a Concessionária a realização do serviço público de abastecimento de água domiciliária e a recolha e tratamento de efluentes que é uma finalidade de inegável interesse público, e o contrato de concessão tem como objeto essa finalidade e não a de garantir apenas interesses privados da Concessionaria. As alterações introduzidas, supra referidas, nomeadamente, as que se refletiram num aumento da TIR acionista, o que revelam é que o interesse público não foi acautelado da forma mais eficiente. Mas essa constatação, não leva a que possa dar-se como inexistente, por força de tais alterações, o fim de interesse público que subjaz à celebração do referido contrato, mas apenas que esse interesse público não foi prosseguido de modo tão eficiente quando deveras o poderia ter sido.
Ora, segundo a teoria da “essencialidade funcional”, serão nulos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 133.º do CPA, todos os atos que sofram de vícios de tal modo graves que tornem inaceitável a produção dos respetivos efeitos jurídicos.
A existência desse desequilíbrio das prestações, não determina uma ausência de fim público geradora da nulidade do contrato de concessão nos termos do artigo 133.º do CPA, mas um vício de violação de lei gerador de mera anulabilidade.
É consabido que os vícios de conteúdo não determinam a nulidade do contrato, mas a sua anulabilidade, pelo que, decorrido o prazo previsto na lei para a sua dedução em juízo os mesmos tornam-se in sindicáveis.
O contrato de concessão é um contrato administrativo com objeto passível de ato administrativo (art.º 185.º, n.º3, al.a) do CPA) , pelo que se aplica o regime de invalidade do ato administrativo ( art.º 133.º e segts do CPA).
Em regra, como se disse, os contratos ilegais são meramente anuláveis, e como tal, podem ser anulados. Ora, nos termos do artigo 41.º, n.º 2 do CPTA os pedidos de anulação podem ser deduzidos no prazo de seis meses (para as partes) contado da data de celebração do contrato.
No caso, o pedido de invalidade do contrato de concessão apenas foi deduzido decorrido mais de dois anos sobre a celebração daquele contrato e em reação à ação movida pela Concessionária e não por via de uma ação proposta para invalidar o Contrato.
Por tais razões, não pode esse vício do contrato determinar agora a sua anulação.
Termos em que, com a presente fundamentação, se impõe confirmar o acórdão recorrido, julgando improcedente o recurso interposto.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, com a presente fundamentação, confirmam o acórdão arbitral recorrido.
Custas pelo Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 29 de abril de abril de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa