Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00832/06.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADE POR OBSCURIDADE; 615º DO CPC; IVA; FACTURAS FALSAS; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. A ambiguidade ou obscuridade que possam ocorrer na sentença só integrarão a nulidade decisória prevista, na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, se algum desses vícios tornarem a decisão incompreensível, por inacessível intelectualmente, impedindo a compreensão da decisão judicial por fundadas dúvidas ou incertezas. Situação em que os destinatários da sentença ficarão sem saber ao certo o que efetivamente foi decidido ou se quis decidir e com que fundamentos.

II. A Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar operações consubstanciadas em determinada facturas, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade que verte a escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrido 1:Fazenda Pública
Recorrido 2:S., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em que foi julgada procedente a impugnação judicial contra as liquidações relativas ao IVA e juros compensatórios do exercício de 2002, no valor de 43.641,79 €, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial intentada por “S., S.A.”, com o NIPC (…), contra as liquidações de IVA, referentes ao ano de 2002 e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 43.641,79.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto entende que a decisão proferida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito.
C. Enfermando ainda, de obscuridade, na medida em que, se por um lado, resulta que ficou convencida de que as operações foram realizadas pelas empresas emitentes, por outro, defende que a impugnante provou que não teve qualquer vantagem patrimonial ilegítima pelo facto de ter efetuado pagamentos a uma pessoa, quando lhe foram emitidas faturas em nome de outra.
D. Situação que fere a sentença de nulidade, tornando-a ininteligível, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi o artigo 2º al. e) do CPPT.
E. Para além disso, a sentença em análise, entrou em contradição na sua argumentação de facto, uma vez que, se num primeiro momento considerou e defendeu que “A generalidade das faturas emitidas pela P., Lda. e pela M., registadas na contabilidade da Impugnante no ano de 2002 não identificavam concretamente o local das obras executadas; não identificaram quantos e quais os funcionários que estiveram a trabalhar nas obras; os pagamentos foram realizados por cheques levantados ao balcão, comportamento típico associado à emissão de faturas que não titulam operações económicas reais. (sublinhado nosso).
F. Mais à frente sustentou e concluiu que, “Pelas regras da experiência e da conjugação de toda a prova produzida, este tribunal conclui que, pese embora a prova produzida pela AF, nomeadamente as empresas objetivamente não terem condições materiais e humanas para realizar os serviços que constam das faturas, a verdade é que ficou provado, que, foram funcionários dessas empresas ou por si subcontratados que andaram nas obras refletidas nas faturas, que havia necessidade de mão de obra para a realização dessas obras e que foi a essas empresas que a Impugnante pagou.”. (sublinhado nosso).
G. Por último e já na sua parte final sustenta que “não ficou totalmente comprovada a total movimentação dos fluxos financeiros necessários e suficientes para o pagamento das faturas,...”.
H. Fazendo enfermar a sentença de obscuridade, tornando-a ininteligível, culminando na sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi o artigo 2º al. e) do CPPT.
I. Obscuridade que resulta ainda no facto de, em determinado momento, afirmar que as testemunhas depuseram de forma assertiva e espontânea e, mais à frente, afirmar que os depoimentos foram vagos, justificando esse facto com a distância temporal dos factos.
J. Situação que fere igualmente a sentença de nulidade, por obscuridade, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi o artigo 2º al. e) do CPPT.
K. Acresce que a análise crítica da prova continua a ser muito reduzida e insuscetível de controle. De facto, desconhece-se quem são, o que fazem e qual a razão de ciência das testemunhas: por exemplo, relativamente ao facto provado n.º 19, como e porquê tinham as testemunhas indicadas conhecimento do procedimento habitual da “P., Lda.”?
L. Questionando-se ainda: e quem são as demais testemunhas e qual a sua razão de ciência? Ignora-se por completo.
M. Por outro lado, o tribunal a quo, incorreu ainda em erro de julgamento, de facto e de direito, na medida em que considerou que a Impugnante, aqui Recorrida, reuniu prova suficiente no sentido de as obras mencionadas nas faturas em discussão, terem sido realizadas, e, concretamente, para o que se impõe, que o foram pela sociedade “P. , Lda” e por “M.”.
N. Sendo que, o argumento de que a sentença se socorre para reconhecer a autenticidade dos serviços realizados pelas mencionadas entidades e descritos nas faturas em crise, prende-se com o facto de ter ficado provado em tribunal, que a Impugnante em certas alturas do ano com carência de pessoal do quadro ou em face do volume de negócios a que tinha de corresponder, ter necessidade de recorrer a subcontratação.
O. Contudo, considera a Fazenda Pública que tal necessidade de subcontratação por parte da Recorrida, não constitui prova suficiente de que, a terem sido realizadas as obras, o foram efetivamente pelas concretas empresas mencionadas, sendo certo que, o que resulta do probatório, é precisamente o contrário!
P. Na verdade, foram reunidas provas mais do que suficientes, no âmbito das ações inspetivas efetuadas aos supostos fornecedores da Impugnante, que nenhum deles detinha qualquer capacidade em termos humanos e materiais para a realização dos serviços mencionados nas faturas emitidas a esta última, conforme resulta dos relatórios inspetivos anexos aos autos e que se dão por integralmente reproduzidos,
Q. sendo que, quanto ao recurso a subcontratação por parte da “P., Lda”, constatou-se que apenas foi pela mesma entregue o “Anexo O” da declaração anual, respeitante à identificação de clientes, não tendo sido entregue o “Anexo P”, relativo à identificação dos seus fornecedores.
R. Ora, a inexistência do “Anexo P” pela referida empresa, traduz uma situação em que apesar da sua necessidade em recorrer a subcontratação (dada a inexistência de capacidade própria, tendo inclusivamente declarado em subcontratos o valor de € 2.240.049,99, IVA não incluído), não manteve com nenhuma das entidades supostamente subcontratadas, relações comerciais durante todo o exercício de 2002 que atingisse o montante de € 50.000,00 (IVA incluído), condição necessária para a sua inclusão no referido “Anexo P”.
S. Facto que saiu reforçado pela inexistência de quaisquer entidades que tenham identificado a referenciada empresa como sua cliente, no respetivo “Anexo O” e ainda, pelo facto de o sócio gerente da “P.”, não ter logrado identificar junto dos SIT, naquele universo de subcontratos que declarou, um único fornecedor!
T. Ora, se a Impugnante se sentiu na necessidade de recorrer aos serviços da “P.”, pelas razões que ficaram provadas em tribunal, mas se, tendo sido recolhidos indícios mais do que suficientes de que esta última, tal como é reconhecido pela douta sentença de que se recorre, não detinha qualquer capacidade própria para efetuar os serviços em questão, e, tendo ainda sido fundadamente demonstrado pelos SIT, a impossibilidade de a “P.” ter recorrido a subcontratação,
U. então, em que ficamos?
V. Na verdade, tendo em conta o que resulta do probatório, e salvo o devido respeito por diferente opinião, tem a Fazenda Pública sérias dificuldades em conseguir alcançar em que medida resulta provado que as obras mencionadas nas faturas em crise, o foram realizadas pela referida empresa “P.”.
W. E o mesmo se diga relativamente a “M.”.
X. Conforme resulta da ação inspetiva à mesma realizada, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos, não obstante não ter aquela, capacidade própria para a realização das obras mencionadas nas faturas emitidas à Recorrida, não foram, contudo, apresentados pela mesma, quaisquer documentos de suporte dos custos relativos ao recurso a subcontratação.
Y. Ora, ainda que se não possa, por si só, sustentar correções no âmbito da empresa utilizadora, exclusivamente em factos detetados no lado das empresas emitentes, fazendo apelo aos acórdãos mencionados na douta sentença sob análise, também não poderão esses factos ser menosprezados, com o singelo argumento de que se trata da conduta de terceiro, tendo forçosamente ainda que existir, a complacência do utilizador das faturas.
Z. Neste sentido, veja-se o Acórdão do TCAN de 01/03/2007, proferido no âmbito do Processo n.º 00027/00.
AA. Ao que acresce o facto de, conjugando os factos detetados no âmbito das inspeções efetuadas às mencionadas entidades com os detetados junto da Recorrida, resulta que foram recolhidos elementos mais do que suficientes de que, a terem sido realizadas as obras, nunca o poderiam ter sido, pelas razões apontadas, pelas primeiras.
BB. Na verdade, a maior parte dos factos provados dizem respeito à impugnante e aos procedimentos adotados para controlar os custos imputados a cada obra, designadamente, o número de horas trabalhadas e o número de trabalhadores. No entanto, desse procedimento, não resulta, porém, qual a entidade subcontratada, nem tão pouco, o número de trabalhadores respetivo.
CC. A sentença do Tribunal a quo incorre ainda em erro de julgamento, de facto e de direito, ao considerar ter ficado provado que foi às mencionadas entidades “P.” e “M.”, que a Impugnante pagou os serviços prestados, na medida em que, tendo resultado do probatório que os referenciados pagamentos foram realizados por cheques levantados ao balcão, então, não se vislumbra de que forma se conclui e resulta provado que foi às mencionadas entidades que a Recorrida pagou pelos serviços prestados, já que, os referidos cheques, poderiam ter sido levantados por qualquer entidade.
DD. Nestes termos, entende a Fazenda Pública que, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, é nossa convicção que a sentença se encontra ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1 al. c) do CPC, aplicável ex vi o artigo 2º al. e) do CPPT, na medida em que, pelas razões expostas, a decisão enferma de obscuridade, tornando-a ininteligível,
EE. incorrendo ainda, em erro de julgamento, de facto e de direito, ao considerar provada a realização das obras mencionadas nas faturas em crise, como tendo sido efetuadas pelas empresas mencionadas, em relação às quais, resulta provado que não tinham capacidade própria para a sua realização, nem tão pouco, resulta provado que as mesmas tenham recorrido a subcontratação,
FF. e, por não resultar igualmente provado, que foi às mencionadas entidades que a Recorrida pagou os serviços em questão.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
Com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA!»

1.2. A Recorrida (S., S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1690 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida incorreu em nulidade por obscuridade;
Ø Se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«1) A “S., S.A., ora Impugnante, dedica-se ao exercício da atividade de construção civil e obras públicas, encontrando-se inserida no CAE 045230 – Construção de estradas, vias férreas, aeroportos e instalações desportivas – cf. Relatório de Inspecção Tributária (RIT), ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2) Foi realizada pela Direção de Finanças do Porto entre os dias 19 de Abril e 26 de Setembro de 2006, em cumprimento da ordem de serviço n.º 01200601506, ação de inspeção tributária à Impugnante em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativo ao ano/exercício de 2002 – cf. resulta do RIT, ínsito no PA apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
3) De acordo com o relatório de inspecção tributária (RIT) a AF entendeu existirem faturas não contabilizadas pelo sujeito passivo, bem como as faturas emitidas pelos sujeitos passivos “P., Limitada” e “M.”, encontradas na posse da Impugnante que não traduziam qualquer prestação real e efetiva de serviços, consubstanciando negócios simulados – cf. resulta do RIT, ínsito no PA apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
4) Quanto a “P. , Ld.ª” (resulta do RIT):
. Iniciou a sua actividade em 23-10-2000 e cessou em 31-12-2002, constituindo de seguida uma nova sociedade, segundo informação do seu gerente por dificuldades com a banca, (inibição de uso de cheques e dificuldades de relacionamento com os bancos, nomeadamente na obtenção de crédito), além de outros problemas.
. Não apresentou a sua contabilidade quando para o efeito notificado, dando como justificação que uma inundação a havia destruído.
. Pelas informações colhidas junto do CRSS Porto, verificou-se que o reduzido número de funcionários ao seu serviço não tinha capacidade para faturar o volume de negócios que declarou de subcontratação.
. Inexistência de bens de equipamento.
. Inexistência de custos gerais de funcionamento como eletricidade, combustíveis, águas e ferramentas.
. Apresentou diversas irregularidades em termos de faturação, nomeadamente elevada emissão de faturação num curto espaço de tempo, emissão de faturas após se encontrar cessada, sem numeração cronológica sequencial, e emissão de faturas com data anterior à sua própria emissão gráfica como resulta do relatório de inspeção.
. Insuficiente informação sobre clientes e irregular cumprimento de obrigações declarativas, ocultando informações relevantes e sem margem de lucro.
.Não identificação dos seus fornecedores nem dos seus clientes.
. Pagamentos normalmente efetuados em numerário ou por cheque levantados ao balcão do Banco, sem depósito em qualquer conta que pudesse espelhar a real situação dos fluxos movimentados – cf. resulta do RIT, ínsito no PA apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
5) Quanto a “M.” (resulta do RIT):
. A empresa encontrava-se cessada desde 31-12-2001, porém continuava a emitir faturas à Impugnante.
. Da informação colhida junto do CRS Porto, verifica-se que não tem nenhum funcionário ao seu serviço.
. Quem desenvolve a atividade é o pai da contribuinte, M., que, porém, não apresenta qualquer documento de suporte da atividade de calceteiro.
. Apresenta irregularidades na numeração e emissão de faturas.
. Não tem capacidade produtiva para a faturação que apresenta.
. Não conseguiu identificar quaisquer trabalhadores ao seu serviço.
. Nas declarações apresentadas em 2006, relativamente ao ano de 2002, apenas figura como seu cliente a Impugnante, com valores coincidentes aos desta – cf. resulta do RIT, ínsito no PA apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
6) A Administração Fiscal refere que a ora Impugnante não apresentou quaisquer contratos ou orçamentos realizados com estes fornecedores, tendo declarado que não existiam, que não era costume fazê-lo e que estes se limitavam a fornecer mão de obra – cf. resulta do RIT, ínsito no PA apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
7) A Impugnante não identificou quaisquer trabalhadores fornecidos por estas empresas – cf. resulta do RIT, ínsito no PA apenso a estes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
8) A AF procedeu à correcção técnica dos montantes declarados pela ora Impugnante em sede de IRC e IVA no exercício de 2002 considerados indevidamente deduzidos por esta nos termos do n. º3 do art.19.º do CIVA em consequência da sua inclusão nas declarações remetidas aos serviços do IVA e não serem consideradas como custos no enquadramento legal do art.23.º do CIRC, os valores contabilizados como prestações de serviços relacionados com os referidos sujeitos passivos.
9) O Procedimento de Inspecção teve o seu início no dia 19 de Abril de 2006.
10) A ora Impugnante foi notificada do Relatório Final, por carta registada com aviso de recepção em 19 de Outubro de 2006 – cf. doc. de fls. 48 a 49 dos autos.
11) A factura 450 referente à obra “Modernização e ampliação da rede de abastecimento de água à Vila da … – Construção de um reservatório, encontra-se devidamente contabilizada na conta 35 – produtos e Trabalhos em Curso, em 31 de Dezembro de 2001 – cf. prova testemunhal (R.).
12) O auto de medição da referida obra referia-se a trabalhos de pintura de reparação que ascendiam a €4.743,94, efetuados em obra anterior, existindo uma pretensão da Impugnante de faturar o referido serviço – cfr. prova testemunhal (R.).
13) Apresentado o auto à Câmara Municipal de Felgueiras o mesmo não foi aceite, pois esta entendeu que os trabalhos efetuados enquadravam-se no âmbito da obrigação de garantia da obra e que assim não podiam ser faturados – cf. doc. de fls. 50 a 51 dos autos e prova testemunhal (R.).
14) O valor de €4.743, 94 em 31 de Dezembro de 2002 foi levado a perdas em existências – Conta 69.38, em virtude desse valor corresponder ao cumprimento de uma obrigação de garantia e, assim, não poder ser faturado sob pena de não ser recebida definitivamente a obra e accionada a garantia bancária – cf. prova testemunhal (R.).
15) A Impugnante prestou garantia bancária na obra – cf. doc. de fls. 52 a 53 dos autos e depoimento de R..
16) Face à imposição da Administração Fiscal de não aceitar a regularização das existências efetuadas na conta 69.38, foi exigido que fossem faturados os referidos trabalhos, o que foi efetuado pela factura 450, pelo montante de €5.740,18, acrescido de IVA à taxa legal de 19% – cf. prova testemunhal (R.).
17) A Impugnante anulou a referida fatura – cf. depoimento de R..
18) A ora Impugnante sempre cumpriu as suas obrigações fiscais, mantendo a sua contabilidade organizada nos termos exigidos pela lei fiscal – depoimento de R..
19) A empresa “P., Ld.a” , recorria a subcontratação, o que justifica a rotação de pessoal que utilizava, em várias obras, o que impedia o conhecimento directo da identidade de cada um dos seus trabalhadores – cf. depoimento de A., E. e E..
20) As três faturas emitidas com data de 30 de Agosto de 2002, impressas na Gráfica (...) em 5 de Setembro de 2002 foram conferidas e contabilizadas em 31 de Outubro de 2002 e pagas em 6 de Dezembro de 2002 – cf. docs. de fls. 55 a 73 e 144 a 147 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
21) Os serviços foram efetuados e as faturas emitidas durante o período em que a aludida sociedade esteve em atividade – cf. depoimento de Dr. R..
22) Do cruzamento do Anexo O da sociedade “P. – Construções, Ld.ª”, com o Anexo P da Impugnante, resulta a identidade dos valores inscritos por uma e por outra e assim declarados à Administração Tributária – cf. depoimento de Dr. R. e R. e doc. de fls.54 dos autos.
23) O IVA em causa foi pago, uma vez, que, não consta nas insuficiências declarativas a falta de pagamento do IVA – cf. depoimentos de Dr. R. e R..
24) O IVA liquidado por “P. , Ld.ª”, é superior ao IVA deduzido pela Impugnante – depoimento do Dr. R., E. e R. e fls. 16 do Relatório de Inspecção Tributária à “P. , Ld.ª”.
25) No carimbo de classificação e conferência de documentos aposto em todas as faturas encontra-se inscrito a obra a que cada uma delas se refere – cf. docs. de fls. 55 a 73 e depoimentos de E. e R..
26) As referidas faturas são rececionadas conjuntamente com uma “Folha de Ponto” elaborada pelo encarregado ou director da obra, na qual esta é identificada e registados para conferência e posterior pagamento de fatura o número de trabalhadores por categoria e as horas trabalhadas – cf. depoimentos de E., A. e E..
27) No ano de 2002 era prática corrente no mercado os contratos de empreitada serem celebrados verbalmente, sendo a relação estabelecida à hora de trabalho e por categoria profissional e suportada documentalmente na fatura que era emitida e controlada nos termos acima descritos – cf. depoimentos de J. e R..
28) Os pagamentos foram efetuados por cheque à ordem da subcontratada, tendo sido levantados ao balcão – cf. doc. de fls. 144 a 147 e depoimentos de E., R. e Dr. R..
29) Os serviços de Inspecção Tributária solicitaram à ora Impugnante o nome completo, n.º de contribuinte, n.º de segurança social, bem como a descriminação da acção de cada funcionário, nomeadamente em que obra trabalharam e em que período de tempo dos funcionários da “P. , Ld.ª” – cf. RIT ínsito no PA apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
30) Era difícil a um Administrador da Impugnante saber quem eram os trabalhadores da sociedade “P. , Ld.ª”, pois nessa data não era obrigatório exigir os subcontratados dos referidos elementos – cf. depoimento de R..
31) A ora Impugnante recorre a subcontratação em especial em obras de grandes dimensões, com prazos de execução reduzidos e quando têm que ser executadas no período do verão, quando têm parte do seu pessoal de férias – cf. depoimentos de C., J. e R..
32) No ano de 2005 a percentagem de subcontratos na Impugnante foi de 29,15%.
33) No ano de 2004 a percentagem de subcontratos na Impugnante foi de 27,11%.
34) No ano de 2003 a percentagem de subcontratos na Impugnante foi de 22,23%.
35) No ano de 2002 a percentagem de subcontratos na Impugnante foi de 18,49% – cf. depoimentos de C., J. e R..
36) No Continente e na Região Autônoma da Madeira a Impugnante tem intensificado o sistema de consórcios e subempreitadas com o objetivo de uma intervenção mais rápida e concisa nas diferentes áreas de intervenção – cf. depoimentos de C., J. e R..
37) Houve um crescimento no volume de faturação da sociedade Impugnante entre os anos de 2002 a 2005 de 11,41%, possível graças ao recurso a subempreiteiros – cf. depoimentos de J., C. e R..
38) A sociedade “M.”, tem atualmente a sua situação fiscal regularizada em termos declarativos – cf. depoimentos da Dr.ª A. e R..
39) O livro das faturas impressas pela tipografia “A Gráfica da (…), Ld.ª”, desaparecidas, não respeitam às emitidas à ora Impugnante – depoimentos de Dr.ª A. e R..
40) As faturas tem aposto o visto do Diretor da obra, representante da Impugnante, do Fiscal da obra, do representante do Dono da obra, e do senhor S…., representante da subcontratada – cf. docs. de fls. 148 a 193 dos autos e depoimentos de A., R. e J..
41) A obra de Rebordosa foi adjudicada pelas “Águas de …., S.A.”
42) Os pagamentos foram efetuados por cheque, que foram endossados ao Pai e colaborador da subcontratada – cf. depoimento de R..
43) Os cheques foram pagos e o seu montante corresponde à soma das faturas lançadas em extracto de conta corrente – cf. doc. de fls. 233 a 267 dos autos e depoimento de R..
44) Das quantias pagas foi efetuada a devida retenção na fonte e efetuada a entrega nos cofres do Estado dessas importâncias bem como emitida a respetiva declaração de retenção na fonte – cf. docs. de fls. 268 a 270 dos autos.
Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a apreciação das questões em apreço.
*
Motivação
É importante em sede de motivação da matéria de facto considerada provada por este tribunal, deixar clara a base da convicção do tribunal na consideração dos factos provados.
Relativamente à Factura 450 referente à obra “Modernização e ampliação da rede de abastecimento de água à Vila da … – Construção de um reservatório, a mesma encontrava-se devidamente contabilizada na conta 35 – Produtos e Trabalhos em Curso, à data de 31 de Dezembro de 2001, cf. resulta claramente do depoimento da testemunha R., que prestou o seu depoimento com verdade, objetividade, clareza e demonstrou conhecimento direto do que afirmou perante este tribunal.
Do seu depoimento resultou também, que, o auto de medição da referida obra referia-se a trabalhos de pintura de reparação que ascendiam a €4.743,94, efetuados em obra anterior, existindo uma pretensão da Impugnante de faturar o referido serviço.
Mas, uma vez apresentado o auto à Câmara Municipal de Felgueiras, o mesmo não foi aceite, pois esta entendeu que os trabalhos efetuados enquadravam-se no âmbito da obrigação de garantia da obra e, que, assim, não podiam ser faturados, cf. auto de medição e auto de receção definitivo da obra elaborado em 2002.04.30, documentos juntos com a petição de impugnação como Doc.º n.º 3, com 2 fls. e depoimento de R..
Por esse motivo o aludido valor de € 4.743,94, em 31 de Dezembro de 2002, foi levado a perdas em existências – Conta 69.38, em virtude desse valor corresponder ao cumprimento de uma obrigação de garantia, e, assim, não poder ser faturado, sob pena de não ser recebida definitivamente a obra e accionada a garantia bancária.
A Impugnante presta garantia bancária em todas as obras que efetua, o que também ocorreu no presente caso, cf. garantia bancária, documento junto com a petição de impugnação como Doc. n.º 4 e depoimento de R..
Face à imposição da Administração fiscal de não aceitar a regularização das existências efetuada na conta 69.38, foi exigido que fossem faturados os aludidos trabalhos, o que foi efetuado pela factura 450, pelo montante de €5.740,18, acrescido de IVA à taxa legal 19%.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise critica e conjugada do RIT e demais documentos juntos aos autos e ao PA que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 75.º, n.º1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC) identificados em cada um dos factos.
Para a matéria de facto julgada provada relevou ainda o depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, que de forma credível e consistente explicaram e provaram os factos constantes da douta petição inicial.
Dá-se aqui por reproduzida a transcrição da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, feita com as alegações escritas da Impugnante, por ser fidedigna, para todos os efeitos legais.
A Fazenda Pública com as suas testemunhas, limitou-se a corroborar as informações plasmadas no RIT, apuradas durante a realização do procedimento de inspecção.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (artigo 74.º, n.º 1, da LGT).
Para prova dos factos alegados, a Impugnante com a petição inicial juntou diversos documentos, que, relevaram para a decisão da questão essencial dos autos – prova da prestação efetiva dos serviços constantes das faturas desconsideradas pela AT à Impugnante e prova da prestação desses serviços pelas empresas emitentes das faturas – e arrolou testemunhas.
Os documentos juntos pela Impugnante ajudam a comprovar a efetiva prestação dos serviços constantes das faturas desconsideradas pela AT.
Foram juntos aos autos os contratos celebrados entre a Impugnante e as suas clientes e demais documentos que comprovam a realização das obras e os que estão relacionados com a atividade das emitentes das faturas (P., Lda. e M.), como sejam as faturas, autos de medição e cheques.
Tais documentos relevam para comprovar que a Impugnante realizou as obras que alega, mas não comprovam só por si que nelas trabalhou a P., Lda. e M., e / ou os seus trabalhadores.
E ainda demonstram o lado formal da transacção. Isto é, os documentos juntos pela Impugnante relativos a faturas, autos de medição e cheques emitidos pelas ou para a P. e M., só por si não revelam que os serviços deles constantes foram prestados e pagos.
Todavia, temos de conjugar essa prova com a demais prova produzida nos autos e ponderar se ela revela a prestação efetiva ou não dos serviços que delas constam.
O tribunal entende que essa prova documental conjugada com a prova testemunhal, demonstra que esses serviços foram na realidade prestados pela P. e pela M. e, por funcionários seus ou até eventualmente subcontratados por si.
Os documentos juntos pela Impugnante comprovam formalmente a prestação dos serviços que deles constam.
Ou seja, esses documentos ajudam a comprovar a veracidade e realidade das operações económicas que neles estão documentados. Daí terem sido considerados pelo tribunal como elementos de prova relevantes para comprovar a existência da prestação efetiva dos serviços que deles constam, conjugados com a prova testemunhal.
Os depoimentos das testemunhas conjugados com a referida prova material foram suficientemente consistentes para convencer o tribunal que os serviços constantes dessas faturas foram efetivamente prestados pelas empresas em nome de quem foram emitidas as faturas, por funcionários seus ou subcontratados por si.
Relativamente aos factos relevantes para o caso em apreço, os depoimentos das testemunhas revelaram-se credíveis, verosímeis e consistentes, capazes de abalar a prova produzida pela AT.
Na sua generalidade os depoimentos relevaram para a formação da convicção do tribunal.
A generalidade das testemunhas responderam com espontaneidade e assertividade bastantes para contribuir para a formação da convicção do tribunal, respondendo de forma direta e objetiva às perguntas que lhes foram efetuadas, quer pelas partes, quer pelo tribunal.
A necessidade de subcontratação da prestação de serviços de mão de obra por parte da Impugnante, revela-se justificada perante este tribunal, com os esclarecimentos das testemunhas, que, claramente elucidaram que, tal sucedia, em períodos pontuais de aumento de volume de trabalho e ausência de trabalhadores do seu quadro, por motivo de gozo das suas férias.
Este facto tem relevância para justificar a subcontratação de mão de obra por parte da ora Impugnante.
Sucede, que, o que está em causa nos autos é a demonstração de que a P. e a M., foram contratadas pela Impugnante e, que, foram elas que, na realidade prestaram os serviços que constam das faturas emitidas em seu nome.
O tribunal ficou convencido que a P. e a M., prestaram à Impugnante os serviços que constam das faturas emitidas com o seu nome que foram registadas na contabilidade da Impugnante e desconsideradas pela AF no âmbito da inspeção tributária efetuada à Impugnante, que originou as liquidações em causa na presente impugnação judicial.
O facto da Impugnante ter realizado as obras que alega e de necessitar de mão de obra alheia, por não ter mão de obra própria suficiente, só por si não significa que esses serviços foram prestados pela P. e/ou pela M., com funcionários seus ou subcontratados.
Não compete a este tribunal indagar quem foi que efetivamente realizou as obras ou prestou serviços de mão de obra à Impugnante para realizar essas obras.
A este tribunal cumpre apenas averiguar se a P. e a M., prestaram efetivamente à Impugnante os serviços de mão de obra que constam das faturas desconsideradas pela AT.
A Impugnante alega que os serviços constantes das faturas desconsideradas pela AT foram efetivamente prestados, pelo que a desconsideração do custo correspondente ao valor das faturas emitidas com o nome da P. e M., com a consequente correcção da matéria tributável e subsequente liquidação adicional são ilegais, porquanto correspondem a operações econômicas reais e a custos efetivamente suportados.
Vejamos.
A matéria colectável é, em regra, determinada com base em declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela AF (art. 16.º, nº 1, do circ).
A AT compete sempre o controlo da declaração do contribuinte.
Se na sua acção de controlo verificar que a matéria coletável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade, a AT procede ao apuramento do lucro tributável e à sua correcção, através do recurso a métodos directos e se se verificar a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos Indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art. 87.º, alínea b), da LGT), então recorre subsidiariamente à avaliação indirecta (arts. 16.º, 52.º, n.º 1 do CIRC, e 82.º, n.ºs 1 e 2, 83.º, 85.º e 87.º a 89.º da LGT).
Compete à AT demonstrar e provar a verificação dos pressupostos que legitimam a sua atuação fiscalizadora – provar os indícios sérios da falsidade das faturas em que se fundamentam os custos (ou seja a inexistência de operações económicas subjacentes ás faturas registadas na contabilidade como custo (operação simulada) ou que o preço é simulado (art. 74.º, n.º 1, da LGT)) -, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a existência das operações econômicas tituladas nas faturas, que registou como custo da sua atividade (facto tributário).
Isto é, compete ao sujeito passivo alegar e provar que o custo constante das faturas registadas na sua contabilidade tem subjacente uma operação económica real (contrariamente ao invocado pela AT, que as considera operações simuladas).
Feita essa prova, compete ao Contribuinte demonstrar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, de que os montantes referidos naquelas faturas sejam tidos como custos, ou seja, compete-lhe demonstrar que as faturas em causa correspondem a operações realmente efetuadas pela empresa que as emitiu e, assim, comprovar os custos que contabilizou, não lhe bastando criar dúvida a esse propósito.
Contrariamente ao alegado pela Impugnante, o art.100.º do CPPT, não logra aqui aplicação, pois não está em causa a prova sobre a existência e quantificação do tacto tributário que competiria à AT, mas antes a prova dos factos em que a Contribuinte funda o seu direito (cf. entre outros Acórdão de 9/11/2006» 2ª secção do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 296/04, disponível em www.dgsi.pt.
Esta prova da AT tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte (art. 75.º da LGT).
Só então cabe ao sujeito passivo provar que o preço constante das faturas não é simulado ou que as operações económicas constantes das faturas ou documento equivalente correspondem a transacções reais.
Assim, a AT tem o ônus de demonstrar na fatualidade que a levou a desconsiderar determinado custo inscrito na contabilidade e tal fatualidade tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita do contribuinte.
Demonstrados tais pressupostos pela AT, passa então a caber ao contribuinte o ônus da provar que as transacções tituladas pelos documentos não aceites pela AT se realizaram efectivamente sob pena de os mesmos não poderem ser aceites para efeitos de IVA.
No caso em apreço, a AT carreou para os autos prova da inexistência das operações económicas subjacentes às faturas que desconsiderou emitidas em nome da P. a favor da Impugnante e registadas na sua contabilidade no exercício económico, as quais foram consideradas pela AT, como titulando operações simuladas, por não corresponderem a prestações efetivas de serviços, isto é, por os serviços discriminados nessas faturas não corresponderem a serviços de mão de obra efetivamente prestados pela referida sociedade e / ou por funcionários seus ou subcontratados por si.
Basta atentar no teor do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, por uma questão de autenticidade e fidedignidade, e nos fundamentos invocados para realização das correcções, com a matéria de facto considerada provada por este tribunal, para concluir-se que a AT recolheu indícios sérios e fundados da inexistência das operações tituladas pelas faturas, mas, não suficientes face à prova produzida pela ora Impugnante para que este tribunal lhe possa dar razão.
Em síntese, relativamente às empresas emitentes das faturas salientam-se as irregularidades descritas no RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que revelam de forma coerente e consistente que essas empresas não tinham capacidade e / ou meios técnicos e humanos, nem instalações e equipamentos para prestar os serviços que constavam das faturas emitidas e registadas na contabilidade da Impugnante.
Na fiscalização ao exercício de 2002 foram encontradas registadas na contabilidade da Impugnante, faturas emitidas pela referida P & C, empresa que não tinha contabilidade, alegadamente por ter sido destruída por uma inundação, não tendo sido reconstituída até porque o responsável pela contabilidade não tinha elementos; emissão não sequencial das facturas, havendo frequentemente faturas com numeração superior e data de emissão anterior, comportamento típico da emissão de faturas que não titulam operações reais resultante da emissão de faturas de acordo com as necessidades dos utilizadores; esta empresa apresentou uma declaração de subcontratação em 2002 no montante de €2.240.049,99, com IVA incluído, mas não apresentou o anexo P, pelo que as subcontratações realizadas eram inferiores a €50.000,00, IVA incluído, o que significa que nesse ano teve inúmeros fornecedores, mas não identificou nenhum à AT, alegadamente por não se recordar; declarou que só se recorda de dois clientes no ano de 2002, mas que prestou serviços em todo o território nacional, Açores e Madeira incluídos, e em Espanha; declarou não se recordar porque motivo havia faturas emitidas com data anterior à da sua impressão nas respetivas tipografias; nas declarações de IVA não foram declaradas as alegadas prestações de serviço em Espanha; e não ter explicação para a contabilização num cliente de facturas de 2002, impressas na tipografia “Gráfica (...), Ld.ª, em Abril de 2003, tendo negado ainda a participação nesses factos.
A generalidade das faturas emitidas pela “P., Lda.”, e pela “M.”, registadas na contabilidade da Impugnante no ano de 2002 não identificavam concretamente o local das obras executadas; não identificaram quantos e quais os funcionários que estiveram a trabalhar nas obras; os pagamentos foram realizados por cheques levantados ao balcão, comportamento típico associado à emissão de faturas que não titulam operações económicas reais.
Da prova produzida perante este tribunal, resulta, que, as faturas desconsideradas pela AT correspondem a serviços efetivamente prestados à Impugnante pelas referidas empresas.
A Impugnante logrou fazer prova consistente do fornecimento e prestação efetiva dos serviços constantes das faturas desconsideradas pela AT.
As testemunhas declararam de forma coerente e com conhecimento direto dos factos, que, a Impugnante não tinha pessoal suficiente para fazer as obras e que recorria à subcontratação de mão de obra que era indispensável para realizar o volume de negócios declarado e que a prestação de serviços das empresas em causa constante das faturas desconsideradas pela AT era imprescindível para a Impugnante realizar o volume de negócios declarado, revelaram-se suficientemente coerentes e verosímeis para convencer o tribunal, sobretudo quando conjugado com o facto objetivo da subcontratação de mão de obra realizada pela Impugnante corresponder a uma efetiva diminuição do número de trabalhadores, pois a subcontratação ocorria essencialmente durante o seu período de férias ou de um aumento do seu volume de negócios.
O que está em causa é saber se na realidade as empresas em causa ou trabalhadores subcontratados por si participaram na construção dessas obras por conta da Impugnante. E da prova produzida pela Impugnante o tribunal ficou convencido que na realidade as empresas supra referidas ou trabalhadores subcontratados por si, participaram na construção das obras da Impugnante que constam das faturas emitidas.
A Impugnante provou perante este tribunal, através da prova testemunhal e documental, não ter capacidade produtiva própria para a realização das obras em causa nas faturas e que para realizar essas obras subcontratou mão de obra às referidas empresas.
Analisada conjugadamente a prova produzida pela AT e pela Impugnante, o tribunal entendeu que a prova produzida foi suficientemente consistente para convencer o tribunal que os serviços constantes das faturas desconsideradas foram efetivamente prestados à Impugnante e foram efetivamente prestados pelas empresas em causa, com trabalhadores seus ou desconsiderados.
Isto é, a Impugnante fez prova bastante para convencer o tribunal que a P., Lda. e a M., efetivamente prestaram à Impugnante designadamente os serviços constantes das faturas desconsideradas pela AT.
E não se diga que foi apenas do depoimento de uma testemunha, mas da conjugação do depoimento de todas as testemunhas.
Apesar de os depoimentos das testemunhas em alguns momentos serem vagos, este tribunal compreendeu as respostas e até o motivo da dificuldade da precisão das mesmas, tendo em conta o tempo decorrido e à prática no ramo de atividade à época.
Globalmente, a prova prestada pela Impugnante revelou-se coerente e consistente.
Pelas regras da experiência e da conjugação de toda a prova produzida, este tribunal conclui que, pese embora a prova produzida pela AF, nomeadamente as empresas objetivamente não terem condições materiais e humanas para realizar os serviços que constam das faturas, a verdade é que ficou provado, que, foram funcionários dessas empresas ou por si subcontratados que andaram nas obras refletidas nas faturas, que havia necessidade de mão de obra para a realização dessas obras e que foi as essas empresas que a Impugnante pagou.
Logo, existe fundamento legal para considerar dedutível como custo do exercício no ano de 2002, o valor das faturas desconsideradas pela AT, por ter sido feita prova bastante de que correspondem a operações económicas reais (arts. 23.º. n.º1, do CIRC e 19.º, n.º3, do CIVA).»

2.2. De direito
A Recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a impugnação contra as liquidações de IVA do exercício de 2002 e respectivos juros compensatórios, no valor global de 43.641,79 €.
Considerou-se em síntese na sentença recorrida, no que ora importa, que:” (…) todos os factos invocados pela AF não são por si só suficientes para legitima e legalmente recorrer às correcções técnicas propostas e desconsidera todas as faturas em causa.
A Impugnante através da prova por si efetuada convenceu este tribunal que as faturas consubstanciam trabalhos que lhe foram prestados pelas empresas em causa.
Assim, apesar dos indícios plasmados na fundamentação da AT serem suficientes para se puder concluir que as faturas em causa não consubstanciam a efetiva prestação de serviços e, assim, para, se considerar que existiu negócio simulado entre as firmas em questão, a Impugnante fez prova do contrário.
(…) Assim, consideram-se preenchidas, in casu, as exigências constitucionais (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e legais (artigo 77.º da LGT) a respeito da fundamentação das liquidações.
Pese embora o ato administrativo esteja fundamentado, a Impugnante fez prova bastante do alegado.
Convenceu o tribunal que suportou os custos que contabilizou e que as operações comerciais faturadas foram efetivamente realizadas.
Mesmo que, não tenha comprovado a total movimentação de fluxos financeiros necessários e suficientes para o pagamento das faturas, o que, mais uma vez se diz, se revela compreensível, atendendo ao tempo decorrido e ao período temporal em causa – ano de 2002 – (os procedimentos da atividade/obrigações fiscais e contabilísticas diferiam das atuais).
Pelo exposto, a Impugnante fez prova de que as operações que tutelam as faturas em causa se realizaram e, como tal o imposto contido nas correspondentes faturas, não traduz uma vantagem patrimonial indevida à custa do Estado.”
Ora, constitui entendimento uniforme e pacifico da doutrina e jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pela Recorrente, as quais limitam o âmbito de acção do tribunal ad quem cujo conhecimento fica circunscrito às matérias que nessas tenham sido versadas, com a ressalva das questões de conhecimento oficioso, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigo 282º, n.º 5 a 7 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 635º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT.
Assim, sendo analisadas as conclusões formuladas pela Recorrente, constata-se que a mesma vem imputar à decisão recorrida, seguindo a indiciação apresentada, (i) nulidade da sentença por obscuridade; (ii) erro de julgamento de facto, e (iii) erro de julgamento de direito.
Contudo, antes de entrarmos na apreciação das questões apreciar, importa referir que a acção de inspecção realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto (entre os dias 19 de Abril e 26 de Setembro de 2006, em cumprimento da ordem de serviço/despacho n.º 01200601506) foram ainda efectuadas correcções aritméticas à matéria coletável da qual resultaram liquidações de IRC, por AT não ter aceite como custo de exercício facturas contabilizadas pela recorrida, que tinha sido emitidas pelos sujeitos passivos “P., Lda.,” e “M.” “A., Ld.ª, por não titularem operações reais, facturas essas determinantes da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios impugnados nos presentes autos.
Ora, no que respeita às mencionadas liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, suportadas no mesmo procedimento e relatório final de inspecção, a Impugnante, ora Recorrida, apresentou a competente impugnação judicial, relativamente à qual já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 16 de dezembro de 2021, proferido no âmbito do Processo nº 831/06.8BEPNF, que negou provimento ao recurso interposto da sentença proferida naqueles autos, de teor absolutamente idêntico à sentença aqui recorrida [- no que respeita à factualidade considerada provada, motivação e fundamentação, assente na mesma diligência de produção de prova testemunhal, divergindo, apenas, no imposto em causa -], desatendendo a pretensão recursiva da Fazenda Pública, assente em alegações de recurso análogas às apresentadas nos presentes autos, nas quais as questões enunciadas são rigorosamente as mesmas (correspondendo, inclusivamente a enunciação das conclusões e os seus itens): a alegada nulidade por obscuridade da sentença recorrida, o erro de julgamento, de facto e de direito, na apreciação e valoração da factualidade que serviu de suporte à decisão.
Atendendo ao exposto, a apreciação levada a efeito naquele processo apresenta-se como sendo inteiramente válida e transponível para os presentes autos, por se tratar de questões rigorosamente análogas, pelo que, considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil - que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido naquele acórdão, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador, aqui aplicável, com as necessárias adaptações, ou seja, onde ali, por exemplo, se refere liquidação de IRC, deve aqui entender-se como se reportando à liquidação de IVA.
Desta forma, ponderou-se no referido acórdão nos seguintes termos: (inicio de transcrição)
«3.2. Das motivações e das conclusões das alegações de recurso, constata-se que a Recorrente insurge-se contra a apreciação e valoração da prova documental e testemunhal produzida, no entanto não impugna a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, nos termos previstos do art.º 640.º do CPC.
Assim, para que o TCA possa proceder a alteração da matéria de facto, devem ser indicados os pontos de facto considerados incorretamente julgados, indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O tribunal superior fica legitimado se esses meios de prova conduzirem e impuserem uma decisão diversa da proferida podendo concluir-se ter incorrido, a 1ª instância, em erro de apreciação das provas.
Refira-se que a modificabilidade da matéria de facto pressupõe uma clara distinção entre erro na apreciação da matéria de facto e a discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador.
Pese embora a Recorrente, nas suas motivações das alegações se refira ao valor dos documentos e os depoimentos das testemunhas, no entanto não levou às conclusões nem mesmo indicou quais os factos que em sua opinião deveria ser levados ao probatório ou mesmo eliminados da matéria de facto provados e não provada.
Tendo a Recorrente no presente recurso limitando-se a impugnar genericamente o julgamento da matéria de facto, não identificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não indica os meios probatório nem a sua posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente ao segmento da impugnação esta votado ao insucesso.
A Recorrente limita-se a uma impugnação genérica das decisões da matéria de facto não dando cumprimento ao n.º 1 do 640.º do CPC, não cumpriu o ónus da impugnação da matéria de facto que sobre si recaia ficando este Tribunal impedido de apreciar o recurso.
Assim sendo, não tendo impugnado corretamente a matéria de facto, terá este Tribunal de aferir se o julgamento efetuado sustentado na prova produzida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.
Destarte, improcede o recurso considerando-se estabilizada a matéria de facto.
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Resulta das alegações de recurso que a Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por obscuridade, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi o artigo 2º al. e) do CPPT.
Alega que ocorre obscuridade que a torna ininteligível no que respeita ao segmento em que se por um lado, resulta que ficou convencida de que as operações foram realizadas pelas empresas emitentes, por outro, defende que a impugnante provou que não teve qualquer vantagem patrimonial ilegítima pelo facto de ter efetuado pagamentos a uma pessoa, quando lhe foram emitidas faturas em nome de outra. E no segmento em que refere que em determinado momento, afirmar que as testemunhas depuseram de forma assertiva e espontânea e, mais à frente, afirmar que os depoimentos foram vagos, justificando esse facto com a distância temporal dos factos.
Vejamos:
A questão a resolver no âmbito do presente recurso é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade a que alude o artigo 615.º nº 1 alínea c) e nº 4 do CPC.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, do CPC, que “É nula a sentença quando: (…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (…)”.
A respeito da obscuridade e ambiguidade da sentença, dizia o Professor Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, pág. 151, que a “(…) A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz.(…)”
Em síntese, a sentença é obscura quando não é clara, não se entende. E é ambígua quando se preste a interpretações diferentes.
A ambiguidade ou obscuridade que possam ocorrer na sentença só integrarão a nulidade decisória prevista, na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, se algum desses vícios tornarem a decisão incompreensível, por inacessível intelectualmente, impedindo a compreensão da decisão judicial por fundadas dúvidas ou incertezas. Situação em que os destinatários da sentença ficarão sem saber ao certo o que efetivamente foi decidido ou se quis decidir e com que fundamentos.
Analisada a sentença recorrida centra-se nos indícios recolhido pela AT que vai descrevendo, e que considerou suficientes para indiciar faturação falsa, relativa às faturas constantes da contabilidade da Recorrida e descritos no relatório de inspeção.
Na motivação da matéria de facto a MM. juíza apoia-se na prova documental que por um lado, considera que por si só, não ser suficiente mas que conjugada com a prova testemunhal conduz a um entendimento que os serviços foram prestados por P., Lda., e M., pese embora não tivessem “condições materiais e humanas para realizar os serviços constantes das faturas, a verdade é que ficou provado que foram funcionários dessas empresas ou por si contratados que andaram nas obras refletidas nas fatura …”
A Recorrente alega na conclusão I) que a obscuridade resulta ainda no facto de, em determinado momento, afirmar que as testemunhas depuseram de forma assertiva e espontânea e, mais à frente, afirmar que os depoimentos foram vagos, justificando esse facto com a distância temporal dos factos.
Antes de mais diga-se que a alusão está descontextualizada, pois na motivação da matéria de facto refere que as testemunhas depuseram de forma assertiva e espontânea tendo contribuído para o julgamento de facto. Na fundamentação de direito a sentença refere que a sociedade impugnante convenceu o tribunal que suportou os custos que contabilizou e que as operações comerciais faturadas foram efetivamente realizadas, “mesmo que não se tenha comprovado a total movimentação de fluxos financeiros necessários e suficientes para o pagamento das faturas, o que mais uma vez se diz, se revela compreensível, atendendo ao tempo decorrido e ao período temporal em causa- ano de 2002- (…)”.
A sentença recorrida não padece de nulidade, por obscura, sendo possível a um qualquer destinatário normal, entendido este como dotado de competências ou habilitações técnicas suficientes, compreender o que ficou decidido no julgado e porque foi decidido nesse sentido.
Resulta do que se mostra alegado pela Recorrente que a mesma discorda da interpretação que o tribunal a quo fez dos factos dados como provados e das consequências que deles retirou, bem como da solução de direito que chegou por aplicação das normas jurídicas que entendeu serem aplicáveis ao caso.
Aqui chegados, importa referir que a oposição em causa não se confunde com o erro na subsunção dos factos às normas jurídicas e nem com o erro na interpretação destas. Se o juiz entendeu, ainda que de forma errada, que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento for expresso na fundamentação, ou dela decorrer, estar-se-á perante um erro de julgamento e não perante a oposição que constitui causa de nulidade.
Destarte improcede a alegada nulidade de sentença.
4.2. Nas conclusões a K. e L. alega a Recorrente que a análise crítica da prova continua a ser muito reduzida e insuscetível de controle. De facto, desconhece-se quem são, o que fazem e qual a razão de ciência das testemunhas, por exemplo, relativamente ao facto provado n.º 19, como e porquê tinham as testemunhas indicadas conhecimento do procedimento habitual da “P., Lda.” Questionando-se ainda: e quem são as demais testemunhas e qual a sua razão de ciência? Ignora-se por completo.
Vejamos:
Se bem interpretamos a conclusões, a Recorrente pretende imputar à sentença nulidade por falta de análise critica da prova.
Como se disse no acórdão de 28.01.2016, proferido nestes autos “(…) No que se refere à falta de fundamentação de facto da sentença, tem-se entendido a nulidade abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC.
No que concerne exame crítico da prova, o juiz deve revelar, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma e caso haja elementos probatórios divergentes, explicar as razões porque se valorizou um em detrimento do outro.
Se a sentença não contiver análise crítica da prova documental e testemunhal e outras provas produzidas no processo e que foram relevantes para a decisão incorre em nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 125.º n.º 1 do CPPT alínea b) do art.º 668.º do CPC (atual 615.º).(…)”
Analisada a alínea 19) da matéria de facto provada dele resulta que foi sustentado nos depoimentos de A., E. e E., para além disso, na longa motivação da matéria de facto, é explicado as razões pelas quais o tribunal formou a sua convicção.
Acresce ainda esclarecer, (face à conclusão L.) na motivação de facto, não se torna necessário descrever qual a razão de ciência das testemunhas pois tal apreciação é feita em sede de inquirição de testemunhas, constante da respetiva ata.
Decorre da conjugação do art.º 514.º a 515.º do CPC, na inquirição de testemunhas, o juiz pode não admitir a testemunha e a parte contra a qual foi produzida a testemunha pode impugnar a sua admissão que conduz a incidente de impugnação. A motivação da prova, constante da sentença embora repetitiva, esclarece quais foram os elementos probatórios que levaram a decidir como decidiu, se foi bem ou mal, não se trata nulidade de sentença, mas sim de eventual erro de julgamento facto.
Pelo que improcede alegada nulidade.
4.3. A Recorrente alega em síntese - conclusões M. a CC - que o tribunal a quo, incorreu ainda em erro de julgamento, de facto, na medida em que considerou que a Recorrida, reuniu prova suficiente no sentido de as obras mencionadas nas faturas em discussão, terem sido realizadas, pela sociedade “P. , Lda” e por “M.”.
Sendo que, o argumento de que a sentença se socorre prende-se com o facto de ter ficado provado em tribunal, que a Impugnante em certas alturas do ano com carência de pessoal do quadro ou em face do volume de negócios a que tinha de corresponder, ter necessidade de recorrer a subcontratação entendendo, não constitui prova suficiente de que, a terem sido realizadas as obras, o foram efetivamente pelas concretas empresas mencionadas, sendo certo que, o que resulta do probatório, é precisamente o contrário.
Na verdade, tendo em conta o que resulta do probatório, e salvo o devido respeito por diferente opinião, tem a Fazenda Pública sérias dificuldades em conseguir alcançar em que medida resulta provado que as obras mencionadas nas faturas em crise, o foram realizadas pela referida empresa “P.”. E o mesmo se diga relativamente a “M.”.
Vejamos:
Ao longo das conclusões a Recorrente vem alegando que sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito. Estando a matéria de facto cristalizada, pois não foi devidamente impugnada, importa agora verificar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.
O n.º 1 do art.º 17.º do CIRC prevê que “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.”
Por sua vez, o n.º 1 e 2 do art.º 23.º do CIRC, considera custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação. Nesta conformidade, da interpretação conjunta do n.º 1 do art.º 17.º e n. º1 e n.º 2 do art.º 23.º ambos do CIRC resulta que na determinação dos rendimentos o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas deduzidos os custos ou perdas que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Em sede de IRC, quando as faturas consubstanciam operações simuladas, não é admissível a consideração desses custos contabilizados para efeitos de apuramento do lucro tributável, nos termos do n.º 1 do art.º 23° do CIRC, devendo ser acrescidos aos rendimentos.
Quando a Administração Tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo-lhe, fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.
Vem a jurisprudência entendendo de modo uniforme que, quando estão em questão correções de liquidações de IRC, por desconsideração dos custos documentados por faturas, as quais foram consideradas falsas pela administração tributária, as regras de repartição do ónus da prova a ter em conta são as seguintes: Em primeira linha compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, terá que demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na fatura foi simulada.
Em segunda linha, e após feita essa prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de deduzir os custos declarados na determinação da respetiva matéria tributável nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade.
Neste sentido, vide jurisprudência acórdãos do STA n.º 01483/02 de 20.11.2002,
1026/02 de 07.05.2003, 0241/03 de 30.04.2003, 01424/05.2BEVIS de 27.02.2019 e 0511/15 dec19.10.2016 bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte n.º 01834/04 Viseu, de 24.01.2008, 04871/04 – Viseu de 28.01.2010, 1026/02 de 24.01.2008, 2887/04 Viseu de 24.01.2008 in www.dgsi.pt.
No caso sub judice, somente, importa verificar se o Recorrida logrou provar os factos que alegou como fundamento do seu direito de deduzir os gastos declarados na determinação da respetiva matéria tributável, nos termos que decorrem do artigo 23.º do CIRC.
Como supra se concluiu, a Recorrente não logrou impugnar a matéria de facto com sucesso, pelo que perante a prova levada ao probatório importa verificar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito.
Decorre do Relatório de inspeção mais precisamente do anexo I e II, que a Impugnante/Recorrida contabilizou, no ano de 2001, na sua contabilidade 19 faturas, no valor de 219 407,22 € emitidas pela sociedade P. Lda., e 19 faturas no valor de 72 709,48 € por M..
A sentença deu com assente nos factos provados nas alíneas 18) a 44) tendo concluído que, pese embora a prova recolhida pela AF, nomeadamente as empresas objetivamente não terem condições materiais e humanas para realizar os serviços que constam das faturas, considerou que ficou provado, que, foram funcionários dessas empresas ou por si subcontratados que andaram nas obras refletidas nas faturas, que havia necessidade de mão de obra para a realização dessas obras e que foi as essas empresas que a Impugnante/Recorrida pagou.
Daqui decorre no essencial que a empresa P., Lda., recorria a subcontratação, o que justificava a rotação de pessoal que utilizava, em várias obras, o que impedia o conhecimento direto da identidade de cada um dos seus trabalhadores.
No entanto, os serviços foram efetuados e as faturas emitidas durante o período em que a aludida sociedade esteve em atividade.
Do cruzamento do Anexo O da sociedade P., Ld.ª, com o Anexo P da Impugnante, resulta a identidade dos valores inscritos por uma e por outra e assim declarados à Administração Tributária.
No carimbo de classificação e conferência de documentos aposto em todas as faturas encontra-se inscrito a obra a que cada uma delas se refere.
As referidas faturas são rececionadas conjuntamente com uma “Folha de Ponto” elaborada pelo encarregado ou diretor da obra, na qual esta é identificada e registados para conferência e posterior pagamento de fatura o número de trabalhadores por categoria e as horas trabalhadas.
E que no ano de 2002 era prática corrente no mercado nos contratos de empreitada serem celebrados verbalmente, sendo a relação estabelecida à hora de trabalho e por categoria profissional e suportada documentalmente na fatura que era emitida e controlada nos termos acima descritos.
Os pagamentos foram efetuados por cheque à ordem da subcontratada, tendo sido levantados ao balcão.
E que a Recorrida socorria-se da subcontratação em especial em obras de grandes dimensões, com prazos de execução reduzidos e quando tinham de ser executadas no período do verão, quando tinha parte do seu pessoal de férias.
Relativamente à M., mais se concluiu que aquela sociedade tinha a situação fiscal regularizada em termos declarativos, que livro das faturas impressas pela tipografia “A Gráfica da (…), Lda.”, desaparecidas, não respeitam às emitidas à ora Recorrida.
As faturas tinham aposto o visto do Diretor da obra, representante da Impugnante/Recorrida, do Fiscal da obra, do representante do Dono da obra, e do senhor S…., representante da subcontratada.
Os pagamentos foram efetuados por cheque, que foram endossados ao pai e colaborador da subcontratada. Os cheques foram pagos e o seu montante corresponde à soma das faturas lançadas em extrato de conta corrente.
Face ao exposto, considerando que os factos provados e não impugnados, teremos de concluir que existe fundamento legal para considerar dedutível como custo do exercício no ano de 2002, o valor das faturas desconsideradas pela AT, por ter sido feita prova bastante de que correspondem a operações económicas reais por força do n. º1 do art.º. 23.º do CIRC.» (fim de transcrição/sublinhados e negrito nossos)
Acolhendo o discurso fundamentador do Acórdão que vimos de transcrever, o qual, em face da factualidade nele adquirida e da argumentação jurídica produzida, detém, como se referiu, perfeita adequação no caso dos autos, com pequenas nuances ao nível do discurso inerentes ao tipo de tributo (IRC e IVA), nenhumas outras considerações se afigura necessário acrescentar, restando, pois, concluir, face a tudo o que foi dito na análise relativa a cada uma das questões que nos foi dirigida, que a sentença não enferma da nulidade por obscuridade que lhe foi assacada, na cristalização da matéria de facto decorrente da apreciação do erro no julgamento de facto e do erro de julgamento de direito que fez, pelo que, em consequência, é a mesma de manter na ordem jurídica.
O recurso não merece, assim, provimento, o que se decidirá seguidamente.
2.3. Conclusões
I. A ambiguidade ou obscuridade que possam ocorrer na sentença só integrarão a nulidade decisória prevista, na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, se algum desses vícios tornarem a decisão incompreensível, por inacessível intelectualmente, impedindo a compreensão da decisão judicial por fundadas dúvidas ou incertezas. Situação em que os destinatários da sentença ficarão sem saber ao certo o que efetivamente foi decidido ou se quis decidir e com que fundamentos.
II. A Administração Fiscal tem o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar operações consubstanciadas em determinada facturas, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade que verte a escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 20 de dezembro de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis